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OS FRUSTADOS

de

Walter de Azevedo

EPISÓDIO 04

MULHER DE AMIGO MEU É...MULHER

participação especial

CARLOS BONOW

como PAULÃO
CENA 1 – Tomada de São Paulo de manhã. Várias cenas mostrando o movimento da

cidade.

CORTA PARA:

CENA 2 – APARTAMENTO DOS RAPAZES/SALA/INT/DIA

Lucas está arrumando a mesa do café da manhã enquanto Caio fala ao telefone.

CAIO – Não Analy. (pausa) Analy, eu já falei que eu não tenho

dinheiro. (pausa) Você acha que se eu tivesse ia dividir apartamento

com três fracassados que nem esses caras?

LUCAS – Ai! Pegou pesado agora.

Roberto entra.

ROBERTO – Bom-dia.

LUCAS – Bom-dia fracassado.

ROBERTO – Como é?

LUCAS – Segundo o todo poderoso ali, que tá destilando simpatia

pelos poros hoje, é o que nós somos. Os fracassados que moram com

ele.

ROBERTO – Nossa. Assim eu vou ficar magoado.

LUCAS – Quem fica magoado aqui sou eu. Isso é coisa de gay. Você

tem que ficar com raiva dele. (pausa) Se me chamar de fracassado de

novo eu coloco purgante no café do Caio.

Caio faz sinal com a mão para que eles falem baixo, pois não está conseguindo ouvir.

Roberto e Lucas começam a tomar café.

CAIO – Analy, me ouça. (pausa) Analy, me ouça. (pausa) Analy,

deixa eu falar. (pausa) Pelo amor de Deus, fecha essa boca! (pausa)
Não chora Analy. Escuta o que eu vou falar. Eu não vou voltar pra

casa. O nosso casamento acabou. (pausa) Acabou sim. (pausa)

Acabou. (pausa) Pára de ficar me contradizando! Se eu tô falando

que acabou é porque acabou. (pausa) Não ama não. Claro que você

não me ama. (pausa) Eu sei porque eu sei, ué. (pausa) Analy, eu

conheço você muito bem. Você quer que eu volte pra casa pra poder

continuar usando o meu cartão de crédito, já que eu cortei o seu!

ROBERTO – Ele tá de péssimo humor.

LUCAS – Quando ele não está? Eu acho que ele precisava relaxar

um pouco. Fazer yoga.

ROBERTO – Ele não consegue ficar em pé direito com os dois pés

no chão. Imagina com um só.

LUCAS – Mas pelo menos a gente se divertia.

ROBERTO – Isso é verdade.

CAIO – Não, Analy. Eu não estou insinuando que você é interesseira.

Eu estou dizendo mesmo. (pausa) Vai me esquecer? É um favor que

você me faz! (pausa) Pode arranjar quantos namorados você quiser!

(pausa) É você! É você! E olha só o que você fala na frente das

crianças! Elas não estão acostumadas com esse palavreado. (pausa)

Foram elas que te ensinaram? Você não presta atenção no que essas

crianças estão aprendendo? (pausa) Alô? (pausa) Analy?

Caio desliga o telefone.

CAIO – Desligou na minha cara.


LUCAS – Até que demorou muito. Eu não tinha ouvido a metade do

que você falou.

ROBERTO – Essa sua mulher é meio maluca.

CAIO – Meio? Meio maluco sou eu! Ela é maluca duas vezes! Eu

não sei pra que a gente precisa de mulher.

LUCAS – Eu já resolvi essa questão. Se quiser eu ensino como faz.

ROBERTO – Tô fora. Podem falar o que quiserem, mas eu não

consigo viver sem elas.

CAIO – Eu vou indo pro trabalho que eu tenho um monte de

pacientes me esperando.

ROBERTO – Me dá uma carona?

CAIO – Dou. Anda logo. Você também quer carona, Lucas?

LUCAS – Não. Eu vou ficar. A dona Nair falou que o novo zelador

vai vir aqui pra dar uma olhada naquele vazamento do banheiro.

CAIO – Ta bom. Então depois a gente se fala. Ah! E não vai dar

bandeira com a dona Nair. Ela precisa achar que você é macho...

Muito macho.

LUCAS (RINDO) – Que nem naquela música do Village People.

Não têm nada mais gay do que aquilo.

ROBERTO – Têm sim.

Lucas e Roberto se olham.

LUCAS E ROBERTO – I Will Survive!

Os dois começam a rir.

CAIO – Parem de palhaçada. Vamos logo, Roberto.


ROBERTO – Vamos.

Caio e Roberto se dirigem à porta.

LUCAS – Caio, você vai assim?

CAIO – Assim como?

LUCAS – Sem sapato?

Caio olha para baixo e vê que está só de meias.

CAIO – Droga! Era sempre a Analy quem me lembrava disso!

Caio vai indo para o quarto para calçar os sapatos.

LUCAS – Pode deixar que a partir de agora eu faço isso pra você.

Caio vai para o quarto.

ROBERTO – Você vai mesmo fazer isso?

LUCAS – Claro que não. Você acha que eu ia perder a oportunidade

de ver ele só de meias pela rua? Hoje eu só avisei pra ganhar a

confiança.

