Você está na página 1de 178

Ministério da Educação – MEC

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES


Diretoria de Educação a Distância – DED
Universidade Aberta do Brasil – UAB
Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP
Bacharelado em Administração Pública

MATERIAL COMPLEMENTAR
MACROECONOMIA

Luiz Fernando Mählmann Heineck

2010
© 2010. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Todos os direitos reservados.
A responsabilidade pelo conteúdo e imagens desta obra é do respectivo autor. O conteúdo desta obra foi licenciado temporária e gratuitamente
para utilização no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra
para aprendizado pessoal, sendo que a reprodução e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos.
A citação desta obra em trabalhos acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia desta obra sem autorização
expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanções previstas no Código Penal, artigo 184, Parágrafos
1º ao 3º, sem prejuízo das sanções cíveis cabíveis à espécie.
PRESIDENTE DA REPÚFLICA
Luiz Inácio Lula da Silva

MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad

PRESIDENTE DA CAPES
Jorge Almeida Guimarães

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


REITOR
Álvaro Toubes Prata
VICE-REITOR
Carlos Alberto Justo da Silva
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
DIRETOR
Ricardo José de Araújo Oliveira
VICE-DIRETOR
Alexandre Marino Costa
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO
CHEFE DO DEPARTAMENTO
Gilberto de Oliveira Moritz
SUBCHEFE DO DEPARTAMENTO
Rogério da Silva Nunes
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Carlos Eduardo Bielschowsky
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
DIRETOR DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Celso José da Costa
COORDENAÇÃO GERAL DE ARTICULAÇÃO ACADÊMICA
Nara Maria Pimentel
COORDENAÇÃO GERAL DE SUPERVISÃO E FOMENTO
Grace Tavares Vieira
COORDENAÇÃO GERAL DE INFRAESTRUTURA DE POLOS
Francisco das Chagas Miranda Silva
COORDENAÇÃO GERAL DE POLÍTICAS DE INFORMAÇÃO
Adi Balbinot Junior
COMISSÃO DE AVALIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO – PNAP
Alexandre Marino Costa
Claudinê Jordão de Carvalho
Eliane Moreira Sá de Souza
Marcos Tanure Sanabio
Maria Aparecida da Silva
Marina Isabel de Almeida
Oreste Preti
Tatiane Michelon
Teresa Cristina Janes Carneiro

METODOLOGIA PARA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Universidade Federal de Mato Grosso

COORDENAÇÃO TÉCNICA – DED


Soraya Matos de Vasconcelos
Tatiane Michelon
Tatiane Pacanaro Trinca

AUTOR DO CONTEÚDO
Luiz Fernando Mählmann Heineck

EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDÁTICOS CAD/UFSC


Coordenador do Projeto
Alexandre Marino Costa
Coordenação de Produção de Recursos Didáticos
Denise Aparecida Bunn
Supervisão de Produção de Recursos Didáticos
Érika Alessandra Salmeron Silva
Designer Instrucional
Andreza Regina Lopes da Silva
Denise Aparecida Bunn
Auxiliar Administrativo
Stephany Kaori Yoshida
Capa
Alexandre Noronha
Ilustração
Rita Castelan
Projeto Gráfico e Finalização
Annye Cristiny Tessaro
Diagramação
Rita Castelan
Revisão Textual
Barbara da Silveira Vieira

Créditos da imagem da capa: extraída do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.
PREFÁCIO

Os dois principais desafios da atualidade na área


educacional do País são a qualificação dos professores que atuam
nas escolas de educação básica e a qualificação do quadro
funcional atuante na gestão do Estado Brasileiro, nas várias
instâncias administrativas. O Ministério da Educação está
enfrentando o primeiro desafio através do Plano Nacional de
Formação de Professores, que tem como objetivo qualificar mais
de 300.000 professores em exercício nas escolas de ensino
fundamental e médio, sendo metade desse esforço realizado pelo
Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Em relação ao
segundo desafio, o MEC, por meio da UAB/CAPES, lança o
Programa Nacional de Formação em Administração Pública
(PNAP). Esse Programa engloba um curso de bacharelado e três
especializações (Gestão Pública, Gestão Pública Municipal e
Gestão em Saúde) e visa colaborar com o esforço de qualificação
dos gestores públicos brasileiros, com especial atenção no
atendimento ao interior do País, através dos Polos da UAB.
O PNAP é um Programa com características especiais. Em
primeiro lugar, tal Programa surgiu do esforço e da reflexão de uma
rede composta pela Escola Nacional de Administração Pública
(ENAP), do Ministério do Planejamento, pelo Ministério da Saúde,
pelo Conselho Federal de Administração, pela Secretaria de
Educação a Distância (SEED) e por mais de 20 instituições públicas
de ensino superior, vinculadas à UAB, que colaboraram na
elaboração do Projeto Político Pedagógico dos cursos. Em segundo
lugar, esse Projeto será aplicado por todas as instituições e pretende
manter um padrão de qualidade em todo o País, mas abrindo
margem para que cada Instituição, que ofertará os cursos, possa
incluir assuntos em atendimento às diversidades econômicas e
culturais de sua região.
Outro elemento importante é a construção coletiva do
material didático. A UAB colocará à disposição das instituições
um material didático mínimo de referência para todas as disciplinas
obrigatórias e para algumas optativas. Esse material está sendo
elaborado por profissionais experientes da área da administração
pública de mais de 30 diferentes instituições, com apoio de equipe
multidisciplinar. Por último, a produção coletiva antecipada dos
materiais didáticos libera o corpo docente das instituições para uma
dedicação maior ao processo de gestão acadêmica dos cursos;
uniformiza um elevado patamar de qualidade para o material
didático e garante o desenvolvimento ininterrupto dos cursos, sem
paralisações que sempre comprometem o entusiasmo dos alunos.
Por tudo isso, estamos seguros de que mais um importante
passo em direção à democratização do ensino superior público e
de qualidade está sendo dado, desta vez contribuindo também para
a melhoria da gestão pública brasileira, compromisso deste governo.

Celso José da Costa


Diretor de Educação a Distância
Coordenador Nacional da UAB
CAPES-MEC
SUMÁRIO

Unidade 1 – Macroeconomia

Em busca de um consenso – as várias escolas macroeconômicas....................... 13


Escola Clássica e Neoclássica....................................................................... 13
O keynesianismo e a síntese neoclássica..................................................... 14
O monetarismo.............................................................................................. 15
Os novos clássicos....................................................................................... 16
Os novos keynesianos................................................................................... 19
Pós-keynesianos................................................................................... 20
Outras escolas do pensamento macroeconômico...................................... 21
Novas perspectivas................................................................................... 23

Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

Componentes da demanda: um modelo de economia e a discussão


sobre poupança...................................................................................... 27
O modelo algébrico...................................................................................... 27
A separação entre poupança pública e poupança privada.......................... 29
As funções consumo privado, gastos de governo e investimento privado........ 32
Poupança...................................................................................................... 42
O investimento privado................................................................................ 45
Demanda agregada em função de gastos do governo......................... 53
Os modelos de oferta agregada e demanda agregada.................................. 57
O modelo básico preço x quantidade................................................... 57
Posicionando a cur va de ofer ta em algum ponto do diagrama
preço x quantidade.................................................................... 59
Posicionando a cur va de demanda em alguma região do diagrama
preço x quantidade.................................................................... 61
Colocando no mesmo diagrama preço x quantidade as curvas de
demanda e de oferta.............................................................................. 64
Explorando a curva de oferta em torno do ponto de equilíbrio.......... 66

Unidade 3 – O Modelo IS-LM

Uma primeira aproximação para a forma da curva LM – a Teoria Quantitativa da


Moeda..................................................................................................... 80
A geração da curva LM............................................................................ 83
Especulações quanto à forma da curva LM............................................... 85
Pontos situados fora da curva LM............................................................. 88
Diferentes inclinações e deslocamentos do trecho intermediário das curvas LM:
uma apresentação gráfica de diferentes curvas LM com seus trechos clássicos,
intermediários e keynesianos............................................................................ 91
O mercado de títulos e moeda para transação e para especulação diante da
alteração de sensibilidade aos juros da economia...................................... 93
Deslocamentos da curva LM............................................................... 96
A análise conjunta das curvas IS e LM.............................................................. 98
Equilíbrio na economia: uma interpretação a partir das curvas IS-LM.......... 98
O equilíbrio em uma perspectiva clássica ou keynesiana............................ 98
A modelagem dos choques econômicos através das curvas IS-LM..................... 105
Modelagem de choques a partir da curva IS............................................ 106
Modelagem de choques a partir da curva LM............................................ 108
A derivação da curva de demanda agregada a partir das curvas IS-LM....... 111
Derivação da curva IS-LM a partir das curvas AO-DA........................ 112
Derivação das curvas AO-DA a partir das curvas IS-LM.............. 114

Unidade 5 – Inflação e desemprego

Males e benefícios da inflação............................................................................. 119


Benefícios da inflação............................................................................... 127
A reformulação da curva de Phillips............................................................... 134
Tratamento de choque versus política gradualista de redução de inflação –
percorrendo o eixo vertical da curva de Phillips.............................................. 145
A influência da inflação e da taxa de desemprego anteriores........ 145
A curva de Phillips de longo prazo................................................... 149
Análise conjunta das curvas de demanda e oferta inflacionárias.................... 153
Malefícios e benefícios do desemprego.................................................. 161
A taxa natural de desemprego e seus condicionantes.................................. 165
A taxa natural de desemprego............................................................ 165
Fatores determinantes da taxa natural de desemprego..................... 167
Choques de oferta....................................................................................... 175
Outros fatores...................................................................................... 175
Macroeconomia

10 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 1 – Macroeconomia
Apresentação

UNIDADE 1
MACROECONOMIA

Módulo 2
1
11
Macroeconomia

12 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 1 – Macroeconomia

EM BUSCA DE UM CONSENSO –
AS VÁRIAS ESCOLAS MACROECONÔMICAS

Atualmente, os economistas dispõem de um amplo leque de


opções que os possibilitam interferir (ou não) na economia e tentar
predizerem os efeitos dessas previsões. Tais ações, por sua vez, são
rotuladas como pertencentes a uma das escolas de pensamento a seguir.

ESCOLA CLÁSSICA E NEOCLÁSSICA

Já não falamos mais em uma Escola Clássica herdada dos


primórdios da microeconomia. De certa maneira, dois fenômenos
explicam esse descrédito em relação à Escola Clássica:

 a compreensão de que o conhecimento da economia e


a própria condução desta tornaram-se assuntos
complexos para deixar que uma mão invisível e uma
oferta que cria a sua própria demanda garantissem a
permanência de um equilíbrio de mercado; e
 o fracasso no enfrentamento da Grande Depressão de
1929, em que a economia clássica não tinha o que
oferecer que não aprofundasse ainda mais a recessão.
Mesmo diante desse descrédito, permanece a tônica do
discurso clássico em várias escolas que examinaremos à frente,
assim como no ideário popular e na mídia conservadora (com

Módulo 2
13
Macroeconomia

inclinação política à direita). Portanto, deixar o mercado funcionar


é bandeira de luta de muitos discursos.

O KEYNESIANISMO E A SÍNTESE NEOCLÁSSICA

O keynesianismo puro exerceu um fascínio próprio no meio


acadêmico e encontrou seu momento de glória na expansão
americana na década de 1960 permitindo que essa economia
trabalhasse muito próxima ao pleno emprego, durante muitos anos.
Também foi incorporada por um discurso mais de esquerda, na
medida em que privilegiava a intervenção estatal. Deu suporte a
vários planos de ação em países ricos e em desenvolvimento, onde
se buscava melhorar estruturalmente a sociedade por meio de
grandes obras.
Essas políticas também permitiram a incorporação de grandes
massas de trabalhadores ao mercado de trabalho e,
consequentemente, o combate ao desemprego circunstancial. Como
vimos, os keynesianos dominaram o debate fazendo com que
praticamente todos os economistas se declarassem adeptos de Keynes.
Mas as interpretações e os desdobramentos de sua teoria
hermética, em princípio, fizeram com que cinicamente se dissesse
que, talvez, o próprio Keynes não fosse keynesiano, na forma como
essa escola de pensamento estava sendo proposta ao seu final.
O declínio desta estabeleceu-se com os surtos inflacionários
da década de 1970 e pela falta de uma explicação teórica para o
fenômeno da estagflação (depressão econômica com inflação), que
ocorreu nesta época em função dos choques do petróleo.
A sofisticação intelectual da visão keynesiana resultou no
que se chamou de síntese neoclássica. É que, como uma decorrência
natural da evolução acadêmica, houve uma aproximação com os
fundamentos microeconômicos da ação das pessoas e das
organizações. A síntese neoclássica, em particular, procurou estudar
a oferta agregada da economia, o que foi feito de duas maneiras.

14 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 1 – Macroeconomia

Uma pelo exame das motivações das organizações no seu


desejo de maximizar seus lucros produzindo cada vez mais até que
o custo marginal de emprego de cada um dos seus fatores de
produção fosse igual à receita marginal. Por outro lado, os
trabalhadores também iriam oferecer mais ou menos trabalho em
função da utilidade marginal deste em comparação com a utilidade
de mais lazer.
Ademais, os integrantes da síntese neoclássica expandiram
o estudo de equilíbrio parcial e geral para o conjunto de todos os
mercados, como o de moedas, títulos e de câmbio. Tinha-se, assim,
uma visão completa e sistêmica da economia, na qual todas as
peças encaixavam-se, governadas pelo encontro de curvas de oferta
e de demanda, como proposto pelos microeconomistas neoclássicos,
seguidores de Marshall. Daí o nome da síntese neoclássica, apesar
de seus fundamentos serem fortemente keynesianos. Em função
disso, apesar de sua elegância formal e aparente onisciência, a
síntese neoclássica sofreu os mesmos problemas para explicar as
crises da década de 1970.

O MONETARISMO

Keynes já havia abordado de maneira ampla as questões


econômicas, incluindo as questões monetárias, em seu livro Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Alguns economistas também
procuraram explicar os ciclos econômicos da história americana a
partir da má condução da política monetária envolvendo a
determinação taxas de juros, as implicações da inflação na renda e
no emprego e a provisão de liquidez – existência de moeda para
dar fluidez às transações econômicas.
Estes passaram, logo, a ser conhecidos como monetaristas e
tiveram como expoente máximo Milton Friedman. As divergências
em relação às políticas keynesianas centraram-se na maior
importância dada à política monetária do que à fiscal e no fato de

Módulo 2
15
Macroeconomia

que, em longo prazo, as alterações no estoque de moedas causariam


apenas alterações no nível geral de preços (inflação).
A evolução do pensamento monetarista passou a recomendar
políticas simples e estáveis para a política monetária, como o
crescimento estável e previsível da quantidade de moeda em
circulação. Afastavam-se, assim, dos keynesianos que propunham
uma ativa intervenção das autoridades governamentais por meio
de políticas discricionárias.
Essa aparente inoperância dos monetaristas caiu no gosto
de governos mais conservadores, que propunham o funcionamento
da economia pelos seus mecanismos clássicos de oferta e procura
e da mão invisível, sem a interferência da mão visível do governo.
Além disto, vários surtos inflacionários ocorridos nas décadas de
1970 e 1980 puderam ser controlados pela aplicação de políticas
monetaristas ortodoxas, como a diminuição da quantidade de
emissão de moeda.
O debate, até hoje, se prende no fundo às visões ativas e
intervencionistas do keynesianismo e ao mero papel de supervisão
da liquidez econômica propugnado pelos monetaristas. No entanto,
estes últimos perderam seu status acadêmico pelo próprio
desenvolvimento acadêmico da área.
Ao longo do tempo, foi possível mostrar que havia muito
mais por detrás de regras simples que poderia ser implantado na
economia. Desta forma, se as regras simples dos monetaristas
fossem implantadas, elas deveriam ser justificadas por estudos
relativos à complexidade da iteração dos agentes econômicos.

OS NOVOS CLÁSSICOS

Esta é a proposta dos novos clássicos. Eles criam a


abordagem das expectativas racionais, ou seja, de que as pessoas
e as organizações são capazes de compreender e reagir
antecipadamente às consequências de planos econômicos

16 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 1 – Macroeconomia

minimizando ou anulando seus impactos. Ademais, estudam com


maior realismo o comportamento da oferta, dando ênfase às
organizações que fixam seus preços em concorrência monopolista
ou por oligopólio, em oposição aos modelos mais simplificados
utilizados pelos keynesianos de concorrência perfeita e de monopólio.
Nesses últimos modelos, as variáveis relativas a preços,
quantidades e lucros são geradas pelo próprio funcionamento
matemático desses modelos. Já em concorrência monopolista e em
oligopólios, são aspectos importantes: a estratégia das organizações,
a capacidade de se reunirem ou trabalharem em mercados isolados
e o domínio da informação. Já a modelagem dos novos clássicos
aproxima-se do funcionamento da economia tal como ela é por
meio do conhecimento do comportamento de tantos indivíduos,
organizações e trabalhadores quantos forem possíveis entender
através de pesquisas de campo particulares.

Seriam esses fatores suficientes para retratar com fidelidade


o novo comportamento da economia?

O problema está na capacidade de generalização desses


comportamentos individuais, microeconômicos, para toda a
economia. Os novos clássicos produziram dois modelos de maior
relevância: o primeiro é o das Informações Incompletas, mostrando
que, no curto prazo, algumas organizações podem beneficiar-se da
fixação de preços, das quantidades e dos salários porque os demais
integrantes do mercado não têm o mesmo conhecimento de mercado.
Isso só pode perdurar por pouco tempo, na medida em que
a informação passa a ser de domínio público e pode, então, ser
adquirida. Se a informação é tão importante assim para determinar
a posição de lucro das organizações e os salários dos trabalhadores,
ela pode ser adquirida dos consultores.
Um segundo modelo, o qual também busca aproximar-se das
grandes reações oferecidas pelas organizações diante do cenário
de negócios, é a Teoria do Ciclo Econômico Real. Como o próprio

Módulo 2
17
Macroeconomia

nome indica, aqui admite-se que as organizações enfrentem ciclos


de ajuste econômico e que esses ciclos sejam disparados por eventos
reais, físicos, materiais, e não por influência das políticas
monetárias, que podem ser totalmente antecipadas através das
expectativas racionais. O Ciclo Econômico Real avalia choques e
alterações nos fatores de produção, como inovações tecnológicas,
clima e decisões de troca intertemporal de lazer por trabalho de
parte dos operários. Alguns desses elementos são facilmente
reconhecíveis na sociedade quando ocorrem, por exemplo: os
choques de oferta de matérias-primas, como o petróleo; os
distúrbios climáticos, as guerras e as mudanças tecnológicas, como
é o caso atual, no qual se vive uma revolução da informática.
Outros determinantes da oferta são objetos de maior
especulação, como a eventual decisão racional dos trabalhadores
em trabalhar mais quando os salários estão elevados, poupando
para poderem descansar nos momentos em que não vale tanto a
pena trabalhar, já que os salários estão baixos.

Mas e o governo? Qual seria a sua influência nas decisões


econômicas na atualidade?

Os novos clássicos introduzem como noção fundamental


para a condução da política econômica a credibilidade das ações
governamentais, o que gera expectativas racionais corretas na maior
parte do tempo, permitindo às organizações e aos indivíduos melhor
se adequarem às políticas governamentais.
Assim, caberia aos decisores públicos apenas a surpresa em
relação a planos econômicos, surpresas estas não antecipáveis, o que
em última análise contribuiria para a não credibilidade futura.
Em resumo, resta pouco espaço de manobra para o ajuste da economia,
preferindo-se entender que os ciclos econômicos são naturais.
Eles devem existir e fazer parte do funcionamento normal de
qualquer máquina de produção como a economia de uma

18 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 1 – Macroeconomia

sociedade: esta deveria subsistir através de seus próprios


mecanismos de ajuste interno, como tem subsistindo ao longo da
história da humanidade.

OS NOVOS KEYNESIANOS

Essa negação da capacidade de agir ativamente em busca


da estabilização da economia encontrou a reação dos novos
keynesianos. Eles aprofundam o conhecimento microeconômico dos
agentes sociais na busca da defesa de aspectos fundamentais do
keynesianismo, que são a rigidez de preços das mercadorias e dos
salários. Enquanto a síntese neoclássica fazia uma sistematização
geral dos conhecimentos existentes sobre economia, sob o
predomínio da visão hegemônica do keynesianismo, os novos
keynesianos resolveram enfrentar a crítica dos novos clássicos com
um aprofundamento da discussão sobre rigidez.
As hipóteses sobre a inflexibilidade de salários concentraram-
se em duas abordagens interessantes para o mercado de trabalho.
A primeira é a existência de duas categorias de trabalhadores: os
qualificados e os desqualificados. Os qualificados teriam seus
empregos garantidos, assim como seus salários, o que explicaria
por que as flutuações da atividade econômica encontrariam uma
reação rígida por parte do insumo trabalho. Os desqualificados
assistiriam a flutuações no seu emprego.
A segunda explicação, assemelhada a essa primeira, é a
existência de salário-eficiência, ou seja, os empresários terminam
pagando mais do que o mercado determina para os seus operários
qualificados na expectativa de não perdê-los, assim como buscam
incentivar a sua maior produtividade.
Ambos os incentivos, manutenção de trabalhadores
qualificados e salário-eficiência, é que explicariam a rigidez de
salários e também dos empregos, já que os empregados qualificados
também não seriam dispensados, diante dos ciclos econômicos.

Módulo 2
19
Macroeconomia

Quanto aos preços, os novos keynesianos buscam avaliar a


influência de duas características do mundo dos negócios. Trata-se
da rigidez dos contratos de fornecimento de mercadorias e de
trabalho, que faz com que os preços sejam rígidos em curto prazo.

v
E, também, da existência de custos administrativos, sobretudo, para
determinar alterações constantes de preços. É o que acontece com
a etiquetagem de preços em um supermercado ou com a reimpressão
Os macroeconomistas de cardápios em um restaurante (são os chamados custos de menu,
envidam grandes ou custos de listas de preços).
esforços de pesquisa de
campo para demonstrar
que essas aparentes
trivialidades
administrativas podem
PÓS-KEYNESIANOS
ter impacto na
economia.
Os modelos dos novos keynesianos deram sobrevida à
discussão perene entre clássicos, agora representados pelos novos
clássicos, e os discípulos de Keynes. No entanto, uma nova corrente
surgiu procurando analisar em maior profundidade os ensinamentos
originais da Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda.
Retoma-se, assim, a simplificação do equilíbrio da demanda
agregada e da oferta agregada, embora esta esteja avaliada em
maior extensão como uma decorrência da gestão organizaçãorial
do capital e do fluxo de caixa. Com isso, resgatam o papel da moeda
da teoria keynesiana, teoria esta que vinha sendo interpretada com
ênfase em aspectos materiais, reais, da produção. De acordo
com ela, considera-se a organização uma máquina geradora de
lucros, que obtém e retém moeda para multiplicá-la ao longo do
tempo. A inclusão do tempo (produzir leva tempo, ganhar dinheiro
leva tempo) introduz elementos que fazem parte das visões modernas
de macroeconomia, que levam em consideração:

 expectativas;
 substituições intertemporais entre trabalho e lazer,
determinantes de consumo e poupança; e
 a influência da facilidade de obtenção de crédito para
criar novos negócios.

20 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 1 – Macroeconomia

Logo, a vertente dos pós-keynesianos preocupa-se mais em


explicar por que a economia não funciona bem do que em propor
guias de ações para os agentes econômicos. Seu impacto na
academia é relativamente pequeno, porém introduz a noção de
centrar o discurso no lado da oferta e no lado institucional.
Devido à demanda agregada, elemento central do
keynesianismo, o funcionamento da sociedade dependerá dos
projetos de investimento das organizações e do ambiente
institucional para determinar as possibilidades e a ambição por
novos negócios.

OUTRAS ESCOLAS DO PENSAMENTO MACROECONÔMICO

Esta visão é compartilhada por várias outras escolas do


pensamento econômico, antigas ou recentes, que convivem com
as principais correntes do pensamento destacadas até aqui. É o
caso, por exemplo, dos estruturalistas, antiga corrente que
encontrou amplo respaldo por parte dos economistas de esquerda
dentro da América Latina.
As questões econômicas, quer em suas crises de curto
p r a z o, q u e r n o d e s e q u i l í b r i o d e m é d i o p r a z o o u n o
desenvolvimento de longo prazo, estão presas às deficiências
físicas e gerenciais da sociedade. São órgãos de planejamento e
de controle que não operam, meios de transporte e canais de
escoamento que redundam em grandes custos e mercados que
não funcionam pela sua pequenez ou pelo predomínio de alguns
agentes em detrimento de outros. Essas deficiências não ocorrem
por acaso, mas são fruto da dependência econômica em relação
a países desenvolvidos ou da própria gestão da economia local
determinada pelas classes dominantes.
Em uma visão menos politizada, os institucionalistas
chamam a atenção para a necessidade da existência de órgãos
públicos ou privados que se encarreguem de regular a economia,

Módulo 2
21
Macroeconomia

ou seja, a importância do papel das instituições para criar o


ambiente de negócios, assim como prover o seu direcionamento e
controle em termos gerais.
Para os institucionalistas, ainda que as decisões de mais alto
nível possam ser tomadas por instituições criadas e apoiadas dentro
do funcionamento democrático da sociedade, as ações são
conduzidas principalmente pelos agentes privados.
De maneira ainda mais liberal, o mundo assistiu ao longo
da década de 1980 ao chamado reagonomics, ou thatcherismo.
Essas duas intervenções na economia estavam baseadas na
economia pela ótica da oferta. Ou seja, caberia aos governos
proverem o máximo de incentivo às indústrias para que estas
produzissem mais. Esse incentivo fundamentava-se no corte de
impostos, tanto para produção como para o consumo, na esperança
de que o aumento de atividade econômica garantisse o mesmo nível
de recolhimento de tributos por parte do governo, com alíquotas
menores e uma base maior de contribuintes.
Durante certo tempo, as despesas públicas ainda seriam
mantidas em seus patamares usuais com o objetivo de criar
demanda para a iniciativa privada. Grande parte da economia do
lado da oferta foi colocada em pauta por não acadêmicos e terminou
resultando em grandes déficits públicos e modestos aumentos de
atividade econômica.
Isso fez com que a pretensa escola científica caísse em
descrédito permanecendo, no entanto, a crença acadêmica quanto
à necessidade de promover a oferta em geral através de formas de
não gravar os impostos sobre a produção, e sim sobre o consumo.
Bem como propiciar maior oferta de mão de obra qualificada pelo
incentivo ao trabalho e à educação, criar mecanismos de aumentar
a poupança nacional e seus possíveis vazamentos pela transferência
de recursos para sustentação da previdência social.

22 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 1 – Macroeconomia

NOVAS PERSPECTIVAS

Do mesmo modo que a macroeconomia buscou a integração


com a microeconomia, as teorias de crescimento de longuíssimo
prazo também interagem com as perspectivas de curto e longo prazo.
Assim é que a Teoria dos Ciclos Econômicos Reais dos novos
clássicos aponta para o papel dos choques tecnológicos nas
oscilações econômicas, choques esses que, eventualmente, são os
responsáveis pelo progresso em longo prazo.
Merece destaque também o papel das organizações no
desenvolvimento econômico pela proposição de novos produtos e
tecnologias, naquilo que se chamou de destruição criativa, ideia
esta inicialmente proposta por Schumpeter nos anos 1930 e
retomada pelos acadêmicos atuais.
Criamos, dessa maneira, o caminho para introduzir as
ferramentas de análise que são derivadas das várias escolas de
pensamento. Na próxima Unidade, veremos como a modelagem
da oferta agregada e da demanda agregada, e depois a junção em
um gráfico de equilíbrio de oferta e demanda, permitem avaliar as
variáveis de máximo interesse da economia, que são os preços e as
quantidades.
A partir desse modelo, chamado de OA-DA – Oferta Agregada
e Demanda Agregada –, poderemos realizar análises de política
econômica introduzindo antes, porém, na Unidade 3, mais uma
ferramenta de análise, que são as curvas IS-LM.
Também é importante que você compreenda que o equilíbrio
de preços e quantidades, que é possível derivar da análise conjunta
dos modelos de AO-DA e IS-LM, precisa ser explorado em todas as
escolas do pensamento. Assim, existem os modelos clássicos, os
keynesianos, a síntese neoclássica e os neoclássicos.

Módulo 2
23
UNIDADE 2
OFERTA E DEMANDA AGREGADAS
Macroeconomia

26 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

COMPONENTES DA DEMANDA:
UM MODELO DE ECONOMIA
E A DISCUSSÃO SOBRE POUPANÇA

Com o objetivo de simplificar o nosso raciocínio, em um


primeiro momento vamos considerar uma economia fechada, que
não transaciona com o exterior. Assim, não precisamos pensar em
uma categoria de bens que são levados para o exterior (exportados)
e uma categoria de bens que vêm do exterior (importados).

O MODELO ALGÉBRICO

O valor de Y pode ser assim expresso pelo somatório dos


valores despendidos com as três categorias de bens, ou seja, os
levados para consumo das famílias, os investimentos das famílias e
as organizações e os gastos do governo, como podemos ver na
fórmula a seguir.

Y=C+I+G

Esse modelo já representa uma simplificação da realidade


na medida em que o governo também tem consumo de bens e
serviços (material de expediente e energia, por exemplo) e realiza
investimentos (construção de estradas e prédios públicos, por
exemplo). Esses dois elementos foram reunidos em uma só categoria,
gastos do governo.

Módulo 2
27
Macroeconomia

Isso se deve ao fato de que estamos preparando o caminho


para explicarmos, mais adiante, a influência dos gastos do governo
na ativação da economia. Tanto os gastos de consumo quanto os
gastos de investimento do governo serão tratados de maneira única.
Por outro lado, os gastos de consumo e os gastos de investimento
das famílias serão tratados de maneira diversa. Assim, é conveniente
que esses valores estejam em categorias separadas, ou seja,
consumo das famílias e investimentos (o que inclui investimentos
das famílias e das organizações).
A discussão sobre o que está contido em I e em G é importante
para entendermos a relação entre poupança e investimento.
Voltando a utilizar conceitos intuitivos, que encontramos em nossa
formação pessoal, temos que a poupança é igual ao que temos para
gastar menos aquilo que foi consumido. Consumo representa aquilo
que desapareceu ao longo de um período de análise (tipicamente o
trimestre ou o ano na contabilidade nacional). Poupança é aquilo
que sobrou para ser levado para o período seguinte de análise.
Segundo o diagrama circular da economia, as famílias
auferem a renda da economia por emprestarem os seus recursos
para a produção. Logo, a poupança privada (ou familiar) é obtida
pela diferença entre renda e consumo familiar.
Já o governo aufere sua renda na forma de impostos, que,
deduzidos de seus gastos, redundam na poupança pública. Podemos,
desta forma, desdobrar a equação da renda da seguinte forma:

RN = Y = C + I + G

Em que:

 RN (ou Y) é a renda nacional;


 C é o consumo;
 I é o investimento; e
 G é o gasto público.

