Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Processo nº 2007.85.00.001771-0
Classe 1 – Ação Civil Pública
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Réus: AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES –
ANATEL e OUTROS
S E N T E N Ç A
1. RELATÓRIO
efetuadas pelos clientes, como extratos telefônicos, e muito menos que signifiquem o acesso ao
conteúdo de conversas” (fl. 03).
Sustenta que “a negativa das operadoras, com o alegado aval de ANATEL, tem
por efeito burocratizar excessivamente os procedimentos de interceptação telefônica” (fl. 05) e que
tal medida não está abrangida pela reserva de jurisdição. Cita algumas situações em
que a requisição direta dos dados pela Polícia ou Ministério Público pode agilizar os
requerimentos de interceptação telefônica ou sua ampliação, tais como o
cometimento de crimes graves (seqüestro) praticados contra os cidadãos.
Juntou procedimento administrativo oriundo do MPF (fls. 10/47)
Citadas a TELEMAR (fl. 56), a VIVO (fl. 62), a TIM (fl. 68), a
EMBRATEL (fl. 77), a INTELIG (fl. 152), a CLARO (fl. 161), as mesmas
apresentaram, respectivamente, contestações seguidas de documentos 1 nas fls.
208/356, 484/531, 399/431, 433/488, 84/143 e fls. 164/206.
A TELEMAR alegou, preliminarmente: 1) inadequação da via eleita, sob
o argumento de que a ação civil pública fora ajuizada para tutelar prerrogativa
institucional de órgão público, e não para defender o interesse difuso ou coletivo;
2) a incompetência absoluta do juízo cível, porquanto não poderia discutir e decidir
em abstrato uma questão que somente poderia ser examinada pelo juízo criminal à
luz do caso concreto; 3) a impossibilidade jurídica do pedido sob duplo
fundamento: 3.1) este juízo não poderia impor conduta não autorizada em abstrato
pelo ordenamento e afrontosa aos direitos fundamentais da intimidade e
privacidade, já que não há qualquer disposição legal ou regulamentar que assegure
“ao Ministério Público ou a Polícia Judiciária o livre acesso a dados cadastrais de seus clientes,
quanto menos se tratando de pedido genérico, amplo, irrestrito, imotivado e descontextualizado”
(fl. 218); 3.2) o Poder Judiciário não poderia atuar como legislador positivo; 4)
ausência de interesse de agir, uma vez que “[se] não há dano, não há necessidade da tutela
jurisdicional, trata-se, simplesmente, de ser ‘extremamente conveniente’ o provimento pleiteado” (fl.
220), bem assim os dados já poderiam ser obtido por outros meios de acordo com
o devido processo legal. No mérito, defendeu o seguinte: 1) o Parquet “pretende
institucionalizar, por meio desta ação, um quadro de exceção” (fl. 222); 2) não há qualquer
disposição legal ou regulamentar que permita que as rés violem o sigilo dos dados cadastrais de seus
clientes imotivadamente” (fl. 223); 3) “a garantia de sigilo de dados, a que se refere o art. 5º,
XII, da Constituição Federal alcança, de igual modo, os cadastros dos usuários, isto é, nome,
endereço, filiação, número de inscrição no CPF/MF, número de RG, renda mensal etc.”(fl. 225);
4) o art. 1º da Lei 10.703/2003 assegura a necessidade de reserva de jurisdição na
hipótese de quebra dos sigilos cadastrais; 5) o acesso aos dados cadastrais exige
uma decisão judicial proferida em um processo específico em que se analise “uma
1
Procuração, estatuto ou contrato social, designação de representante, cópias de julgados e reportagens sobre
a matéria
-2-
Processo nº 2007.85.00.001771-0
hipótese concreta, com contornos bem delineados, com pessoas identificadas” (fl. 226). E,
arremata: “O que se quer é o conforto de transferir o ônus para as rés, obrigando-as contra legem,
a criar e disponibilizar um grande acervo de cadastros, através de um sistema on line ou através de
uma espécie de lista telefônica especialmente moldada aos fins do parquet, para que o autor e as
demais autoridades policiais tenham ao alcance da mão, sob seu controle, informações privadas de
todo e qualquer cidadão, indiscriminadamente, que seja usuário do serviço de telefonia fixa ou
móvel” (fl. 227).
