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Santo Agostinho – Comentário ao Gênesis, ed.

Paulus.
- Trechos -

Capítulo XIX - O corpo de Adão não era espiritual, mas animal, p. 229

Costuma-se perguntar se no homem foi formado primeiramente um corpo animal, igual ao


que temos, ou espiritual como teremos na ressurreição. Embora aquele se mudará neste,
pois semeia-se corpo animal e surgirá um corpo espiritual, pergunta-se qual foi o primeiro
que se fez, por se foi o animal, não receberemos o que nele perdemos, mas um outro tanto
melhor quanto o espiritual se avantaja ao animal, quando seremos iguais aos anjos de
Deus.(Cf. Mt 22,30). (...) Assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi feito alma
vivente: o último Adão, espírito que dá vida. Primeiro foi feito o que não é espiritual, mas
o que é animal; o que é espiritual, vem depois. O primeiro homem é tirado da terra, é
terrestre. O segundo homem vem do céu, é celeste. Qual foi o homem terrestre, tais são
também os terrestres. Qual foi o homem celeste, tais serão os celestes. E, assim como
vestimos a imagem do homem terrestre, assim vestiremos a imagem do homem celeste.
(Cf. 1Cor 15, 44-49). O que se pode dizer a respeito? Levamos agora pela fé a imagem do
homem celeste para possuir na ressurreição o que acreditamos; mas vestimos a imagem
do homem terreno desde o começo da geração humana.

Capítulo XX – Dificuldade contra a opinião anterior

(...) Mas, como perdeu a imortalidade, se tinha um corpo animal?


(...) Como seria não mortal, se tinha um corpo animal?

Capítulo XXIV – Na renovação, como recuperaremos o que Adão perdeu

“Como podemos dizer que nos renovamos”, perguntam alguns, “se não recebemos o que
perdeu o primeiro homem, no qual todos morrem?”. Recebemos certamente de um certo
modo, e não recebemos de outro. De fato não recebemos a imortalidade do corpo espiritual,
que o homem ainda não teve; mas recebemos a justiça, da qual o homem caiu pelo pecado.
Portanto, renovar-nos-emos da velhice do pecado, não para o primitivo corpo animal que
Adão teve, mas para melhor, ou seja um corpo espiritual, quando formos igual aos anjos
de Deus. Renovar-nos-emos, pois pela transformação espiritual de nossa mente (Cf. Ef 4,
23) conforme a imagem daquele que nos criou, que Adão perdeu pecando. Renovar-nos-
emos também quanto à carne, quando este corpo espiritual, no qual Adão, ainda não
transformado, transformar-se-ia, se não tivesse merecido a morte também do corpo
animal. Finalmente o Apóstolo não diz: o corpo certamente é mortal devido ao pecado,
mas: O corpo está morto pelo pecado. (Cf. Rm 8,10)

Capítulo XXV – Adão: mortal no corpo, porém imortal pela graça de Deus

Podia dizer-se antes daquele primeiro pecado que era mortal segundo uma causa e
imortal segundo outra, a saber mortal porque podia morrer, imortal porque podia não
morrer. Uma coisa é não poder morrer, como algumas naturezas criadas imortais por
Deus. Outra coisa é poder não morrer, deste modo o primeiro homem foi criado
imortal. Isso lhe era dado pela árvore da vida e não pela constituição da natureza.
Dessa árvore foi separado quando pecou e assim pôde morrer. Se não tivesse pecado
poderia não morrer. Era, portanto, mortal pela condição do corpo animal e imortal
por benefício do Criador. Se o corpo era animal, era certamente mortal por podia
morrer, embora fosse também imortal porque também podia não morrer. Mas não era
imortal porque não podia morrer de modo algum, senão seria espiritual, o que nos é
prometido como futuro na ressurreição. (...) Pelo pecado não se tornou mortal, pois já
o era antes, mas morto, o que poderia ter acontecido se o homem não pecasse.

