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Pirogas encontradas em Lanheses

Joaquim José Félix Ramos

No curto espaço de algumas semanas, técnicos do CNANS (Centro Nacional de


Arqueologia Náutica e Subaquática), retiraram do leito do rio Lima em Lanheses duas
pirogas, embarcações muito simples, com estrutura monolítica, construídas a partir de
simples troncos escavados. Informações prestadas pelo Dr.º Francisco Alves, director
do CNANS, esclareceram que a primeira piroga encontrada, já estava referenciada por
este organismo oficial desde o ano passado, tendo a intervenção sido efectuada logo que
foram reunidas as condições necessárias, nomeadamente a construção de um leito de
inox, que permitisse retirar a embarcação do lodo do rio com o mínimo de impacto.
Desta primeira piroga já se conhece o resultado da sua datação preliminar,
efectuada pelo método de Carbono 14, que a situa entre os séculos III e II antes de
Cristo, na transição do final da idade do ferro para o período proto-romano. Cerca de
vinte e dois séculos! As três outras pirogas provenientes do rio Lima encontradas nos
últimos anos (em Geraz do Lima e em Mazarefes), são datadas do período medieval,
entre os séculos VIII e XI.
Na sequência desta primeira intervenção arqueológica e porque foram
detectados nas proximidades da piroga encontrada fragmentos indefinidos, decidiu o
CNANS proceder a uma sondagem periférica, que decorreu na penúltima semana de
Maio, durante a qual foi encontrada uma segunda piroga, que foi igualmente removida
do leito do rio. Este segundo barco encontra-se em melhor estado de conservação,
podendo ser eventualmente um pouco mais recente, medindo cerca de cinco metros de
comprimento, por um de largura.
Embarcações deste tipo foram descritas pelo historiador romano Estrabão como
existentes em todo o noroeste peninsular. A população indígena construiria numa fase
anterior as embarcações em couro, passando depois a usar barcos cavados em troncos de
árvores. Conforme refere o Professor Carlos Brochado de Almeida seriam embarcações
deste tipo que seriam utilizadas na travessia do rio Lima antes da chegada dos Romanos.
Ambas as pirogas encontram-se agora nas instalações do CNANS, um
organismo do Instituto Português de Arqueologia criado em 1997, vocacionado para a
gestão do património arqueológico subaquático, com forte especialização no domínio de
barcos e navios. Da extensa relação de intervenções efectuadas destaca-se a escavação

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arqueológica dos destroços da nau da Índia Nossa Senhora dos Mártires, naufragada em
1606, na barra do Tejo. O riquíssimo acervo recuperado constituiu a base do núcleo
expositivo do Pavilhão de Portugal na EXPO 98. O laboratório de conservação do
CNANS é o único especializado em Portugal no tratamento de achados arqueológicos
provenientes de meio aquático e húmido, em especial na conservação de madeiras
(dispõe de uma unidade de impregnação a quente de madeiras antigas com
polietilenoglicol em solução aquosa). Apenas após esta delicada fase de estudo, datação
e consolidação estrutural, podem estas pirogas ficar devidamente expostas aos olhares
atentos daqueles que se interessam pelo nosso passado. Será este o momento para se
pugnar pela criação de um Núcleo Museológico de Lanheses do Museu Municipal de
Viana do Castelo, de temática exclusivamente fluvial (?), à imagem dos Núcleos
Museológicos do Pão e Azenha em Outeiro ou Arqueológico em Stª Maria de Geraz do
Lima.

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