A Vivo aduziu, preliminarmente: 1) a ausência de interesse processual
sob o fundamento de que o fornecimento do número de telefone não teria
nenhuma utilidade legítima, pois a interceptação telefônica sempre dependeria de
prévia autorização judicial, caso a caso; 2) inépcia da petição inicial referente ao
pedido por ser genérico e impreciso. No mérito, sustenta que: 1) o sigilo de dados
dos usuários é garantido constitucionalmente pelo direito à intimidade e que sua
quebra apenas pode ocorrer caso a caso mediante prévia e específica autorização
judiciária que avaliará as circunstâncias do caso concreto mediante a ponderação de
interesses; 2) violação ao princípio da proporcionalidade, na sua tríplice vertente
(adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito); 3) o autor
pretende através da ação civil pública substituir o administrador na formulação de
um novo modelo de fornecimento de dado, usurpando a sua função.
A TIM não se opôs ao mérito. Alegou, tão-somente, a ausência de
interesse processual, uma vez que já vem atendendo, independentemente de ordem
judicial, as solicitações feitas pelos órgãos policiais e pelo Ministério Público para o
fornecimento de dados cadastrais de seus usuários desde que atendidas algumas
condições.
A Embratel aduziu que: 1) salvo autorização expressa do cliente, os seus
dados pessoais somente podem ser divulgados a terceiros (Ministério Publico e
Polícia Judiciária) mediante autorização judicial à vista de um caso concreto; 2) a
procedência do pedido importaria em delegação de competência do Poder
Judiciário – de autorizar a quebra do sigilo de dados cadastrais – ao Ministério
Público e à Polícia Judiciária; 3) violação ao art. 5º, X e XII, da CF/88.
A Intelig argumenta, preliminarmente, a ilegitimidade ad causam do
Ministério Público, pois não defende através desta demanda interesse difuso ou
coletivo e sim os interesses próprios das instituições responsáveis pela persecução
penal. No mérito, esclarece que as operadoras de telefonia se dividem em local e a
longa distância, sendo que o cadastro de usuários é exclusivo da primeira ao passo
que a segunda se limita “a completar as chamadas telefônicas de longa distância nacional e
internacional, sempre que utilizado seu código correspondente (no caso da parte ré- ‘23’) pelo
usuário da linha telefônica fixa de responsabilidade das Operadoras de telefonia locais” (fl. 90).
Argumenta, ainda, que se encontra obrigada por força de legislação, termo de
-3-
Processo nº 2007.85.00.001771-0
-4-
Processo nº 2007.85.00.001771-0
2. FUNDAMENTAÇÃO
2
STJ, AgRg no Ag 512437/RJ, 1ª Turma, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, julgado em 16.10.2003, DJ 15.12.2003
p. 210
-5-
Processo nº 2007.85.00.001771-0
2.1. Preliminares
2.1.1 Competência da Justiça Federal
A Anatel alega a incompetência da Justiça Federal ante a sua
ilegitimidade para figurar na lide.
A competência cível da Justiça Federal possui assento constitucional,
distribuindo-se entre diversas hipóteses de incidência previstas nos incisos I, II, III,
VIII, X e XI do art. 109 da CF/88, cuja norma matriz é, sem dúvida, o art. 109, I
da Magna Carta. Por possuírem suportes fáticos distintos, as previsões contidas nos
referidos incisos são autônomas, não lhes sendo lícitas interpretá-las à luz do art.
109, I da CF/88.