28 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

C = a + b . Yd

Em que:

 a é a parcela de consumo autônomo (não dependente


de renda);
 b é a propensão marginal a consumir em função das
variações nas rendas; e
 Yd é a renda disponível, descontados os impostos
diretos (incidentes sobre a renda e o patrimônio.
Exemplos: IR, IPTU e IPVA) e indiretos (incidentes
sobre produção e circulação. Exemplos: ICMS e IPI).

Y = Yd + T

Em que:

 T = total de tributos diretos e indiretos arrecadados


pelo governo.
Feita a explicação básica, agora, sim, podemos introduzir
as distinções entre público e privado.

A SEPARAÇÃO ENTRE POUPANÇA PÚBLICA


E POUPANÇA PRIVADA

Y = cprivado + cpúblico + investimento privado +


investimento público

Consumo privado + investimento privado = Y – T

Consumo público + investimento público = T

Investimento privado = Y – T – consumo privado =


poupança privada

Módulo 2
29
Macroeconomia

Investimento público = T – consumo público = poupança


pública

Poupança nacional = poupança privada + poupança


pública

Poupança nacional = Y – T – consumo privado + T –


consumo público

Poupança nacional = Y – consumo privado – consumo


público

Poupança nacional = investimento público + investimento


privado

Ocorre que a maioria dos autores, por simplicidade, adota


que a Poupança Nacional é aquilo que sobra depois do consumo
privado e de todo o gasto do governo, incluindo consumo público e
investimento público.

Poupança nacional = Y – T – consumo privado –


in v e s t i m e n t o p r i v a d o + T – c o n s u m o p ú b l i c o –
investimento público

Poupança nacional = poupança privada + poupança


pública – investimento público

Se a poupança pública for igual ao investimento público,


temos que a poupança nacional é igual à poupança apenas dos
agentes privados. Se o investimento público for maior do que a
poupança pública, a poupança nacional será diminuída desse déficit
das contas públicas. Ou seja, ela é igual à poupança privada menos
aquilo que o governo não conseguiu cobrir de seus investimentos
públicos a partir de sua própria poupança.
Do contrário, se o investimento público for menor do que a
poupança pública, a poupança nacional será igual à poupança
privada acrescida do saldo superavitário do governo. Esse é o
conceito de poupança nacional que será adotado daqui em diante.

30 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

Repare que as contas anteriores são extremamente simples.


O que ocorre é que foi preciso esclarecer por que a demanda por
bens por parte dos agentes privados está dividida em consumo e
em investimento, enquanto para o governo esses dois elementos
foram reunidos em uma categoria só.
Por outro lado, precisamos associar dois conceitos que são
muito parecidos, mas que têm um significado um pouco diferente.
Poupança é o que se deixou de consumir, é um sacrifício
comportamental para deixar algo para o porvir.
Investimento é um gasto em algo físico, é a compra de bens
que não irão desaparecer durante o período em análise. É claro
que os dois conceitos são muito próximos, ou seja, a poupança
está representada por parte do produto que foi produzido este ano
e não desapareceu pelo consumo: esses bens que não
desapareceram são os bens em relação aos quais foram feitos
investimentos.
A separação dos conceitos de poupança e investimento é
necessária para levarmos em consideração as posições
frequentemente deficitárias do governo. Ele pode gastar em consumo
público e investimento público mais do que arrecada por meio de
tributos. Neste caso, o governo tem uma poupança negativa, que
leva a uma poupança nacional menor. A poupança privada cobre
o déficit do governo.
Esse tratamento cuidadoso que estamos dando à fórmula de
demanda da sociedade tem mais uma razão de ser. À medida que
falamos em demanda planejada da sociedade, abordamos, na
realidade, o consumo planejado das famílias e dos governos, bem
como os investimentos planejados por eles. Não estamos falando,
portanto, em demandas realizadas, já efetuadas.
Assim, em um primeiro momento, a demanda planejada pode
ser maior do que a demanda realizada. Dito de outra maneira, na
contabilidade nacional, pelo fluxo circular da economia, a demanda
deve ser igual ao produto. Se a demanda planejada for menor do
que o produto da sociedade, irão sobrar bens ao final do período,
bens que irão para estoque e serão consumidos no próximo período.

Módulo 2
31
Macroeconomia

Contrariamente, se a demanda planejada for maior do que


a produção, será necessário consumir estoques de bens produzidos
em períodos anteriores. Desta maneira, a poupança planejada será
alterada pela variação de estoques quando for necessário
compatibilizar, a cada final de período, demanda e produção. Em
termos práticos, a variação de estoques de ano para ano em uma
sociedade é muito pequena, fazendo com que a demanda planejada
seja muito próxima da demanda realizada.
Para analisarmos graficamente esse fenômeno, precisamos
introduzir funções matemáticas que expliquem a desejabilidade de
consumo e a desejabilidade de investimentos em uma sociedade.

AS FUNÇÕES CONSUMO PRIVADO, GASTOS DE GOVERNO


E INVESTIMENTO PRIVADO

Inicialmente, tomamos como hipótese – e posteriormente foi


largamente confirmado por dados empíricos – que o consumo
privado realizado é função da renda total de uma sociedade. Desta
forma, podemos considerar bastante razoável que o consumo
privado desejado em um próximo período seja função da renda
prevista para esse mesmo intervalo de tempo. Apenas para
introduzirmos uma análise gráfica mais completa, vamos adiantar
algumas ideias sobre investimentos e gastos do governo.
Os gastos do governo planejados para um período futuro
são dificilmente modeláveis, estando fortemente alicerçados em
decisões políticas. Assim, é praxe para efeito do desenvolvimento
de raciocínio que, na falta de melhores informações, esse
investimento desejado seja tomado como um valor fixo. É uma
constante, e não uma função de outras variáveis.
Já os investimentos privados são tipicamente associados
às taxas de juros. Se forem muito elevadas, possivelmente os
investimentos serão baixos, já que não vale a pena imobilizar muito

32 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

capital – e perder os juros que poderiam estar sendo auferidos com


esse capital se aplicados no mercado de títulos – em nome de uma
rentabilidade futura.
No entanto, para simplificar, consideremos que os
investimentos também sejam fixos. Agora, podemos conduzir a
análise gráfica: colocamos na Figura 1 o gráfico do comportamento
dos três componentes da demanda desejada. Aproveitamos para
traçar uma linha a 45º que indica a igualdade de produto (eixo X)
e de demanda (eixo Y).

Demanda
agregada

Consumo desejado

Renda do produto

Figura 1: Uma situação específica de consumo desejado abaixo das


possibilidades de produção
Fonte: Elaborada pelo autor

Agora, lancemos mão de um pequeno truque; afinal, ele é


necessário para darmos realidade ao raciocínio que se segue. Em
uma sociedade qualquer, tanto o investimento privado como os
gastos de governo podem, teoricamente, ser iguais a zero. Por outro
lado, os aspectos comportamentais da demanda indicam que,
psicologicamente, os seres humanos não consomem inteiramente
aquilo que ganham, reservando alguma poupança para o futuro.
Neste caso, teríamos uma equação de demanda para os
três componentes: consumo privado, investimento privado e gastos
de governo que estaria sempre abaixo da linha de 45º. Isso indica
que a demanda desejada sempre seria menor do que a produção
e assim a sociedade estaria acumulando estoques de bens para
consumo eternamente.

Módulo 2
33
Macroeconomia

A introdução do consumo autônomo – um intercepto para


a curva de demanda

A economia trata de equilíbrios e, segundo essa visão, o


equilíbrio entre demanda e produção só seria obtido quando esta
fosse zero. Assim, é conveniente admitirmos que a função consumo
tenha um intercepto ao longo do eixo das ordenadas. Ou seja,
existiria um consumo desejado mínimo mesmo quando a produção
fosse nula e, por conseguinte, a renda distribuída também. Isso
parece razoável ao pensarmos que mesmo sem renda as pessoas
precisam sobreviver consumindo o mínimo necessário para a
condição humana. Por outro lado, poderíamos adotar essa curva
baseados na evidência empírica.
Quando são plotados estatisticamente os dados de consumo
para uma população, aparece no eixo das ordenadas o valor de
intercepto que apresentamos na Figura 2.

Z Z

Y Y

Figura 2: Curva de demanda agregada e curva das possibilidades


de produção a 45º
Fonte: Elaborada pelo autor

Estabelecida essa condição, temos um ponto de equilíbrio


que é sempre possível de ser alcançado e que representa o equilíbrio
entre a demanda desejada e a produção: esse é o ponto de
cruzamento da reta de 45º com a reta de demanda agregada,
quaisquer que sejam os valores de gastos de governo e de
investimento privado que forem somados à reta da função consumo

34 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

privado. Na Figura 3, adotamos valores diferentes de zero para o


investimento privado e o consumo privado.
Demanda agregada

Co

Componente autônomo

Renda

Figura 3: Composição da demanda agregada a partir do somatório do consu-


mo privado, do investimento privado e do gasto do governo
Fonte: Elaborada pelo autor

Essa composição nos permite buscar a condição de


equilíbrio. Se a demanda agregada desejada for menor do que a
produção, serão formados os estoques. Esses estoques farão com
que os preços sejam reduzidos, aumentando o poder de compra
das famílias e do consumo privado. Contrariamente, se a demanda
desejada for maior do que a produção, a escassez de produtos
determinará o seu encarecimento, e assim uma diminuição do
consumo, já que as pessoas se tornam relativamente mais pobres
diante de preços mais elevados.

Vamos rever a Figura 3 e observar detalhadamente os dois


elementos da curva de demanda agregada?

Perceba que ela tem uma declividade particular, inferior à


linha de 45º. Essa declividade foi determinada pela inclinação da
reta de consumo, já que o investimento privado e os gastos do
governo foram somados como parcelas constantes. Chamamos essa

Módulo 2
35
Macroeconomia

inclinação de propensão marginal a consumir, ou seja, quanto a


mais é dedicado ao consumo para cada aumento de renda de
produto. Por outro lado, existem agora três componentes de demanda
autônoma: o coeficiente linear da função consumo, Co, o
investimento privado e o gasto de governo. Esses elementos serão
importantes para a apresentação de mais uma espécie de truque
da economia: o efeito multiplicador da demanda agregada.

Efeito multiplicador

O fato de a inclinação de função demanda agregada ser


menor do que a inclinação da reta de 45º implica em uma
interessante conclusão sobre o deslocamento do ponto de equilíbrio
entre essas duas retas: o aumento de quaisquer dos componentes
autônomos, Co, investimento privado e gastos de governo faz com
que o equilíbrio volte a ocorrer muito acima desse aumento de
demanda agregada. A essa implicação damos o nome de efeito
multiplicador. A demanda desejada, desta maneira, apresenta-
se como algo maior do que o impulso inicial introduzido na economia,
eventualmente motivando os agentes econômicos a uma produção ainda
maior do que se poderia supor por esse aumento inicial de demanda.
É também verdade que o efeito multiplicador tem um efeito
perverso: qualquer redução na curva de demanda agregada indica
um ponto de equilíbrio com uma produção muito menor do que
esse impulso retirado da economia. É o que ocorre se esse impulso
não for constantemente renovado, pois ele só tem efeito para o
período em que foi introduzido. Desta forma, deixando de ser
agregado à demanda no período seguinte, ele faz com que o ponto
de equilíbrio sinalizado volte à estaca zero, ou seja, ao mesmo ponto
de equilíbrio original.
O mecanismo do princípio multiplicador está ligado ao
encadeamento das relações de consumo e poupança na sociedade.
Uma injeção inicial de recursos em consumo ou em investimento
faz com que os fornecedores desses bens, agora de posse de mais
renda, voltem ao mercado para determinar um novo consumo. Neste
momento, restringimos a aplicação para mais um novo investimento.

36 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

O impacto desse impulso na economia só não é maior porque


parte da renda é poupada pelas famílias, de acordo com a sua
propensão marginal a poupar. A propensão marginal a poupar é o
complementar da propensão marginal a consumir. Assim, se a
propensão marginal a consumir é de 0,70, a propensão marginal a
poupar é de 0,30. Desta forma, cada aumento de renda presume
um gasto de 70% em consumo e uma reserva de 30% para a
poupança. Esse ciclo se repete infinitas vezes, até que os valores
residuais de consumo sejam tão pequenos que já não possam alterar
substancialmente a demanda.
É importante relembrarmos que essa multiplicação da
demanda é sinalizada e deve ocorrer mediante um impulso inicial
da economia. Em princípio, ela deve se materializar ao longo do
período em análise, mas nada obriga que isso aconteça. Levamos
daqui apenas a criação de um ambiente favorável e otimista para
o cenário de negócios diante de uma injeção de demanda na
economia. De maneira contrária, a retirada de demanda agregada
através da redução de qualquer um dos componentes (Co,
investimento privado ou gastos do governo) introduz um clima
pessimista na economia, uma expectativa de que a busca de equilíbrio
se dará em um valor de produção (de renda) bem mais baixo.
1
O valor do multiplicador é dado pela fórmula .
1- b
Normalmente a proporção marginal a consumir está entre
0,60 e 0,75, o que faz com que a multiplicação de demanda seja
respeitável.
1 1
Observe os cálculos: = 2,50 = 4,00
1 - 0,60 1 - 0,75

A fórmula multiplica o impulso inicial por algo entre 2,50 e


4,00 ou, contrariamente, diminui a demanda agregada por esse
mesmo fator quando da supressão desse impulso.
O efeito multiplicador apenas indica o que pode acontecer
na economia pressupondo que os preços e as taxas de juros
permanecerão constantes ao longo desses vários ciclos de

Módulo 2
37
Macroeconomia

propagação da demanda. Para conhecermos o que realmente


acontecerá com a economia, são necessários modelos um pouco
mais complexos do que essa sinalização que aqui oferecemos.
O efeito multiplicador representa um deslocamento da curva de
demanda. Assim, quanto maior for o impulso dado, mais a curva
se deslocará para a direita (para cima).
Para termos uma visão mais abrangente do funcionamento
da demanda agregada, precisamos estudar um conjunto de outros
fatores que também podem ser responsáveis pelo deslocamento da
curva de demanda agregada.

Deslocamentos da curva de demanda agregada


devido ao consumo

A inclinação da curva de consumo da família


A grande percentagem ocupada pelo consumo das famílias
no total de despesas de uma sociedade faz com que esse assunto
seja objeto de vários estudos para a modelagem desse fenômeno
comportamental. O aumento ou a redução do consumo é central
para a indução de uma maior atividade econômica. Como veremos
a seguir, cada um deles partiu de uma intuição relativa ao
comportamento individual observado das pessoas, procurou realizar
estudos em amostragens da população para confirmá-lo e depois
incorporou seus efeitos em modelos macroeconômicos. Ao final,
fizeram interpretações de quais possíveis implicações esses modelos
de consumo teriam na condução da política econômica, uma vez
confirmada a hipótese de que esse comportamento é genérico, válido
para todos os integrantes da sociedade.
Agora, você confrontará as teorias dos economistas com o
seu próprio comportamento pessoal. Vamos lá!
O primeiro deles, como já vimos, foi Keynes, que estabeleceu
os conceitos de um consumo autônomo (o intercepto Co no eixo
das ordenadas) e da propensão marginal a consumir. Pela lei
psicológica fundamental, Keynes diz que a propensão marginal a

38 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

consumir é menor do que o aumento de renda, situando-se, portanto,


entre 0 e 1, ou entre 0 e 100%, e que o aumento de renda faz com
que apenas uma parcela seja dedicada ao consumo, por exemplo,
70%, sendo os restantes 30% endereçados à poupança.

Qual você acredita ser o seu consumo mínimo? Quanto você


precisaria para viver em momento de maior penúria? Qual a
sua propensão marginal a consumir na medida em que você
possa ter aumentos reais em sua renda?

Esses dois conceitos de Keynes são a base para o efeito


multiplicado dos gastos de consumo privado e outros gastos
autônomos da sociedade (como os investimentos privados e os
gastos do governo).

Outros condicionantes do consumo das famílias


Apesar da importância da obra de Keynes, ela não escapou
às críticas. É comum os cientistas fazerem críticas às obras
intelectuais de seus pares e proporem modelos mais sofisticados.
Não se assuste ao longo de sua vida acadêmica se isso acontecer
com você, pois a crítica e a proposição de novas visões são uma
constante! Keynes não acreditava que a taxa de juros fosse
importante para modelar o consumo, apenas a renda disponível era
suficiente para ser usada como variável independente em seu modelo.
Nós mesmos podemos fazer uma crítica a Keynes dizendo
que a riqueza deve ter influência sobre o consumo. Se subitamente
nos tornarmos mais ricos (por um ganho em bolsa de valores, pelo
aumento das taxas de juros obtidas sobre nossas poupanças ou
pela valorização de nosso imóvel), parece razoável que iremos usar
A biografia deste
parte desse ganho extraordinário também em consumo. Logo, não
economista pode ser lida
é somente a renda que movimenta o consumo, a riqueza também

v
em: <http://
deveria ser considerada. www.economiabr.net/

Fisher chamou a atenção para a intemporalidade do biografia/index.html>.

consumo, ou seja, as pessoas procuram distribuir o seu consumo

Módulo 2
39
Macroeconomia

no presente e no passado. Ele criou então a figura da constância de


consumo ao longo do tempo, ou seja, seria psicologicamente
confortável para as pessoas não terem altos e baixos em seu padrão
de vida, em função da satisfação pessoal propiciada pelo consumo.
As taxas de juros são um mecanismo racional utilizado para
balancear o consumo ao longo do tempo. Uma taxa elevada hoje
pode fazer com que seja interessante investirmos em uma poupança
maior, para que com a renda dessa aplicação possamos usufruir
de um consumo mais elevado no futuro. Por outro lado, podemos
tomar empréstimos para melhorar o nosso consumo hoje, pagando
por eles com uma renda futura maior. Desta maneira, o consumo
também é função da taxa de juros e da facilidade em tomarmos
empréstimos. Caso haja dificuldades em tomarmos empréstimos,
dizemos que a economia está diante de uma restrição à liquidez.
Esse fato é extremamente importante nas crises econômicas. Pode
parecer paradoxal, mas em uma crise as pessoas devem tomar

v
empréstimos e não poupar mais.
Modigliani amplia esse conceito, colocando que as pessoas
têm um ciclo de vida em relação a consumo e poupança. No início
Conheça a biografia da vida, são deficitários, ou seja, gastam mais do que ganham,
deste economista no site: precisando obter empréstimos para se equilibrarem. Durante a
<http://www. maturidade acumulam poupanças para serem gastas na velhice.
economiabr.net/
Ao alcançá-la, consomem a poupança ou ainda se mantêm
biografia/index.html>.
poupando para realizar transferências intergeracionais (herança
para os filhos). Assim, o consumo e a poupança em uma sociedade
também seriam governados pela idade média dos chefes de família,
bem como pelas características culturais e econômicas que

v
incentivam ou não a transmissão de heranças.
Friedman, mentor fundamental do monetarismo, faz a
distinção entre renda permanente e renda temporária. Observou
Leia sobre este
economista em: <http://
que as pessoas têm oscilações em sua renda ao longo dos anos em
www.economiabr.net/ função de atividades extras que realizam ou pela própria flutuação
biografia/index.html>. da política salarial das organizações na qual estão empregados.
Para o autor, o que determina o consumo é a renda permanente,
ou seja, aquela proporção da renda total com a qual as famílias
podem contar, e que tem se repetido em período recente. As rendas

40 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

extraordinárias ou temporárias são em princípio poupadas. Assim,


o consumo e a poupança são frutos da estabilidade da política
salarial, da própria economia e das oportunidades que podem surgir
circunstancialmente para aumentar a renda das pessoas.

Será que o brasileiro é aquele indivíduo que gasta tudo o que


tem? Para quem dinheiro na mão é vendaval ou caiu um
dinheiro extra no bolso ele é imediatamente torrado?
Responda você!

Hall, dentro da perspectiva de expectativas racionais, afirma


que os consumidores detêm toda a informação que os economistas
também possuem acerca dos rumos da economia. Por isso,
antecipam poupança quando as perspectivas futuras são ruins;
preparam-se para pagar impostos mais elevados no futuro, ao
perceberem que o governo está acumulando dívidas; alteram o seu
consumo hoje em função de aumentos salariais futuros; e assim
por diante. Não é importante a data exata em que os fenômenos
econômicos ocorrem, mas sim quando eles são percebidos pela
sociedade. Desta forma, uma política de impostos a ser implantada
no próximo ano, ao ser anunciada, já determina todos os seus
efeitos, mesmo que os impostos ainda não tenham sido cobrados.
Segundo a Teoria das Expectativas Racionais, somente fatos
não antecipáveis fazem com que o consumo desejado das pessoas
possa ser alterado. Como esses fatos não antecipáveis são
impossíveis de serem previstos, cria-se a figura de um caminho
aleatório para o consumo pessoal. As pessoas vão reagindo de
maneira aleatória, errática, não previsível diante desses fatos não
antecipáveis, não modeláveis, sobre os quais é difícil fazerem um
raciocínio sobre as suas implicações pessoais. O que indica que o
consumo desejado já incorpora toda a informação disponível na
sociedade, sobre o presente e o futuro e ele só pode ser modificado
por políticas econômicas que causem surpresa. As surpresas, por
sua vez, devem ser usadas com muita cautela, porque já vimos que

Módulo 2
41
Macroeconomia

a credibilidade do governo é um dos elementos fundamentais na


condução da política econômica, segundo as expectativas racionais.
O psicólogo Laibson alerta para a gratificação imediata
proporcionada pelo consumo e a dificuldade de realizar cálculos
racionais para obter uma uniformidade de consumo no presente e
no futuro. Isso abre o caminho para a possibilidade de manipulação
das pessoas pela propaganda, na medida em que mostra aos
consumidores todas as possibilidades de satisfação que o consumo
pode causar. Temos, assim, uma ferramenta poderosa nas mãos do
governo, uma vez que ele acredita que uma política expansionista
da economia seja necessária.
Reiteramos que é importante que você procure pensar em
economia para o bem e para o mal, para o aumento da atividade
econômica e para a sua restrição. Em uma guerra, por exemplo,
dois fatores fazem com que o consumo seja reduzido. O primeiro é
o próprio racionamento de bens e serviços. O segundo é a
doutrinação psicológica de que um esforço de guerra é meritório e
assim as pessoas devem acreditar que precisam sacrificar o seu
consumo em benefício de investimentos na máquina de guerra.

POUPANÇA

A poupança privada, como vimos, é aquilo que sobra do


consumo efetuado pelas famílias. Assim, em termos de modelagem
e de raciocínio, existe uma complementaridade entre consumo e
poupança. O que pode ser testemunhado no gráfico a seguir, no
qual a função poupança é uma paralela situada abaixo da função
consumo dada anteriormente. O seu intercepto no eixo dos Y é
–Co e a declividade da reta de poupança é complementar à
declividade do consumo.

42 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

Seja:
C = Co + 0,7Yd, então a poupança deve ser S = –Co + 0,3Yd

C = Co + 0,7Yd
S = –Co + 0,3Yd
C + S = 1,0Yd

Para a poupança, é mais tentador realizarmos sua modelagem


utilizando a taxa de juros. Segundo a nossa reação pessoal, parece
lógico que taxas de juros maiores incentivem uma maior poupança.
Logo, sendo o consumo um espelho, um complemento à poupança,
deveríamos modelar os dois fenômenos utilizando também a taxa
de juros, como podemos verificar na Figura 4. No eixo X, temos o
produto, e no eixo do Y temos o valor consumido ou o valor poupado.

Consumo
Consumo
Consumo

Poupança

Poupança
Poupança

Figura 4: Complementaridade das funções consumo e poupança e as


respectivas inclinações das retas
Fonte: Elaborada pelo autor

O aumento da taxa de juros faz com que as pessoas que já


detêm poupanças estejam diante de três fenômenos, conforme
apresentamos:

 que há um incentivo maior a poupar;


 que os bens que são desejados no futuro tornam-se
mais facilmente alcançáveis pela acumulação de juros
maiores a partir de uma poupança já existente hoje; e
 que retirando os juros auferidos no presente as pessoas
têm mais renda disponível e por isso consomem mais.

Módulo 2
43
Macroeconomia

Em geral, o aumento de taxa de juros faz com que os


poupadores aumentem tanto sua poupança como seu consumo.
No entanto, para os devedores, a situação é inversa. O aumento da
taxa de juros torna-os mais pobres no presente e também no futuro,
já que devem pagar os juros vincendos no período em questão.
Desta maneira, o aumento da taxa de juros também faz com que os
devedores sejam incentivados a consumir menos.
Ao somarmos o comportamento de poupadores e devedores,
temos que o efeito líquido de um aumento de juros é um pequeno
aumento da poupança e redução do consumo. Assim, muitos anos
mais tarde, podemos dizer que Keynes continuava certo em suas
hipóteses, ou seja, de que os juros têm influência nula ou muito
pequena no consumo. É interessante observarmos que na época
em que ele produziu sua teoria era muito difícil fazer estudos
empíricos para comprovar a influência da taxa de juros no consumo
e na poupança. Tudo era baseado em conjeturas, que muitas
décadas depois vieram a ser comprovadas.
Alguns outros achados também são significativos quando se
olha para a poupança como um fator complementar ao consumo.
É certo que as pessoas vão consumir ou investir em bens de maior
valor, como carros, casas, viagens e equipamentos mais sofisticados.
Eles não podem ser comprados através de sua renda mensal, sendo
necessário que as pessoas recorram a empréstimos ou acumulem
poupanças, previamente. Assim, em países cuja disponibilidade de
crédito é difícil, restrita e burocratizada deve haver uma tendência
maior à aplicação em poupança do que em países nos quais o
crédito é facilitado.
Uma das questões que mais nos fazem pensar é o paradoxo
da poupança. Individualmente a poupança é algo recomendável, faz
parte de nossa educação. No entanto, em termos coletivos, um
aumento de poupança pode determinar uma diminuição do consumo
e por consequência uma desativação da economia.
O produto menor daí decorrente está associado a uma renda menor
a ser distribuída entre as pessoas. Essa renda menor, por si só, diminui
o consumo em uma espiral que termina empobrecendo a todos. Assim,
o paradoxo da poupança está baseado na constatação de que aquilo
que é bom individualmente pode não ser bom para a sociedade.

44 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

Cabe à política econômica corrigir o excesso de poupança,


sem afetar os valores humanos ou as características de personalidade
de cada um. Não cabe à economia dizer como as pessoas devem se
comportar, no entanto, uma correção possível seria o direcionamento
do excesso de poupança para os investimentos privados ou para os
gastos de governo. A demanda agregada não faz distinção entre os
componentes da despesa – consumo, investimento ou gastos de
governo –, o importante é que haja demanda.

O INVESTIMENTO PRIVADO

O investimento privado e os gastos de governo detêm


proporções assemelhadas da despesa total, mesmo que o somatório
desses dois elementos ainda seja bastante inferior ao consumo
privado. No entanto, se os investimentos privados forem somados
aos investimentos públicos, esse agregado torna-se a segunda maior
parcela da demanda desejada de uma sociedade e também da
demanda efetivamente realizada, ao final de um período de análise.
O que ocorre é que os investimentos são extremamente voláteis, ou
seja, variam muito de período para período. Em geral, as recessões
estão associadas a um decréscimo muito maior dos investimentos
do que do consumo. Essa variabilidade (volatilidade) está por trás
dos estudos sobre investimentos na economia com vistas a obter
uma maior estabilidade ao longo dos ciclos econômicos de curto
prazo. Por outro lado, os investimentos em máquinas, estrutura física
e em capital humano são os determinantes do progresso de
longuíssimo prazo.
Vamos nos ater nesta aqui ao papel dos investimentos
privados em curto prazo. Os investimentos introduzem a noção de
fazer um balanceamento entre o consumo no presente e no futuro.
Os investimentos realizados hoje são feitos em lugar de um consumo
que poderia estar acontecendo. Acreditamos, no entanto, que no
futuro esses investimentos deem frutos e propiciem uma quantidade
maior de bens e serviços para serem usufruídos.

Módulo 2
45
Macroeconomia

Esses aparentes sacrifícios do consumo atual podem ser


classificados em três categorias amplas:

 aumento ou diminuição de estoques nas empresas.


Cada uma delas está sujeita à influência de fatores
diferentes, mas sempre a taxa de juros real da
economia é uma das principais explicações para a
flutuação nessa forma de investimento;
 investimento em máquinas, equipamentos, novas
tecnologias e fábricas por parte das empresas; e
 investimento residencial por parte das famílias.