Capítulo XXVI – O corpo de Adão e os nossos são diferentes

(...) Pois este corpo é animal, como foi o do primeiro homem; mas este, na mesma
espécie de animal, é muito pior, visto que lhe é necessário morrer, o que para aquele
não era. Embora ainda lhe restasse ser transformado e, feito espiritual, receber a plena
imortalidade, na qual não necessitaria de alimento corruptível, entretanto, se o homem
vivesse na justiça e se seu corpo se transformasse para natureza espiritual, não cairia na
morte. Devido a essa necessidade proveniente do pecado do primeiro homem, o
Apóstolo classifica nosso corpo não como mortal, mas como morto, porque todos
morremos em Adão(Cf. Rm 5,12). E diz também: Como é a verdade em Jesus, despojai-
vos do vosso modo de vida anterior do homem velho, que se corrompe ao sabor das
concupiscências enganosas (Cf. Ef 4 21,22); isto é, nisso se tornou Adão pelo pecado.
Observa o que vem em seguida: Renovai-vos no espírito da vossa mente, e revesti-vos do
Homem Novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade(Cf. Cl 3, 9-10);
eis o que Adão perdeu pelo pecado.

(...) Adão perdeu aquela primeira túnica ou a própria justiça da qual ele caiu; perdeu a
vestidura da imortalidade corporal...

FIM DO TEXTO DE SANTO AGOSTINHO

São Tomás de Aquino e os efeitos da Ressurreição dos mortos


"...o qual transformará o nosso corpo de humilhação para ser conforme o corpo da sua glória."
Fil 3:21."

A doutrina cristã ensina que no último dia: “levantar-se-ão os que fizeram o bem,
para a ressurreição da vida; os que fizeram o mal, para a ressurreição da condenação”. ( Jo
5,29). Com relação aos efeitos da ressurreição para todos os homens, alguns deles foram
apontados por São Tomás de Aquino.

O primeiro, com relação à identidade dos corpos que ressurgirão: o mesmo que
existe agora, ressurgirá. A mesma essência, porém, com novas qualidades. O apóstolo
afirma: “convém que este corpo corruptível seja revestido da incorrupção”. (1Cor 15,33)

São Tomás para explicar teologicamente a identidade numérica do corpo


ressuscitado com o corpo atual, e, por conseguinte, a identidade integral do homem atual
com o homem que ressurgirá após a morte, no fim dos tempos, recorre à doutrina
aristotélica da matéria e forma. Após a morte a alma conserva a relação transcendental com
o corpo, e, como é ela, enquanto forma, que dá existência, vida e especificação ao corpo, ao
unir-se novamente a ele pala ação miraculosa de Deus na ressurreição, não o pode fazer
senão transmitindo-lhe a mesma existência, a mesma vida e as mesmas especificações que
nela permaneciam virtualmente durante a separação. Pois nenhum dos princípios essenciais
pode reduzir-se ao nada pela morte, já que a alma racional, que é a forma (substancial) do
homem, permanece depois da morte, e já que a também permanece a matéria que esteve
sujeita a tal forma com as mesmas dimensões que a faziam ser matéria individual.

A tradição apostólica ensina que o homem é corpo e alma. “O que é o homem senão
um animal racional composto de corpo e alma? É a alma por si só o homem? Não, mas só a
alma do homem. Seria o corpo chamado de homem? Não, ele é chamado o corpo do
homem. Se nenhum dos dois casos é o homem, mas só aquele que é feito das duas partes
juntas é chamado homem, Deus chamou homem à vida e ressurreição, Ele chamou não uma
parte, mas o todo, que é corpo e alma”. (tratado Sobre Ressurreição, tradicionalmente
atribuído a São Justino).

A união entre corpo e alma deve ser constituída de maneira tal que os atos
genuinamente humanos não pertençam apenas à alma, e sim ao homem, ou seja, ao
composto. Por isso, o homem consta unicamente da forma substancial e da matéria
primeira. Pela mesma razão, o termo homem não deve ser enunciado com relação à alma ou
ao corpo, mas tão somente com relação ao todo ou composto. Para entender esta doutrina é
preciso atender à diferença entre união substancial e união acidental.