Estatui o art. 109, I, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal
forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,
exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral
e à Justiça do Trabalho;
3
STJ, EDcl no REsp 15450/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, 2ª Turma, julgado em 01.04.1996, DJ
06.05.1996 p. 14399. No mesmo sentido: REsp 172329/SP, 1ª Seção, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA
MARTINS; REsp 611518/MA, 2ª Turma, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, REsp 905959/RJ, 3ª Turma, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI; REsp 807690/SP, 2ª Turma, Rel. Ministro CASTRO MEIRA.
4
STJ, EDcl no REsp 675.570/SC, 2ª Turma, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, julgado em 15.09.2005, DJ
28.03.2006 p. 206
-6-
Processo nº 2007.85.00.001771-0
5
STJ, REsp 838.278/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 12.09.2006, DJ
28.09.2006 p. 225
-7-
Processo nº 2007.85.00.001771-0
-8-
Processo nº 2007.85.00.001771-0
6
Fl. 492
-9-
Processo nº 2007.85.00.001771-0
- 10 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
da via eleita, pois a ação civil pública foi ajuizada para tutelar prerrogativa
institucional de órgão público.
O interesse de agir não se confunde com o interesse primário ou
substancial de usufruir o bem da vida, sendo representado pela necessidade e
utilidade do provimento jurisdicional e a adequação do meio utilizado para a
obtenção da tutela. Divide-se, por conseguinte, em interesse-adequação, interesse-
necessidade e interesse-utilidade.
Inicialmente, afasto a idéia de incompetência absoluta do juiz cível. A
incompetência absoluta leva ao declínio do Juízo incompetente com a anulação dos
atos decisórios e não à extinção do processo. Não se cuida de um julgamento de
uma causa penal, logo falece competência ao Juiz criminal para decidir a questão.
Ainda que possa vir a produzir efeitos na seara do processo penal, discute-se,
dentre outras questões, o alcance de uma prerrogativa dos agentes envolvidos com
a persecução penal.
Grassa na jurisprudência uma divergência quanto ao tema de fundo. As
operadoras resistem em prestar as informações requisitadas sem autorização
judicial, o que demanda o ajuizamento da ação civil pública.
A possibilidade de o juiz criminal autorizar o fornecimento de dados
cadastrais no curso de uma investigação não afeta a viabilidade da ação civil
pública. Ora, a jurisprudência admite a possibilidade de mandado de segurança para
tutelar questão penal – principalmente, nos casos de inexistência de recurso cabível
– e de habeas corpus para questionar matéria cível (prisão civil). Em verdade, ainda
que sejam exercidos no curso de um procedimento criminal, a matéria volta para a
análise de uma prerrogativa – poder de requisição em face de operadoras de
telefonias – que também pode se relacionar com direito administrativo. Destarte, a
ação civil pública constitui um remédio cabível, uma vez que se discute o alcance de
uma prerrogativa, bem assim o Parquet requer ao Estado-Juiz a prestação de uma
tutela inibitória para eliminar uma situação de dúvida objetiva.
Se por um lado é certo que o fornecimento dos dados não autoriza a
interceptação telefônica, é evidente a sua utilidade, pois se trata de instrumento que
visa tornar mais ágil a persecução penal, eliminando supostos entraves burocráticos.
As diversas situações enumeradas pelo autor em sua petição apontam a utilidade da
medida. A par disso, observa-se que as requisições poderão ser utilizadas para
localizar uma pessoa a fim de que o inquérito ou procedimento investigatório não
fique paralisado em razão de um ato que dependeria da sua participação.
Quando à preliminar formulada pela TIM de que já atende as requisições
ministeriais e policiais, entendo que a contestação do pedido, ainda que não
- 11 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
8
Curso de Direito Administrativo ref. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 39, 19.12.2002, São Paulo:
Malheiros, 2003. pág. 62.
- 12 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
2.1.6. Litispendência
Embora não alegado por nenhuma das partes, vale frisar que inexiste
litispendência entre as ações propostas na Seção Judiciária da Bahia (autos nº
2007.33.00.008418-4 9) e Rio Grande do Sul (autos nº 2006.71.00.033295-7 10) e a
presente demanda.