O investimento em estoques

Os investimentos das organizações em seus estoques de


matéria-prima, em produtos, em processo e em produtos finais, por
exemplo, custam o valor dos juros que poderiam estar sendo ganhos
se os estoques fossem menores e o dinheiro assim liberado estivesse
aplicado no mercado de títulos. Os aspectos estratégicos adotados
para manter os estoques e poder atender mais rapidamente os
clientes, para evitar as falhas dos fornecedores ou simplesmente
para especular quanto a possíveis aumentos de preços dos insumos,
devem ser avaliados sempre em relação aos custos financeiros dessa
operação. É interessante observarmos que a disseminação das
técnicas gerenciais japonesas, que visam à minimização de
estoques, encontrou um campo fértil no ocidente na década de 1980,
quando os juros estavam elevados.
Os estoques podem ser analisados como uma variável de
acumulação ou de fluxo. Por acumulação, entendemos a constituição
de um patrimônio e de um fundo, representado pelos estoques, que
foram sendo agregados ao longo do tempo. Assim, é razoável que
as organizações mantenham permanentemente, em média, algo
como dois meses de estoques de matérias-primas e um mês de
estoque de produtos acabados. O valor total desses estoques pode
representar uma parcela significativa do faturamento das
organizações e também um custo financeiro razoável, em função

46 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

dos juros pagos (ou que poderiam estar sendo aplicados) pelo capital
imobilizado. No entanto, isso é um mal necessário.
Não havendo modificações radicais na forma de gestão das
organizações e no relacionamento com seus clientes e fornecedores, esse
é mais um custo médio a ser incorporado à produção. O que interessa à
organização na verdade são as variáveis de fluxo, ou seja, o aumento
ou a diminuição dos estoques devido às oscilações econômicas.
Em termos de sua representatividade no montante da
demanda agregada, essas variações de estoques são, em média,
muito pequenas, mas extremamente voláteis. Pode ocorrer que em
um ano as organizações duplicaram ou triplicaram seus estoques,
por motivos estratégicos ou dificuldades nos negócios, enquanto
que em outros ficaram praticamente sem estoques de matérias-
primas para produção ou de produtos acabados. Essa variabilidade
na formação de estoques acaba sendo importante para a modelagem
da demanda agregada.
Vimos anteriormente que a diferença entre demanda
agregada planejada e a efetivamente realizada ao final do período
é função da acumulação ou desacumulação de estoques. São esses
estoques a mais ou a menos que fazem com que as organizações
aumentem ou diminuam a sua produção para os períodos vindouros.
Da mesma forma, o excesso ou a falta de estoques terminam sendo
transmitidos para os preços tanto das mercadorias finais como dos
insumos utilizados na sua confecção, fazendo com que a economia
encaminhe-se novamente para o equilíbrio. Quando os estoques
estão altos, os preços baixam, alterando as quantidades
demandadas e possibilitando o equilíbrio entre oferta e demanda.
Apesar da incidência relativamente pequena das variações
de estoques no valor agregado de demanda, seu impacto é o melhor
exemplo do chamado efeito acelerador da economia. Quando os
negócios estão estáveis, as organizações obrigam-se a repor estoques
segundo quantidades mais ou menos fixas. Quando estão diante
da perspectiva de crescimento dos negócios, não só precisam repor
os estoques a taxas usuais, mas também precisam fazer novas
encomendas para suprir a produção e o cliente em uma economia

Módulo 2
47
Macroeconomia

aquecida. Isso aumenta a demanda usual por reposição de estoques


a uma taxa maior do que o próprio crescimento da economia.
Por outro lado, diante de uma crise, as organizações não só
diminuem as quantidades usuais de encomendas de estoques, na
perspectiva de que os negócios futuros sejam menores, mas também
por dificuldades de caixa deixam de repor os estoques, mesmo
naqueles níveis que poderiam ser considerados mínimos. Assim,
há uma diminuição acentuada da demanda agregada por estoques
muito maior do que a própria diminuição do produto da economia.
Esse mesmo efeito acelerador pode ocorrer para os investimentos
industriais e para os investimentos das famílias em imóveis, mas
seu impacto não é tão nítido devido ao amortecimento que a
ociosidade das instalações fabris (ou das residências) podem
determinar. Por exemplo, frente ao aumento de demanda, a indústria
utilizará toda a sua capacidade instalada para só então pensar em
novos investimentos. No caso dos imóveis, além de um melhor
aproveitamento das residências já existentes, o efeito acelerador
pode ser mascarado por outros fatores determinantes da demanda
residencial, como o crescimento demográfico.

Investimento das famílias em imóveis

Especificamente quanto à demanda agregada por imóveis,


esta também é fortemente dependente da taxa de juros. Taxas de
juros elevadas fazem com que se torne caro o ato de morar,
deslocando o gasto das famílias para outros bens que propiciem
maior satisfação e um preço menor. Da mesma forma, as prestações
são geralmente calculadas de maneira a fazerem com que no início
do pagamento do empréstimo as prestações sejam
proporcionalmente mais altas do que ao seu final. Isso torna
impeditivo para as famílias adquirirem seus imóveis com uma renda
que hoje é menor, mas que pode subir naturalmente ao longo do
tempo, pelo crescimento profissional dos integrantes do
agrupamento familiar.

48 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

Assim, quanto maiores forem os juros maiores serão os


problemas para as famílias conseguirem ter a renda suficiente para
pagarem as prestações iniciais. Por outro lado, além de juros baixos,
pode haver o incentivo para um maior investimento em imóveis a
partir de um tratamento tributário favorável. Em alguns países, as
prestações ou os juros pagos com as prestações podem ser
deduzidos do imposto de renda.

Investimento das organizações

Determinantes do investimento das organizações


Finalmente, cabe analisarmos os condicionantes dos
investimentos das organizações em novas instalações,
equipamentos, desenvolvimento de tecnologias e produtos,
aquisição de patentes e melhorias gerenciais. Chamamos esses
condicionamentos de investimentos pelas organizações, ou seja,
gastos que são feitos hoje para aumentarem a sua capacidade
produtiva no futuro.
A microeconomia apresenta em sua teoria da firma, que as
organizações empregam as duas grandes categorias de recursos,
capital e mão de obra, na proporção em que suas produtividades
marginais estão relacionadas com os preços dos insumos.
Os insumos são classificados como mão de obra (trabalhadores,
supervisores e diretores) e capital (fábricas, equipamentos, royalties,
tecnologia gerencial e tecnologia produtiva). Esses recursos são
empregados em quantidades crescentes até que o custo marginal
da produção iguale à receita recebida por unidade a mais vendida.
Os itens correspondentes aos bens de capital têm o seu custo formado
pelos juros relativos ao capital empregado, sua produtividade, sua
manutenção e a velocidade com que se depreciam. Assim, qualquer
fator que faça com que esses parâmetros se alterem faz com que as
curvas de demanda por bens de capital se desloquem.

Módulo 2
49
Macroeconomia

De todos os fatores que afetam a demanda por itens de


capital, os dois mais importantes são:

 sua produtividade marginal; e


 o custo relativos aos juros.

A produtividade marginal está ligada à evolução tecnológica


e, assim, podemos dizer que em geral a melhoria do padrão
tecnológico de uma organização está associada à renovação e ao
crescimento dos bens de capital como fatores de produção,
aumentando sua demanda nos mercados que os fornecem. É o caso
atual da revolução digital, com a necessidade das organizações
adotarem computadores e equipamentos mais sofisticados para se
comunicarem. Por conseguinte, deve haver um aumento do uso do
fator capital em relação ao uso do fator mão de obra.
São os juros pagos pelo capital imobilizado que determinam
de maneira mais imediata a demanda por bens de investimento,
até porque esses custos são facilmente calculáveis. São
representados por aquilo que a organização está pagando aos
agentes financeiros para estes poderem financiar seus investimentos
ou aquilo que está deixando de ganhar por ter decidido investir em
bens de capital, ao invés de aplicar no mercado de títulos. O fato de a
demanda por investimentos ser tão ligada à questão de juros permitirá
a interligação entre o lado real da economia e o lado monetário.
O lado real é representado pelo fato de que somente coisas
físicas, palpáveis podem ser responsáveis pela produção e pelo
progresso tecnológico. Por outro lado, o dia a dia da organização é
governado por preocupações com as finanças, com o dinheiro, que
são meras convenções sociais. É a taxa de juros, uma abstração
do lado monetário, que explica por que são feitos investimentos
para melhorar o lado real da economia.
A demanda por investimentos é ainda influenciada por dois
outros fatores. Os investimentos são feitos hoje para propiciarem
uma rentabilidade maior no futuro, rentabilidade esta que supere o
custo dos juros sobre o capital investido. Assim, é necessário que a
organização tenha alguma projeção sobre a rentabilidade futura

50 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

dos negócios. O melhor mecanismo utilizado por ela para esse fim
é capturar hoje a perspectiva futura da organização, representada
pelo valor atual de suas ações na bolsa de valores. Se as ações
valem no mercado atual mais do que a organização tem investido
para poder funcionar, isso é uma evidência de que vale a pena ela
continuar a demandar mais equipamentos e instalações.

A influência da legislação e da ação do governo nos investi-


mentos privados
Por outro lado, o custo de investir em capital pode ser
modificado pela questão de tributos e subsídios*. Os subsídios
são tributos ao contrário, ou seja, fazem com que a organização *Subsídios – incentivos
governamentais forneci-
pague menos impostos ao final, uma vez que a carga total de
dos às organizações que
tributação com a qual ela deve arcar é minorada por incentivos intuem diminuir o preço
dados pelo governo. Assim, é bastante comum para o governo final dos seus produtos

incentivar a melhoria tecnológica das organizações pelo vendidos, para que es-
ses produtos possam ser
investimento em capital fazendo com que estas não paguem
adquiridos pela popula-
impostos sobre parte do montante investido em equipamentos. ção em quantidades
Também pode haver incentivos para investimento na forma adequadas. Fonte: Ela-

de depreciação acelerada. Normalmente a organização lança borado pelo autor.

como custos (diminuindo o seu lucro e, assim, pagando menos


impostos) um percentual do preço de aquisição dos equipamentos
e instalações. Esse percentual é fixado por lei e depende da vida
útil dos itens de capital. Por exemplo, um caminhão pode ser
depreciado em cinco anos, ou seja, a organização tem todo ano
um custo de 20% do valor de aquisição do caminhão para abater
de suas receitas, tendo, assim, um lucro menor e, por conseguinte,
um imposto menor a pagar. Lembramos que todo o desembolso
realizado com a compra do caminhão foi feito no momento de sua
aquisição (estamos supondo que o caminhão foi comprado à vista),
mas a organização não pode lançar imediatamente toda essa
despesa como custo. Deve fazê-lo ao longo do tempo, na medida
em que o equipamento vai se desgastando e perdendo a sua
capacidade produtiva.
Para tornar o investimento em equipamentos e instalações
mais atrativo, o governo pode autorizar que todo o valor de aquisição

Módulo 2
51
Macroeconomia

do caminhão seja lançado imediatamente como custo ou como


normalmente é feito, com o prazo de depreciação contábil reduzido
(por exemplo, passar de cinco anos para três anos). A vantagem é
que durante os anos iniciais de posse do equipamento a organização
pagará menos impostos; a desvantagem, por sua vez, é que nos
anos finais ela pagará mais, pois já terá esgotado 100% do custo
do bem que pode lançar como despesa de depreciação.
Finalmente, a demanda por investimentos é também governada
pela existência de financiamentos. Esse fato reúne dois dos aspectos
anteriores, a questão da taxa de juros e os incentivos governamentais.
Podemos dizer que os financiamentos estão sempre disponíveis, a
questão é a taxa de juros. Mesmo para organizações que não têm
um cadastro muito bom com os bancos, o crédito é possível
aumentando a taxa de juros por meio da inclusão de fatores de risco.
As organizações tomariam esses empréstimos para investirem sempre
pelo mesmo critério, ou seja, verificando se o custo de capital (agora
maior pela inclusão de uma taxa de risco, além da taxa usual de
juros) é inferior à produtividade marginal dos investimentos.
Ocorre que os financiamentos podem simplesmente não
existir, pelo despreparo das instituições bancárias, pelo seu
desaparecimento (falência dos bancos), por racionamento de crédito
ou também pela incapacidade das organizações em formularem no
papel os projetos de investimento. Cabe ao Estado criar as condições
institucionais para que essas barreiras sejam quebradas, evitando
que as organizações fiquem limitadas ao seu fluxo de caixa como
única fonte para investir ao longo do tempo. Obter empréstimos e
ter facilidades para isso é salutar para a economia.

52 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

DEMANDA AGREGADA EM FUNÇÃO


DE GASTOS DO GOVERNO

O papel do governo na demanda agregada

Reunimos em gastos do governo tanto a sua parcela do


consumo quanto de investimentos, analisando-os aqui de maneira
indistinta. É claro que torcemos para que o Estado gaste o seu
orçamento em investimentos, aumentando a capacidade produtiva
da economia no futuro, mas iremos ver que essa não é a
preocupação imediata dos economistas. Se o Estado investir no
gasto com pessoal, isso sim é consumo. Ao pagar o salário de um
professor do ensino público, um médico do serviço de saúde pública
ou um funcionário da justiça, o governo estará pagando pelos
serviços que eles propiciam. Como acreditamos que os serviços
que nós prestamos como administradores públicos são relevantes,
gostaríamos que o gasto público fosse fundamentalmente
direcionado para o consumo. Entre investir em bens de capital e
consumir nossos serviços de alta relevância, nós aqui neste curso
preferimos que o governo gaste conosco!
O objetivo é que a demanda agregada, influenciada por
gastos maiores ou menores por parte do governo, auxilie a estabilizar
a economia. A responsabilidade pelos investimentos pode, em um
primeiro momento, ser deixado a cargo das organizações privadas
e públicas. Lembramos que em nossa análise estamos considerando
que as estatais e as organizações de economia mista foram
agrupadas às organizações privadas e assim fazem investimentos
em bens de capital que foram analisados nas seções anteriores.
A Economia Clássica pregava que o Estado deveria ter o
seu orçamento equilibrado, ou seja, aquilo que o governo viria a
arrecadar com os tributos seria igual a sua despesa de consumo e
de investimento. A arrecadação de tributos faz com que a renda
disponível para as famílias diminua, o que faz diminuir,
proporcionalmente, o seu consumo. Lembramos que ao fazermos

Módulo 2
53
Macroeconomia

um modelo para a demanda agregada pretendida tínhamos feito


com que o consumo das famílias fosse função da sua renda total.
Com a presença do governo, fazemos agora esse aperfeiçoamento
na modelagem dizendo que o consumo é função da renda
disponível, ou seja, a renda total menos os impostos.

O aumento da demanda pelo teorema


do orçamento equilibrado

É facilmente demonstrável que, se o governo gastar tudo


aquilo que arrecadou em termos de impostos, a demanda agregada
desejada aumenta exatamente pelo montante dos impostos
arrecadados. Isso parece mágica! As famílias tiveram suas rendas
diminuídas pelo aumento dos impostos, dessa forma tem um
consumo desejado menor do que antes.
O fato de esses impostos terem sido levados para o governo
permite que o Estado faça seus gastos, o que reporia a demanda
agregada desejada nos valores anteriores. Mas não é isso que acontece:
estamos dizendo que a demanda desejada total aumenta e muito!

Você pode estar se perguntando: como pode isso ocorrer?

Pense nos seguintes termos. Seja um consumo agregado das


famílias com uma propensão marginal a consumir da ordem de
60%. Para um aumento de renda, 60% desta é dedicada ao
consumo e 40% é colocada fora de circulação da economia na
forma de poupança. Da mesma forma, para uma redução na renda,
que é o que agora acontece com a incidência de tributos sobre os
ganhos da cada família, a diminuição de consumo agregado é
também de apenas 60% desses impostos. Apesar de terem ficado
mais pobres com a incidência de impostos, as famílias consomem
proporcionalmente mais, ou seja, por exemplo, para cada R$ 1,00
de impostos reduzem seu consumo em apenas R$ 0,60.

54 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

Como vimos anteriormente, essa redução de consumo traz


efeitos negativos em cascata para o resto da economia, através de
vários ciclos de redução do consumo e da poupança. Ao final do
processo, há uma perda de R$ 1,50 no consumo agregado e uma
perda de R$ 1,00 na poupança. No total, são retirados da economia,
portanto, R$ 2,50, sendo que R$ 1,50 são devidos a um consumo
menor e R$ 1,00 de perda a mais na poupança, pela desativação
da economia. O ciclo não para por aí. Essa perda de poupança
pode ser considerada equivalente aos impostos que são pagos: é
como se fosse necessário deixar de lado, não consumir, ou seja,
poupar R$ 1,00 para fazer frente aos impostos. Essa poupança na
forma de impostos não é retirada da circulação da economia: ela
volta na forma de gastos do governo.
E aí é que está o milagre. O que antes poderia ficar parado
na forma de poupança agora volta para ativar a economia. Tanto
faz se o gasto governamental foi em consumo público ou investimento
público. De imediato é aplicado o valor total dos impostos R$ 1,00
em consumo e investimentos por parte do governo, ativando a
economia. Sabemos que, pelo efeito multiplicador, o total de
demanda agregada será de R$ 2,50, para uma propensão marginal
a consumir de 60%.
Podemos repetir sempre o mesmo esquema de propagação
dos efeitos no consumo e na poupança em cascata. Os primeiros
R$ 1,00 empregados pelo governo se transformam em R$ 0,60 de
consumo pelos beneficiários desse gasto inicial do governo e
R$ 0,40 de poupança. Em cada novo circuito que os valores de
consumo percorrem, vão sendo acumulados consumos e poupanças
na proporção anterior até que ao final do processo há um aumento
em cascata do consumo de R$ 1,50 e da poupança de R$ 1,00.
O aumento total de demanda agregada é de R$ 1,50 mais o valor
inicial de R$ 1,00 dos gastos iniciais do governo, totalizando
R$ 2,50 de ativação da economia. Por outro lado, o sacrifício inicial
da poupança, que havia baixado em R$ 1,00, encontra-se agora
recuperado pelo aumento de R$ 1,00 de poupança por uma
economia mais ativa. O consumo aumentou em R$ 1,00, já que os

Módulo 2
55
Macroeconomia

gastos do governo geraram mais R$ 2,50 de demanda, mas as


famílias haviam reduzido o consumo agregado em R$ 1,50.
O efeito multiplicador dos gastos do governo, quer seja feito
sobre um orçamento equilibrado ou incorrendo em déficits, é um
dos principais instrumentos da política econômica, em particular
da política fiscal, que gira em torno do recolhimento de impostos e
a utilização do poder de Estado como consumidor ou investidor.
Na demonstração anterior, foram feitas uma série de simplificações
no modelo para demonstrar a sua potencialidade, como a não
consideração do aumento das taxas de juros em uma economia
mais aquecida ou as eventuais modificações dos preços dos bens
diante das oscilações econômicas.
O efeito multiplicador procura mostrar apenas a tentação
com a qual se defronta o governo em função de seu poder potencial
de ativar a economia. Vale lembrar que a demonstração que foi
feita envolve a análise ex-ante, ou seja, de demanda agregada
desejada, consumo e gastos do governo desejados. Para que isso
possa se concretizar na realidade, em uma visão ex-post (depois
do fato, depois que a economia girou durante algum tempo), uma
série de detalhes precisam ser incorporados ao modelo. O lado real
da economia é descrito pelos diagramas de equilíbrio entre oferta e
demanda agregada.

56 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

OS MODELOS DE OFERTA AGREGADA


E DEMANDA AGREGADA

O MODELO BÁSICO PREÇO X QUANTIDADE

Dividimos as considerações da seção anterior quanto aos


elementos que influenciam a oferta agregada de uma economia e
posteriormente a sua demanda agregada. Agora é o momento de
olharmos para o conjunto, para a ação interligada entre esses dois
fenômenos. Para tal, é importante acrescentar um pressuposto
importante da macroeconomia, que é a tendência ao equilíbrio.
Tanto para a microeconomia como para a macroeconomia há uma
tendência natural em que a oferta e a demanda estejam em
equilíbrio, ou seja, todos aqueles que desejam vender e todos aqueles
que desejam comprar assim o fazem após terem convergido para
um preço de equilíbrio. Na macroeconomia, substituímos a noção
de preço de mercadorias individuais por uma média geral de todos
os bens da economia, ou seja, o nível geral de preços.
O nível geral de preços sobe ou desce para acomodar a oferta
e a demanda global da sociedade. Como vimos, andamos sobre as
curvas individuais de oferta e de demanda agregadas, procurando
situar para cada curva a quantidade total de bens ofertados e
demandados para cada nível geral de preços. Por outro lado, para
um dado nível geral de preços, podemos encontrar quantidades
ofertadas e demandadas que variam em função do deslocamento
das curvas de oferta e de demanda, como podemos ver na Figura 5.

Módulo 2
57
Macroeconomia

Nível de Nível de
preços preços

Produtos Produtos

Nível de Nível de
preços preços

Produtos Produtos

Figura 5: Deslocamentos ao longo de uma curva e deslocamento das curvas de


demanda e de oferta
Fonte: Elaborada pelo autor

Com isso em mente, vamos analisar alguns aspectos


importantes da análise conjunta de oferta e de demanda agregada
no que se convencionou chamar de modelos OA-DA. Em primeiro
lugar, precisamos encontrar modelos gráficos que representem
isoladamente a oferta e a demanda e em seguida combiná-los em
um gráfico único.

58 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

POSICIONANDO A CURVA DE OFERTA EM ALGUM PONTO


DO DIAGRAMA PREÇO X QUANTIDADE

Para a oferta, vimos anteriormente que dois trechos podem


representá-la. Um é horizontal e nos informa que a quantidade de
produto não depende dos níveis gerais de preços, quaisquer que
sejam estes. Os produtores podem e querem produzir mais ou
menos, exclusivamente em função da demanda. Quando chegarem
ao nível de pleno emprego, quando não é possível produzir mais, a
representação da curva de oferta passa a ser uma reta vertical:
qualquer que seja o preço, a quantidade não aumenta nem diminui.
A representação que apresentamos na Figura 6 ilustra várias
curvas de oferta, com seus trechos horizontais e verticais, associadas
a diferentes níveis gerais de preços e produtos máximos de pleno
emprego. Admitimos aqui que tanto o nível geral de preços como o
produto máximo são exógenos, ou seja, são dados externamente
por outros fatores da economia. Os eixos das abscissas representam o
produto da economia e os eixos das ordenadas o nível geral de preços.

Módulo 2
59
Macroeconomia

P P

Valores Exógenos, Y Y
Valores Exógenos,
são dados são dados

Y
Valores Exógenos,
são dados

Figura 6: Diferentes posições de curvas de oferta nos seus trechos


horizontais e verticais
Fonte: Elaborada pelo autor

O importante é que conseguimos extrair dessa representação


os valores da quantidade produzida que serão utilizados nos modelos
de OA-DA, na medida em que estes têm como variável do eixo das
abscissas o produto total da economia. Da mesma forma, podemos
adotar uma curva de oferta levemente inclinada, cuja inclinação se
torna mais pronunciada à proporção que nos aproximamos do nível
de pleno emprego. Para isso, basta que consideremos que os preços
dos insumos não são totalmente fixos, mas que alguns variam na
medida em que o nível geral de preços também varie.
Dessa maneira, conseguimos uma representação da curva
de oferta inclinada (com uma inclinação qualquer) que será útil
para os desenhos que se seguem. Para graficamente mostrarmos os
efeitos que desejamos, às vezes é importante fazer com que a curva
tenha uma inclinação acentuada, para que graficamente os efeitos
sejam amplamente visíveis. Como estamos no campo das

60 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

abstrações, não há necessidade que a inclinação das curvas


corresponda a alguma realidade específica, pois estamos apenas
tentando ser didáticos.

POSICIONANDO A CURVA DE DEMANDA EM ALGUMA


REGIÃO DO DIAGRAMA PREÇO X QUANTIDADE

A curva de demanda agregada precisa reconciliar dois


modelos que temos tratado até agora. O primeiro é o de demanda
agregada desejada, em função da renda disponível (produto
disponível da economia). Para cada volume de produto, os recursos
empregados na sua produção foram remunerados: os agentes
detentores dos recursos de produção receberam rendas como
pagamento pela cessão dos fatores de produção, e agora voltam ao
mercado para demandar produtos. Desse modo, fazemos o produto
do eixo das abscissas assumir a mesma identidade que a renda
existente na economia. Em verdade, isso é uma tautologia, já que
por definição produto é igual à renda. A Figura 7 ilustra uma curva
de demanda, na qual no eixo das ordenadas se tem o nível geral de
preços e no eixo das abscissas o produto da economia.

Produtos = Renda

Figura 7: Curva de demanda


Fonte: Elaborada pelo autor

Módulo 2
61
Macroeconomia

Até agora vimos que, entre os componentes da demanda


agregada, apenas o consumo das famílias havia sido assumido como
dependente da renda da economia. Os demais componentes, no
caso o investimento das organizações e os gastos do governo, haviam
sido considerados invariantes com a renda. Combinando em um
só gráfico os três elementos da demanda agregada, temos as
ilustrações da Figura 8. No eixo das abscissas, tem-se o produto da
economia; e no eixo das ordenadas a demanda agregada.

Demanda Demanda
agregada agregada

Y3 Y1

Demanda
agregada

Y2

Figura 8: Curva de demanda agregada e do produto para o somatório do


consumo das famílias, dos investimentos e dos gastos do governo
Fonte: Elaborada pelo autor

Modelos mais sofisticados farão com que posteriormente os


componentes da demanda agregada possam assumir formas
quaisquer, por exemplo, fazendo também os investimentos e os
gastos do governo função da renda agregada e de outros fatores,
como representado na Figura 9. O importante é que agora temos

62 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

de onde retirar valores da demanda agregada e do produto (renda


agregada) que serão utilizados no gráfico OA-DA. O produto
agregado está no eixo das abscissas (assim como a renda agregada)
e a demanda está no eixo das ordenadas.

Demanda
agregada

Figura 9: Formas menos usuais da curva de demanda agregada e seus compo-


nentes (consumo das famílias, dos investimentos e dos gastos do governo)
Fonte: Elaborada pelo autor

Essas curvas de demanda agregada, tanto no caso linear da


Figura 4 como nos casos mais complexos da Figura 5, têm uma
forma estranha em relação àquilo que o bom-senso indicaria a partir
das curvas de demanda da microeconomia. A demanda é crescente
em relação à Y. A expectativa é que as curvas de demanda tenham
inclinação descendente, ou seja, para um nível geral de preços
maior, menor é a demanda. E aí está a chave da reconciliação.
A curva de demanda agregada considera o nível geral de preços
também como variável exógena.
Para cada nível geral de preços, existe uma curva de
demanda agregada. Maiores níveis gerais de preços determinam
demandas maiores. Isso ocorre apenas em termos nominais, isto
é, o nível de preços é uma variável sem sentido econômico, ou
seja, é uma convenção. Se os preços são elevados em uma
economia, expressos na sua moeda local, a demanda expressa
nessa mesma moeda será também por convenção elevada, como
expresso na Figura 10.

Módulo 2
63
Macroeconomia

Demanda
Demanda NP1 agregada
agregada
NP2 NP1
NP2
NP3
NP3

Y Y

Figura 10: Curva de demanda agregada para diferentes níveis gerais de preço
Fonte: Elaborada pelo autor

Note que no eixo das abscissas temos o produto da economia;


e no eixo das ordenadas a demanda agregada para diferentes níveis
gerais de preço.

COLOCANDO NO MESMO DIAGRAMA PREÇO X


QUANTIDADE AS CURVAS DE DEMANDA E DE OFERTA

As duas curvas, de oferta agregada e de demanda agregada,


utilizam o mesmo eixo das abscissas – que é o produto – e o mesmo
eixo das ordenadas – que é o nível de preços da economia. Tudo o
que precisamos está representado na Figura 11: a oferta agregada
de longo prazo, representada por uma reta vertical sobre o produto
de pleno emprego (dada pela capacidade de produção física da
economia), uma curva de demanda agregada qualquer (dada pelas
características comportamentais relativas ao consumo e às decisões
das organizações e do governo em relação a investimentos e gastos)
e uma curva de oferta de curto prazo.
Conseguimos posicionar as curvas de demanda e de oferta
e uma regra específica do diagrama preço x quantidade, ou seja,
em volta do ponto de produto natural e preço de equilíbrio. Utiliza-
se uma curva horizontal para representar a oferta no curto prazo

64 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

em que está associado ao nível geral de preços de equilíbrio, situado


no encontro das curvas de demanda agregada e de oferta agregada
de longo prazo. A economia está em total equilíbrio, no curto e no
longo prazo. Utilizamos essa representação porque nas análises que
seguem vamos determinar algumas oscilações de curto prazo em
torno do produto de longo prazo.
Vimos que esse é o funcionamento básico da economia: dada
uma capacidade física de produção e uma demanda agregada
exogenamente dada a economia converge para um nível geral de
preços de equilíbrio.
No entanto, esse mecanismo de ajuste do longo prazo sofre
variações no curto prazo. É diante dessas variações que as
autoridades econômicas são chamadas a intervir para minorar as
oscilações e fazer a economia voltar ao seu equilíbrio de longo prazo,
como ilustrado na Figura 11. No eixo x, temos o produto da
economia; e no eixo y temos o nível geral de preços.

Produto de pleno emprego Y

Figura 11: Curva de demanda e de oferta agregada e o produto potencial da


economia
Fonte: Elaborada pelo autor

Módulo 2
65
Macroeconomia

EXPLORANDO A CURVA DE OFERTA EM TORNO DO


PONTO DE EQUILÍBRIO

Vamos inicialmente separar essas curvas de oferta de longo


prazo e de curto prazo que estão reunidas no ponto de equilíbrio
do gráfico anterior. Poderíamos introduzir a noção de demanda
agregada de curto prazo e de longo prazo, o que, no entanto, não
faz sentido. A demanda é dada, como mencionamos, por motivações
psicológicas de consumo e decisões quanto a investimentos e gastos
do governo. Não é possível fazer um raciocínio lógico mostrando
como essas motivações e decisões poderiam ser diferentes segundo
vários horizontes de tempo.
Assim, assumimos que existe apenas uma curva de demanda
agregada, que é igual para o longo e para o curto prazo. Já para a
curva de oferta de curto prazo a distinção é possível. A quantidade
que se deseja ofertar em curto prazo é função dos custos de produção.
Como sabemos, é expressa pelo custo marginal de produção de
cada organização. Para a economia como um todo, é determinada
pelo somatório dos custos marginais de produção de todas as
organizações tomadas em seu conjunto. Ocorre que os custos são
função de preço dos insumos, preços de insumos estes que podem
ser quaisquer. No curto prazo, ainda não houve tempo para que
esses preços de insumos sofram ajustes, pelo deslocamento para
outras indústrias que melhor os utilizem ou pelo seu aumento, em
função da percepção que em função da produtividade desses
recursos eles podem atrair uma remuneração maior (ou menor).
Assim se estabelece, por exemplo, o ponto A da Figura 12.
O produto é menor do que o produto de pleno emprego, significando
que os recursos estão subutilizados, ou seja, estão desempregados.
Dessa forma, não há motivos para que os recursos sejam tão caros,
associados a um nível geral de preços maior do que o de equilíbrio.
Dessa forma, ao longo do tempo vão sendo diminuídos os preços
dos recursos, baixando a linha de oferta de curto prazo e
aumentando a oferta de equilíbrio. O ponto-final desse processo ao

66 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda agregadas

longo do tempo é o ponto de equilíbrio de pleno emprego. Da mesma


forma, podemos analisar o que acontece no ponto B. O produto é
muito maior do que o produto de pleno emprego, significando que
os recursos estão sendo empregados além da sua capacidade usual.
Assim, os operários e a mão de obra gerencial trabalham horas
extras e têm um nível de estresse ocupacional maior. As máquinas
estão trabalhando sem folga, arriscando parar por falta de
manutenção de rotina, por exemplo.
Tudo isso faz com que potencialmente os custos aumentem,
principalmente em função de possíveis aumentos de salário por
parte da mão de obra. Isso aumenta os preços dos produtos
vendidos, fazendo com que a curva de oferta suba. O processo
termina no ponto de equilíbrio do longo prazo, onde os recursos
estão empregados na sua plena capacidade, sem esforços
adicionais, sem que os trabalhadores reivindiquem salários maiores
do que os usuais.