Acidental é a união que existe entre uma substância e seus acidentes ou


propriedades, tais como o calor, o frio, a forma externa, etc.; substancial é aquela que se
origina da composição de uma forma com uma matéria. A união substancial combina dois
seres que, tomados em separado, são incompletos: só na união é que vêm a constituir seres
completos. Por si mesmas, a matéria e a forma são incompletas, mas tão logo a forma
atualiza a matéria, elas se tornam uma substância completa.

A matéria primeira, como pura potencialidade que é, aspira a ser atualizada pela
forma; do contrário, ela permanece matéria e não chega a tornar-se corpo. Mas também a
alma é um ser incompleto; seu grau de autonomia é demasiadamente imperfeito para poder
expandir-se independentemente do corpo; e, uma vez separada deste, só torna a atingir sua
perfeição natural após sua reunião com o corpo, o que permite exercer suas atividades por
meio de órgãos corporais.

O segundo efeito da ressurreição refere-se à qualidade, por que os corpos


ressurgidos terão outra qualidade que o atual, já que os corpos dos bons e dos maus serão
incorruptíveis. Os corpos dos bons estão na glória para sempre; os dos maus, porém, para
que eles sejam punidos, na pena eterna. Lê-se: “convém que este corpo corruptível seja
revestido da incorrupção, e que este corpo mortal seja revestido da imortalidade” (1Cor
15,33). Porque os corpos serão incorruptíveis e imortais, não terão necessidade de alimento,
nem usarão do sexo. Lê-se: “na ressurreição nem os homens terão mulheres, nem as
mulheres terão maridos; mas serão como Anjos de Deus no Céu” (Mt 22,30).

O terceiro efeito refere-se à integridade, porque os bons e os maus ressurgirão em


toda integridade da perfeição corpórea do homem: não haverá cego, nem coxo, nem
ninguém com outro qualquer defeito. Escreve o Apóstolo que os “mortos ressurgirão
incorruptíveis”(1Cor 15,52). Quanto à terceira consideração, é de saber que os bons
receberão uma glória especial, os corpos serão da mesma natureza, mas de diferente glória,
porque os santos terão os seus corpos glorificados por quatro qualidades:

A primeira é a claridade. Lê-se: “Os justos resplandecerão como o sol no reino de


seu Pai”(Mt 13, 43). Trata-se do brilho redundante no corpo da suma felicidade da alma, de
modo que haja nele uma certa comunicação da bem-aventurança da alma.

A segunda é a impassibilidade. Lê-se: “É semeado na ignonímia, ressurgirá na


glória”(1Cor 15,43); e : “Deus tirará toda lágrima dos seus olhos; não haverá mais morte,
nem luto, nem gemidos, nem dor” (Ap 21,4). A impassibilidade faz com que os corpos
gloriosos não sejam passíveis de qualquer dor ou incômodo.

A terceira é a agilidade. Pela qual o corpo é facilmente movido para onde quer que a
alma queira. Lê-se: “Os justos resplandecerão, e correrão como centelhas através da
palha” (Sab 3,7).

A quarta, é a sutileza. Lê-se: “Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo


espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual”(1Cor 15, 44). Não se queira
entender isso como se todo corpo se transformasse em espírito, mas que estará totalmente
submisso ao espírito. Deve-se entender aqui, o poder pelo qual o corpo submete-se ao
império da alma, serve a esta e a obedece totalmente.

Quanto aos condenados, as qualidades são contrárias à dos beatificados, porque


aqueles sofrerão a pena eterna. Os seus corpos possuirão quatro qualidades más. Serão
obscuros, conforme se lê: “Os seus rostos serão como fisionomias inflamadas”(Is 13,8).

Serão passíveis, mas jamais corrompidos, pois arderão para sempre no fogo e nunca
serão consumidos. Lê-se: “Os vermes nunca morrerão nos seus corpos, e o fogo neles
nunca se extinguirá”(Is 66,24).

Serão pesados, porque as almas estarão como que acorrentadas. Lê-se: “Para
prender os seus reis com grilhões”(Sl 149,8).