Consoante informação prestada pela 16ª Vara da seção baiana e consulta
ao portal do TRF da 4ª Região, em anexo, as ações que tramitam naquelas seções
judiciárias limitam os seus efeitos ao âmbito dos respectivos estados-membros,
enquanto esta não contém qualquer limitação.
Pela mesma razão, mostra-se desnecessária a reunião dos feitos. Em
adição, a prolação de sentença em um dos feitos afasta a possibilidade de conexão,
a teor da Súmula 235, do STJ.
Rejeitadas as preliminares, examino o mérito.
2.2. Mérito
2.2.1 Considerações Introdutórias
O mérito da causa encerra uma colisão em sentido amplo entre um
direito fundamental e um bem coletivo, ambos inseridos na ordem constitucional
como princípios. O tema, naturalmente, desperta paixões, medos, entre outros. Uns
defenderão o pleito, outros o repudiarão, sendo impossível alcançar um consenso.
9
Fl. 211.
10
Fl. 553.
- 13 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
11
Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. págs. 174/175
- 14 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
12
Identificada a norma aplicável, procede-se ao enquadramento do fato no relato da regra jurídica,
pronunciando-se a conclusão. Um raciocínio, portanto, de natureza silogística, no qual a norma é a premissa
maior, o fato relevante é a premissa menor e a conclusão é a sentença.
13
Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em: 05 set. 2008.
- 15 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
- 16 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
(...)
A ação inibitória se volta contra a possibilidade do ilícito, ainda que se
trate de repetição ou continuação. Assim, é voltada para o futuro, e não
para o passado. De modo que nada tem a ver com o ressarcimento do dano
e, por conseqüência, com os elementos para a imputação ressarcitória – os
chamados elementos subjetivos, culpa ou dolo (11).
Além disso, essa ação não requer nem mesmo a probabilidade do dano,
contentando-se com a simples probabilidade de ilícito (ato contrário ao
direito). Isso por uma razão simples: imaginar que a ação inibitória se destina a
inibir o dano implica na suposição de que nada existe antes dele que possa ser
qualificado de ilícito civil. Acontece que o dano é uma conseqüência eventual
do ato contrário ao direito (12), os quais, assim, podem e devem ser destacados
para que os direitos sejam mais adequadamente protegidos.
Assim, por exemplo, se há um direito que exclui um fazer, ou uma
norma definindo que algo não pode ser feito, a mera probabilidade de
ato contrário ao direito – e não de dano – é suficiente para a tutela
jurisdicional inibitória. Ou seja, o titular de uma marca comercial tem o
direito de inibir alguém de usar a sua marca, pouco importando se tal uso vai
produzir dano. Do mesmo modo, se uma norma impede a venda de
determinado produto, a associação dos consumidores (por exemplo) pode
pedir a inibição da venda, sem se preocupar com dano.
(...)
A ação inibitória pode atuar de três maneiras distintas. Em primeiro lugar para
impedir a prática de ilícito, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido
produzido pelo réu. (....)
Como se vê, o problema das três formas de ação inibitória é ligado diretamente
à prova da ameaça. Enquanto que duas delas – a que visa inibir a repetição e a
que objetiva inibir a continuação –, ao se voltarem para o futuro, e assim para a
probabilidade da repetição ou da continuação, podem considerar o passado, ou
seja, o ilícito já ocorrido, a outra não pode enxergar ilícito nenhum no passado,
mas apenas atentar para eventuais fatos que constituam indícios de que o ilícito
será praticado.
No caso de ilícito já praticado, torna-se muito mais fácil demonstrar que
outro ilícito poderá ser praticado, ou mesmo que a ação ilícita poderá
prosseguir. Nesses casos, levando-se em conta a natureza da atividade
ou do ato ilícito, não é difícil concluir a respeito da probabilidade da sua
continuação ou da sua repetição. (14) 14
14
Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Prof. Luiz Guilherme Marinoni. Disponível em:
<http://www.professormarinoni.com.br/principal/pub/anexos/20080320041509TUTELA_INIBITORIA_E_TUTELA_
DE_REMOCAO_DO_ILICITO.pdf>. Acesso em: 05 set. 2008.