Figura 12: Posições de equilíbrio das curvas de oferta e de demandas agregadas


Fonte: Elaborada pelo autor

As curvas de oferta de curto prazo podem ser quaisquer em


relação à curva vertical de longo prazo. Para fins didáticos, vamos
situar as curvas de oferta de curto prazo em volta da curva de oferta
de longo prazo, em geral, cruzando-a no ponto do nível geral de
preços de equilíbrio de longo prazo. Também adotaremos uma curva
de oferta de curto prazo ascendente. Já discutimos que, se os preços
dos recursos são totalmente inflexíveis (não variam) em curto prazo,

Módulo 2
67
Macroeconomia

a curva de oferta é uma horizontal (é a perspectiva keynesiana). Se


os preços dos insumos variam instantaneamente para se ajustar à
quantidade produzida, temos uma curva de oferta na forma vertical,
coincidindo a curva de curto prazo e a de longo prazo. É a
perspectiva dos clássicos que faria com que, assim como para a
demanda agregada, também só existisse uma curva de oferta, única
para o curto e o longo prazo.
Vamos considerar uma situação intermediária, na qual parte
dos recursos tem seus preços variáveis e parte tem seus preços fixos,
o que determina uma curva inclinada para cima, ascendente.
Fazemos isso apenas por motivos didáticos: as análises do material
conduziriam aos mesmos deslocamentos dos pontos de equilíbrio
nas curvas OA-DA se utilizássemos curvas de oferta de curto prazo
horizontais ou verticais.

68 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 2 – Oferta e demanda
Apresentação
agregadas

UNIDADE 3
O MODELO IS-LM

Módulo 1
2
69
Macroeconomia

70 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

É importante no estudo de macroeconomia questionar a


forma das curvas, sua inclinação, os pontos onde essas curvas tocam
o eixo dos x e dos y. Observe o próximo gráfico da Figura 13. Existe
um ponto com juros tão elevados (ponto C) que não propiciam
investimentos e fazem com que o produto seja determinado pelo
encontro da demanda efetiva com a renda em pontos próximos a
zero. Para que isso ocorra, é necessário que os gastos de governo
sejam nulos e o valor do consumo autônomo também o seja (lembre-
se que a função consumo era dada por C = Co + bY, onde Co era o
consumo autônomo, que não dependia de Y). Esse ponto da curva é
tão específico, sujeito a tantas condições, que aqui não nos interessa.

D
Y

Figura 13: Pontos extremos da curva de taxa de juros x produto


Fonte: Elaborada pelo autor

Por outro lado, o ponto de cruzamento com o eixo dos X


(ponto 0) já é mais interessante. Como a taxa de juros da economia
é nula, todos os investimentos possíveis e imagináveis se tornaram
viáveis, são realizáveis e trarão a correspondente multiplicação para
o produto de equilíbrio, mas não haverá mais investimentos, porque
não é possível pagar por eles, já que S é exógeno. A poupança é
uma questão cultural, que não depende das variáveis vistas aqui.
É o que esperaríamos para o investimento na situação anterior,
quando ele não era feito depender da taxa de juros , como podemos
observar na Figura 14.

Módulo 2
71
Macroeconomia

Demanda
agregada

G=0
Y=C+I
C = Co + bY

Y
Figura 14: Investimentos não dependentes de taxa de juros
Fonte: Elaborada pelo autor

Existindo esses dois pontos, cabe nos questionar por que a


curva IS não é convexa, ou seja, com sua curvatura voltada para a
parte superior do gráfico conforme figura. Ela implica que, para
taxas decrescentes de juros, são feitos proporcionalmente menos
investimentos, já que o produto de equilíbrio não cresce
proporcionalmente com a diminuição dos juros. Essa é uma hipótese
possível, mas não razoável em termos práticos. Esperamos que uma
taxa de juros mais alta permita que sobrevivam, sejam viáveis
economicamente, apenas aqueles projetos especiais, com altas taxas
de rentabilidade. À medida que a taxa de juros da economia for
baixando, espera-se que a quantidade de projetos cresça bastante,
como apresentamos na Figura 15.

Y
Figura 15: Forma convexa da curva taxa de juros x produto
Fonte: Elaborada pelo autor

72 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

Essa possibilidade de que os projetos de investimento estejam


ranqueados segundo uma ordem de rentabilidade – onde no topo
estejam aqueles especiais, poucos, mas com alta rentabilidade,
vindo a seguir muitos com média rentabilidade e em seguida uma
infinidade com baixa rentabilidade – abre caminho para uma
discussão sobre uma possível forma côncava da curva IS (com a
cavidade voltada para cima). Para altas taxas de juros, poucos
projetos especiais poderiam ser contemplados com investimentos,
gerando a multiplicação do produto de equilíbrio para valores já
afastados de zero. Não precisamos fazer as hipóteses anteriores
para justificar como a economia poderia encontrar um equilíbrio
com um produto muito próximo a zero. Para taxas de juros baixas,
o produto de equilíbrio seria infinito, já que infinitos produtos
poderiam merecer investimentos, como podemos verificar na Figura
16. Não é o caso, já que precisamos limitar esse produto àquilo
que a economia oferece como produto potencial no longo prazo.
Assim, nem existem esses infinitos projetos na economia, e se
existissem necessitariam de uma capacidade de expansão do
produto que não está disponível em curto e em longo prazo.

Produto máximo
ou
Produto potencial

Figura 16: Forma côncava da curva taxa de juros x produto


Fonte: Elaborada pelo autor

Adotamos uma curva IS na forma de uma reta. Pode aparecer


ainda um trecho vertical correspondente a taxas de juros acima ou
abaixo das quais o investimento é autônomo, ou seja, não depende
dos juros. São os trechos keynesianos da curva IS, conforme as

Módulo 2
73
Macroeconomia

várias ilustrações da Figura 17. É difícil discutir o valor de uma


taxa de juros (i) para a qual a curva deixe de ser vertical. É melhor
conduzir análises separadas, ou seja, keynesianas e não
keynesianas, como apresentamos na Figura 17.
Curva IS

i i i

IS
Análise Trecho keynesiano
keynesiana

Trecho keynesiano
IS

Y Y Y

i i i
Trecho keynesiano
IS

Trecho keynesiano
Análise quase keynesiana
IS
Trecho keynesiano

Y Y Y

Análise não keynesiana

Y
Figura 17: Diferentes formas da curva IS com trechos keynesianos
e não keynesianos
Fonte: Elaborada pelo autor

Conseguimos desenhar a curva IS utilizando o gráfico de


demanda efetiva e fazendo variar, de maneira qualquer, o
investimento para cada taxa de juros. Fizemos isso para três pontos
na curva de demanda efetiva, analisamos a conveniência de utilizá-
la como uma reta e não como uma curva côncava ou convexa.
Vamos tentar derivá-la através de outros expedientes, que
comprovem que a forma da curva IS é essa mesma. Vamos começar
utilizando a curva de poupança correspondente à curva de demanda

74 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

efetiva. Como sabemos, para rendas maiores, a poupança é


proporcionalmente cada vez maior, já que a propensão marginal a
poupar é um número positivo. Isso pode ser verificado no exemplo
abaixo, simulando valores para Y e verificando em termos
percentuais qual o valor que a poupança alcança.

Consumo => C = 10 + 0,6 Y


Poupança => S = –10 + 0,4 Y
Para Y = 100, temos C = 70 e S = 30, onde S/Y = 30%
Para Y = 200, temos C = 130 e S = 70, onde S/Y = 35%

Se na condição de equilíbrio as injeções devem ser iguais


aos vazamentos, ou seja, os investimentos devem ser iguais à
poupança, tem-se que quanto maior a renda mais do que
proporcionalmente maiores devem ser os investimentos. Isso só é
possível pelo ajuste da taxa de juros, ou seja, taxas de juros que
tornem viáveis uma quantidade mais do que proporcional de projetos.
Outra maneira de derivar a curva IS é recorrer ao diagrama
de demanda de investimento e oferta de poupança tomando como
base a sua relação com a taxa de juros. Abandonamos a geração
da poupança a partir do gráfico de demanda efetiva e partimos
direto para aquilo que o bom-senso indica. No gráfico abaixo, a
poupança é tanto maior quanto maior a taxa de juros.
Considerando um deslocamento para cima e para esquerda da oferta
de poupança, por um aumento da renda, nesse caso os
investimentos também crescem e o valor da taxa de juros de
equilíbrio deve baixar. A partir desse equilíbrio de poupança e
investimento, é estabelecida a curva IS. Note que por conveniência
estabelecemos essa curva como uma reta. Isso implica que as curvas
de oferta de poupança em função da taxa de juros também sejam
retas, como apresentamos na Figura 18.

Módulo 2
75
Macroeconomia

Oferta
de Deslocamento da
poupança curva de oferta por
um aumento em Y

Figura 18: Deslocamento da curva de oferta por um aumento da taxa de juros


Fonte: Elaborada pelo autor

Essa última explicação está ligada à teoria dos fundos


emprestáveis, herdada dos clássicos. Estes admitiam o equilíbrio
automático entre poupança e investimento, sendo que a taxa de
juros faria o papel da mão invisível para regular o mercado de títulos.
Se houvesse muita poupança dirigida aos bancos, os valores
cobrados por empréstimos destinados a investimentos seriam
baixos. De forma contrária, se houvesse muita demanda por
empréstimos para investimento, os bancos incentivariam a
poupança oferecendo taxas de juros maiores. A curva IS é facilmente
derivada na medida em que fazemos variar a renda no eixo dos X.
Para rendas maiores, a poupança é maior, pela propensão marginal
a poupar. Para que essa poupança possa ser absorvida por
investimentos, é necessário que a taxa de juros seja menor. Portanto,
os pontos de equilíbrio entre renda e taxa de juros encontram-se
sobre uma curva com inclinação descendente. Sem ter imposto
nenhuma exigência para a equação de propensão marginal a
poupar e a sensibilidade dos investimentos, adotamos uma curva
IS na forma de um trecho em reta, quando a forma da curva poderia,
novamente, ser qualquer.
Finalmente, a curva IS pode ser obtida por pura intuição.
Um aumento da taxa de juros deve levar à diminuição do produto
da economia, como podemos verificar na Figura 19. Os juros
elevados travam o consumo, diminuem a atratividade dos
investimentos e incentivam a poupança (o que pelo paradoxo da
poupança, que vimos antes, pode ser ruim para a demanda efetiva).

76 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

Dessa forma, traçamos diretamente a curva IS, como abaixo, apenas


fazendo com que os eixos sejam invertidos. O importante é sempre
lembrar que os pontos sobre a curva IS são pontos de equilíbrio, ou
seja, se os juros altos prejudicam a economia, todos os seus efeitos
já foram incorporados, a economia já encontrou um novo ponto de
equilíbrio, uma nova renda (produto) onde isso é possível. Nesse
sentido, a curva IS é um resumo de vários acontecimentos que
levaram ao ajuste da economia.

Curva IS

Figura 19: Diminuição do produto por uma elevação da taxa de juros


da economia
Fonte: Elaborada pelo autor

Em ocasiões anteriores, sempre tivemos o cuidado de


expressar as relações obtidas a partir da demanda efetiva
considerando se estávamos diante de uma situação ex-ante ou
ex-post, ou seja, se o consumo, a poupança, o investimento, os
gastos de governo e os tributos eram planejados (desejados) ou se
eram efetivos. Para tudo o que fizemos até agora na explicação de
IS, podemos afirmar que as análises seriam iguais, caso falássemos
de consumo real, investimento real, gastos de governo e tributos
reais. A única coisa importante, fiel à tradição keynesiana, é que
mantivemos o nível geral de preços constante. Ou seja, os ajustes,
a busca do equilíbrio, foram obtidos numa perspectiva mais de curto
prazo, no qual, segundo os discípulos de Keynes, os preços poderiam
ser tomados como rígidos. É claro que uma análise ex-post é mais
suscetível ao raciocínio de que depois de uma série de ajustes os
preços tenham se modificado. Dessa maneira, a construção da curva

Módulo 2
77
Macroeconomia

IS, nesse primeiro momento, é mais adequada ao curto prazo e à


existência de preços rígidos. Posteriormente, precisaremos estender
a análise para o longo prazo e para os preços flexíveis.
Neste momento, é importante avaliar o significado de outros
pontos que estejam representados no diagrama taxa de juros e renda
e que não se situem sobre a curva IS, isto é, pontos que não estejam
em equilíbrio. Seja um ponto como A, situado acima da curva IS
que apresentamos na Figura 20. Para a renda Ya, a taxa de juros é
muito elevada, isto é, não são feitos investimentos em quantidade
suficiente para absorver todo o produto da economia e a renda da
economia. A curva de demanda agregada, compreendendo todos
os seus itens, como consumo agregado, gastos do governo e
investimentos, corre abaixo da curva de 45º, que representa a
igualdade entre despesas e produto. Para o ponto B, situado abaixo
da curva IS, a taxa de juros é muito baixa em relação ao patamar
Yb de produto da economia. A essa taxa de juros baixa há demanda
por investimentos muito maiores, o que faz com que a demanda
agregada esteja acima das possibilidades da economia, está acima
da linha de 45º de equilíbrio entre demanda e produto. Assim,
somente pontos como C e D representam situações de equilíbrio,
onde a demanda é igual ao produto.

78 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

DA DA

C+G+I
C + G + I (equilibrado)
(possível a taxa ib)
C+G+I C + G + I (equilibrado)
(possível a taxa ia)

Ya Y Yb Y
i i

ia A

ib B

Y Y

DA

C + G + I (equilibrado)

C + G + I (equilibrado)

Yc Yd Y
i

ic C

id D

Figura 20: Pontos fora da curva IS e sua representação na curva


de demanda agregada
Fonte: Elaborada pelo autor

Módulo 2
79
Macroeconomia

UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO


PARA A FORMA DA CURVA LM –
A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA

Para os clássicos, a Teoria Quantitativa da Moeda ensinava


que a quantidade de moeda em circulação em uma economia era
função do nível geral de preços, da quantidade de transações e da
velocidade com que essas transações ocorriam. Como já discutimos
anteriormente, o nível geral de preços de uma economia é uma
variável externa, formada ao longo do tempo e expressa por uma
moeda qualquer. Se de uma hora para outra forem cortados três
zeros de uma moeda, o nível geral de preços cai 1000, assim como
é de 1:1000 a relação entre a nova moeda e a antiga. Veremos que
esse ajuste é apenas nominal, não tem efeitos reais. A quantidade
de transações está ligada ao produto da economia, ao tamanho da
sua economia. Quanto maior o produto, é de se esperar que cresça
proporcionalmente a quantidade de moeda necessária para fazer
fluir os negócios. Por fim, existe uma forma de ajustar essa
quantidade de moeda que é a velocidade das transações. Em caso
de inexistência de moeda para fazer frente aos negócios, estas
podem ser desdobradas em um número maior de transações,
realizadas mais vezes ao longo do período de análise. Imagine
alguém que tenha uma renda diária e faça compras com dinheiro
em espécie por ter dificuldade em ter alguma forma de crédito, como
cartões. Essa pessoa acaba comprando, em princípio, a mesma
quantidade de bens ao longo do mês, mas faz um número muito
maior de compras no período.

80 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

A quantidade total de transações em certo período é então


igual à quantidade de moeda, multiplicado pelo número de vezes
que esta circula. Ocorre que a variável de interesse para a
macroeconomia não é o número de transações que envolvem todos
os negócios feitos na sociedade com bens finais e intermediários,
novos e usados, e sim o seu produto. Como veremos, o produto é
calculado apenas levando em conta os bens finais novos, colocados
na sociedade em certo período. Acredita-se que esse produto tenha
uma forte correlação com o número de transações totais, desse modo
podemos fazer uma adaptação na teoria quantitativa da moeda.

(p . q) = M . v
Y=M.v

Podemos expressar o produto através da multiplicação de


quantidades ponderadas por um preço ponderado. É como se
tivéssemos uma quantidade média produzida de todos bens e
serviços, multiplicado por um preço médio desses bens e serviços.
Vamos chamar essa quantidade média ponderada de itens como Q
e o preço médio desses bens de nível geral de preços, P. Assim, temos:

Y=P.Q=M.v

Vamos considerar a oferta real de moeda, ou seja, seu valor


qualquer M dividido pelo nível geral de preços. Assim expressamos
também o produto em termos reais, retirando o componente qualquer
que é dado pelo nível geral de preços:

Y (P . Q) M . v
= =
P P P
Yn = (Pn . Q) = Mn . v

Desse modo, o produto real, físico, é igual à quantidade de


moedas reais (não nominais) multiplicado pela velocidade de
circulação. Estamos no campo das coisas tangíveis, palpáveis,
mensuráveis. Podemos medir a quantidade física de bens e serviços
produzidos e sua velocidade de circulação real. Essa velocidade de
circulação da moeda pode ser considerada em um primeiro momento

Módulo 2
81
Macroeconomia

como constante, fruto de uma maneira usual de fazer negócios na


sociedade. É um traço cultural da sociedade que pode ser
modificado lentamente no longo prazo. É o caso de fazer compras
no supermercado semanalmente ou mensalmente, dependendo das
facilidades de estocagem, de transporte das mercadorias e das
expectativas quanto à subida de preços das mercadorias.
Dada a quantidade real de moeda ofertada pelas autoridades
monetárias e admitindo que v é constante em um primeiro momento,
tem-se que para acomodar valores diferentes de Y, como aqueles
causados pelo efeito multiplicador aplicados na curva de demanda
efetiva, necessariamente o nível de preços deve se alterar. Para
manter o equilíbrio, um produto Q maior deve estar associado com
um nível de preços Pn menor, já que M e v são fixos. Contrariamente,
se Q diminuir, o nível de preços Pn deve aumentar. Essas noções
estão intuitivamente corretas, se as associarmos às curvas de
demanda da microeconomia. A demanda é menor para preços
maiores e maior para preços menores.
O problema é que a curva LM que queremos estabelecer
deve estar ligada aos juros, custo de reter moeda. Poderíamos
resolver essa situação ao associar a velocidade de circulação aos
juros. É razoável supor que com uma quantidade menor de dinheiro
em mãos, para não pagar juros elevados pela sua retenção, somos
obrigados a fazer um maior número de transações para adquirir a
mesma quantidade final de bens. O problema é que, como vimos, a
experiência empírica indica que a velocidade de circulação da
moeda é bastante constante no curto prazo e não indicação que
seja função da taxa de juros. Assim é melhor fazer com que M/P
seja função da taxa de juros, que é o que justificaremos daqui em
diante. Isso irá finalmente redundar no modelo IS-LM, que é o
sucedâneo elegante da Teoria Quantitativa de Moeda para explicar
a forma da curva de demanda agregada.

82 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

A GERAÇÃO DA CURVA LM

Uma maneira simplória de apresentar a curva LM é


apresentar a evidência empírica de que em estado de equilíbrio
valores mais elevados de renda estão associados a taxas de juros
mais elevados, para um valor de M constante. Parece claro, valores
maiores de Y requerem que seja aumentado o estoque de moeda
para transação: este é deslocado do estoque de moeda para
especulação, através de uma taxa de juros maior, como mostramos
na Figura 21. Aqui é preciso entender o que verdadeiramente
acontece. Antes as pessoas tinham títulos e os bancos (ou o governo)
retinha o dinheiro das pessoas. Agora as pessoas vão ao banco e
devolvem os títulos e ficam com o dinheiro. Uma parcela menor de
pessoas ainda deseja comprar títulos e só irão fazer isso se as taxas
de juros que recebem pela compra de títulos são elevadas.

i
M2

M1

Y
Figura 21: Dados estatísticos para geração da curva LM
Fonte: Elaborada pelo autor

Módulo 2
83
Macroeconomia

Outra forma de explicar essa subida da taxa de juros é obtida


observando-se que os títulos são vendidos por um valor menor, o
que parece razoável: uma inundação de títulos no mercado faz com
que seus preços baixem, pela lei da oferta e da procura. Existem
mais títulos sendo vendidos que pessoas desejando comprá-los. A
pergunta é: qual a relação entre preços de títulos baixos e
altas taxas de juros?
Os títulos geralmente têm um valor de face, que será pago
quando estes atingirem a maturidade, ou seja, ao final do prazo
estipulado. Antes desse prazo, os títulos são negociados no mercado
por um valor menor do que o seu valor de face. Quanto mais próximo
do vencimento maior é esse valor. A diferença entre o valor
negociado e o valor de face é a taxa de juros que será ganha no
negócio até a maturidade. Assim, para um mesmo momento de
venda, menos títulos negociados significam taxas de juros mais altas
e mais títulos negociados.
Uma segunda maneira de retratar a curva LM é observando
curvas de demanda por moeda, onde o preço é determinado pela
taxa de juros e a quantidade pela disponibilidade de moeda. Chama-
se a essa quantidade de moeda em poder do público, a sua demanda
por liquidez, de encaixe monetário. Para cada nível de produto
Y, tem-se uma curva de demanda por encaixes monetários. Sendo
a oferta monetária fixa, no valor de M, obtêm-se os pares de pontos
que vão dar origem à curva LM.

84 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

ESPECULAÇÕES QUANTO À
FORMA DA CURVA LM

A forma da curva LM é dominada, determinada, pela forma


da curva do gráfico de demanda por moeda para especulação. Esse
gráfico, quando rebatido para os eixos da curva LM, determina a
sua curvatura. Vamos investigar algumas hipóteses relativas à forma
dessa curva de demanda de moeda para especulação. Ela poderia
ser convexa, ou seja, com a curvatura voltada para cima, como
mostrada na Figura 22. Isso determinaria a existência de uma taxa
de juros (ia) em que nenhuma moeda seria desejada para
especulação. É possível, mas sempre é mais razoável em economia
esperar que ainda existam motivos para especular mesmo diante
das taxas muito elevadas de juros: sempre há a possibilidade de
alguns raros negócios espetaculares estarem à espreita,
recomendando que famílias e organizações reservem alguma
liquidez para embarcar nessas aplicações. O mais grave, no entanto,
é que uma curva convexa indica que, para taxas de juros cada vez
menores, as pessoas proporcionalmente desejam reter menores
quantidades de moeda para especulação. Isso é contrário ao senso
comum: sendo o custo de reter dinheiro baixo, mais vale ficar
esperando por negócios do que destiná-lo a outros usos.

Módulo 2
85
Macroeconomia

i i
ia
ia

L L

Figura 22: Forma convexa da curva LM e a forma linear tradicional


Fonte: Elaborada pelo autor

Neste sentido, se usássemos uma reta inclinada para


representar a demanda por moeda, teríamos os mesmos problemas
descritos anteriormente para a curva convexa. Chamamos essa reta
de forma tradicional na Figura 22. É tradicional, porém há esses
problemas conceituais no encontro com o eixo das ordenadas e
das abscissas. Resta-nos então a única possibilidade de adotar uma
curva côncava qualquer (com a concavidade voltada para cima)
para representar essa curva de demanda.
Essa forma de representação, ao não tocar o eixo das
abscissas e das ordenadas, tem duas vantagens. Ao não tocar o
eixo das ordenadas, informa que mesmo a altas taxas de juros
sempre é o caso de reter alguma moeda para especular, na espreita
de algum negócio espetacular, que apresentamos na Figura 23. Ao
não tocar o eixo das abscissas, informa que se pode atingir um
valor tão baixo para a taxa de juros que as pessoas desejam reter
toda a moeda para fins especulativos. Qualquer negócio que venha
a acontecer no futuro é melhor do que as aplicações atuais, e reter
dinheiro não tem custo. Esse trecho será objeto de análises
importantes naquilo que se convencionou chamar de armadilha da
liquidez. Certas políticas monetárias podem ser infrutíferas ao
inundar o mercado com moeda, porque isso simplesmente causa o
seu entesouramento por parte do público. A moeda não entra em
circulação, é simplesmente transferida dos cofres do governo para os
cofres particulares.

86 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

Curva côncava

Ordenadas

Abcissas L

Figura 23: Forma côncava da curva LM


Fonte: Elaborada pelo autor

Tendo obtido uma primeira curva LM, de formato côncavo,


resta-nos agora buscar seu equacionamento matemático, para
entendermos o que justifica suas várias declividades e seu possível
deslocamento. Como sempre, estamos preocupados em saber como
percorrer para cima e para baixo uma mesma curva LM e como
saltar entre curvas situadas mais acima e mais abaixo.
Resta-nos resolver, mais tarde, um pequeno problema
conceitual. A taxa de juros adotada na curva LM é a taxa nominal,
ou seja, a taxa real sobreposta, acrescida a inflação. Este é o
verdadeiro custo de reter dinheiro. Não se perde somente o juro
real, e sim tudo aquilo que as aplicações financeiras pagam. Quando
viermos a fazer a integração da curva LM com a curva IS, teremos
de fazer a compatibilização das taxas de juros. Os investimentos,
modelados pela curva IS, são afetados pela taxa de juros real e não
pela nominal, enquanto a especulação é governada pela taxa de
juros nominal.

Módulo 2
87
Macroeconomia

PONTOS SITUADOS FORA DA CURVA LM

A curva LM é o lugar geométrico dos pontos que estão em


equilíbrio, tendo a moeda sido distribuída para o mercado de títulos
(ou deixada líquida em mãos do público para especulação) e para
o mercado de bens e serviços, onde ela fará funcionar as relações
de troca. Cabe analisar o que acontece com pontos que estejam
fora dessa relação de equilíbrio. Seja o ponto A situado acima da
curva LM. Para certo produto Y, a taxa de juros é muito elevada, o
que determinou a retração dos investimentos e a menor necessidade
de moeda para transação. Da mesma forma, não é o caso de reter
moeda para especulação, já que o custo da retenção é alto devido
às altas taxas de juros. Finalmente, a moeda poderia encontrar sua
aplicação no mercado de títulos, já que este está oferecendo taxas
altas. No entanto, como essas aplicações no setor bancário devem
retornar ao mercado na forma de investimentos, e estes estão
retraídos, a tendência é de baixa na taxa de juros.
Assim, para as duas primeiras aplicações dos recursos
monetários (moeda para transação diante de um produto menor e
moeda para especulação, diante de taxas de juros elevadas) há
excesso de moeda. Para a terceira aplicação (destinação da moeda
para o mercado de títulos), a situação é discutível: é convidativo
fazer as aplicações pelas taxas elevadas de juros, mas na outra
ponta poucos desejam tomar empréstimos a essas taxas elevadas.
Isso faz com que haja um desequilíbrio. Esse desequilíbrio será
resolvido pela baixa da taxa de juros para o ponto C do gráfico
da Figura 24.

88 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

C
D

B
L

Figura 24: Pontos fora da curva LM


Fonte: Elaborada pelo autor

O ponto B, situado abaixo da curva LM, representa um ponto


de excesso de oferta de moeda, que precisa ser corrigido. É um
desequilíbrio que o mercado se encarregará de trazer de volta para
uma situação de equilíbrio, no caso o ponto D.
Vejamos o que acontece. A taxa de juros é baixa em função
do produto da economia. Para esse produto, é necessário um volume
maior de moeda para transações. Esse volume é feito ainda maior
porque fica barato aumentar a quantidade de moeda para
especulação, já que o custo de sua retenção, em função dos juros
pequenos, é convidativo. A moeda poderia vir da venda de títulos,
já que os juros estão baixos e não há grandes perdas em se desfazer
das aplicações bancárias.
No entanto, como a economia tem potencial de crescimento,
na medida em que a quantidade de moeda para transações está
emperrando os negócios, a demanda por investimentos tem tudo
para crescer. Maiores investimentos precisam de mais recursos a
serem emprestados junto aos bancos, e assim existem perspectivas
de que a taxa de juros venha a crescer no mercado de títulos.
Fica assim desaconselhado desfazer-se das aplicações agora.
É melhor deixar essas aplicações como estão. Isso tudo faz com
que exista excesso de demanda por moeda para as duas das três
finalidades as quais ela é destinada, e uma situação instável quanto
às aplicações no mercado de títulos. A maneira de resolver essa

Módulo 2
89
Macroeconomia

situação e voltar ao equilíbrio é aumentar a taxa de juros, fazendo


com que o dinheiro seja liberado de sua retenção especulativa e
direcionado as transações comerciais, ou seja, caminhando em
direção ao ponto D.

90 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

DIFERENTES INCLINAÇÕES E
DESLOCAMENTOS DO TRECHO
INTERMEDIÁRIO DAS CURVAS LM:
UMA APRESENTAÇÃO GRÁFICA DE
DIFERENTES CURVAS LM COM SEUS
TRECHOS CLÁSSICOS, INTERMEDIÁRIOS
E KEYNESIANOS

A partir de um desenho esquemático, avaliaremos as curvas


LM, como podemos verificar na Figura 25, que resultam das
mudanças das variáveis exógenas, M e b. O valor de b
(sensibilidade à taxa de juros) estaria associado ao trecho
intermediário inclinado da curva LM. Lembramos que também
poderíamos realizar deslocamentos da curva LM variando o
multiplicador k (inverso da velocidade de circulação da moeda),
mas deixamos essa possibilidade de lado.