Como a glória eterna consiste essencialmente na visão da essência divina, direta ,


face a face (1Cor 13,12), imediata, intuitiva, todas as alegrias do Céu derivam desta. Como
a inteligência humana por si mesma não pode ver a Deus, necessita de uma força especial
que a eleve, uma graça criada que a disponha para visão eterna que é denominada lumen
gloriae. A visão da essência divina não é compreensiva, mas apreensiva, isto é, apesar de
haver intuição, a inteligência humana não esgota toda a realidade cognoscível de Deus.
Assim como, a glória eterna consiste na visão de Deus e no pleno amor de Deus, a
condenação, no inferno, consiste na ausência da visão de Deus e no ódio a Ele. À
perfectissima charitas do céu, corresponde o perfectissimum odium do inferno. E a
eternidade das penas do inferno decorreu da obstinação da vontade deles no ódio a Deus.

Fontes:
AQUINO, São Tomás de.Exposição sobre o Credo. Edições Loyola, 1981.
BOEHNER, Philotheus e GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. In São Tomás de
Aquino, pág 468, ed. Vozes, 1995.
Apêndice
Catecismo da Igreja Católica

O ESTADO DA HUMANIDADE RESSUSCITADA DE CRISTO

645 Jesus ressuscitado estabelece com seus discípulos relações diretas, em que estes o
apalpam [a38] e com Ele comem[a39] . Convida-os, com isso, a reconhecer que Ele não é
um espírito[a40] , mas sobretudo a constatar que o corpo ressuscitado com o qual Ele se
apresenta a eles é o mesmo que foi martirizado e crucificado, pois ainda traz as marcas de
sua Paixão[a41] . Contudo, este corpo autêntico e real possui, ao mesmo tempo, as
propriedades novas de um corpo glorioso: não está mais situado no espaço e no tempo,
mas pode tornar-se presente a seu modo, onde e quando quiser[a42] , pois sua humanidade
não pode mais ficar presa à terra, mas já pertence exclusivamente ao domínio divino do
Pai[a43] . Por esta razão também Jesus ressuscitado é soberanamente livre de aparecer
como quiser: sob a aparência de um jardineiro [a44] ou “de outra forma" (Mc 16,12),
diferente das que eram familiares aos discípulos, e isto precisamente para suscitar-lhes a
fé[a45] .
(Parágrafo Relacionado 999)

646 A Ressurreição de Cristo não constituiu uma volta à vida terrestre, como foi o caso das
ressurreições que Ele havia realizado antes da Páscoa: a filha de Jairo, o jovem de Naim e
Lázaro. Tais fatos eram acontecimentos miraculosos, mas as pessoas contempladas pelos
milagres voltavam simplesmente à vida terrestre "ordinária" pelo poder de Jesus. Em
determinado momento, voltariam a morrer. A Ressurreição de Cristo é essencialmente
diferente. Em seu corpo ressuscitado, Ele passa de um estado de morte para outra vida, para
além do tempo e do espaço. Na Ressurreição, o corpo de Jesus é repleto do poder do
Espírito Santo; participa da vida divina no estado de sua glória, de modo que Paulo pode
chamar a Cristo de "o homem celeste[a46] ".
(Parágrafos Relacionados 934,549)

655 Finalmente, a Ressurreição de Cristo - e o próprio Cristo ressuscitado - é princípio e


fonte de nossa ressurreição futura: "Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que
adormeceram... assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida"
(1Cor 15,20-22). Na expectativa desta realização, Cristo ressuscitado vive no coração de
seus fiéis. Nele, os cristãos "experimentaram... as forças do mundo que há de vir" (Hb 6,5)
e sua vida é atraída por Cristo ao seio da vida divina[a59] " "a fim de que não vivam mais
para si mesmos, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles" (2Cor 5,15).
(Parágrafos Relacionados 989,1002)

JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 4 de Novembro de 1998

“Sobre a Ressurreição dos mortos”


1. «Nós porém — ensina o apóstolo Paulo — somos cidadãos do Céu e de lá
esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo miserável,
tornando-o conforme ao Seu corpo glorioso com o mesmo poder que Lhe permite sujeitar
ao Seu domínio todas as coisas» (Fl 3, 20-21).

