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Dos que Julgam que para Ninguém

Haverá Penas de Duração Eterna


por

Santo Agostinho

E agora reparo que devo ocupar-me dos nossos misericordiosos e


pacatamente discutir com aqueles que não querem crer que venha a
haver uma pena eterna nem para todos os homens que o mais justo dos
juízes julgar merecedores do suplício da Geena nem mesmo, para
alguns deles. Julgam que, decorridos certos períodos de tempo, mais
longos ou mais breves, conforme a importância do pecado de cada um,
serão todos libertados. Nesta questão o mais misericordioso foi com
certeza Orígenes, que acreditou que o próprio Diabo e os seus anjos,
após suplícios mais graves e mais prolongados, conforme as suas
culpas, devem ser tirados dos seus tormentos e associados aos santos
anjos. Mas, não sem razão, a Igreja condenou-o por causa disso e por
causa de outros casos, principalmente por causa daqueles períodos de
felicidade e de desgraça, que se alternam sem cessar, e daquele vaivém
sem fim, desta para aquela e daquela para esta, em períodos fixos de
séculos. De resto, ele perdeu aquilo que o fazia parecer misericordioso,
criando para os santos verdadeiros misérias pelas quais eles sofreriam
penas e falsas beatitudes nas quais já não teriam o gozo do bom
sempiterno, verdadeiro e seguro, isto é, certo e sem receios. Mas quão
diversamente, devido ao sentimento humano, se desencaminha a
misericórdia dos que consideram temporais os sofrimentos dos homens
condenados por tal juízo, mas eterna a felicidade de todos os que, mais
cedo ou mais tarde, foram libertados! Se esta opinião é boa e verdadeira
porque é misericordiosa, será tanto melhor e mais verdadeira quanto
mais misericordiosa for. Alargue-se, portanto, e torne-se mais funda a
fonte dessa misericórdia até aos anjos condenados e que sejam
libertados das suas penas, pelo menos depois de muitos e larguíssimos
séculos, tanto quantos quisermos! Porque é que ela se derrama por toda
a natureza humana e, quando chegar à natureza angélica, logo se
estanca? Não ousam, porém, estender a sua compaixão até chegarem à
libertação do próprio Diabo. Na verdade, se alguém o ousasse, venceria,
sem dúvida, os outros. Todavia, cairia num erro tanto mais exagerado e
contrário ao reto sentido da palavra de Deus, quanto maior sentimento
de clemência julga ter.

Fonte: A Cidade de Deus, Volume III, Fundação Calouste Gulbenkian,


páginas 2185-2186.

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