Módulo 2
91
Macroeconomia

i i

i1 i1

i2

Y1 Y2 Y3 Y4 Y Y1 Y2 Y3 Y

i i

i1
i2

i2

i3 i1

Y1 Y2 Y3 Y Y1 Y2 Y3 Y4 Y
Curvas para diferentes valores de b (sensibilidade aos juros)

Figura 25: Diferentes trechos intermediários de curva LM e suas concordâncias


com os trechos clássicos e keynesianos
Fonte: Elaborada pelo autor

92 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

O MERCADO DE TÍTULOS E MOEDA PARA


TRANSAÇÃO E PARA ESPECULAÇÃO
DIANTE DA ALTERAÇÃO DE SENSIBILIDADE
AOS JUROS DA ECONOMIA

Vamos observar um mecanismo que faz com que as taxas


de juros modifiquem-se em relação a essa maior ou menor
sensibilidade de moeda retida para especular em relação aos
atrativos do mercado. Em nosso exemplo, vamos admitir, apenas
para efeitos didáticos, que passamos de uma situação de menor
para maior sensibilidade aos juros. A curva LM torna-se menos
inclinada, mais semelhante a uma curva clássica e mais afastada
de uma curva keynesiana.
Vamos admitir o caso de aumento da necessidade de moeda
para transações. Esses valores têm de ser liberados dos mercados
de títulos ou do dinheiro que estava retido anteriormente para
especulação. Se elas passam de uma situação de menor para maior
sensibilidade, pequenas variações das taxas de juros agora liberam
grandes quantidades de recursos que estavam retidos para
especulação. Para liberar a quantidade necessária para as
transações, ao passar de um nível de produto Y1 para Y2, os juros
não precisam aumentar tanto quanto aumentariam na situação
anterior de menor sensibilidade. Neste momento, parte da moeda
ofertada pelo Banco Central estava presa nas transações relativas
a Y1. Outra parte foi deslocada das aplicações para completar o
que é necessário para as transações correspondentes a um produto

Módulo 2
93
Macroeconomia

Y2. No entanto, como os juros estão mais elevados, parte da moeda


para especular foi destinada às aplicações. No nosso modelo, a
quantidade de moeda é fixa. Assim, podemos dizer que esse
rearranjo entre moedas para especular a moeda que estava em
aplicações resultou apenas em uma redistribuição entre moeda para
especular e para transações. O valor restante em aplicações termina
sendo o mesmo nas duas situações, ou seja, em uma situação de
alta ou de baixa sensibilidade.

Mas por que essa mesma massa de valores fica satisfeita


ao ser aplicada a uma taxa de juros menor do que no
caso anterior?

Houve, como vimos, apenas uma redistribuição entre o


dinheiro destinado à transação e à especulação, fazendo com que
o segundo alimentasse o primeiro. Ao passar de Y1 para Y2,
aumentam os investimentos na economia, dessa maneira se tem
potencialmente uma maior demanda por empréstimos para financiar
esses investimentos. Os juros aumentam para equilibrar o mercado
de títulos, mas não tanto como o caso em que há pouca
sensibilidade aos juros. O que está ocorrendo?
Em vez de fazer a moeda, liberada de especulação, alimentar
a quantidade de moeda para transação, vamos imaginar um
fluxograma circular do dinheiro liberado de especulação. Este será
aplicado em títulos a uma nova taxa de equilíbrio. A quantidade de
moeda disponível cai pelo exato montante dessa aplicação no
mercado de títulos. Precisamos assim liberar um volume igual de
moeda para atender o aumento de transações, vendendo títulos.
O mercado de títulos, estando em equilíbrio, aceita liberar essa
moeda a determinada taxas de juros, mesmo com taxas de juros
um pouco mais elevadas. Assim como tinha aceitado receber a
aplicação do dinheiro vindo da especulação. Volta-se a obter o valor
de M = moeda total, para qual a curva LM foi elaborada.
Por serem mais sensíveis à taxa de juros, os integrantes do
mercado agora aceitam tanto aplicar a taxas menores o dinheiro

94 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

liberado da especulação como desaplicar títulos em montantes


necessários para cobrir o aumento da necessidade de moeda para
transação. Como são mais sensíveis às taxas de juros, agora
qualquer rentabilidade obtida no aumento das transações passa a
ser interessante. Antes, quando eram menos sensíveis, precisavam
de juros maior para ser atrativo aplicar o valor liberado da
especulação. Da mesma forma, só venderiam os títulos se a taxa de
juros fosse mais atrativa, mais alta, por serem menos sensíveis a
esta. Os negócios que fariam colocando o dinheiro em transações
tinham de ser muito rentáveis para valer a pena abandonar o
mercado de títulos. O exemplo abaixo ajuda a entender
numericamente o equilíbrio nos vários mercados, como podemos
verificar na Figura 26.

MT MT

80

30

Y 20 70 L

MT MT

15% B 15

10% A C 10
5
5%

20 70
A B, C M transação = +50
M Transação = 30 M Transação = 80 L especulação = - 50
L especulação = 70 L especulação = 20
Moeda Total = 100 Moeda Total = 100

No ponto B: L especulação = 50 aplicado a 15% e Títulos = 50 vendidos a 15%


No ponto C: L especulação = 50 aplicado a 8% e Títulos = 50 vendidos a 8%

Figura 26: Liberação da moeda para transação ao passar de Y1 para Y2 com


diferentes sensibilidades aos juros
Fonte: Elaborada pelo autor

Módulo 2
95
Macroeconomia

DESLOCAMENTOS DA CURVA LM

Até agora considerávamos a quantidade de moeda fixa.


Vamos agora per mitir que ela seja alterada e avaliar os
deslocamentos que ocorrem na curva LM. Os gráficos da Figura 27
ilustram deslocamentos da curva LM. O aumento da quantidade
de moeda ofertada pelas autoridades econômicas empurra a curva
LM para baixo e para a direita. O que de fato está ocorrendo nos
mercados de títulos e de bens para explicar essa forma de curva?
Dado um valor de Y, o aumento da quantidade de moeda faz com
que sobre agora mais moeda para especular. Com mais moeda
disponível para fazer as aplicações no mercado de títulos, estes
têm uma taxa de juros menor, ou seja, como muita gente quer
comprar, a atratividade desses títulos não precisa ser tão alta.

LM1
i

LM2

Figura 27: Deslocamento da curva LM por um aumento de moeda e circulação


Fonte: Elaborada pelo autor

96 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

Finalmente, apenas como exemplo, mostramos graficamente


na Figura 28 o que acontece quando a velocidade de circulação do
dinheiro muda. Quando aumenta a velocidade de circulação do
dinheiro, ou seja, k é um valor pequeno, a curva LM desloca-se
para baixo e para a direita. A interpretação é fácil. Para um mesmo
produto (Y), é possível uma menor taxa de juros para liberar
dinheiro da especulação para as transações. Esse pequeno valor
liberado é capaz de girar muitas vezes, atendendo às necessidades
de transação desse valor de produto.

Yo Y

Figura 28: Deslocamento da curva LM por um aumento da velocidade da


circulação da moeda (k menor)
Fonte: Elaborada pelo autor

Módulo 2
97
Macroeconomia

A ANÁLISE CONJUNTA
DAS CURVAS IS E LM

EQUILÍBRIO NA ECONOMIA: UMA INTERPRETAÇÃO A


PARTIR DAS CURVAS IS-LM

Agora que entendemos o comportamento, os deslocamentos


e as inclinações das curvas de forma isolada, vamos reuni-las em
uma análise conjunta. Vamos mais uma vez lembrar que, apesar
de todas as interpretações rebuscadas apresentadas anteriormente,
as curvas isoladamente representam apenas pontos de equilíbrio
no mercado de bens e serviços e no mercado de ativos. Dito de
outra maneira, os vários pontos sobre as curvas vão existindo para
uma economia em particular, sujeitos a um sem-número de
variáveis. A importância das curvas é que são capazes de reunir
todas as informações em cada gráfico isoladamente. Se você acha
que as explicações anteriores foram complicadas, pode simplificar
o seu problema admitindo que as curvas são assim, são dadas, são
o que são, elas existem na economia quando esta atinge vários
pontos de equilíbrio determinados por circunstâncias diferentes.
Agora vamos dar um passo adiante em termos de equilíbrio.
As duas curvas, que lembram em seu formato as onipresentes curvas
de demanda e de oferta, têm um ponto de cruzamento que é o
equilíbrio dos equilíbrios, que podemos verificar na Figura 29. É
um ponto único, o único possível, no qual o mercado de bens e o
mercado de ativos são coerentes, podem comunicar-se, guardam

98 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

uma variável em comum, que é a taxa de juros. Os mercados de


bens e os de ativos têm vários pontos de equilíbrio individualmente
e agora têm um ponto de equilíbrio entre si. Se quisermos cunhar
uma frase de efeito, podemos dizer que os mercados estão em
equilíbrio em si e entre si.

IS LM

Curva IS-LM Y

Figura 29: Análise conjunta das curvas IS-LM e o ponto de equilíbrio


Fonte: Elaborada pelo autor

Esse ponto de equilíbrio pode ser pensado como o encontro


de uma curva de demanda e uma de oferta. A demanda é
representada pela quantidade de bens e serviços que a sociedade
produz e está disposta a consumir (o produto y é sempre tomado
igual à renda e ao dispêndio em nossas análises). O preço desses
bens e serviços está representado pela taxa de juros.
Vimos que tomar juros como um preço faz algum sentido
quando pensamos em investimentos: quanto mais baratos os
investimentos maior a demanda por eles, quanto menores as taxas
de juros maiores as demandas por investimento. Como a curva IS
foi construída tomando os investimentos como um espelho da
demanda efetiva (envolvendo consumo, investimentos e gastos do
governo), faz sentido estender essa noção de preços (taxa de juros)
para o restante da curva de demanda, não só para investimentos.
Por outro lado, a curva LM parece ser uma curva de oferta.
E é! É a oferta de moeda necessária para suprir as transações e o
desejo por especulação dos agentes econômicos. Em uma curva de

Módulo 2
99
Macroeconomia

oferta, quanto maior o preço maior a intenção dos produtores em


oferecer seus bens e produtos. No caso aqui, os preços são
representados pela taxa de juros e a quantidade ofertada precisa
de uma interpretação especial. Sabemos que cada curva LM é
desenhada para uma quantidade fixa de moeda, quantidade esta
função de decisões das autoridades monetárias. Assim, não é
verdade que se trata de uma oferta de moeda, já que esta é fixa.
O que a inclinação da curva LM quer significar é a junção de dois
componentes de uma oferta total. O primeiro é a quantidade de
moeda que é necessária separar do total de moeda disponível, para
permitir transações cada vez maiores, na medida em que o produto
cresce. O segundo é a quantidade de moeda que é preciso ser
retirada do mercado de títulos, para alimentar tanto a crescente
necessidade de moeda por transação quando Y cresce como a
necessidade de manter líquida moeda para especulação, mesmo
que com essa retirada das aplicações financeiras tenha-se perdas
por não estar mais recebendo juros.
Em resumo, a curva LM representa os pontos onde se
consegue o equilíbrio entre duas espécies de moeda que fazem um
total fixo de M: a moeda para transação e a moeda para especulação,
sendo as duas usadas para aplicações em ativos. Para um M fixo, o
crescimento da quantidade de moeda para transação se faz o custo
de moeda reservada para especulação. Vimos que, pelo equilíbrio
walrasiano, quando conseguimos estabelecer o equilíbrio de uma
das partes que faz o todo, estamos automaticamente estabelecendo
o equilíbrio para aquela parte que complementa o todo, assim como
para o próprio todo.
A ideia do equilíbrio geral, o equilíbrio dos equilíbrios, pode
ser enfatizada mostrando que mais duas situações podem ser
representadas como tendo encontrado o seu ponto onde todos os
agentes da economia estão satisfeitos. Não há ninguém
demandando bens, serviços, moeda ou mão de obra sem que
alguém responda a essa demanda com uma oferta adequada das
mesmas variáveis. Ao desenvolvermos a curva IS, sempre
enfatizamos que a demanda agregada seria multiplicada pelos
investimentos a serem feitos, atingindo o ponto de equilíbrio, no

100 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

qual o produto é igual à demanda. Deste modo, estamos sempre


em ponto de equilíbrio onde a despesa efetiva é igual à despesa
planejada, a demanda efetiva é igual à planejada. Assim, não há
variação de estoques na economia, esta já se permitiu algumas
rodadas para que os estoques anormais fossem consumidos ou
repostos. Estoques anormais teriam se formado se a demanda fosse
inicialmente inferior ao produto. Por outro lado, precisariam de
reposição se a demanda fosse inicialmente superior ao produto. De
passagem, relembramos que a curva IS leva esse nome porque representa
os pontos de equilíbrio entre investimento (I) e poupança (S).
O segundo ponto de equilíbrio é em relação ao mercado de
trabalho. Podemos estender a análise de equilíbrio para o longo
prazo, quando a economia atinge o seu nível natural de produto.
Nesse nível de produto, o mercado de trabalho é tal que todos que
desejam trabalhar estão empregados, ou seja, não há desemprego
intencional, como apresentamos na Figura 30. Esse nível de produto,
e de emprego, é representado pelo encontro das curvas IS e LM.
Assinala-se ali uma reta vertical representativa da oferta máxima
de emprego correspondente ao produto natural da sociedade.

Oferta no mercado
i
de trabalho

LM

IS

Y potencial Y

Figura 30: Equilíbrio em três mercados: bens, monetário e de trabalho


Fonte: Elaborada pelo autor

Já tínhamos derivado anteriormente uma situação


semelhante, na qual comparávamos a curva de demanda agregada,
a curva de oferta de longo prazo e a curva de oferta de curto prazo.
A curva de demanda sempre se encontra com a curva de oferta

Módulo 2
101
Macroeconomia

vertical de longo prazo: a curva de oferta de curto prazo é que se


desloca para também passar pelo ponto de equilíbrio, como
apresentamos na Figura 31. No caso do encontro das curvas IS,
LM e de emprego, a mesma coisa ocorre. A curva IS é representativa
da demanda, enquanto que a curva vertical de pleno emprego é a
própria curva de produto de longo prazo. Assim, elas sempre se
encontram. É a curva LM que se desloca buscando o equilíbrio.
Esta parece ser uma solução interessante para nossa visão da
economia como algo em que o bom-senso pode dar boas pistas.
O que interessa é a demanda psicológica das pessoas (a curva IS) e
a capacidade de produção da sociedade (no seu emprego máximo).
As questões monetárias virtuais, obtidas por convenção, não reais,
representadas pela curva LM, devem se ajustar à realidade física.

i Oferta no mercado
de trabalho

LM

IS

Y potencial Y

Figura 31: Deslocamentos da curva LM para adequar-se


às curvas IS e de oferta de trabalho
Fonte: Elaborada pelo autor

Como veremos na próxima unidade, a curva IS capta os


feitos físicos, reais, de uma política fiscal, enquanto que a curva
LM capta os efeitos indutores, sujeitos a convenções sociais, de
uma política monetária. São esses os dois grandes instrumentos de
política econômica que os governos vão lançar mão para obter a
estabilidade da economia.

102 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

O EQUILÍBRIO EM UMA PERSPECTIVA


CLÁSSICA OU KEYNESIANA

Voltando aos pontos iniciais de nossa derivação matemática,


utilizamos duas equações fundamentais, uma para desenvolver IS
e a outra para desenvolver LM. São elas:

Y = C (Y-T) + I(i) + G
M/P = L(i,Y)

A primeira equação é a equação usual de demanda efetiva,


onde o consumo C, a tributação (T) e os gastos do governo (G) são
exógenos. O investimento é função de i, a taxa de juros. A equação
é tal que Y e i se ajustam para garantir pontos de equilíbrio ao
longo da curva IS.
Na segunda equação, a oferta de moeda é exógena, sendo a
demanda por moeda (L) uma função de i e Y. Surge uma terceira
variável nessa equação, que é o nível geral de preços (P). No conjunto
das duas equações, existem, portanto, três variáveis que precisam
se ajustar, Y, i e P. Isso só é possível, matematicamente, se houver
uma terceira equação. Essa terceira equação depende dos
pressupostos que utilizamos para fazer a análise. Lembre-se que
afirmamos no início que as curvas IS-LM foram uma interpretação
do livro de Keynes, ou seja, elas foram criadas para suportar modelos
keynesianos de análise, onde os preços são rígidos no curto prazo
e flexíveis no longo prazo. Dissemos também que os clássicos não
aceitariam, em princípio, esse modelo, mas que ele é facilmente
estendível para acomodar a visão dos preços totalmente flexíveis
no curto e no longo prazo, como defendem os clássicos.
É justamente a terceira equação que adicionamos ao modelo
que define se estamos utilizando as curvas IS-LM em uma
perspectiva keynesiana ou clássica. Se tomarmos o nível geral de
preços como fixo, invariável, ou seja, P como uma constante,
estaremos em uma análise keynesiana. Nesse caso, bastam as duas
equações originais para achar um ponto de equilíbrio para as

Módulo 2
103
Macroeconomia

variáveis restantes, Y e i, já que P é constante. Porém, se fizermos


o produto constante, ou seja, Y = ao produto de pleno emprego,
estaremos em uma análise clássica. Bastam as duas equações
originais para achar o equilíbrio entre as variáveis restantes, P e i.

104 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

A MODELAGEM DOS CHOQUES


ECONÔMICOS ATRAVÉS
DAS CURVAS IS-LM

Damos o nome de choques a alterações que ocorram na


economia e que façam com que esta saia de sua situação de
equilíbrio. Já vimos como modelar os choques a partir das curvas
OA-DA, de oferta e de demanda agregadas. Agora vamos ver como
expressar esses choques através das curvas IS-LM. Posteriormente,
faremos uso dessas mesmas curvas para modelar os efeitos
corretivos aos choques propiciados pelas ferramentas à disposição
das autoridades econômicas, ou seja, as políticas fiscal e monetária.
Para fazer a análise dos choques, precisamos avaliar com
cuidado se estamos nos deslocando ao longo de cada uma das
curvas IS ou LM ou se estas é que estão se deslocando. Também
precisamos nos questionar sobre quais curvas estão envolvidas no
movimento geral em busca de um novo equilíbrio em curto e em
longo prazo.

Módulo 2
105
Macroeconomia

MODELAGEM DE CHOQUES A PARTIR DA CURVA IS

Vamos começar por modificações na curva IS. Examinemos


um choque de oferta, onde os preços dos insumos tornaram-se mais
caros ou estes menos produtivos. Intuitivamente podemos afirmar
que o produto, nesse caso, será menor. Se quiséssemos comprovar isso,
voltaríamos à análise das curvas de oferta e de demanda agregadas.
A curva de oferta agregada deslocou-se para cima e para a
direita: para qualquer nível de preços, a quantidade oferecida é
menor, porque agora é menos lucrativo produzir em função da maior
dificuldade (preços ou produtividade) relativa aos insumos.
Caminhamos ao longo da curva IS para cima, já que o produto Y é
menor. Nada ocorre com as características da curva LM, que não
tem nenhuma associação com o fato dos recursos produtivos se
tornarem mais escassos. A curva LM trata apenas do lado monetário
da economia e não de seus aspectos produtivos. No entanto, para
que a economia volte a encontrar o único ponto de equilíbrio
possível, a curva LM deve se deslocar para a esquerda e para cima,
como podemos verificar na Figura 32. Esse ponto é novamente o
pior que se poderia esperar para a economia, como acontece com
os choques de oferta negativos. O produto diminui, os juros
aumentam e o nível de preços aumenta (sabemos disso pela análise
anterior a partir das curvas OA-DA). Gera-se, desse modo, uma
inflação em curto prazo. Sem que outra medida seja tomada, em
longo prazo os preços dos insumos ajustam-se, a economia volta
ao seu produto de equilíbrio de longo prazo e retornamos ao ponto
inicial de equilíbrio.

106 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

Curto prazo Longo prazo

i LM2 i

LM

i2

i1 ip
IS

Y2 Y1 Y Y potencial Y

Figura 32: Ajuste das curvas IS-LM no curto e longo prazo em função
de um choque de oferta
Fonte: Elaborada pelo autor

Vamos agora deslocar a curva IS utilizando um exemplo


ligado a um aumento de demanda, quer por diminuição da
sensibilidade aos juros para os investimentos, quer por uma
propensão marginal a consumir maior (o que aumenta o
multiplicador da demanda) ou a um clima de otimismo maior.
Qualquer um deles desloca para a direita e para cima as curvas de
demanda. O resultado final é que nessas circunstâncias o produto
aumenta. Segundo o gráfico da Figura 33, a única maneira de a
economia voltar a encontrar seu único ponto de equilíbrio geral é
se caminharmos ao longo da curva LM para cima. É uma situação
inquietante. O produto aumenta, as taxas de juros crescem e o nível
de preços também cresce (sabemos disso pela análise das curvas
OA-DA). Essa situação contraditória, com preços e taxas de juros
subindo e produto crescendo, faz com que a economia volte a
buscar equilíbrio em longo prazo no ponto de origem.
Esses choques são inicialmente atribuídos a alterações na
curva IS, ao lado real da economia. Os mecanismos de ajustes para
voltar ao ponto de equilíbrio terminam por mobilizar ações referentes
à curva LM, ao lado monetário da economia.

Módulo 2
107
Macroeconomia

Curto prazo Longo prazo

i i

i1

IS2 ip
i2

IS IS

Y1 Y2 Y Y potencial Y

Figura 33: Ajustes das curvas IS-LM no curto e longo prazo a partir
de um aumento da demanda
Fonte: Elaborada pelo autor

MODELAGEM DE CHOQUES A PARTIR DA CURVA LM

Seja um aumento da taxa de juros nominal, deixando a taxa


de juros real intocada. Essa consideração nos permite manter a
mesma curva IS (ela não se desloca nem altera a sua forma) já que
os investimentos são função da taxa de juros real, não da nominal.
Assim, as modificações são apenas ao longo da curva LM.
Finalmente, deslocaremos a curva LM. Vamos supor que as
pessoas aumentem sua sensibilidade aos juros, o que faz a curva
LM deslocar-se para a direita e para baixo. O novo ponto de
equilíbrio se dá com um produto maior e uma taxa de juros menor,
como podemos observar na Figura 34.

108 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

Curto prazo Curto prazo

i P
LM
OA
LM2

i1 p2
DA2
i2 p1
IS
DA

Y1 Y2 Y1 Y2
Y Y

Figura 34: Ajustes das curvas IS-LM e AO-DA a uma maior


sensibilidade aos juros no curto prazo
Fonte: Elaborada pelo autor

Se a curva de oferta permanece inalterada e o produto é


maior, o equilíbrio se dá com o deslocamento da curva de demanda
agregada para cima e para a direita. Isso ocorre porque os juros
estão mais baixos, há um maior incentivo para os investimentos
que aumentam a demanda por si só e mais o efeito multiplicador.

Longo prazo Longo prazo


p
i
OA2

OA
OA2
pp
p2 DA2 OA
p1

DA DA
ip
DA2

Y potencial Y Y potencial Y

Figura 35: Equilíbrio de longo prazo ao longo


da reta vertical de produto natural
Fonte: Elaborada pelo autor

Módulo 2
109
Macroeconomia

Agora vejamos o que acontece no longo prazo, segundo a


Figura 35, apesar de estar em equilíbrio em curto prazo. Os preços
maiores fazem com que em longo prazo o produto diminua, ou seja,
a curva de oferta recue para a esquerda e para cima. O novo ponto
de equilíbrio se dá no mesmo produto, mas com um nível geral de
preços mais elevado. Lembre-se que a percepção, a sensibilidade
em relação aos juros agora é dada pela nova curva LM, já que com
preços maiores a quantidade real de moeda diminui (M\P diminui
quando M é fixo e P aumenta). Assim, os juros baixaram na
economia e inexoravelmente a demanda aumentou. Esse aumento
de demanda, para uma oferta que recua, faz com que
necessariamente o nível geral de preços aumente. A curva a seguir
ilustra o novo equilíbrio na análise IS-LM.

110 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

A DERIVAÇÃO DA CURVA
DE DEMANDA AGREGADA A
PARTIR DAS CURVAS IS-LM

Quando estabelecemos a forma côncava da curva de


demanda agregada (com a curvatura voltada para baixo),
precisamos percorrer um tortuoso caminho para justificar porque
um nível geral de preços menor está associado a um produto maior.
Estamos sempre associando o produto à renda e à despesa. Desse
modo, dizer que o nível geral de preços cai quando as despesas e a
renda aumentam parece contraintuitivo.
Utilizamos naquela ocasião alguns raciocínios mais
sofisticados. Dissemos que, para uma mesma quantidade de moeda,
um nível geral de preços menor permite fazer mais compras. Isso
equivale à teoria quantitativa da moeda. Por outro lado, dissemos
que diminuições do nível geral de preços deixam as pessoas mais
ricas. Continuam detendo o mesmo estoque de moedas, mas agora
os preços são mais baixos. Podem utilizar esse estoque relativamente
maior de moedas para consumir ou eventualmente poupar.
Finalmente, avançamos um terceiro conceito, que será a ponte para
a análise IS-LM. Com um nível geral de preços menor, não há tanta
necessidade de utilizar o estoque de moeda para transações. Sobram
moedas para aplicações no mercado de ativos ou para guardar
sem render juros (para especular). Esse aumento da quantidade de
moeda disponível faz com que os juros baixem. Baixando os juros,
o investimento e o consumo das famílias potencialmente aumentam
e assim a demanda é maior.

Módulo 2
111
Macroeconomia

DERIVAÇÃO DA CURVA IS-LM A PARTIR


DAS CURVAS AO-DA

Precisamos fazer agora essa explicação em termos gráficos,


derivando a curva IS-LM a partir da curva de demanda e de oferta
agregada, e, contrariamente, derivando a curva de demanda
agregada a partir das curvas IS-LM. Observe que não estamos
preocupados em explicar a curva de oferta agregada. Esta é
explicada por fatores reais da economia, sua capacidade de prover
bens e serviços ao empregar os fatores de produção. Vamos
encontrar uma explicação para a curva de oferta na Unidade 5,
quando correlacionaremos inflação com desemprego, através das
curvas Phillips.
Sejam duas curvas de demanda agregada associadas aos
investimentos I1 e I2, determinadas pelas taxas de juros i1 e i2. Os
pontos de equilíbrio estão assinalados por Y1 e Y2 em um gráfico
de demanda agregada e oferta agregada, onde esta última, por
conveniência, foi feita com preços fixos. Criando-se um gráfico para
colocar nas ordenadas essas duas taxas de juros e aproveitando os
mesmos pontos de Y1 e Y2 tem-se a curva IS. Se os preços puderem
variar de acordo com Y, segundo o modelo clássico, teríamos uma
curva de oferta agregada inclinada e uma curva IS mais vertical.
No limite chegamos à curva IS, que corresponde à curva de oferta
e demanda no longo prazo. Os aumentos de demanda são
totalmente absorvidos pelo aumento de preços, ou seja, o aumento
de demanda só faz aumentar os preços sem nenhum outro
benefício para a economia.
Essa curva IS vertical também é aquela que corresponde a
investimentos insensíveis aos juros. Dessa maneira, não teríamos
as duas curvas de demanda associadas aos investimentos I1 e I2. É
um investimento só e uma só curva de demanda, como
apresentamos na Figura 36. Para qualquer taxa de juros, temos
sempre o mesmo produto e investimento.

112 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

p
DA

OA

DA com I insensível DA
aos juros

Y Y potencial Y

i1
i2

in
Curva IS para investimentos
insensíveis aos juros

Y potencial Y

Figura 36: Curva IS para investimentos insensíveis aos juros


Fonte: Elaborada pelo autor

Se os investimentos são altamente sensíveis aos juros, as


curvas de demanda são muito espaçadas, como apresentamos na
Figura 37. Isso faz com que no curto prazo, quando os preços não
variam, tenhamos uma curva IS quase horizontal, ou seja, o produto
varia infinitamente com pequenas alterações na taxa de juros.

p i
DA DA com I 2

DA com I 1 DA com I 2 Curva IS para investimentos


muito sensíveis aos juros
DA com I 1 OA i1
i2

Y1 Y2 Y Y1 Y2 Y

Figura 37: Derivação da curva IS a partir das curvas de demanda agregada


para investimentos muito sensíveis a juros
Fonte: Elaborada pelo autor

Módulo 2
113
Macroeconomia

A construção do gráfico IS-LM encer ra-se com a


sobreposição da curva IS gerada a partir do gráfico OA-DA. Não
há nenhuma informação no gráfico OA-DA que permita inferir a
sensibilidade dos agentes econômicos à taxa de juros em termos
da moeda que gostariam de reter para especulação. Assim, de
acordo com essas características, sobrepomos as curvas LM
adequadas e voltamos a restabelecer as curvas IS-LM a partir da
análise OA-DA, como apresentamos na Figura 38.

i
LM3
LM2
LM

IS

Figura 38: Sobreposição ao gráfico da curva IS de várias curvas LM


Fonte: Elaborada pelo autor

DERIVAÇÃO DAS CURVAS AO-DA


A PARTIR DAS CURVAS IS-LM

Agora precisamos proceder ao contrário, ou seja, a partir


da curva IS-LM derivar a curva de demanda agregada. Vamos variar
os preços na curva IS-LM, considerando à guisa de exemplo que
estes tenham aumentado. Isso determinaria percorrer a curva IS
para cima, já que equivale a uma diminuição de demanda. Por
outro lado, para a curva LM equivale a termos novas curvas, para
a esquerda e para cima, paralelas à curva LM original. O aumento
de preços é equivalente a uma diminuição da quantidade de moeda.
Preços maiores, para uma mesma quantidade de moeda

114 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

determinam uma fluidez menor da economia gerando as curvas


LM para esquerda e para cima, de acordo com o nível geral de
preços P1 e P2, como apresentamos na Figura 39.

1 - Quadrante 2 - Quadrante

MT MT

Y L

4 - Quadrante 3 - Quadrante
i i

LMp2

LMp1

Y L

Figura 39: Deslocamento da curva LM para cima e para a esquerda por uma
diminuição da quantidade de moeda (diminuição da liquidez)
Fonte: Elaborada pelo autor

Plotando os pontos relativos aos níveis gerais de preços P2


e P1 em um eixo das ordenadas e utilizando os mesmos valores do
produto Y presentes no gráfico IS-LM, deriva-se a curva de demanda
agregada, como apresentamos na Figura 40.

Módulo 2
115
Macroeconomia

i
p

LMp2
p2
LMp1
Curva DA

p1
IS

Y2 Y1 Y Y2 Y1 Y

Figura 40: Derivação da curva de demanda agregada a partir das curvas IS-LM
Fonte: Elaborada pelo autor

No caso anterior, quando derivamos a curva IS-LM a partir


da demanda agregada, precisamos entrar em um exercício de
virtuosismo, demonstrando que era possível gerar os casos limites
de uma curva IS vertical e horizontal. Aqui não precisamos fazer
isso, a curva de demanda agregada, tanto para o curto prazo como
para o longo prazo, é intuitivamente aceita por todos como tendo
uma forma só, ou seja, descendente.

