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O ADAMASTOR

Rui Sérgio Página 1


Partiram numa tarde de inverno

Os mais afamados navegadores portugueses


Rumo ao promontório, aquele inferno
Já tentado tantas outras vezes.

E Agora já no Cabo eles se acham,

E no sangue a ansiedade se sente,


Pois rápido, os mares se exaltam
Nas entradas para o Oriente.

Por entre as ondas rompe como Tifão,


No mais sul da Terra Africana,

Rugindo com a fúria de um furacão,


Revela a sua mente Insana.

Dos seus cabelos escorriam as algas e águas de todo o lado,


Que os seus olhos cegos já não podiam ver
Mas se apoiou nas rochas do Cabo

E para o Vasco ele começou a dizer:

“1000 anos que aqui me quedo,


1000 anos me quedo de dor,
Durmo no mais áspero rochedo
E durmo chorando de amor.

E por mais cego que eu seja e me faça,


Eu ainda pretendo olhar,
És tu, meu amor, Thalassa?
Voltaste para me amar?”

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Com cuidado, determinados em continuar para levante

Os nautas tinham que chegar a acordo


E responder ao gigante,
Usando a voz da única dama a bordo.

“Sim, sou teu amor Thalassa,


Para as Índias te quero levar

Acabarei a tua perpétua desgraça


Se destas águas me deixares passar!”

“Ao Índico, eu, sim te deixo aceder.


Seguindo a mais simples condição
Se tu meu amor dizes ser

Então estende teu braço e dá-me a mão!”

E com um puro gesto de estima


Às velas se estende para a mão lhe dar
Rasgando o seu braço nas cordas finas
Acabando por tombá-las no mar.

Percebendo que de engano se trata,


O Monstro se enfurece e grita,
A esmurraçar as rochas ele desata
Enquanto as águas do mar agita.

“Só mais uma nau que aqui passa,


Só mais uma que ficara perdida
Da mentira eu farei desgraça
Como ousas gozar com a minha ferida.

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Uma dor se trespassa

No meio de meu coração gigante,


Se não transportas Thalassa,
Então quem sois vós e quem é vosso mandante?”

Temia que os empurrasse de encontro ao rochedo


Temendo que mais naus se afundassem ali, outra vez

Vasco da Gama falou-lhe sem medo


Não se esquecendo que era português;

“Não sou teu amor, mostrengo insano,


Nem curo essa tua dor cruel
Sou um nobre lusitano

Marinheiro d’El rei D. Manuel”.

A infame criatura
Enorme, bizarra e sabida
Fala da lusa bravura
E da história deles conhecida

“Audaz, o povo que tu figuras


História repleta de guerras atrozes,
Conquistas, Descobertas, Culturas,
Escudos, Lanças, espadas ferozes,

Desde Henrique, o Conquistador


Que da África se defensava
Ao Dinis, o Lavrador
Que a mais santa ele amava.

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Sei do Bravo e do Justiceiro,

Sei da Inês que o justo prezava,


Que morta se fez rainha,
Enquanto viva era uma escrava.

Conheço a guerra com os castelhanos,


Ouvi o estrondo das armas a ferir,

Ao longo de todos estes anos


Aljubarrota foi a que mais se fez sentir.

Também venceste por graça

Do mais santo Condestável,

Que defendendo a sua raça,

Mostrou um país impenetrável.

Sei de um Monarca africano

Que conquista com brio e mérito

No mais norte muçulmano

Revelando o seu exército.

E esse Manuel que te enviou

Também ele é grandioso?”

Vasco da Gama replicou:

“El Rei D. Manuel é de todos o mais venturoso.

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E vós, guardião do mar,

Que do Índico és porteiro,

Conheci-te por deixares passar

Bartolomeu, o marinheiro.

Porque Thalassa me chamaste,

Por que de amores te lamentas,

Por que neste mar te quedaste

Neste Cabo das Tormentas?”

O monstro sentou-se no rochedo

E cegas lágrimas derramou,

Contou-lhes a história, o segredo

Por quem se apaixonou.

“Ao mais alto rochedo eu subia,

E por cima de África mirava,

Ela do Mediterrâneo correspondia

Revelando que também me amava.

Mas das trocas de olhares amorosos

Ciumento Zeus não consentia,

Afrouxou raios poderosos

E a cegueira me embutia.

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Pois cego não a posso olhar,

Por uma deusa amar, é o meu castigo

Só me resta atormentar

E tornar este lugar um perigo.”

O Português continuando o inacabado

A dor da besta ia lamentando,

Mas mesmo antes de dobrar o cabo,

Falou à fera solicitando:

“Muita a gente que aqui vai passar,

Muitos escutarão a tua tristeza

E peço-te que a todos possas falar,

Da valentia, audácia e coragem portuguesa”.

E, continuando a viagem,

Confiante, ao Oriente rumou,

Dobrando a água mais selvagem

Nos mares da Índia ancorou.

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