Assim como o Espírito Santo transfigurou o corpo de Jesus Cristo quando o Pai O
ressuscitou dentre os mortos, também o mesmo Espírito revestirá da glória de Cristo os
nossos corpos. Escreve São Paulo: «E se o espírito d’Aquele que ressuscitou a Jesus dos
mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou a Jesus Cristo dos mortos, há-de dar igualmente
a vida aos vossos corpos mortais por meio do Seu Espírito, que habita em vós» (Rm 8, 11).

2. Desde o início, a fé cristã na ressurreição da carne encontrou incompreensões e


oposições. Toca-o com a mão o mesmo apóstolo Paulo no momento de anunciar o
Evangelho no centro do Areópago de Atenas: «Ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos
— narram os Actos dos Apóstolos — uns começaram a troçar, enquanto outros disseram:
“Ouvir-te-emos falar sobre isso ainda outra vez”» (Act 17, 32).

Essa dificuldade é proposta de novo também no nosso tempo. Com efeito, por um
lado, também quando se crê em qualquer forma de sobrevivência para além da morte,
reage-se com cepticismo à verdade da fé que esclarece este supremo interrogativo da
existência, à luz da ressurreição de Jesus Cristo. Por outro lado, não falta quem percebe o
fascínio de uma crença como a da ressurreição, que está radicada no humus religioso de
algumas culturas orientais (cf. Tertio millennio adveniente, 9).

A revelação cristã não se contenta com um vago sentimento de sobrevivência,


embora aprecie a intuição de imortalidade que é expressa na doutrina de alguns grandes
pesquisadores de Deus. Podemos, além disso, admitir que a ideia de uma reencarnação é
suscitada pelo intenso desejo de imortalidade e pela percepção da existência humana como
«prova» em vista de um fim último, bem como da necessidade de uma purificação plena
para chegar à comunhão com Deus. A reencarnação, contudo, não garante a identidade
única e singular de toda a criatura humana como objecto do pessoal amor de Deus, nem a
integridade do ser humano como «espírito encarnado».

3. O testemunho do Novo Testamento sublinha, antes de tudo, o realismo da


ressurreição também corporal de Jesus Cristo. Os Apóstolos afirmam explicitamente,
baseando-se na experiência por eles vivida nas aparições do Senhor ressuscitado, que
«Deus O ressuscitou ao terceiro dia e Lhe permitiu manifestar-Se... às testemunhas
anteriormente designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois da Sua
ressurreição dos mortos» (Act 10, 40-41). Também o quarto Evangelho ressalta este
realismo, quando, por exemplo, nos narra o episódio do apóstolo Tomé que é convidado por
Jesus a colocar o dedo no lugar dos cravos e a mão no lado trespassado do Senhor (cf. Jo
20, 24-29). Assim também, na aparição à margem do lago de Tiberíades, quando Jesus
ressuscitado «tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com o peixe» (Jo 21, 13).

Esse realismo das aparições testemunha que Jesus ressuscitou com o Seu corpo e,
com este corpo, vive junto do Pai. Trata-se, contudo, de um corpo glorioso, já não sujeito às
leis do espaço e do tempo, transfigurado na glória do Pai. Em Cristo ressuscitado é
manifestada aquela fase escatológica à qual, um dia, são chamados a chegar todos aqueles
que acolheram a Sua redenção, precedidos pela Virgem Santa que «terminado o curso da
vida terrena, foi elevada à glória do céu em corpo e alma» (Pio XII, Const. Apost.
Munificentissimus Deus, 1/11/1959, DS 3903; cf. Lumen gentium, 59).
4. Tendo como ponto de referência o relato da criação narrado pelo livro do Génesis
e interpretando a ressurreição de Jesus como a «nova criação», o apóstolo Paulo pode então
afirmar: «O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente: o último Adão é um espírito
vivificante» (1 Cor 15, 45). A realidade glorificada de Cristo, com efeito, através da efusão
do Espírito Santo, é participada de modo misterioso, mas real, também a todos aqueles que
n’Ele crêem.