116 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 3 – O Modelo IS-LM

UNIDADE 5
INFLAÇÃO E DESEMPREGO

Módulo 2
117
Macroeconomia

118 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

MALES E BENEFÍCIOS DA INFLAÇÃO

O primeiro entendimento que se deve ter sobre a inflação é


que ela não é neutra. Sempre alguém perde e alguém ganha com
sua incidência. Sem ainda sermos capazes de justificar, podemos
dizer que em longo prazo todos perdem com a inflação. Se isso é
verdade, então poderíamos explorar o raciocínio inverso, ou seja,
que todos ganhariam com a deflação, isto é, com a baixa persistente
de preços ao longo do tempo. Lembremo-nos que esse é o objetivo
máximo da economia: prover quantidades crescentes de bens com
preços cada vez maiores. Para atualizar essa máxima da economia
(em termos micro ou macroeconômicos), poderíamos acrescentar
que isso deve ser obtido de maneira sustentável.
Tanto a inflação como a deflação introduzem potencialmente
um grau maior de risco na economia, aumentam as incertezas, as
inquietudes do mundo dos negócios. Por outro lado, a deflação,
além de estar costumeiramente associada a períodos de depressão
da economia (decréscimo do produto), engessa os instrumentos de
ajuste pelo lado monetário. É difícil entender que alguém possa
aplicar seus recursos a taxas nominais negativas, ou seja, a taxa
real de juros (R) pode ser menor do que a deflação (), fazendo
com que i seja negativo. Por outro lado, é difícil imaginar pessoas
aceitarem ter seu salário reduzido em termos nominais de ano para
ano, mesmo que em termos reais passem a ganhar mais (a deflação
poderia ter sido maior do que a diminuição dos salários).
Vamos elencar inicialmente uma série de malefícios da
inflação, para posteriormente procurar algum consolo que taxas de
inflação positivas possam trazer para os economistas e para o
público em geral.

Módulo 2
119
Macroeconomia

 Falha no mecanismo de alocação dos recursos


da sociedade, pela dificuldade de estabelecer
relativos de preços: diante de um processo
inflacionário, os preços dos vários bens vão se
reajustando ao longo do tempo, em prazos diferentes
e com taxas também diferentes. Os agentes econômicos
podem demorar mais ou menos para reajustar seus
preços do que os demais agentes da economia. Quando
o fazem, alteram os preços por uma estimativa da
inflação passada e da inflação vindoura, até uma nova
rodada de reajustes. Assim, os preços dos bens e
serviços flutuam arbitrariamente em torno uns dos
outros, fazendo com que em certos momentos eles
estejam mais caros ou baratos do que deveriam estar.
Na falta de informação adequada, os agentes
econômicos não têm a percepção correta de como
alocar seus recursos, que bens comprar ou que fatores
de produção utilizar.
 Ilusão monetária: apesar de a economia partir do
princípio de que os seres humanos são racionais e agem
na perspectiva do homem economicus, a alta de preços
pode fazer com que as pessoas tenham a ilusão de terem
ficado mais pobres ou mais ricas, alterando seu
comportamento. Da mesma maneira, os empresários
podem receber falsos sinais sobre a evolução da
economia, interpretando uma alta de preços como um
aumento de demanda, quando na realidade está em
curso apenas um reajuste de preços pela inflação.
 Custos econômicos devido à inflação: a inflação
dá mais trabalho para todos os agentes econômicos.
Isso significa, por exemplo, fazer um maior número de
operações bancárias (ou mesmo ir ao banco) para
proteger-se da alta de preços. Pode acontecer também
de haver um aumento de esforço administrativo para
permanentemente reetiquetar preços e interpretar os

120 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

dados contábeis em termos de moeda constante, que


é a dedução dos efeitos inflacionários da moeda
corrente, ou seja, aquela que está sendo utilizada no
momento para fazer as transações. Dependendo da
intensidade da inflação, de quando em quando devem
ser feitas modificações no valor da moeda, para que
seja possível realizar cálculos com valores que de outra
forma seriam impraticáveis, pelo número de casas
necessárias para expressar cada valor. A mudança de
moeda, mesmo que seja uma alteração nominal,
cortando-se, por exemplo, três casas de cada valor (ou
seja, dividindo os valores antigos por 1000), causa
inquietude nas pessoas, principalmente naquelas de
menor poder econômico e menor grau cultural. Dentro
das organizações passam a ser valorizadas mais as
atividades-meio, como contabilidade e finanças, do
que as atividades-fins, como produção e vendas. Perde-
se muito tempo administrando a inflação e especulando
com ativos não monetários (títulos, ações, terra e
moedas estrangeiras), abandonando a preocupação
com o produto real (físico) da economia.
 Necessidade de atrelar a taxa cambial também
à inflação, para fazer com que as cotações dos
produtos exportados e importados não percam
sua relatividade de preços: se a taxa de câmbio
permanecer fixa, os produtos exportados ficarão mais
caros diante da inflação nacional, enquanto que os
produtos importados ficarão mais baratos. Essa
situação pode ser corrigida neutralizando os efeitos
da taxa de câmbio fazendo com que esta incorpore a
inflação ocorrida e esperada. No entanto, isso diminui
a margem de manobra da política cambial para
controlar a entrada e a saída de divisas do país.

Módulo 2
121
Macroeconomia

 As organizações pagam um imposto inflacio-


nário, na medida em que seus custos são in-
corridos antes do que as receitas: assim, os
custos estão expressos em uma moeda mais antiga
e são nominalmente menores, enquanto as receitas
estão expressas por uma moeda mais atualizada,
tendo valores nominalmente maiores. A lei da co-
brança de impostos é tal que as alíquotas de impos-
tos são aplicadas sem corrigir monetariamente cus-
tos e despesas. Dessa forma, termina-se pagando
impostos sobre algo que é somente a falta de corre-
ção de preços dos custos, para expressá-los na mes-
ma moeda das receitas.
 Distorções no pagamento do imposto de renda,
tanto pelas pessoas físicas como as jurídicas,
na medi da em q u e as faixas de im p os to
progressivas não são atualizadas pela inflação:
as pessoas e as organizações passam a pertencer a
faixas de renda superiores, pagando mais impostos,
somente porque seus rendimentos aumentaram
nominalmente devido à inflação, sem que sua renda
tenha aumentado de maneira real.
 Os investimentos em capital físico das organi-
zações, como máquinas, equipamentos e
tecnologia, não são depreciados corretamente:
isso porque pela lei do imposto de renda aplica-se uma
taxa de depreciação sobre o valor de aquisição destes.
Essa taxa de depreciação corresponde ao custo que
se incorre pelo desgaste do capital físico na medida em
que ele é empregado na produção. Ocorre que esse custo
deveria ser obtido a partir do valor atualizado do capi-
tal físico e não pelo seu custo de aquisição. Esse fenô-
meno pode ser particularmente grave porque os itens
de capital físico tendem a ser depreciados ao longo de
vários anos, ao longo dos quais mesmo pequenas ta-

122 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

xas de inflação, agindo cumulativamente ano após ano,


podem causar grandes distorções entre o valor de aqui-
sição dos itens de capital e seu valor atualizado.
 O governo pode ter redução na arrecadação de
impostos, na medida em que estes são
calculados pelas receitas e despesas ocorridas
no ano anterior: quando do momento da arrecadação,
durante o ano em curso, os valores a serem arrecadados
são corroídos pela desvalorização da moeda.
 Dificuldade de proteger o valor dos ativos
monetários e não monetários para as pessoas
de menor renda, menor informação e menor
possibilidade de acesso aos serviços bancários:
A inflação faz com que existam aplicações que rendem
juros nominais, para evitar que as pessoas tenham
perdas ao manter os seus recursos na forma de moeda.
No entanto, isso está disponível apenas para aqueles
que têm maior familiaridade com os serviços bancários
e representam clientes de interesse para os bancos.
 O fato de as pessoas e de as organizações
precisarem manter parte de seus recursos como
moeda líquida faz com que tenham a perda
conhecida como imposto inflacionário: ainda
que quisessem, tivessem acesso aos serviços bancários
e representassem clientes de interesse para os agentes
financeiros, precisariam deixar parte de sua moeda
em carteira, exposta à corrosão inflacionária. Isso dá
origem ao chamado imposto inflacionário. Em termos
econômicos, ele representa uma perda para a
sociedade, porque não está associado a nenhuma
contraprestação de serviços por parte do governo,
representando apenas uma forma fácil de angariar
recursos da população, atingindo, novamente, de forma
mais forte aqueles que têm dificuldade em encontrar
aplicações temporárias para seus recursos monetários.

Módulo 2
123
Macroeconomia

As implicações econômicas desse imposto


inflacionário estão ligadas à questão da iniquidade
tributária, ou seja, à injustiça na sua arrecadação.
Tem-se, por princípio, que os impostos são melhores
quando afetam a população segundo a sua
capacidade de pagamento.
 O imposto inflacionário pode ser analisado
através de outra ótica, que é a senhoriagem:
esta é uma palavra de origem francesa, seigneur, que
vem do fato de que na Idade Média os senhores feudais
reservavam a si o direito de emitir moeda. Isso hoje é
um privilégio exclusivo dos governos. Ao emitir moeda,
mesmo que apenas para garantir que a quantidade
real de moeda acompanhe o crescimento do produto,
ou seja, que M/P seja constante, o governo tem o
privilégio de utilizar esse dinheiro recém-emitido pela
primeira vez. É uma origem de riqueza sem causa, o
governo simplesmente utiliza sua autoridade para
imprimir papel-moeda, gastando para isso apenas
papel, tinta e suas máquinas de impressão. Ocorre que
na economia, sob o ponto de vista real, cada fato
econômico deve ter uma causa real. No caso, a causa
real desse enriquecimento do governo é o fato de que
as pessoas passam a reter uma maior quantidade de
moeda, perdendo os juros que receberiam se esses
valores estivessem aplicados. Quando a inflação existe,
as pessoas retêm cada vez menos quantidade de moeda,
o que diminui a base sobre a qual se pode obter o
imposto inflacionário e assim exercer a senhoriagem.
 A inflação permite a existência de várias formas
de captação de recursos que se valem da ilusão
monetária para garantir a sua atratividade:
assim podem ser propostos planos de aposentadoria e
pensões, títulos de capitalização e compras através de
consórcios, que podem ser vantajosos nominalmente,

124 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

mas escondem a verdadeira taxa de juros embutida


nas operações. Em particular, são de maior impacto
social os planos de aposentadoria que não corrigem
os prêmios a serem pagos pela inflação plena
decorrida entre o período de contribuição e o
momento de fruição do benefício. Como isso
geralmente envolve largos períodos de tempo,
pequenos descolamentos entre a taxa nominal de juros
paga e a verdadeira inflação ocorrida, redundam em
grandes diferenças entre o valor real de contribuição
e aquele que o aposentado tem direito.
 Dificuldade em financiar em longo prazo bens
de valor elevado, como equipamentos e casa
própria: normalmente são utilizadas fórmulas de
cálculo das prestações que utilizam como parâmetro
a taxa de juros nominal. Isso faz com que a prestação
nos primeiros períodos do empréstimo seja elevada,
mantendo-se fixa ao longo de todo o período de
quitação do empréstimo. Diante da inflação, essas
prestações futuras fixas vão se tornando menores ao
longo do tempo, principalmente se os agentes
econômicos tiverem suas rendas corrigidas também
pela inflação. O problema é que muitos desses agentes
econômicos não têm uma renda elevada que possa
garantir o pagamento das primeiras prestações, mesmo
que com folga sejam capazes de pagá-las no futuro. Dessa
maneira, terminam tendo o seu crédito não aprovado ou
rebaixado o valor total do empréstimo que estão
autorizados a fazer, diminuindo a demanda por bens.

Em particular, a inflação tem o potencial de tornar-se


crescente e autoalimentadora, como veremos no decorrer desta
unidade. O aumento constante da inflação de ano a ano pode
redundar em duas consequências. Uma delas é a tentativa de reduzi-
la para padrões manejáveis, ocorrendo o que se convencionou
chamar de taxa de sacrifício do produto para reduzir a inflação.

Módulo 2
125
Macroeconomia

Em geral, a redução da inflação pode ser obtida através da indução


da recessão, o que faz o produto diminuir. A quantidade de produto
perdida ao longo do período em que se luta para a redução dos
índices inflacionários pode ser significativo (digamos algo como
10% do produto), o que representa um sacrifício bastante grande
para a população e difícil de justificar politicamente.
Por outro lado, a aceleração gradativa da inflação pode
redundar em hiperinflações, que representam o total descontrole
da economia. Geralmente elas ocorrem quando os governos incidem
em grandes déficits fiscais (gastam mais do que arrecadam) e não
têm credibilidade para lançar títulos públicos que sejam captados
pela sociedade. Da mesma forma, a desorganização econômica
faz com que a arrecadação de impostos fique dificultada e atrasada.
Desta maneira, resta ao governo financiar suas operações pela
emissão de moeda, que só tem sentido se a população aceitar o
imposto inflacionário, mantendo moeda líquida em mãos. Como
todo imposto corresponde a uma reação dos cidadãos, tentando se
defender, o natural é que cada vez menos recursos sejam mantidos
em mãos sujeitos à corrosão inflacionária. Assim, para obter a
mesma receita por senhoriagem diante de uma quantidade de moeda
retida pelo público menor, há necessidade de quantidades crescentes
de emissões, em uma espiral inflacionária. Geralmente as
hiperinflações terminam de maneira abrupta, com o equilíbrio fiscal
das contas do governo e o restabelecimento da credibilidade da
política econômica. No intervalo de tempo em que a inflação acelera
de maneira brusca, os agentes econômicos preocupam-se muito
mais em defender seus ativos do que se entregar a atividades
realmente produtivas.

126 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

BENEFÍCIOS DA INFLAÇÃO

Afirmamos que a inflação não é neutra, ela produz


ganhadores e perdedores. Dessa maneira, podemos dizer que os
benefícios da inflação podem ser encontrados naqueles que tiram
partido de diferenças entre entradas e saídas de recursos. Como
vimos, se preços e custos, salários e contribuições, impostos e valor
dos serviços prestados pelo governo subissem todos na mesma
proporção, poderíamos dizer que a inflação seria neutra, com
pequenos custos associados (como de remarcação de preços de
produtos). Diante do descompasso entre obrigações e deveres, por
causa da subida de preços, podemos elencar os seguintes benefícios
da inflação e da deflação:

 a inflação inesperada pode alterar o balanço entre taxa


de juros real e taxa de inflação embutida em taxas
nominais de juros contratadas em empréstimos. Diante
da inflação inesperada, pode ocorrer que empréstimos
sejam contratados com taxas de juros nominais, que
incluem a taxa de juros real e a inflação. Em geral, as
taxas de inflação são crescentes, de tal maneira que
as taxas inesperadas são em geral maiores do que
aquelas vigentes anteriormente e que poderiam ter
gerado expectativas quanto à inflação de preços. Neste
caso, quando a taxa de inflação real é maior do que a
inflação esperada, o devedor pagará uma taxa de juros
real menor. Isso beneficia o devedor e geralmente
considera-se que o favorecimento aos devedores é
positivo para a economia. Estes têm maior propensão
a investir se encontrarem permanentemente essa

Módulo 2
127
Macroeconomia

situação favorável, assim como têm uma propensão a


consumir maior do que os credores teriam se estes
fossem os favorecidos com um aumento de sua renda;
 o aumento da movimentação bancária com a inflação
favorece a acumulação de lucros por esses agentes,
conduzindo a possibilidade de modernização de
seus serviços;
 em geral, os salários e contratos de fornecimento de
matérias-primas para as organizações são rígidos,
fazendo com que as organizações possam
temporariamente aumentar suas margens de lucro
enquanto os preços aumentados pela inflação não
tiverem sido acompanhados pela subida corresponde
dos custos dos fatores de produção; a acumulação de
lucros pode redundar em melhorias na capacidade
tecnológica das organizações e na sua modernização;
 a existência de inflação permite ao governo grande
flexibilidade na cobrança de seus tributos. Aumentos
ou diminuições de arrecadação podem ser obtidos sem
alterações de alíquotas, apenas alterando os prazos
de recolhimento dos impostos, o que parece ser
politicamente mais fácil de colocar em prática
alterações de alíquotas;
 a existência de inflação e ilusão monetária diminui as
pressões dos trabalhadores por aumentos reais de
trabalho, na medida em que recebem aumentos que
simplesmente compensam pela inflação passada (ou
anteveem a inflação futura). Até que os trabalhadores
confirmem que não houve aumento salarial real, novos
ajustes da economia podem fazer com que a pressão
grevista se dissipe;
 a ilusão monetária representa um incentivo para que
pequenos poupadores mantenham suas aplicações
financeiras por dois motivos. Primeiro porque

128 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

acreditam que a correção monetária que recebem


sobre suas aplicações é uma forma de renda, quando
na verdade é apenas a reposição dos valores que foram
corroídos pela inflação; em segundo lugar, aumenta a
penalidade por retirar os valores aplicados antes do
momento de sua maturidade, ou seja, a perda não é
apenas do juro real que seria ganho no período em
curso, mas de toda a correção pela inflação desse
mesmo período;
 a existência de inflação incentiva os empresários a
fazerem investimentos, em caso de o governo utilizar
a depreciação acelerada como forma de incentivo. Por
depreciação acelerada, entende-se a diminuição do
prazo legal, ao longo do qual os investimentos podem
ser descontados como custos de produção (abatendo
o lucro da organização e diminuindo os impostos a
pagar). Vamos imaginar um bem que seria depreciado
legalmente em 10 anos e o governo autorizou a fazê-lo
em apenas cinco anos. A cada ano agora se pode
abater 20% do valor original do bem como custo,
enquanto que na situação anterior podia-se abater
apenas 10%. Ocorre que, como vimos, em geral, os
governos não aceitam que a depreciação seja feita pelo
valor corrigido do bem, ou seja, o seu valor de
aquisição (da nota fiscal), atualizado por um índice
de inflação. Assim, quanto maior a inflação e maior o
prazo de depreciação, maiores as perdas para a
organização, por estar pagando um imposto indevido,
na medida em que não pode deduzir de seus lucros a
parcela correta de custos de depreciação;
 a inflação favorece um retorno mais rápido dos recursos
para o credor em empréstimos bancários calculados
por tabelas de juros que não levem em consideração
a correção monetária. Assim é que, por simplicidade,
no comércio em geral e nos empréstimos bancários,

Módulo 2
129
Macroeconomia

calcula-se o valor da prestação utilizando fórmulas e


tabelas que utilizam a taxa i de juros como um todo.
Nessa taxa de juros, estão embutidos, como já
sabemos, a taxa r, de juros reais, e a taxa , de
expectativa de inflação. Essa taxa é evidentemente
mais elevada, redundando em prestações mais
elevadas do que seriam obtidas aplicando-se
apenas a taxa de juros reais, r, o que seria o correto.
As prestações permanecem fixas ao longo do tempo,
mas, diante da existência de inflação, os devedores
vão tendo aumentos nominais na suas receitas,
tornando-se a cada ano mais fácil pagar as prestações.
Esse desequilíbrio entre o valor das prestações e a
capacidade de pagamento dos tomadores de
empréstimos favorece os credores, que recebem
inicialmente prestações reais maiores do que ao final
do empréstimo;
 a forma de cálculo das prestações para empréstimos,
colocada no item anterior, introduz uma espécie de
garantia bancária nas operações de crédito. As
prestações iniciais são sempre as mais elevadas,
quando o devedor está pagando um empréstimo com
taxa de juros nominal i. Se essas prestações elevadas
são compatíveis com sua renda no momento inicial, é
provavelmente certo que serão no futuro, quando as
prestações permanecem constantes, mas a sua renda tende
a crescer pelo simples mecanismo de correção monetária;
 a existência de inflação faz com que as autoridades
econômicas tenham mais margem de manobra com a
política de juros, afastando-se da chamada
a r m a d i l h a d a l i q u i d e z . Vimos que um dos
instrumentos para ativar a economia através da
política monetária é a redução da taxa de juros reais,
pelo aumento da disponibilidade de moeda na
economia. Porém, se a taxa de juros for baixa, as

130 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

pessoas podem reter em mãos totalmente esses


aumentos de moeda, podem entesourar a moeda, no
aguardo que surjam negócios ou necessidades no
futuro. Dessa maneira, a política monetária é inócua,
ou seja, de nada vale a disponibilização de mais moeda
para ativar a economia, na medida em que esta não
circula, fica retida pelos agentes econômicos. Esse
fenômeno está ligado tanto a uma baixa taxa de juros
real como à baixa taxa de juros nominal (real mais
inflação). O que determina o custo de reter dinheiro
sem aplicá-lo no mercado de capitais, ganhando os
juros decorrentes dessa aplicação, é a taxa nominal
de juros. Sendo a inflação pequena, fica somente para
a taxa de juros real a tarefa de evitar que as pessoas
retenham toda a quantidade de moeda a mais emitida
pelo governo. Por definição, diante da abundância de
moeda, a taxa de juros também baixa, já que os juros
são o preço do dinheiro. Havendo uma grande oferta
deste, o seu preço é baixo;
 a inflação permite que se trabalhe com taxas de juros
reais negativas, num último esforço para incentivar a
economia, aumentando os investimentos e as compras
a crédito. Se a taxa nominal de juros ainda for positiva,
na medida em que a inflação é maior do que a taxa
de juros real negativa, os poupadores por ilusão
monetária podem ainda achar atrativo manter os seus
recursos em aplicações financeiras, garantindo o
financiamento dos investimentos e o crédito para as
compras a prazo;
 todos os preços da economia são mais facilmente
ajustáveis diante da presença de inflação. Os agentes
econômicos têm que, afinal, determinar um preço para
os bens, para o trabalho, para as aplicações do
mercado financeiro e eventualmente para a taxa de
câmbio. Por mais que tenham modelos econométricos

Módulo 2
131
Macroeconomia

para fazer isso, a possibilidade de que esses preços


estejam acima ou abaixo daquilo que seria o preço de
equilíbrio é grande, no curtíssimo prazo. A inflação se
encarrega de trazer os preços para o seu devido lugar,
na medida em que reajustes de preços são postergados
ou acelerados. Imagine o caso de um lançamento
imobiliário, cujo preço de venda dos apartamentos foi
colocado acima do preço de mercado. Alguns
compradores acabam por adquiri-lo e não gostariam
de ver que, com o tempo, os preços desses imóveis
fossem reduzidos, para adequar-se à realidade de
mercado. Diante da presença da inflação, basta que
os preços nominais sejam mantidos ao longo do tempo
para que a corrosão monetária faça com que os preços
reais dos imóveis baixem no futuro, mantendo os
mesmos valores iniciais da tabela de vendas;
 uma inflação mais elevada permite que alguns preços
da economia sejam recompostos pelo pico e assim
mantidos durante um novo período de atividade
econômica. É o caso, por exemplo, do salário-mínimo
reajustado pela inflação passada e pela expectativa
de inflação futura. Se logo após o aumento salarial
estiver se prenunciando uma crise econômica que leve
à diminuição da demanda, os salários assim
artificialmente elevados mantenham a demanda efetiva
em um patamar superior. Dito de outra maneira, a
existência de inflação faz com que alguns preços sejam
recompostos pelo pico, o que oferece a oportunidade de
mantê-los nesse pico mudando a inflação dali para frente;
 a inflação permite que preços sensíveis da economia
sejam reajustados de maneira mais corriqueira e
utilizando valores fracionários adequados para as
transações econômicas. É o caso do preço de tarifas
de ônibus municipais, refeições em universidades
públicas, postagem de correspondência nos correios.

132 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

Inexistindo inflação, o realinhamento de preços dessas


tarifas é acompanhado de grande comoção social,
exigindo que os novos preços sejam fixados de forma
precisa, o que eventualmente acarreta problemas de
troco. Existindo inflação, eles podem ser ajustados de
maneira mais flexível, fazendo com que o intervalo
entre os reajustes é que se encarregue de fixar os preços
médios reais praticados ao longo do período de
maneira justa; e
 diante de uma deflação, devedores serão beneficiados
se a queda de preços for um pouco menor do que a
inicialmente esperada. Os juros nominais são
calculados pela soma da taxa de juros real e da taxa
de inflação, no caso deflação. Por exemplo, seja uma
taxa de juros real de 6% e uma deflação de 4%.
A taxa nominal de juros será 6% + (–4%) = +2%.
Se a deflação verdadeira for de apenas 1%, a taxa de
juros real será +2% = r + (–1%), o que resulta em
uma taxa de juros real de apenas 3%. Normalmente,
se considerar que em depressões econômicas
(tipicamente quando acontecem deflações), ao
favorecer-se os devedores em vez dos credores, tem-
se uma melhor proteção à demanda efetiva. Esses
devedores, ao não pagarem tantos juros reais, estarão
mais ricos e assim demandam mais, e da mesma
forma, ficam encorajadas a fazer novos empréstimos
e investimentos, pelas condições favoráveis que
encontraram no período anterior. Note que isso se dá em
prejuízo dos credores, mas a análise de situações concretas
da economia recomenda que, em geral, os devedores
sejam favorecidos para manter a atividade econômica.

Módulo 2
133
Macroeconomia

A REFORMULAÇÃO
DA CURVA DE PHILLIPS

A simplicidade da ferramenta para vincular inflação, produto e


emprego foi abalada pela constatação, pelos acadêmicos, de três erros
na curva de Phillips. No entanto, a descoberta do erro veio tarde, antes
disto já se tinha desenvolvido a formulação de que a curva de Phillips
é uma forma de expressar a curva de oferta agregada. Lembre-se: no
capítulo 2 tínhamos dificuldade para expressar a inclinação da curva
(reta) de oferta agregada. Às vezes considerávamos que ela era uma
reta horizontal, paralela ao eixo das abscissas: no pleno emprego,
considerávamos que a curva de oferta era uma reta vertical sobre o
produto máximo da economia. Didaticamente usávamos uma curva
de oferta inclinada, um pouco encabulados na definição de como
justificar uma maior ou menor declividade dela. Agora não, vamos
associar a declividade da curva de Phillips com a declividade da curva
de oferta, agregada, temos um ponto de apoio. Esse ponto de apoio é
tão importante que os estudos prosseguiram, na tentativa de recuperar
a curva de Phillips de seus erros originais.

Mas, afinal, quais são esses termos?

Primeiro que a curva misturava dois eixos com dimensões


temporais diferentes. No eixo das ordenadas, tínhamos a taxa de
variação dos salários de um ano para o outro, enquanto que no
eixo das abscissas colocava-se a taxa de desemprego ocorrida
naquele ano. Seria de se esperar que esse eixo também contivesse
uma medida de variação, ou seja, a variação da taxa de desemprego

134 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

de um ano para o outro. Isso parece ser intuitivo. Se o desemprego


variou muito pouco de um ano para o outro, poder-se-ia esperar
que os salários não tivessem variado muito: do contrário, grandes
absorções ou demissões da massa de trabalhadores de um ano para
o outro deveriam estar associadas com mudanças bruscas nos
salários. Ao plotar uma grande quantidade de dados, onde talvez
as mudanças bruscas de emprego tivessem sido pouco frequentes,
esse detalhe passou despercebido para Phillips.
O segundo problema é que os economistas tradicionais tinham
como uma de suas premissas básicas a dicotomia clássica*.
*Dicotomia clássica – va-
Os economistas mais modernos, como até hoje, aceitam a
riáveis monetárias não
dicotomia clássica para o longo prazo, sendo que no curto prazo as poderiam ter influência
variáveis de cunho puramente monetário, como a inflação, podem sobre as variáveis reais
ter influência no mundo real. Era assim necessário reconciliar a da economia, como em-
prego e produto. Fonte:
curva de Phillips com a dicotomia clássica, porque de outra forma
Elaborado pelo autor.
ter-se-ia descoberto uma exceção para um postulado tão forte da
economia: bastava conviver com uma inflação elevada para que se
tivesse para sempre um emprego acima do emprego natural. Todas
as demonstrações anteriores mostravam que no longo prazo a
economia convergia para o pleno emprego, justamente porque os
fatores de produção tornavam-se mais caros, alterando as curvas
de oferta agregada. Esse problema foi sanado pelo desenvolvimento
de uma curva de Phillips de longo prazo, que assim como a curva
de oferta agregada de longo prazo é uma reta vertical situada sobre
o ponto de desemprego natural. Isso pode ser visto na Figura 41.

Taxa de inflação

Curva de Phillips
à curto prazo
Curva de Phillips
à longo prazo

Desemprego natural

Taxa de desemprego

Figura 41: Curvas de Phillips de curto e longo prazo


Fonte: Elaborada pelo autor

Módulo 2
135
Macroeconomia

Para que os economistas pudessem realizar essa e outras


reconciliações da curva de Phillips com a teoria econômica, tiveram
de trazer à tona evidências do funcionamento real da economia.
Isso aconteceu em função de dois fatos emergenciais. Primeiro que
Friedman e Phelps, dois economistas ganhadores de prêmio Nobel,
de maneira independente, provaram que a curva de Phillips estava
errada e possivelmente iria apresentar sinais de irregularidade na
disposição dos pares de pontos de inflação e desemprego ao longo
de uma curva bem-comportada. Essa previsão foi feita em 1968,
no auge da popularidade das curvas de Phillips como instrumento
econômico. A segunda razão está ligada ao fato de que a curva de
Phillips começou a mostrar um comportamento para os dados a
partir do primeiro choque de petróleo (1973), comportando-se de
maneira diferente para cada uma das décadas que se seguiram.
Na década de 1970, em função do ajuste aos novos preços do
petróleo, chegou-se a ter inflação e estagnação econômica. Na
década de 1980, foram feitas experiências neoliberais nas principais
economias do mundo, partindo-se de momentos iniciais de taxas
de inflação muito elevadas para os padrões de países desenvolvidos.
Estando as economias ajustadas, na década de 1990, o mundo
viveu um período de grande crescimento, impulsionado pela
chamada nova economia e pelo crescimento asiático, fortemente
baseado nas expectativas de tecnologia da informação. Finalmente,
no novo milênio a economia cursou um misto de lenta recuperação
em função do abalo na economia americana do início dos anos
2000 e a pujança do crescimento da China. A Figura 42 exemplifica
a nuvem de pontos desses últimos 35 anos, tentando circunscrever
regiões de pontos associados com as décadas analisadas.