- 17 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
- 18 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
15
STF, MS 23452 / RJ, Pleno, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado em 16/09/1999. Grifos constam no original.
16
STF, RE 219780/PE, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 13/04/1999
- 19 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
- 20 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
- 21 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
c) Privacidade é o direito que tem uma pessoa de manter sob a sua esfera de
decisão, nos termos do direito vigente no sistema considerado, o
conhecimento de dados relativos à sua pessoa, sejam eles referentes à sua
intimidade, a seus bens, opções pessoais, profissionais, patrimoniais, ou
quaisquer fatos que respeitem à sua vida.
A privacidade opõe-se à publicidade.
Pela primeira, mantém-se no espaço de decisão livre da pessoa, nos limites
juridicamente definidos, como, quando e a quem dar ciência dos dados que se
referem à sua vida. Pela segunda, generaliza-se e expõe-se o que respeita à vida
de alguém, mas que se contingencia pelo interesse público, que determina o
uso da informação. 21
- 22 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
22
“O Direito, como se sabe, é um sistema de normas harmonicamente articuladas. Uma situação não pode ser
regida simultaneamente por duas disposições legais que se contraponham. Para solucionar essas hipóteses de
conflito de leis, o ordenamento jurídico se serve de três critérios tradicionais: o da hierarquia – pelo qual a lei
superior prevalece sobre a inferior –, o cronológico – onde a lei posterior prevalece sobre a anterior – e o da
(61)
especialização – em que a lei específica prevalece sobre a lei geral . Estes critérios, todavia, não são
adequados ou plenamente satisfatórios quando a colisão se dá entre normas constitucionais, especialmente
entre os princípios constitucionais, categoria na qual devem ser situados os conflitos entre direitos fundamentais
(62)
. Relembre-se: enquanto as regras são aplicadas na plenitude da sua força normativa – ou, então, são
violadas –, os princípios são ponderados.” (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do
novo Direito Constitucional brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208>. Acesso em: 05 set. 2008)
23
Segundo Luis Roberto Barroso, a CF/88 é considerada um modelo de Constituição tardia
24
Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. pág. 18.
- 23 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
25
Segundo esta teoria, cada direito apresentaria limites lógicos, imanentes, oriundos da própria estrutura e
natureza do direito e, portanto, da própria disposição que o prevê. Os limites já estariam contidos no próprio
direito – que não admite determinada manifestação –, portanto, não se cuida de uma restrição impostos a partir
do exterior.
- 24 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
26
Ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. págs. 113/117
27
Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. págs. 349/350.
28
“As decisões adotadas pelo Estado, como já se disse, devem ser justificadas em termos de razões públicas.
Imposições que se baseiem não em razões públicas, mas em compreensões religiosas, ideológicas ou
comovisivas particulares de um grupo social, ainda que hegemônico, jamais conquistarão a necessária
legitimidade numa sociedade pluralista, pois os segmentos cujas posições não prevaleceram sentir-se-ão não só
vencidos, mas pior, desrespeitados. (...) Portanto, é imperativo, não só sobre o prisma ético, como também sob a
perspectiva jurídico-constitucional, que os atos estatais, como as leis, medidas administrativas e decisões
judiciais, baseiem-se em, argumentos que possam ser aceitos por todos aqueles que disponham a um debate
franco e racional– mesmo pelos que não concordarem com o resultado substantivo alcançado” (SARMENTO,
Daniel. Legalização do Aborto e Constituição. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso
em 05 de set de 2008.) No mesmo sentido: O Poder Judiciário e, especialmente, as cortes constitucionais estão
obrigados a restringir a justificação de suas decisões à razão pública. Como suas decisões não se legitimam pelo
voto popular, devem se ater ao desiderato de contribuir para a consolidação das condições para a cooperação
social. Para que a jurisdição constitucional seja exercida sem comprometê-la, “os juízes não podem invocar sua
própria moralidade particular”; não podem recorrer, ao justificarem suas decisões, a “visões religiosas ou
filosóficas”. O fundamento das decisões judiciais deve se limitar ao que os magistrados “julgam fazer parte do
entendimento mais razoável da concepção pública e de seus valores políticos de justiça e razão pública”.