Assim, em Cristo «todos ressuscitarão com os corpos de que agora estão revestidos»
(Concílio Lateranense IV: DS 801), mas este nosso corpo será transfigurado em corpo
glorioso (cf. Fl 3, 21), em «corpo espiritual» (1 Cor 15, 44). Paulo, na primeira Carta aos
Coríntios, àqueles que lhe perguntam: «Como ressuscitam os mortos? Com que espécie de
corpo voltam eles?», responde servindo-se da imagem da semente que morre para se abrir à
nova vida: «O que semeias não torna vida, se primeiro não morrer. E o que semeias não é o
corpo que há-de vir, mas sim um grão simples de trigo, por exemplo, ou de qualquer outra
espécie (...). Assim também é a ressurreição: semeia-se na corrupção e ressuscita-se na
incorrupção. Semeia-se na ignomínia e ressuscita-se na glória. Semeia-se na fraqueza,
ressuscita-se na força. Semeia-se corpo natural e ressuscita-se corpo espiritual (...). É
necessário que este corpo incorruptível se revista de incorruptibilidade, e que este corpo
mortal se revista de imortalidade» (1 Cor 15, 36-37.42-44.52).

Certamente — explica o Catecismo da Igreja Católica — o «como» isto acontecerá


«ultrapassa a nossa imaginação e o nosso entendimento; só na fé se torna acessível. Mas a
nossa participação na Eucaristia dá-nos já um antegozo da transfiguração do nosso corpo
por Cristo» (n. 1000).
Através da Eucaristia Jesus dá-nos, sob as espécies do pão e do vinho, a Sua carne
vivificada pelo Espírito Santo e que vivifica a nossa carne, a fim de nos fazer participantes,
com todo o nosso ser, espírito e corpo, na Sua ressurreição e condição de glória. Ireneu de
Lião ensina a esse respeito: «Assim como o pão que é fruto da terra, depois de ter sido
invocada sobre ele a bênção divina, já não é pão comum, mas Eucaristia, composta de duas
realidades, uma terrena e outra celeste, assim também os nossos corpos que recebem a
Eucaristia já não são corruptíveis, a partir do momento que trazem em si o gérmen da
ressurreição? (Adversus haereses, 4, 18, 4-5).

5. Tudo o que até aqui dissemos, sintetizando o ensinamento da Sagrada Escritura e


da Tradição da Igreja, explica-nos porque «o Credo cristão... culmina na proclamação da
ressurreição dos mortos, no fim dos tempos, e na vida eterna» (CIC, n. 988). Com a
encarnação o Verbo de Deus assumiu a condição humana (cf. Jo 1, 14) tornando-a
partícipe, através da Sua morte e ressurreição, da Sua mesma glória de Unigénito do Pai.
Mediante os dons do Espírito e da carne de Cristo glorificada na Eucaristia, Deus Pai
infunde em todo o ser do homem e, de certo modo, no próprio cosmos o anélito a este
destino. Como diz São Paulo: «A criação aguarda ansiosa a revelação dos filhos de Deus;
(...) e nutre a esperança de ser, também ela, libertada da servidão da corrupção para
participar, livremente, da glória dos filhos de Deus» (Rm 8, 19-21).

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua portuguesa que porventura se encontrem aqui


presentes na praça S. Pedro, e a todos os que me ouvem pela rádio ou pela televisão, de
modo especial os portugueses e brasileiros anunciados. A todos formulo meus votos de paz
e de alegria no Senhor, e invoco abundantes luzes do Espírito Consolador, para que vos
inspire um amor desinteressado pelos demais e vos anime a ser solidários com os que
sofrem e padecem necessidade, ao conceder-vos de coração, extensiva às vossas famílias,
minha Bênção Apostólica.

http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/audiences/1998/documents/hf_jp-ii_aud_04111998_po.html

* São Leão Magno ensinava que o corpo glorioso


será da mesma essência que este, entretanto, diferente em
glória.

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