136 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

Taxa de inflação
Década de 1980

Década de 1970

Década de 2000

Taxa de desemprego

Década de 1990

Figura 42: Nuvem de pontos de taxa de inflação e taxas de desemprego para


várias décadas na economia americana
Fonte: Elaborada pelo autor

As adaptações à curva de Phillips estão ligadas aos


seguintes fatos:

 os agentes econômicos criam expectativas em relação


à inflação vindoura. A melhor estimativa para essa
inflação vindoura é a inflação passada. Assim, a taxa
de inflação não é somente função das pressões do
emprego sobre os preços dos fatores de produção, mas
também dos reajustes de preços desses fatores única
e exclusivamente para acompanhar as expectativas de
inflação. Como nessas últimas quatro décadas a
inflação se mostrou mais elevada e persistente do que
nos anos trabalhados por Phillips, o modelo deve
incorporar essa variável, que agora adquire
significância. A Figura 43 plota a curva de Phillips para
vários níveis de inflação esperada. Isso corresponde a
um deslocamento para a direita e para cima da curva
de Phillips, se a inflação for crescente. Desta maneira,
pode-se explicar grande parte da nuvem de pontos das
últimas décadas. Cada região da nuvem de pontos
estava associada a expectativas de inflação típicas do
período de tempo em análise;

Módulo 2
137
Macroeconomia

Taxa de inflação

Taxa de desemprego

Figura 43: Deslocamento da curva de Phillips de acordo com o nível de


inflação esperado
Fonte: Elaborada pelo autor

 deve-se sempre contemplar a possibilidade que a


inflação esperada para o próximo período seja baixa,
pela credibilidade das autoridades econômicas. Essa
será uma perspectiva oferecida por alguns economistas
da escola de expectativas racionais que oferecerá um
caminho indolor para a diminuição da inflação (sem
sacrifícios no emprego), que analisaremos mais tarde.
Por enquanto é melhor admitir que estamos diante do
caso das expectativas adaptativas, ou seja, a melhor
previsão da inflação para o futuro imediato é a do
ano anterior. Desta maneira, geramos a curva de Phillips
de longo prazo, como uma reta vertical sobre o ponto
de desemprego natural, como é visto na Figura 44; e

138 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

Taxa de inflação

Nova inflação esperada – momento 2

Inflação esperada inicial – momento 1

Inflação esperada – momento 3

Taxa de desemprego

Figura 44: Um caminho possível percorrido pela inflação ao saltar entre níveis
de inflação esperada de período para período
Fonte: Elaborada pelo autor

 pelo menos três elementos devem ser incorporados na


formulação da curva de Phillips de acordo com o que
foi observado na prática.

 primeiro, uma expectativa de inflação altera a posição


dos pontos ao longo do eixo das ordenadas. A inflação
que determina um maior ou menor emprego é a
inflação inesperada, já que a esperada já foi incorporada
pelos agentes econômicos: eles tanto pediram
remunerações maiores pelos seus fatores de produção
como já alteraram seus preços de venda de bens e
serviços em função da inflação esperada futura. Se a
inflação for maior do que a prevista, isso causará uma
ativação maior na economia, elevando o emprego: do
contrário, uma inflação menor do que a esperada é
sinônimo de uma desativação, uma diminuição da
pressão sobre o uso dos fatores produtivos, o que leva a
um maior desemprego, como apresentamos na Figura 45;

Módulo 2
139
Macroeconomia

Taxa de inflação total


(inesperada + esperada)
Inflação esperada

Variação da inflação
inesperada

Taxa de desemprego

Figura 45: Movimentos ao longo da curva de Phillips pela inflação inesperada


Fonte: Elaborada pelo autor

 segundo, a curva de Phillips deve sinalizar em que


situação a economia estava anteriormente a sua maior
ou menor ativação. Assim, não só interessa a variação
da inflação de um ano para outro, ou seja, a inflação
inesperada acima ou abaixo da inflação esperada (cuja
melhor estimativa é a inflação do ano anterior), como
também a variação na taxa de desemprego, ou seja,
quanto o desemprego deste ano é maior ou menor do
que o desemprego do ano anterior; e

 terceiro, a curva de Phillips deve ser generalizável, ou


seja, explicar os diferentes fatores que sabidamente
afetam os níveis de inflação e de emprego de um país
para o outro, assim como as variações destes no longo
prazo dentro de um mesmo país. Por exemplo, adotou-
se inicialmente que as organizações estariam em
mercados de concorrência perfeita, onde os preços
praticados seriam iguais aos custos marginais, no ponto
de equilíbrio. É mais razoável admitir que os preços da
economia como um todo são determinados pelas
grandes organizações oligopolizadas, responsáveis por
grande parte do produto de uma economia. Essas
organizações fixam seus preços através de uma margem
colocada sobre seus custos. Desta maneira, as variações
de preços de ano para ano podem ser determinadas
por alterações nessas margens, e não pela diferença
no emprego dos fatores de produção, em especial a

140 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

mão de obra determinados pela curva as organizações.


Todos os demais fatores permanecendo constantes pode
haver uma redução de preços generalizada na
economia em função da diminuição das margens, por
uma competição internacional mais forte, por exemplo,
fruto da abertura dos mercados e da globalização.

Outros exemplos dos fatores a serem incorporados ao longo


do tempo nas curvas de Phillips são os choques de oferta e as
diferenças nas características do emprego e dos trabalhadores.
Modificações de preços podem ser causadas única e exclusivamente
porque certos fatores de produção se tornaram mais escassos ou
abundantes, em função de fatores fortuitos (é o caso de variações
nas safras agrícolas, enchentes, acidentes naturais ou conluios de
fornecedores). Um aumento de produtividade pode fazer com que
os fatores de produção fiquem relativamente mais baratos, até que
os agentes econômicos percebam que podem demandar maiores
preços por esses seus fatores de produção agora mais produtivos.
Aqui é bom lembrar que o preço dos fatores de produção, como a
mão de obra, é estritamente igual a sua produtividade marginal, ou
seja, se um fator produzir mais, ele terminará recebendo como
remuneração também a receita marginal advinda dessa quantidade
a mais de produtos vendidos, segundo vimos na primeira disciplina
deste curso que tratava de Introdução à Economia.
Existem ainda fatores que alteram a taxa natural de
desemprego. Questões como a cultura de estabilidade no emprego,
pressão dos sindicatos para a garantia do emprego, a entrada no
mercado de trabalho de contingentes específicos de trabalhadores
mais sujeitos à rotatividade no emprego, a proteção de leis
trabalhistas, o nível do salário-mínimo, a existência de salário-
desemprego e a própria percepção dos trabalhadores quanto às
vantagens relativas entre o ganho com o trabalho e o prazer advindo
do ócio alteram a taxa natural de desemprego.
O importante aqui é que estamos abrindo uma janela na
formulação da curva de Phillips para modelar uma série de fatores
determinantes do emprego e que vamos tratar em mais detalhes ao
final desta unidade. Mais ufanisticamente, queremos demonstrar

Módulo 2
141
Macroeconomia

que a curva de Phillips não é só uma representação da curva de


oferta agregada, como prometemos, mas também um modelo
genérico para o funcionamento do mercado de trabalho, ou seja,
uma curva que sintetiza também as relações entre demanda e oferta
agregada no mercado de trabalho e não tão-somente a curva de
oferta agregada no mercado de bens e serviços. Por enquanto, essa
extensão foge aos propósitos desta discussão, e representamos todos
esses fatores relativos ao mercado de trabalho apenas por uma
variável na formulação estendida da curva de Phillips.
Já tínhamos visto anteriormente os deslocamentos para cima
e para baixo da curva em função da inflação esperada, primeiro
termo da nova equação acima. Vamos examinar agora o que
acontece com o segundo termo, onde fizemos com que a taxa de
inflação fosse função do nível de emprego anterior. Para tal, vamos
simular uma curva de Phillips qualquer, utilizando os seguintes
parâmetros, como apresentamos na Figura 46.

Taxa de inflação

Curva de Phillips com


taxa de desemprego do
período anterior = U4

U1 U2 U U3 U4
Taxa de desemprego

U natural
Curva de Phillips com
taxa de desemprego do
período anterior = U1

Figura 46: Curva de Phillips que levam em consideração


a taxa de desemprego no período anterior
Fonte: Elaborada pelo autor

Note que as várias curvas de Phillips geradas movem-se em


torno de uma curva de Phillips média, onde adotamos por hipótese
que a economia sempre estivesse na taxa de desemprego natural

142 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

no período anterior. As alterações na posição da curva de Phillips


são função do diferencial entre as taxas de desemprego entre os
dois períodos e do fator b utilizado na fórmula. Isso significa que
sempre podemos retornar à curva de Phillips original, proposta pelo
próprio autor, fazendo com que b seja um valor pequeno e que a
economia mova-se lentamente de ano para ano em termos de taxas
de desemprego, o que é uma hipótese razoável. Isso significa que a
curva de Phillips, como proposta inicialmente por este autor, é um
caso particular de um modelo mais genérico, ou seja, dada certas
condições restritivas ela é um modelo correto que pode ser explorado
em mais detalhes. É isso que vamos fazer ao derivar a curva de
oferta agregada a partir da formulação original da curva de
Phillips, apenas substituindo a variação de salários pela variação
de preços (a inflação).
Os demais fatores representam apenas deslocamentos da
curva de Phillips para cima e para baixo. Dessa forma, uma margem
menor colocada pelos oligopolistas sobre seus custos de produção
representa uma diminuição de preços de um ano para o outro, e
assim uma inflação menor, fazendo a curva de Phillips deslocar-se
para a esquerda e para baixo. Uma tolerância cultural maior em
relação ao desemprego, talvez por salários-desemprego maiores,
leva a curva de Phillips para a direita e para cima, como ilustrado
na Figura 47. Um choque adverso na oferta de insumos, encarecendo
os custos de produção, determina um aumento de preços, ou seja,
uma inflação maior, o que desloca novamente a curva de Phillips
para a direita e para cima.

Módulo 2
143
Macroeconomia

Taxa de inflação Taxa de inflação

Taxa de desemprego Taxa de desemprego

Taxa de inflação

Taxa de desemprego

Figura 47: Diferentes deslocamentos na curva de Phillips


Fonte: Elaborada pelo autor

Tendo apresentado a curva de Phillips, vamos introduzir o


segundo achado estatístico que tínhamos citado anteriormente e
que permite operacionalizar as consequências de curva de Phillips
em modelos econométricos. Dada uma alteração na taxa de
desemprego na economia, seremos capazes de avaliar o aumento
ou a diminuição efetiva do produto da mesma.

144 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

TRATAMENTO DE CHOQUE VERSUS


POLÍTICA GRADUALISTA DE REDUÇÃO DE
INFLAÇÃO – PERCORRENDO O EIXO
VERTICAL DA CURVA DE PHILLIPS

A INFLUÊNCIA DA INFLAÇÃO E DA TAXA


DE DESEMPREGO ANTERIORES

O tratamento gradualista também pode ser explorado através


da curva de Phillips estendida, ou seja, fazendo com que se incorpore
também a variação do emprego de um período para o outro. Sejam
os parâmetros abaixo, onde a taxa de emprego natural da economia
está associada a um desemprego de 6% da força de trabalho e o
coeficiente de redução do emprego em função da redução de
inflação foi dividido em duas parcelas. A primeira parcela
corresponde a 0,5% e espelha a distância entre a taxa de desemprego
final que foi obtida e a taxa natural; a segunda parcela, também de
0,5%, espelha a distância entre a taxa de desemprego final obtida
e a taxa de desemprego de onde se partiu. Para efeitos de raciocínio,
mantemos os valores de ligação entre inflação, emprego e produto
simplificados, ou seja, redução de 1% de inflação = redução de
1% no emprego = redução de 1% no produto.
Como exemplo, temos que uma redução da taxa de inflação
de 10% precisaria fazer com que a taxa de desemprego saltasse

Módulo 2
145
Macroeconomia

para 16%, com um sacrifício do PIB também de 10%, usando a


formulação de Phillips tradicional.

Inflação = – 1 (u% – 6%)


–10% = 1u% + 6%

Utilizando para a curva de Phillips estendida, imaginando


um caso extremo onde a economia está com uma taxa de
desemprego de apenas 3%, teríamos primeiro que calcular a taxa
de inflação associada a uma taxa de desemprego que permanece
de ano após ano em 3%:

Inflação = –0,5 (3% – 6%) – 0,5 (3% – 3%)


Inflação = 1,5%

Para que haja uma redução da taxa de inflação de 10%,


esta deverá alcançar o valor de –8,5% (+1,5% – 10% = –8,5%).

– 8,5% = –0,5 (u – 6%) – 0,5 (u – 3%)


– 8,5% = –0,5u + 3% – 0,5u +1,5%
– 8,5% = –1,0u + 4,5%
U = 13%

Em ambos os casos, o sacrifício imposto à economia (e aos


trabalhadores em função dos valores do desemprego final) é muito
grande, apesar de a formulação estendida indicar uma perda de
empregos um pouco menor. Uma maneira mais razoável é ir por
partes, reduzir a inflação gradualmente. Neste caso, primeiro a
inflação seria reduzida fazendo com que a taxa de desemprego fosse
igual à taxa natural, ou seja:

Inflação = –0,5 (6% – 6%) – 0,5 (6% – 3%)


Inflação = –1,5%

Nesse primeiro movimento, a taxa de inflação teria sido


reduzida de 3%, passando de um valor de +1,5% quando a
economia estava aquecida, com taxa de desemprego de apenas

146 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

3%, passando para –1,5% quando a economia atinge o seu produto


natural, ou seja, com uma taxa de desemprego de 6%. O próximo
passo é fazer a inflação baixar mais 7%, atingindo o valor de –8,5%.

–8,5% = –0,5(u – 6%) – 0,5 (u – 6%)


–8,5% = –1(u – 6%)
–8,5% = –u + 6%
U = 14,5%

O tratamento gradualista em duas etapas conduziu também


ao aumento brutal no desemprego, passando de 3% para 6% ao
final do primeiro ano e de 6% para 14,5% ao final do segundo ano.
A taxa de sacrifício, em termos de perdas do PIB, também foi
equivalente, fazendo com que no primeiro ano se perdesse 3% do
PIB e no segundo ano outros 8,5%, totalizando 11,5% de perda do
PIB nos dois anos (mais ou menos de acordo com as nossas
expectativas, já que associamos que uma redução de 10% da inflação
deveria trazer uma taxa de sacrifício de também 10% do PIB).
Assim, precisamos entender quais as razões que levam a
discussão entre a redução da inflação através de tratamento de
choque ou de gradualismo. Por enquanto vimos que as duas escolas
de pensamento, além de levarem ao mesmo ponto de taxa de
desemprego final, têm taxas de sacrifício do PIB semelhantes.
Ocorre que o principal fator a combater é a expectativa da
inflação. Vimos que na formulação estendida da curva de Phillips o
primeiro fator é a incorporação da taxa de inflação que se espera
para o ano seguinte. Ou seja, os mecanismos numéricos da fórmula
de Phillips operam reduzindo ou ampliando uma taxa de inflação
esperada por todos os agentes econômicos para o ano vindouro.
Em princípio, essa taxa de inflação esperada é muito semelhante à
taxa de inflação praticada no ano anterior. Desse modo, o
tratamento gradual vai reduzindo paulatinamente a taxa de inflação
esperada ao longo dos anos, não necessitando que se faça um
grande aumento da taxa de desemprego para obter, ao final de vários
anos, a redução da inflação pretendida, como ilustrado na Figura 48.

Módulo 2
147
Macroeconomia

Inflação esperada –
Taxa de inflação momento 2

Inflação esperada
inicial – momento 1

Inflação esperada –
momento 3

Inflação esperada –
momento 4

U*
Inflação esperada – Taxa de desemprego
momento 5

Figura 48: Redução gradual da inflação explorando a criação de patamares


de inflação esperada menores
Fonte: Elaborada pelo autor

A discussão sobre o tratamento de choque ou gradualista


para reduzir a inflação ganhou um novo contraponto com o advento
da teoria das expectativas racionais. A inflação esperada, que é o
ponto central da discussão anterior, não precisa estar baseada no
passado. Diante da credibilidade dos condutores da política
econômica, todos podem conduzir suas expectativas de inflação
em torno de um valor com o qual o governo se compromete, e não
mais basear-se em projeções fundamentadas em dados do
passado. Assim, a inflação poderia ser rapidamente reduzida,
como ilustrado na Figura 49.

148 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

Taxa de inflação
i
TTO

Meta da taxa de inflação


com credibilidade.
TT1

U* Taxa de desemprego

Figura 49: Redução da inflação com credibilidade sobre a inflação anunciada


Fonte: Elaborada pelo autor

A CURVA DE PHILLIPS DE LONGO PRAZO

Observe que agora estamos mais preocupados em explorar


a dimensão vertical da curva de Phillips, ou seja, o valor da taxa de
inflação. Vamos explorar mais uma vez essa dimensão vertical para
explicar o que seria uma curva de Phillips de longo prazo. Lembre-
se que uma das críticas mais fortes à utilização permanente da curva
de Phillips como política macroeconômica era a possibilidade de
deixar sempre a economia ativada além do pleno emprego, desde
que se tolerasse uma taxa de inflação constante. Posteriormente,
isso foi modificado, admitindo que se poderia manter durante largos
intervalos de tempo uma taxa de desemprego menor do que a taxa
natural (e, por conseguinte, um produto da economia além do
produto natural, desde que a taxa de inflação fosse crescente, ano
após ano). Essa colocação era um pouco mais sustentável do que
a anterior, porque um dia a economia teria de voltar ao seu produto
natural e ao desemprego natural, porque taxas de inflação muito
elevadas terminam por desorganizar a economia.
Ocorre que, por todas as evidências, o produto natural de
uma economia no longo prazo é função apenas dos recursos e

Módulo 2
149
Macroeconomia

tecnologia empregados, não havendo espaço para mais uma


variável que seria a inflação. Assim, era necessário demonstrar que
a curva de Phillips também convergia para o pleno emprego. Isso é
facilmente obtenível fazendo com que a inflação esperada em cada
ano seja função da inflação passada. Vamos examinar o que
acontece, graficamente, quando tomamos a inflação esperada como
sendo exatamente igual à inflação do ano anterior. Os agentes
econômicos, na expectativa de preços dos insumos mais elevados,
diminuem a sua oferta, como em qualquer curva de oferta que vimos
anteriormente nos modelos OA-DA. Isso faz com que a curva de
Phillips de curto prazo volte à taxa de desemprego natural, mas
com preços mais elevados (inflação maior). Em mais uma rodada,
um novo aumento da inflação faz com que seja possível produzir
mais no curto prazo. No entanto, essa inflação é incorporada como
expectativa para os anos seguintes e volta-se a produzir de acordo com
o preço real dos fatores de produção. Faz-se assim um zigue-zague ao
lado da uma reta vertical colocada sobre o valor de pleno emprego.

Taxa de inflação

U*
Taxa de desemprego

Figura 50: Derivação da curva de Phillips de longo prazo através


da taxa de inflação esperada crescente
Fonte: Elaborada pelo autor

O mesmo acontece se sistematicamente se tivesse uma


redução da inflação, o que causaria preços menores e menos
atrativos para os ofertantes, que assim diminuiriam a sua produção

150 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

e causariam mais desemprego. Em um segundo momento, essas


expectativas de preços menores no futuro seriam incorporadas nos
cálculos dos produtores, que passariam a oferecer mercadorias de
acordo com os preços reais, tanto de seus produtos finais como
dos recursos produtivos, voltando à reta vertical de pleno emprego.
Isso pode ser observado na Figura 51 no lado b.

Taxa de inflação

U*
Taxa de desemprego

Figura 51: Derivação da curva de Phillips de longo prazo através


da taxa de inflação esperada decrescente
Fonte: Elaborada pelo autor

Em resumo, a curva de Phillips de longo prazo é uma reta


vertical, assim como a curva de oferta de longo prazo do modelo
OA-DA também é uma reta sobre o produto de pleno emprego.
A única diferença é que a curva de Phillips é uma reta sobre a taxa
natural de desemprego, enquanto que a reta de oferta agregada
situa-se sobre uma variável proxy*, ou seja, o produto de pleno
emprego. Mais uma vez é importante frisar a estreita relação entre *Variável proxy – é uma
variável que permite a
produto e emprego dos fatores de produção, em particular o fator
associação de uma ca-
de mão de obra: em princípio, numa primeira instância, o aumento racterística subjetiva a
de produto depende do aumento de emprego e vice-versa. uma escala numérica

Apresentamos a curva de Phillips como um importante definida dentro de um


critério objetivo desta
instrumento para modelar duas variáveis-chaves do dia a dia da
última variável. Fonte:
economia, aquelas que, como dissemos, mais perturbam o dia a Elaborado pelo autor.
dia das pessoas, ou seja, desemprego e inflação. No entanto,

Módulo 2
151
Macroeconomia

tínhamos prometido muito mais do que isso, ou seja, num


primeiro passo mostrar que a curva de Phillips é a curva de oferta
de curto e de longo prazo e logo depois mostrar que a curva de
Phillips pode conter variáveis para modelar a qualidade do
emprego na sociedade.

152 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

ANÁLISE CONJUNTA
DAS CURVAS DE DEMANDA
E OFERTA INFLACIONÁRIAS

Vamos agora dar bom uso a essas curvas de demanda e


oferta expressas em termos de inflação, para mostrar como a
economia alcança o equilíbrio, não só em termos de preços e
quantidades, mas também em termos de taxa de inflação e
quantidades. Seja um primeiro caso onde há uma expansão
monetária, aumentando a demanda e o produto no curto prazo,
com o consequente aumento do nível geral de preços. Sabemos
que isso fará com que a curva de oferta termine se deslocando para
cima, já que o nível de preços maior terminará se transmitindo aos
fatores de produção. Diante de fatores de produção com preços
mais elevados, não há tanto interesse em ofertar grandes
quantidades de produtos. Assim, em longo prazo a economia
encontrará um ponto de equilíbrio em E1, com um nível geral de
preços maior. A inflação terá ocorrido somente uma vez, fazendo
com que os preços fiquem estáveis a partir do longo prazo, situados
no valor de P1, que apresentamos na Figura 52.

Módulo 2
153
Macroeconomia

Taxa de inflação

E2

E1
Inflação esperada

Eo

Taxa de desemprego Y
Y*

Figura 52: Caminho de ajuste das curvas de demanda e de oferta inflacionárias


durante o curto prazo até voltar à situação de equilíbrio no longo prazo
Fonte: Elaborada pelo autor

Agora vamos analisar esse aumento de preços e a volta ao


produto de equilíbrio usando as curvas inflacionárias de demanda
e de oferta. Seja um aumento de demanda determinado pelas
autoridades econômicas através de injeção de uma quantidade
maior de moeda na economia.
Vejamos o que acontece no curto prazo com as curvas de
inflação para demanda e para oferta. O aumento da oferta monetária
desloca a curva de inflação da demanda para cima, atingindo um
novo ponto de equilíbrio E1 junto à curva inflacionária de oferta
inicial. Nesse ponto, ambas as curvas são modificadas por estarem
agora o produto mais elevado (o que leva a curva inflacionária de
demanda para direita e para cima) e os preços mais elevados (o
que leva a curva inflacionária de oferta para esquerda e para cima).
As novas curvas encontram-se no E2, também com preços e
quantidades ofertadas maiores, o que faz com que surjam novas
curvas de oferta e demanda inflacionárias da mesma forma que no
movimento anterior (respectivamente para a esquerda e para cima
e para direita e para cima). No entanto, é razoável admitir agora
um deslocamento muito maior da curva de oferta do que da curva
de demanda. A curva inflacionária de oferta aproxima-se de um
valor de produto muito elevado, para o qual não existem mais fatores

154 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

de produção disponíveis na economia, ou seja, só há interesse em


ofertar se o aumento de preços dos produtos for muito elevado. Isso
faz com que o ponto de equilíbrio E3 comece a recuar em direção
ao ponto de equilíbrio final E0. Daqui em diante o deslocamento
das curvas de demanda e oferta inflacionárias seguirá sempre a
mesma regra: se o produto diminui em relação ao produto anterior,
a curva de demanda desloca-se para a esquerda e para baixo; se o
produto aumenta em relação ao de equilíbrio anterior, a curva de
demanda desloca-se para cima e para a direita. Da mesma forma,
se os preços baixam em relação aos preços anteriores, a curva de
oferta desloca-se para direita e para baixo; se os preços aumentam
em relação aos preços anteriores, essa curva de oferta desloca-se
para cima e para a esquerda.
Esse caminho continua durante o curto prazo, com alterações
na curva inflacionária de demanda e de oferta. Podemos imaginar
dois pontos onde o processo de convergência da taxa de inflação
possa parar. O primeiro é o próprio valor de E0. Tendo ocorrido
um só impulso inicial na economia, dado pela expansão monetária,
esta determina um nível de preços maior. Para que se alcance esse
nível de preços maior, deve haver inflação em alguns períodos e
depois esta deve cessar, garantindo que o novo nível geral de preços
se mantenha, até que eventualmente uma nova alteração da
demanda ocorra. Assim, volta-se à taxa de inflação inicial. Essa
taxa só pode ser igual à taxa de inflação esperada, ou seja, aquela
que vinha sendo sistematicamente incorporada aos preços, por ter
ocorrido no passado. Se partirmos de uma economia sem taxa de
inflação, o retorno se dará pela volta a uma economia sem taxa de
inflação. Essa situação corresponde à parte superior da Figura 53.
Já a parte inferior dessa mesma figura ilustra um segundo
ponto de chegada para esse percurso inflacionário. A nova taxa de
inflação esperada pode incorporar todo o caminho percorrido no
processo de ajuste das curvas inflacionárias de demanda e oferta.
Ao longo do processo de ajuste, a cada momento, tinha-se uma
nova taxa de inflação que era passível de ser incorporada às
expectativas dos agentes econômicos. Em particular, uma dessas
taxas é aquela ditada pela teoria quantitativa de moeda, quando

Módulo 2
155
Macroeconomia

houve a expansão inicial dos meios de pagamento. Essa taxa


corresponderia a uma curva inflacionária de oferta onde os preços
dos fatores de produção fossem bastante elásticos, ou seja, subissem
imediatamente quase na mesma proporção dos preços dos bens e
serviços da economia. Tendo a economia partido dessa taxa de
inflação esperada no primeiro momento e circulando em volta desse
ponto para efetuar o ajuste das curvas de demanda e oferta
inflacionárias, terminará criando-se uma memória inflacionária
nesse circuito. Essa memória pode corresponder a um ponto médio
de inflação, como aquele representado pela inflação do momento
inicial. Essas duas situações estão graficadas na Figura 53.

Taxa de inflação

E2

E1

Eo Y

Y*

Taxa de inflação

E2

E1
Inflação esperada
Eo ao final do processo
de ajuste

Y
E Inflação inicial

Y*

Figura 53: Possíveis pontos de equilíbrio no longo prazo para


taxa de inflação esperada, após percorrer o caminho de ajuste
entre as curvas de demanda e oferta inflacionárias
Fonte: Elaborada pelo autor

156 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

Vamos examinar agora um caso de choque negativo de oferta,


ou seja, quando as quantidades ofertadas diminuem para cada nível
geral de preços praticado. Esse caso segue o mesmo raciocínio do
aumento de oferta descrito nos parágrafos anteriores, mas ilustra o
quadro perverso que pode se instalar com a estagflação. A Figura
54 mostra o novo nível geral de preços que ocorre na economia
com uma redução da oferta. Esse novo nível geral de preços é
alcançado a partir da ocorrência da inflação em determinado
período. Cessado o ajuste cessa a inflação, que, como no caso
anterior, volta para o valor da inflação que vinha sendo esperada
anteriormente. Se nenhuma inflação existia anteriormente, após
esse período de ajuste, a inflação volta para zero. Caso os agentes
econômicos se acostumem com esse valor de inflação ocorrido
circunstancialmente e passem a incorporá-la em suas perspectivas
futuras, esta se torna a nova taxa constante de aumento de preços
para todos os anos subsequentes. O produto natural é agora menor,
tanto no curto como no longo prazo. No entanto, pode ocorrer que
os outros fatores de produção ajustem seus preços para baixo, no
longo prazo, compensando o aumento de preços desse fator
específico. Ademais, esse próprio fator específico pode voltar a ter
seu preço corrigido para baixo. Em ambas as circunstâncias, a curva
de oferta agregada desloca-se para a sua posição original,
restabelecendo o ponto de equilíbrio junto ao produto natural inicial.
Na análise que se segue, vamos considerar essa segunda hipótese, ou
seja, o de retorno ao ponto de equilíbrio inicial.

Módulo 2
157
Macroeconomia

Taxa de Inflação
Inflação esperada
E2

Y
Y*

Figura 54: Ajuste das curvas de demanda e de oferta inflacionárias


para um choque negativo de oferta
Fonte: Elaborada pelo autor

Vamos agora percorrer o doloroso caminho de ajuste através


dos gráficos de curva inflacionária de demanda e de oferta. A lógica
é sempre a mesma: a curva inflacionária de demanda move-se
segundo o valor do produto no período anterior. Se no período
anterior o produto diminui, a curva move-se para baixo e para a
esquerda. Se o produto no período anterior aumenta, ela se move
ao contrário, para cima e para a direita. A curva inflacionária de
oferta move-se de acordo com a variação dos preços. Se os preços
estão baixando com uma redução de inflação, esses preços também
atingem os fatores de produção. Preços dos fatores de produção
menores fazem com que a curva de oferta inflacionária se desloque
para baixo e para direita. Se os preços estão aumentando, a curva
de oferta inflacionária se desloca para cima e para a esquerda.
A Figura 54 mostra a trajetória de ajuste que tende a fazer com
que o produto diminua ainda mais até que comece a se recuperar.
Em alguns momentos, o produto pode continuar a diminuir
com o aumento de inflação, agravando ainda mais a estagflação.
Como sabemos, a reação usual é tentar aumentar a demanda, o
que faz com a que a inflação aumente mais ainda. Mostramos isso

158 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

no gráfico com uma nova curva de demanda em linha grossa. A


partir dali reinicia-se um novo ciclo de ajuste, semelhante ao
ocorrido no caso inicial, quando tudo começou com um aumento
de demanda. A Figura 55 mostra o novo ciclo de ajuste superposto
àquele que ocorreria se não houvesse essa tentativa de correção da
estagflação através de um aumento de demanda. Observe que o
que ocorre é uma possível ampliação do ciclo de ajuste, com mais
inflação e menor produto até chegar-se ao ponto de recuperação.
À guisa de exemplo, assinalamos o ponto Es na Figura 55 que
determina o início da recuperação do produto.

Aumento da demanda
Taxa de inflação

E2
Inflação esperada

ES

Y
Y*

Figura 55: Ciclo de ajuste da inflação e do produto com um choque negativo


de oferta e ampliação do ciclo de ajuste com um aumento de demanda
Fonte: Elaborada pelo autor

Com isso, encerramos um ciclo de análise. Vimos que, com


um pouco de formulação matemática, podemos unificar os vários
modelos da macroeconomia, como OA-DA, IS-LM e curva de
P h i l l i p s . N o e n t a n t o, n ã o c o n s e g u i m o s n o s a f a s t a r d o s
pressupostos iniciais de cada modelo, ou seja, o da existência
de expectativas adaptativas.