Tais valores são aqueles que os magistrados podem esperar que “todos os cidadãos razoáveis e racionais
endossem.”18 Por isso, se os adeptos de determinada doutrina abrangente alentam a intenção de influenciar as
decisões proferidas pelas cortes constitucionais, devem “traduzir” seus valores particulares para os termos
adequados à razão pública, i. e., para a linguagem da democracia, dos direitos humanos e das teorias científicas
incontroversas.(SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Ponderação de princípios e racionalidade das decisões
judiciais: coerência, razão pública, decomposição analítica e standards de ponderação. Virtu – Revista Virtual de
Filosofia Jurídica e Teoria Constitucional. Número 01 – Março / Abril / Maio de 2007 – Salvador – Bahia – Brasil.
Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 05 set. 2008.)
- 25 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
igualmente eficaz], e (c) o benefício logrado com a restrição a um interesse deve compensar o grau de
sacrifício imposto ao interesse antagônico” 29
Cumpre examinar se a medida almejada constitui ou não grave violação à
privacidade. Para tanto, é necessário realizar a ponderação entre o direito à
privacidade e à segurança pública.
Embora não sujeito à reserva de jurisdição, a jurisprudência majoritária
entende que, para fins de investigação ou instrução criminal, o MPF ou a
autoridade policial não tem poder sponte propria para requisitar dados
referentes ao sigilo bancário ou telefônico, devendo submeter a sua pretensão
ao Poder Judiciário. Agora, quando se trata dos dados cadastrais, grassa uma
verdadeira divergência jurisprudencial sobre o tema, conforme se verifica dos
acórdãos abaixo:
CONTRA:
29
Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. pág. 96
30
TRF 1ª Reg, HC 200801000107653/DF, 3ª Turma, Rel. Olindo Menezes, Data da decisão: 14/4/2008, DJF1:
30/5/2008, p. 221.
- 26 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
A FAVOR:
31
TRF 1ª Reg., HC 2002.01.00.028916-1/AM, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral,
DJ p.178 de 26/09/2002
32
TRF 3ª Reg., AG 2002.03.00.003153-2/SP, 6ª Turma, Rel. Des. Federal MAIRAN MAIA
- 27 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
Pois bem.
No direito constitucional, é sabido que não existem direitos ou garantias
que se revistam de caráter absoluto, podendo ser flexibilizados quando existirem
razões de relevante interesse público, desde que respeitados os limites traçados na
Constituição.
Reprise-se: a proteção dos dados não é uniformidade na ordem
constitucional diante da sua multiplicidade. Esta proteção é mais forte quanto a
questões que revelem aspectos da vida pessoal da pessoa. Ora, os dados em tela –
nome, filiação, RG, CPF e endereço – não revelam aspectos da personalidade da
pessoa e, em conseqüência, não atingem o âmago da privacidade, logo a sua
proteção não pode ser tão forte como no sigilo bancário, fiscal ou telefônico.
Protege-se o sigilo bancário, fiscal ou telefônico porque tais dados, se revelados,
podem fornecer importantes subsídios da vida pessoal – com quem falou, o que
comeu, o que comprou etc.
Com efeito, os dados a que o Ministério Público Federal se refere na
peça vestibular são aqueles utilizados, fundamentalmente, pela pessoa natural ou
jurídica para se identificar nas relações perante a sociedade e o Estado. Embora
privativos dos indivíduos, tais dados estão inseridos em diversos contratos e
registros. Se praticamente em qualquer situação a pessoa é obrigada a se identificar,
tem-se que ninguém duvidou que o poder de requisição atingisse estes dados.
