Você está na página 1de 2

CONCLUSÃO CRÍTICA À OBRA DE BECCARIA

Não deixa de ser inegável que se está diante de uma obra que é uma
denúncia, em favor da humanidade e da razão, contra a tradição jurídica e a
legislação penal de seu tempo. Com esta certeza, porém, deve ser feita uma
análise de acordo com o contexto cultural que prevalecia em todos os campos
do saber. Eis uma associação do contratualismo com o utilitarismo. Beccaria se
mostra um contratualista que em estilo barroco, prolixo, sem precisão e
limpidez, adota Hobbes, mas quanto à essência humana é partidário de Locke.
É verdade que muitas das reformas sugeridas por Beccaria foram propostas
por outros pensadores. Não foi, o marquês, um grande filósofo e nem um
grande jurista. O seu mérito deve-se ao fato de disponibilizar ao grande público
uma bem delineada teoria, que, sem demasia, teve vital importância para as
reformas penais que se seguiram nos últimos séculos.

"Desta forma, os homens se reúnem e livremente criam uma sociedade civil, e


a função das penas impostas pela lei é precisamente assegurar a
sobrevivência dessa sociedade".Nos dois primeiros capítulos da obra de
Beccaria se tem claramente a menção ao contrato social. Deparamo-nos com a
dimensão reconstrutora de Beccaria para o sistema penal: fazendo uso do
contrato social, divisão de poderes, humanidade das penas e máxima liberdade
com o mínimo de sacrifício ( a semente do princípio da intervenção mínima do
Direito Penal atual). A sociedade vem de um período regido pelo absolutismo e
a teoria do contrato social ofereceu uma ideologia adequada para a proteção
da burguesia nascente,já que, acima de todas as coisas, insistia em
recompensar a atividade proveitosa e castigar a prejudicial. De acordo com
Taylor, Walton e Young , La nueva criminología, são três os pressupostos
fundamentais da Teoria Clássica do Contrato Social: I- Postula um consenso
entre homens racionais acerca da moralidade e a imutabilidade da atual
distribuição de bens; II- Todo comportamento ilegal produzido em uma
sociedade – produto de um contrato social – é essencialmente patológico e
irracional: comportamento típico de pessoas que, por seus defeitos pessoais,
não podem celebrar contratos. III- Os teóricos do contrato social tinham um
conhecimento especial dos critérios para determinar a racionalidade ou
irracionalidade de um ato. Tais critérios iriam definir-se através de um conceito
de utilidade.

Como pressuposto da Teoria contratualista manifesta-se a igualdade absoluta


entre os homens. Sob essa perspectiva, assevera Cezar Roberto Bittencourtt,
in Tratado de Direito Penal vol. I, "nunca se questionava a imposição da pena,
os alcances do livre-arbítrio, o problema das relações de dominação que podia
refletir uma determinada estrutura jurídica".

Cesare Beccaria tem uma preocupação com a utilidade da pena. Destoante


das teorias absolutistas da função do Direito Penal, donde advém somente um
caráter retributivo da pena, procurava ele um exemplo para o futuro: a utilidade
da pena é a prevenção de "novos" delitos. A Prevenção geral não precisaria
ser obtida mediante o terror, como era feito, mas com a "eficácia e a certeza da
punição".
Era defensor também da proporcionalidade da pena (que será a base do
princípio da proporcionalidade de Claus Roxin – deve haver proporcionalidade
entre o delito cometido e a sanção imposta) e sua humanização. O legado
deste último é refletido nas palavras conclusivas de seu livro: "De tudo o que
acaba de ser exposto pode deduzir-se um teorema geral utilíssimo, mas pouco
conforme ao uso, que é o legislador ordinário das nações. É que, para não ser
um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública,
pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstancias dadas,
proporcionada ao delito e determinada pela lei". Não obstante, não renuncia à
idéia de que a prisão tem um sentido punitivo e sancionador, mas insinua um
fim reformador da pena privativa de liberdade. A teoria de Beccaria foi pedra
fundamental para os contemporâneos princípios reabilitadores da pena ou
ressocializadores.

Mais uma crítica a ser feita ao marquês é quanto sua referência ao Poder
Judiciário (compreensível pela necessidade da época: menos ingerência do
Estado na vida dos cidadãos – Estado Liberal). Ele reproduz as palavras de
Montesquieu: "boca que pronuncia as palavras da lei". Se tal assertiva for
seguida reduzirá o poder judiciário a um mero órgão aplicador da norma penal.
Esquecendo-se que o Direito subsiste na Hermenêutica.

Encerramos com as palavras do emérito jurista Evandro Lins e Silva, De


Beccaria a Filippo Gramatica, in: Sistema Penal para o Terceiro Milênio, João

Marcelo de Araújo (org.) a respeito do opúsculo: "Dos mais antigos aos mais
modernos, ninguém mais pôde ignorá-lo porque ele é o marco criador, é o
ponto de partida da ciência do direito e do processo penal. Hoje, mais de
duzentos anos depois de seu livro, eis-nos a estudá-lo, a divulgá-lo, a debatê-lo
e a encontrar nele inspiração para abordar temas que estão na ordem do dia
da ciência penal contemporânea".

Você também pode gostar