Módulo 2
159
Macroeconomia

O comportamento da economia no passado influencia


o ajuste dos agentes econômicos no seu caminho entre
o curto e o longo prazo.

Se incorporarmos a visão das expectativas racionais e da


flexibilidade nos ajustes de preços de bens e fatores de produção,
aproximamos as análises de curto às de longo prazo: aquilo que
vale para o longo prazo vale também para o curto prazo. Voltamos
a operar mais no lado real da economia. Nesse lado real, sabemos
que o que conta são fenômenos físicos, como produtividade,
emprego, tecnologia e qualidade gerencial no uso dos fatores de
produção. Em uma perspectiva mais ampla, o que conta é a
qualidade dos arranjos institucionais para governar e promover o
desenvolvimento da sociedade. É nessa perspectiva que agora vamos
abandonar os modelos e a matemática para discutir
conceitualmente a qualidade do emprego que nós, como
administradores públicos, devemos reivindicar, gerir e criar.

160 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

MALEFÍCIOS E BENEFÍCIOS
DO DESEMPREGO

O desemprego afeta mais diretamente as pessoas envolvidas


com a perda do emprego do que a sociedade como um todo.
Cinicamente, podemos dizer que em um primeiro momento o
desemprego não afeta aqueles que retêm os seus empregos. Em um
segundo momento, estes perdem o seu poder de barganha para
reivindicar melhores salários ou condições de trabalho. Pode ter
reflexos políticos importantes, na medida em que reúna um
contingente expressivo de reivindicantes por proteção social em
localidades ou em setores da economia específicos. Afora esses
aspectos pessoais e políticos do desemprego, há de se questionar
os malefícios causados pelo fato de as pessoas ficarem sem trabalho.
Os malefícios econômicos são:

 perda do produto econômico em função da não utilização


dos recursos desempregados: essa perda, como já
vimos, é determinada pela Lei de Okun. Utilizamos
anteriormente a paridade 1% de desemprego representa
um sacrifício de 1% do produto, mas as estimativas
usuais indicam perdas bem maiores, entre 2 e 5% de
produto. Isso geralmente recomenda que a tentativa de
diminuição da inflação pelo aumento do desemprego
tem um custo excessivamente pesado em termos de taxa
de sacrifício do produto do país. Dito de outra maneira,
a sociedade toleraria índices de inflação razoáveis para
não ter de conviver com reduções do produto elevadas
caso se determinasse reduzir a inflação;

Módulo 2
161
Macroeconomia

 perda da disposição e habilidade para o trabalho: o


desemprego de longo prazo faz com que as pessoas
potencialmente percam sua rede de contatos sociais
no trabalho, assim como o treinamento acumulado e
a disposição (aptidão) física para o trabalho. A
retomada do emprego representa um esforço adicional
da sociedade (e do próprio trabalhador) para torná-lo
novamente apto para o emprego;
 perdas psicológicas para o trabalhador e para a família,
na medida em que para ambos a existência de um
emprego é altamente associado com a autoestima;
 custos associados à criação de uma rede de apoio ao
trabalhador e sua família durante o período de
desemprego, a ser custeada pelo governo ou pelas
próprias organizações;
 diminuição do montante de recolhimentos trabalhistas
e previdenciários, que ajudam a custear o afastamento
e a aposentadoria dos demais trabalhadores. O
crescimento do emprego é a chave para a manutenção
do equilíbrio das contas previdenciárias;
 separação dos trabalhadores qualificados e não qualifica-
dos: a existência de desemprego permite o aparecimento
de uma clivagem social dentro do próprio grupo de traba-
lhadores entre aqueles que pelas suas qualificações aca-
bam não perdendo seus empregos e aqueles que têm uma
situação instável em termos de vinculação profissional.
Consequentemente, isso tem reflexos nos movimentos sin-
dicais, que podem tender a proteger o emprego daqueles
que o tem, sem reivindicar ocupações para aqueles que
estão fora das organizações;
 interferência do Estado para minorar a situação de
desemprego, editando leis, empregando a mão de obra
em empregos temporários ou públicos ou alterando a
jornada de trabalho. Nem sempre a atuação do Estado

162 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

corresponde à maneira mais efetiva de fazer a alocação


dos fatores de produção à economia; e
 histerese do desemprego: tem sido observado que o fato
de passar por uma crise de desemprego faz com que a
sociedade não retome os mesmos níveis de emprego
que detinha antes. Por histerese entende-se essa
dificuldade de o emprego voltar aos níveis anteriores, o
que pode ser aprofundado a cada nova crise. É como
se a sociedade conseguisse se reorganizar para
trabalhar com um menor efetivo, tornando mais difícil
a missão de aumentar o emprego em períodos futuros.

Diante de tantos malefícios, é de se perguntar como a


sociedade pode conviver com taxas elevadas de desemprego, não
buscando rapidamente a sua eliminação. Será elencada a seguir
uma série de benefícios do desemprego, que ajudam a explicar esse
aparente paradoxo. É bom lembrar que esses benefícios estão
geralmente associados a países desenvolvidos, onde foi possível criar
uma rede de proteção social que minora os aspectos psicológicos e
de renda advindos da perda do emprego. Da mesma forma, as
considerações a seguir prendem-se muito mais à ótica dos
empregadores e daqueles que têm facilidade em entrar e sair de
empregos. Não correspondem à visão dos desempregados crônicos.

 reciclagem dos trabalhadores ao realizarem cursos e


programas de treinamento entre empregos sucessivos,
provendo assim mão de obra mais qualificada;
 aumento da troca de experiências entre organizações
e trabalhadores pela rotatividade de seus empregados,
que disseminam as boas (e as más) práticas de
organização para organização;
 maior disponibilidade de trabalhadores para absorção
em curto prazo pelas organizações, aumentando a
flexibilidade para adequar o volume de produção à
demanda. As taxas de desemprego muito baixas fazem

Módulo 2
163
Macroeconomia

com que seja extremamente difícil para as organizações


acompanharem as necessidades do mercado de trabalho;
 adequação dos trabalhadores às suas atividades
paralelas ao longo do ciclo de vida: pode ocorrer que
parte da mão de obra considere conveniente passar
períodos sem trabalhar, para atender seus afazeres
domésticos, reciclar-se profissionalmente ou
simplesmente restabelecer-se física e emocionalmente.
A existência de alguma taxa de desemprego (e,
consequentemente, salários não tão elevados) faz com
que seja mais bem-aceito o fato de desempregar-se
voluntariamente ou não ser pressionado pelos salários
mais atrativos que se poderia estar recebendo; e
 finalmente, pode-se argumentar que o pleno emprego
leva a maiores dificuldades de relacionamento
trabalhista, com constantes reivindicações por
melhores salários e condições de trabalho. É de
interesse do grupo de empregadores que essas
reivindicações sejam mantidas sob controle pela
existência de um grupo mais expressivo de
trabalhadores desempregados e que possam assumir
imediatamente os postos de trabalho que venham a
ficar vagos pelos atritos trabalhistas. Sabemos que
essa pode ser uma atitude estratégica, cujos resultados
no curto prazo são contraditórios: para os empresários.
A maximização dos lucros se dá no ponto onde as
receitas marginais igualam aos custos marginais, e
assim não haveria interesse em reduzir o emprego
enquanto esse ponto não fosse alcançado.
Examinaremos agora cada um dos elementos da curva de
Phillips como um depositário de ações gerenciais por parte dos
administradores públicos.

164 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

A TAXA NATURAL DE DESEMPREGO


E SEUS CONDICIONANTES

A TAXA NATURAL DE DESEMPREGO

Um quarto elemento da curva estendida Phillips é a taxa


natural de desemprego. Esta se situa entre algo tão baixo como
2-3% para o Japão e algo tão alto como 11-12% para países
europeus na atualidade. Para entender como é formada essa taxa
natural de desemprego, é preciso examinar o funcionamento do
mercado de trabalho em detalhes. Vamos ver que nesses detalhes
estão muitas das possibilidades de atuação do administrador
público, no sentido de melhorar a qualidade do emprego.
O principal determinante dessa taxa natural é o chamado
desemprego friccional. É impossível, e talvez não desejável, que
todas as pessoas que queiram trabalhar encontrem um emprego
imediatamente. Há a necessidade de realizar uma compatibilização
entre as habilidades, a localização, o salário e as condições de vida
oferecidas pelo emprego. Esse processo de ajuste necessita da
obtenção de informações de ambas as partes, tanto do trabalhador
como da organização. Da mesma forma, o processo de desligamento
da organização pode se dar de forma abrupta ou negociada ao longo
do tempo. Nesse último caso, ter-se-ia maior flexibilidade para que
ambas as partes providenciassem novas oportunidades de emprego.
O interessante é que o mercado de trabalho funciona segundo
fluxos. Existem trabalhadores que ingressam pela primeira vez no
mercado ou retornam depois de algum tempo, tempo este no qual,

Módulo 2
165
Macroeconomia

voluntariamente, permaneceram afastados. Outros trabalhadores


retiram-se do mercado para não mais voltar, permanecendo na
condição de desempregados até que eventualmente consigam
alguma condição de aposentadoria. Outros se desempregam e
permanecem na condição de pensionistas ou segurados de algum
esquema de proteção, como seguro-desemprego. Algumas pessoas,
por suas habilidades, podem entrar e sair de empregos com muita
frequência, o que também seria a característica de trabalhadores
mais jovens e com menores qualificações. Nas crises, aparece o
desemprego crônico, onde aqueles menos preparados técnica
ou fisicamente permanecem grandes períodos fora do trabalho.
Nessas mesmas crises, os mais qualificados procuram garantir seus
empregos com um desempenho superior, eventualmente até
diminuindo sua taxa de rotatividade natural.
As ações para equacionar os problemas advindos de
desemprego devem atuar em todos os ramos que fazem fluir
empregados da condição de desempregados para desempregados
e de excluídos para incluídos na força de trabalho. Em particular,
as ações devem ser direcionadas a diminuir a taxa de perda de
empregos e aumentar a sua taxa de obtenção. Essas ações afetam
tanto a taxa real de desemprego, aquela que está efetivamente
ocorrendo, como a taxa natural.
Assim, a taxa natural de desemprego é função de elementos
culturais, sociais e institucionais. Pode simplesmente ocorrer que
demograficamente uma maior quantidade de jovens esteja entrando
no mercado de trabalho décadas após uma explosão de nascimentos
(baby boom), como aconteceu em vários países depois da Segunda
Guerra Mundial. Isso aumenta a taxa de desemprego, sem que nada
tivesse ocorrido de errado no funcionamento da economia. Do
contrário, uma população envelhecida decide permanecer em seus
empregos evitando a utilização do seguro-desemprego em seus anos
finais de trabalho, pelo eventual prejuízo que isso pode causar no
cálculo de suas aposentadorias. Isso diminui a taxa de natural
desemprego, sem que nada de positivo esteja acontecendo na economia.
Os fatores que influenciam o fluxo de trabalhadores para
dentro e para fora do mercado de trabalho, e uma vez dentro deste,

166 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

da condição de empregado para desempregado, podem ser


modelados por modificações na taxa natural de desemprego ou pela
inclusão de variáveis adicionais à curva de Phillips. Nessa
publicação, usaremos a segunda hipótese por dois motivos.
O primeiro é que a taxa natural por si só já é bastante difícil de
quantificar, e seria ainda mais difícil precisar que ela estivesse se
modificando ao longo do tempo, por razões de estrutura do
funcionamento da economia (idade da população, aversão cultural
ao desemprego, proteção social através de seguro-desemprego, entre
outros). Alguns autores preferem chamar a taxa natural de taxa
estrutural de desemprego, o que vem junto com a advertência de
que é pretensioso afirmar que a economia tenha de fato mudado
estruturalmente no longo prazo. A segunda razão é de ordem
didática: poderemos acrescentar tantas variáveis quantas quisermos
à formulação original da curva de Phillips, uma variável para cada
um dos fatores que foram determinados como relevantes,
observando empiricamente a economia de cada país ao longo do
tempo. O importante é que essas variáveis, como o próprio nome
indica, devem ter variado ao longo do tempo, ou seja, são
circunstâncias que a economia efetivamente passou ao longo do tempo.
Assim, a curva de Phillips passa a ter a formulação abaixo.
Em relação à equação apresentada anteriormente, só foram
acrescentados os fatores a1, a2, ... e an, que correspondem aos
fatores que serão analisados na próxima seção:

 = e +1 (Ut – U*) + 2 . (Ut – Ut – 1) + a1 + a2 + a3 + a4 + ... +


a10 + ch + z

FATORES DETERMINANTES DA TAXA


NATURAL DE DESEMPREGO

Passo a passo, cada um dos a1, a2, a3 até a10 serão objeto
de considerações nos parágrafos que se seguem.

Módulo 2
167
Macroeconomia

Produtividade da mão de obra

Vamos olhar para a curva de Phillips a partir da lei de Okun.


Esta indica que há um aumento no emprego somente se o
crescimento do produto da economia for superior a sua taxa típica
de crescimento da produtividade global dos fatores de produção,
em particular do fator mão de obra. Esse é um crescimento de longo
prazo na produtividade da economia, o que não afeta o emprego.
Mas para alterações na produtividade em curto prazo a análise é
outra, como exemplificado a seguir. Aumentos ou diminuições do
produto em torno desse crescimento típico se dão com aumento ou
diminuição do emprego, com alterações na produtividade de curto
prazo ditadas pelos parâmetros da lei de Okun de cada país. Assim,
alterações de curto prazo na produtividade de mão de obra estão
associadas à taxa de desemprego de curto prazo e não à taxa natural
de desemprego.
Isso ocorreu recentemente na revolução digital dos anos
1990, na qual a evolução da produtividade foi de tal natureza que
parecia estar se acelerando. Foi o que se chamou de nova economia,
a economia da revolução digital. Nessas circunstâncias, os salários
talvez não acompanhassem imediatamente o crescimento da
produtividade, fazendo com que fosse de interesse dos empresários
aumentarem permanentemente o emprego, já que o aumento das
receitas de venda na economia em crescimento corria à frente dos
aumentos de salários. Dessa forma, em função desse diferencial
entre aumentos de produtividade e aumentos de salários, a taxa
natural de desemprego pode ter se tornado, eventualmente, menor
para aquela economia.

Valores para o salário em relação à produtividade


dos trabalhadores e o valor do lazer

A fixação dos salários se dá no mercado de trabalho, onde a


demanda por trabalho é função da produtividade dos trabalhadores
(ou seja, aquilo que os trabalhadores podem produzir para as
organizações) e a oferta é função do sacrifício imposto a estes em

168 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

termos de lazer. Por lazer, entendem-se todas as demais atividades


que competem pelo tempo dos trabalhadores. Segundo uma análise
marginalista, a última hora de trabalho vendida pelos trabalhadores
tem um preço que é indiferente ao prazer que essa hora a mais de
lazer traria aos trabalhadores. Assim, o mercado de trabalho introduz
duas maneiras de olhar para os salários: uma é referente à curva de
demanda por trabalho e a outra é referente à curva de oferta de trabalho.
Quanto à demanda, as organizações podem fixar preços
segundo os salários-eficiência, como vimos anteriormente. Essa
prática pode levar a um aumento da taxa natural de desemprego,
porque o aumento generalizado de salários seria feito as expensas
da margem de lucro das organizações. Um exemplo interessante de
salários-eficiência tem ocorrido nos aeroportos. Para aumentar a
segurança, tem-se pago aos trabalhadores salários mais elevados
do que aquilo que a sua função na operação do aeroporto indicaria.
Na verdade, está se comprando dos trabalhadores um maior
comprometimento e um maior grau de instrução, na tentativa de
evitar que estes se associem a alguma forma de atos inseguros que
coloquem os voos em situação de risco.
Quanto à oferta, o valor atribuído ao lazer pode modificar-
se ao longo do tempo, na medida em que a sociedade mais opulenta
e melhor organizada ofereça mais condições para o indivíduo
desenvolver-se pessoalmente e usufruir de seu tempo. Por outro lado,
o lazer precário, dado por falta de condições climáticas, de
hospedagem e de desenvolvimento cultural da sociedade, faz com
que seja mais interessante para os trabalhadores utilizarem seu tempo
no trabalho. Assim, um crescimento das oportunidades de lazer
tende a aumentar a taxa natural de desemprego, dado que o
trabalhador consiga durante seu período de emprego acumular
fundos para usufruir desses períodos de ociosidade.
Um dos elementos de maior destaque quanto à fixação de
salários é a existência de salário-mínimo. Valores elevados de
salário-mínimo terminam aumentando a taxa natural de
desemprego, já que se torna inviável para as organizações arcarem
com um custo de mão de obra maior (mais elevado que a
produtividade marginal dos trabalhadores).

Módulo 2
169
Macroeconomia

Arranjos institucionais para aumentar a informação


no mercado de trabalho

O aumento das comunicações, quer por meio digital quer


por meio físico, e a existência de agências de emprego, privadas e
públicas, permitem que mais rapidamente sejam localizados
empregos que compatibilizem as necessidades dos trabalhadores
às das organizações. Isso tem ocorrido tanto na esfera privada como
na estatal onde os órgãos públicos chamam para si a
responsabilidade de aliviar as dificuldades de recolocação
profissional e de obtenção do primeiro emprego. A maior
institucionalização e a melhor provisão de informações no mercado
de trabalho tende a diminuir o desemprego friccional e o
desemprego natural.

Redes de proteção ao desempregado

Apesar da racionalidade econômica e humanitária da


existência de seguro-desemprego, na medida em que permite um
maior tempo de busca por um emprego adequado e minora os
sofrimentos daqueles que não conseguem emprego em tempos de
crise, normalmente se admite que as redes de proteção social
aumentam a taxa natural de desemprego. O seguro-desemprego faz
com que aumente tanto a taxa de abandono de empregos, já que
as pessoas não ficam temerosas de ficarem sem nenhuma proteção,
assim como aumenta a taxa de obtenção de empregos, porque não
mais há necessidade de fazer escolhas muito precisas. Se o emprego
que foi rapidamente obtido não se mostrar adequado, a pessoa conta
com a possibilidade de novamente ficar desempregada, coberta pelo
seguro-desemprego, na busca de mais uma oportunidade.
Diversos países têm diferentes formas de seguro-desemprego,
em termos da percentagem de valor deste em relação ao último
salário e de extensão de tempo que ele pode ser recebido. Existem
algumas evidências que a taxa natural de desemprego é tanto maior
quanto melhores as condições do seguro-desemprego.

170 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

Flexibilidade dos contratos e da regulamentação


do mercado de trabalho

O mercado de trabalho é regido por contratos que fixam


prazos, salários e condições para demissões involuntárias. Tem sido
constatado que quanto mais rígidos os mercados de trabalho
maiores têm sido as taxas naturais de desemprego, em geral devido
ao fato de que a relutância no oferecimento de novos empregos
supera a proteção contra demissões daqueles que estão empregados.
Verifica-se que os dois últimos itens arrolados aproximam-se do
discurso dos clássicos e dos neoliberais, segundo o qual o livre
funcionamento dos mercados faria com que a economia estivesse
sempre em equilíbrio e empregando todos os fatores de produção.
Segundo os clássicos, não haveria desemprego, apenas aquele
voluntário. Como o raciocínio exposto nos dois últimos itens inclina-
se a favorecer correntes do pensamento político, eles devem ser
analisados com muita cautela, exigindo-se em cada caso particular
ampla comprovação estatística.

Diversidade do tipo de empregos

Os empregos oferecidos podem tentar adequar-se às


preferências e às necessidades dos trabalhadores, regulando-se
eventualmente o salário recebido em função daquilo que é oferecido
pela força de trabalho. Assim, o trabalho pode ser feito com horários
flexíveis, em turnos e dias variados, de forma temporária, realizado
em casa, permitindo a subcontratação de auxiliares, com ou sem a
propriedade de outros fatores de produção como máquinas, ou seja,
procurando formas que se enquadrem nas situações particulares
que cada trabalhador enfrenta ao longo de seu ciclo de vida. Essa
flexibilidade diminui a taxa natural de desemprego, sendo que essa
taxa passa agora a ter um sentido mais social do que econômico.
O número de horas de trabalho disponibilizadas pela sociedade
pode permanecer a mesma, mas um maior número de pessoas
encontra uma ocupação e as vantagens sociais de pertencer a mais
um grupo de relacionamento, no caso o grupo de seus pares do

Módulo 2
171
Macroeconomia

trabalho. Novamente, essa flexibilidade deve ser vista com cautela,


porque também se aproxima do discurso neoliberal de total
flexibilização das relações de trabalho. Por outro lado, parece ser
uma tendência adequada ao mundo moderno e a multiplicidade de
situações particulares de cada trabalhador.

Arranjos institucionais para proteção aos grupos


de maior risco de desemprego

Estatisticamente são produzidas evidências de que o


desemprego afeta de forma mais marcante vários grupos sociais,
como os jovens, as mulheres, os desabilitados fisicamente, as
pessoas de baixo grau de instrução, os que são objeto de preconceito
racial, aqueles envolvidos em atividades tradicionais da sociedade
(e que deixam de existir), aqueles envolvidos em cidades, regiões
ou países que deixaram de estar inseridos em circuitos econômicos
e aqueles que se encontram retidos em empregos de tecnologias
superadas, sem possibilidades de reciclagem no próprio local de
trabalho. Além disso, podem ocorrer situações circunstanciais que
aumentam a dificuldade na participação no mercado de trabalho,
como a volta de ex-combatentes de guerra, o aumento da presença
de ex-presidiários voltando ao mercado de trabalho, a aceitação
formal de imigrantes legais ou ilegais e o aumento da incidência de
doenças crônicas e acidentes do trabalho entre os integrantes da
força laboral. A minoração dessas dificuldades passa pela ação
positiva de entidades públicas, organizações não governamentais
e a própria iniciativa privada para favorecer a reciclagem, o
treinamento e o aproveitamento desses grupos em condições
especiais. Essa ação positiva faz com diminua o desemprego
natural, principalmente na parcela referente ao desemprego estrutural
que termina ficando aí embutido. Vimos que o desemprego estrutural
se dá pelo desajuste entre as condições requeridas dos trabalhadores
e aquilo que eles oferecem. Cabem aos agentes econômicos e às
próprias leis de mercado determinar esse ajuste, mas é razoável
supor que permanentemente esse ajuste esteja ocorrendo para uma

172 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

parcela da população, o que caracterizaria o desemprego estrutural


por dentro do desemprego natural.

Ação dos órgãos de representatividade dos trabalhadores

Os sindicatos e as agências de regulação de emprego podem


ter influência na taxa natural de desemprego, na medida em que se
preocupam mais com a situação dos operários atualmente detendo
postos de trabalho do que com o emprego em geral. Suas
plataformas políticas podem não contemplar a geração de novos
empregos e somente a manutenção dos empregos atuais.
Normalmente, as ações sindicais que protegem os trabalhadores
atuais tendem a tornar mais rígido o mercado de trabalho,
aumentando então a taxa natural de emprego. A diminuição da
sindicalização dos operários tem sido associada à diminuição da
taxa natural de desemprego. Pelo contrário, ações equilibradas que
visam promover iguais oportunidades para empregados e
desempregados por parte de órgãos públicos e agências independentes
de regulação ajudam a diminuir a taxa natural de emprego.

Aspectos culturais das relações trabalhistas

A taxa natural de desemprego varia de acordo com os


compromissos recíprocos que se estabelecem entre a mão de obra
e os empregadores em cada sociedade. Tanto sob o ponto de vista
privado como público pode haver um favorecimento para os
empregos de longo prazo ou vitalícios, onde as organizações
usufruem ao máximo o treinamento e a adequação de procedimentos
dos trabalhadores em troca de sua estabilidade social e emocional
no emprego. Já em outras sociedades não existem estigmas relativos
à troca frequente de empregos, a própria situação de desempregado
e ao usufruto de redes de proteção social generosas. Assim, a taxa
natural de desemprego diminui quando a manutenção do emprego
é tido em alta conta nos compromissos que entre si estabelecem
organizações e trabalhadores. As considerações aqui expostas

Módulo 2
173
Macroeconomia

estendem o modelo de emprego também para as sociedades


socialistas, onde a manutenção do emprego é um dever do Estado.

Mecanismo de formação de preços


de bens e serviços finais

Verificamos anteriormente que as organizações podem fazer


o preço de seus bens e serviços finais através de uma margem sobre
os custos, em particular sobre os custos de mão de obra. Essa fixação
de preços tem o poder de alterar os valores da inflação de um período
para outro, como modelado pela curva de Phillips. Fazendo agora
uma leitura ao contrário dessa curva, pode-se dizer que, por
exemplo, uma diminuição continuada dessa margem, pela
competição entre os agentes oligopolizados, pode determinar o
deslocamento da curva para esquerda e para baixo, indicando
valores mais baixos para a taxa natural de desemprego. Para tentar
entender esse fenômeno, vamos analisar o ponto de cruzamento do
eixo das abscissas, onde a inflação é nula. Período após período,
os preços de bens finais se mantêm constantes porque as
organizações estão reduzindo as margens. Aquilo que elas deixam
de cobrar em seus preços em função da margem pode ser repassado
para os fatores de produção, em termos de uma remuneração maior.
Assim, pode-se empregar permanentemente mais mão de obra, em
função de um salário maior oferecido. Na medida em que esses
salários maiores oferecidos de maneira constante motivem os
trabalhadores a aceitar mais rapidamente os empregos oferecidos,
diminui o desemprego friccional típico e, por conseguinte, o
desemprego natural.
Aqui é interessante lembrar, mais uma vez, que parte do
desemprego friccional é causado pela insatisfação do trabalhador
com os salários que são oferecidos pelos primeiros empregos que
este se depara em seu esforço de busca. Estando os salários em um
patamar mais elevado, há uma maior probabilidade que o
trabalhador venha a aceitar rapidamente as primeiras vagas que
lhe são oferecidas.

174 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

CHOQUES DE OFERTA

A inflação (ou desinflação) pode simplesmente ter sido


causada por choques de oferta negativos ou positivos: os insumos
tornaram-se mais caros ou mais baratos, o que empurra os preços
dos bens finais para valores mais elevados ou mais baixos. Em
relação à mão de obra, os choques positivos podem ser
determinados, por exemplo, pelo aumento da disponibilidade da
mão de obra, por facilidade de imigração ou por acordos
internacionais que permitam que trabalhadores de vários países
participem de um mercado de trabalho comum.

OUTROS FATORES

As estatísticas do mercado de trabalho oferecem um grande


número de evidências surpreendentes que, pelo seu impacto em
termos de ordem de grandeza, afetam a taxa natural de desemprego
para cima ou para baixo. É o caso, por exemplo, da população
prisional. Como os prisioneiros são considerados fora do mercado
de trabalho, um aumento da população carcerária diminui a taxa
natural de desemprego. Esse número pode ter impactos
significativos, ao lembrar-se que nos EUA, por exemplo, 1% da
população em condições de trabalhar está presa.
O aumento da criminalidade e das atividades ilegais altera
a taxa de desemprego natural, por dois mecanismos: primeiro pelo
afastamento dos criminosos da população economicamente ativa,
por prisão ou morte; e segundo porque, por definição, as atividades
ilegais não são consideradas emprego. A taxa de desemprego é
definida como a proporção entre o número de desempregados e o
total de empregos legais oferecidos. Assim, se uma sociedade tivesse
10 desempregados e 100 empregos legais, mas houvesse uma

Módulo 2
175
Macroeconomia

desestruturação social de maneira que três destes passassem para


atividades ilegais, o desemprego diminuiria para 7/97, o que é uma
taxa menor do o valor anterior de 10/100.
Ainda mais: pode haver uma diminuição da taxa natural de
emprego pela exclusão dos incapacitados fisicamente da força de
trabalho. Isso tem ocorrido mais pelo afrouxamento dos critérios
de aposentadoria por invalidez do que por mudanças nas condições
de risco à saúde imposta pelo trabalho. Por outro, as chamadas
doenças modernas, como os problemas relativos à alimentação, à
deficiência cardíaca e às falhas no sistema imunológico, aumentam
as justificativas para aposentadorias precoces.
Olhando por um prisma positivo, pode estar havendo um
aumento da escolarização da população. Os estudantes não contam
como integrantes da população economicamente ativa. Como a
idade em que se é considerado apto a trabalhar tende a refletir
padrões culturais existentes, crianças com cerca de 10 a 14 anos
podem estar incluídas na força de trabalho, caso não estiverem
estudando, o que tende a aumentar a taxa de desemprego. Por outro
lado, os estudantes que manifestam desejo e têm a possibilidade de
estudar impõem um problema de definição metodológica para o
cálculo de desemprego. Por definição, não fazem parte da força de
trabalho, mesmo que trabalhem.
O mesmo ocorre com os aposentados que voltam a trabalhar.
Por definição, estão excluídos da força de trabalho. Em termos reais,
definições à parte, se por falhas do sistema de aposentadoria eles
manifestam o desejo de voltar a trabalhar, contribuem para o
aumento da taxa de desemprego natural. Uma questão ainda mais
controversa é aquela relativa às pessoas que detêm dois ou mais
empregos. Por definição, o desemprego só é considerado para a
perda total da condição de empregado. Se houver uma tendência,
pela evolução social, das pessoas deterem apenas um emprego, há
um aumento da taxa natural de desemprego, pela maior probabilidade
de se encontrar pessoas sem ocupar nenhum posto de trabalho.

176 Bacharelado em Administração Pública


Unidade 5 – Inflação e desemprego

Outro aspecto associado à mudança de status de pessoas


que de alguma forma já estão associados ao mercado de trabalho
ocorre com os chamados desalentados. São pessoas que desistiram
de tentar encontrar um emprego que compatibilize suas habilidades
e aspirações com aquilo que é oferecido. Dependendo da melhoria
de perspectivas no mercado de trabalho e a disseminação de
informações sobre a necessidade de contratações, pode ocorrer que
esses desalentados voltem a procurar emprego, aumentando
potencialmente a taxa de desemprego natural. Esse é um fenômeno
que tem repercussões imediatas para o cálculo de desempregos
setoriais. No caso do Brasil, por exemplo, durante muito tempo
houve pouco prestígio para as carreiras de caráter técnico, como a
de engenheiros. Numa eventual retomada de crescimento, com a
abertura de vagas, muitos daqueles que tiveram sua formação técnica,
mas abandonaram a profissão, podem ser tornar elegíveis para esses
empregos, eventualmente passando por um processo de reciclagem.

Módulo 2
177

Você também pode gostar