Existem diversas situações em que tais dados são expostos sem que a pessoa tenha
argüido a inconstitucionalidade, podendo assim serem exemplificadas: 1) o estatuto
ou contrato social contém obrigatoriamente estes dados e é sabido que o registro
de empresa é publico, acessível para todos; 2) pode-se retirar pela Internet certidão
negativa de débito, desde que seja fornecido o número do CPF (o nome da pessoa
irá aparecer); 3) o numero de telefone residencial é inserido em listas telefônicas,
podendo o usuário pedir a sua retirada; 4) tais dados estão contidos em diversas
petições iniciais ou contestações, muitas vezes acompanhada de documento; 5)
para se fazer uma denúncia ou outro requerimento ao Poder Público, é necessário
se identificar, uma vez que a ordem jurídica repugna o anonimato; 6) em uma
representação fiscal para fins penais, os dados são transferidos aos órgãos
responsáveis pela persecução penal sem que o Judiciário tenha acolhido uma
alegação de nulidade. Por força de dever legal e contratual, as instituições públicas
ou privadas que tomam conhecimento desses dados – in casu, as operadoras de
33
TRF 4ª Reg., AG 2006.04.00.031773-3 /RS, 4ª Turma, Rel. Des. Federal EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN
JÚNIOR. No mesmo sentido: TRF 4ª Reg. , AMS 2004.71.00.022811-2, Sétima Turma, Relator Néfi Cordeiro, DJ
22/06/2005
- 28 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
telefonia – estão obrigadas a não divulgá-los sem justa causa. Como exemplos de
justa causa, apresenta Hungria, apud Guastini, os seguintes: 1. consentimento do
interessado; 2. faculdade de comunicação de crime de ação pública; 3. dever de
testemunho em juízo; 4. defesa de direito ou interesse legítimo; 5. comprovação de
crime ou sua autoria 34.
Na quadra atual, ficou praticamente impossível manter o anonimato com
o advento da internet. Basta lançar o nome da pessoa em um site de busca (Yahoo ou
Google) da Internet para verificar-se a quantidade de dados disponíveis sobre a
pessoa ou, então, publicar um foto, artigo e etc. O dado, uma vez disponibilizado
na Internet sem qualquer restrição, se perde por este oceano.
E mais, é fato notório de que as operadoras de telefonia
compartilham dados dos usuários de telefonia com seus parceiros
comerciais (terceiros) para facilitar ou assegurar o recebimento dos seus
créditos. Basta ficar com os dois exemplos mais comuns: 1) a inscrição do nome
do consumidor em um banco de dados de proteção ao crédito; 2) qualquer pessoa
pode pagar uma fatura de conta telefônica sem estar de posse do documento,
bastando fornecer algum dado identificador como nome ou CPF.
Em outra perspectiva, quem nunca atendeu em sua residência a uma
ligação de operadores de telemarketing, oferecendo os serviços de alguma companhia
empresarial, a exemplo de cartão de crédito e telefonia celular?
Portanto, o risco de divulgação dos dados existe em todo lugar ante a
profusão de cadastros mantidos por entidades privadas.
Esta multiplicidade de dados e sua proteção foi descortinada por Tércio
Sampaio Ferraz Jr., cujos ensinamentos ajudaram a delimitar o alcance do art. 5º,
X e XII, da CF/88. Confira o seguinte excerto sobre o tema.
- 29 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
dados em si, pelo sigilo, não faz sentido. Assim, a inviolabilidade de dados
referentes à vida privada só tem pertinência para aqueles associados aos
elementos identificadores usados nas relações de convivência, as quais só
dizem respeito aos que convivem. Dito de outro modo, os elementos de
identificação só são protegidos quando compõem relações de
convivência privativas: a proteção é para elas, não para eles. Em
conseqüência, simples cadastros de elementos identificadores (nome,
endereço, RG, filiação, etc.) não são protegidos. Mas cadastros que
envolvam relações de convivência privadas (por exemplo, nas relações, de
clientela, desde quando é cliente, se a relação foi interrompida, as razões pelas
quais isto ocorreu, quais os interesses peculiares do cliente, sua capacidade de
satisfazer aqueles interesses, etc.) estão sob proteção. Afinal, o risco à
integridade moral do sujeito, objeto do direito à privacidade, não está no
nome, mas na exploração do nome, não está nos elementos de
identificação que condicionam as relações privadas, mas na apropriação
dessas relações por terceiros a quem elas não dizem respeito. Pensar de
outro modo seria tornar impossível, no limite, o acesso ao registro de
comércio, ao registro de empregados, ao registro de navio, etc., em nome de
uma absurda proteção da privacidade. 35
Não obstante a realidade, isto não significa que os dados devem ficar
sem proteção em razão do risco de serem utilizados indevidamente por terceiros. O
que efetivamente se impõe é o estabelecimento de algumas condições para garantir
a integridade dos dados – não sejam divulgados aleatoriamente ao público em geral
– e a possibilidade de identificar e responsabilizar o agente público pelo seu mau
uso.
Assim, o agente público que receber as informações albergadas por esta
decisão passa a ser detentor do sigilo, devendo a sua utilização ficar restrita para
fins legítimos da investigação e/ou processo judicial em curso. Outrossim, o
servidor que se servir dos dados para fins estranhos deverá ser submetido
cumulativamente à responsabilidade civil (regressiva e improbidade administrativa),
administrativa e penal. Isto porque a revelação de segredo, do qual se tem ciência
por força de suas atribuições, constitui infração administrativa punível com pena de
demissão (dependerá da previsão no estatuto funcional do servidor), ato de
improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração
Pública e o ilícito criminal de violação de sigilo funcional (modalidade qualificada se
causar dano à Administração e a terceiro). Ademais, os eventuais abusos podem
redundar na ilicitude de determinado meio de prova a ser declarado pelo juiz da
causa.
Lei 8.112/90, Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: (...)
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
35
Sigilo de dados: o Direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. Disponível em:
<http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/49>. Acesso em: 05 set. 2008
- 30 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
Lei 8.429/92, Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que
viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente:
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições
e que deva permanecer em segredo;
- 31 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
37
Segurança pública na Constituição. Rev. Inf. Legislativa. Brasília a.28. n. 109. jan/mar.1991. págs. 142/143
- 32 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
- 33 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
civil pública, a competência sequer é territorial, e sim funcional)...” 38. A regra é de difícil
compreensão. A coisa julgada é a qualidade dos efeitos da sentença, por
conseguinte vale fora ou dentro do foro do juiz. De outro lado, é inimaginável
limitar os efeitos em caso de tutela de interesse difuso ou coletiva, no qual a nota é
de indivisibilidade da situação. Por exemplo, num caso de ação civil pública
proposta para despoluir um rio que corta mais de uma cidade, o Juiz que ordenar a
despoluição do rio não tem como limitar à sua cidade. Parece-me que o dispositivo
somente seria aplicável aos interesses individuais homogêneos.
Não obstante isso, o STF indeferiu medida cautelar em ADIN, devendo
ser aplicado por força do princípio da presunção de constitucionalidade.
SENTENÇA – EFICÁCIA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Em princípio,
não se tem relevância jurídica suficiente à concessão de liminar no que,
mediante o artigo 3º da Medida Provisória nº 1.570/97, a eficácia erga
omnes da sentença na ação civil pública fica restrita aos limites da
competência territorial do órgão prolator. 39
3. DISPOSITIVO
38
MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 458
39
STF, ADI-MC 1576 / UF, Pleno, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 16/04/1997
40
STJ, REsp 293407/SP, 4ª Turma, Rel. p/ Acórdão Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, julgado em
22.10.2002, DJ 07.04.2003 p. 290
- 34 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
- 35 -
Processo nº 2007.85.00.001771-0
reais) para Tim – Telecom Italia Mobile e Maxitel S/A, por não ter contestado o
mérito da demanda.
Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 475, I do CPC).
Publicar. Registrar. Intimar.
Aracaju, 10 de setembro de 2008.
- 36 -