CORTA PARA:

CENA 3 – CASA DE ANALY/SALA/INT/MANHÃ

Analy está parada olhando com raiva para o telefone. Letícia entra.

LETÍCIA – O que foi, mãe? Ta encarando o telefone assim por quê?

O que ele te fez?

ANALY (IRRITADA) – O que ele me fez? Ele serviu pro seu pai me

dizer um monte de desaforos! Foi isso o que ele me fez! Você

acredita que ele teve a coragem de me chamar de interesseira?

LETÍCIA – E é mesmo.

ANALY - Letícia! Isso lá é jeito de falar com a sua mãe?


LETÍCIA – Tô só falando a verdade. Mãe, eu vou pra escola. Me dá

dinheiro pro táxi.

ANALY – Táxi? Você tá louca, Letícia? Será que você não entendeu

que o seu pai saiu de casa? Alôou! Pega um ônibus que tá bom

demais. Até parece que eu vou ficar jogando dinheiro pela janela pra

você ir pra escola de táxi.

LETÍCIA – Que saco!

Letícia sai para ir à escola e Pedro entra.

PEDRO – Minha borboleta morreu.

ANALY – O que foi?

PEDRO – A minha borboleta morreu.

ANALY – Meus pêsames. (pausa) Você tinha uma borboleta?

PEDRO – Tinha. Eu estava guardando ela pra ver quanto tempo elas

sobrevivem presas num vidro de geléia...Com geléia dentro.

ANALY – Que horror!

PEDRO – Eu só não sei se ela morreu sem ar ou de indigestão por ter

comido muita geléia.

ANALY – Você é muito estranho. Se arruma que você vai sair

comigo.

PEDRO – Aonde nós vamos?

ANALY – Vamos até a casa do seu pai. Ele não disse que eu podia

arrumar quantos namorados eu quisesse? Pois eu vou arrumar. E vai

ser dentro da casa dele. Até já sei quem vai ser. Aquele mais

gordinho, com cara de bobo.


PEDRO – Aquele homem é estranho.

ANALY – Isso quer dizer que você vai se dar bem com ele. Anda!

Vamos logo.

Analy e Pedro saem.

CORTA PARA:

CENA 4 – APARTAMENTO DOS RAPAZES/SALA/INT/MANHÃ

Lucas está arrumando a sala quando a campainha toca. Ele vai atender e é dona Nair,

segurando Fifi.

LUCAS – Oi, dona Nair. Bom-dia.

DONA NAIR – Bom-dia.

LUCAS – Bom-dia cachorrinho meigo e dócil.

O cachorro rosna para Lucas.

LUCAS – Quer dizer, bom-dia cachorrinho meigo.

DONA NAIR – Seu Lucas, eu vim trazer o nosso novo zelador pro

senhor conhecer.

LUCAS – Claro. Ele está aí?

DONA NAIR – Está sim. (para o zelador) O senhor pode vir aqui.

Quem entra no apartamento é Paulão, o rapaz da mudança que apareceu no episódio

anterior.

LUCAS (SURPRESO) – Pauzão! Quer dizer, Paulão!

PAULÃO – Sou eu mesmo.

DONA NAIR – Os senhores já se conhecem?

LUCAS – Claro. Foi ele quem fez a nossa mudança.


PAULÃO – Foi por isso que eu estava aqui no prédio dona Nair. Aí

ouvi a senhora falando que ia colocar um anúncio no jornal e resolvi

me candidatar. Vida de quem faz mudança é muito dura.

LUCAS – Muito dura. Dura mesmo. A senhora nem imagina o

quanto.

Paulão sorri para Lucas.

DONA NAIR – Bem, então o senhor já está devidamente

apresentando. Seu Lucas, o senhor me disse que precisava concertar

o vazamento, não é?

LUCAS – Isso mesmo.

DONA NAIR – Então eu vou deixar o seu Paulão aí com o senhor.

LUCAS – Ôba!

DONA NAIR – Como é?

LUCAS – Ôba! É porque vai acabar logo com esse problema.

DONA NAIR – Entendi. Bom, seu Paulão, o senhor faça tudo o que

o seu Lucas mandar.

PAULÃO – Pode deixar.

LUCAS (PRA SI MESMO) – A melhor coisa que eu fiz foi mudar

pra esse prédio.

DONA NAIR – Então até depois.

LUCAS – Até.

Dona Nair sai e Lucas fecha a porta.

LUCAS – Bom, então...


PAULÃO – Então... O senhor ouviu. Dona Nair me mandou fazer

tudo que o senhor quiser.

LUCAS – Então tá. Vamos lá dentro que eu mostro o que precisa

concertar.

PAULÃO – Sim senhor.

Lucas e Paulão vão para a parte de dentro do apartamento. Alguns momentos depois ouve-

se os gritos de Analy e Pedro e os latidos de Fifi. Os dois entram ofegantes no apartamento

e fecham a porta.

ANALY – Cachorro desgraçado! Monstro! Você tá bem filho? Tá

inteiro?

PEDRO – Tô sim... Eu acho.

ANALY – Por isso que eu sou a favor dessas leis pra proibir pitbull.

PEDRO – Mãe, o cachorro é um poodle.

ANALY – Tá disfarçado. Isso não é poodle nem aqui nem na China!

Lucas entra na sala sem camisa.

LUCAS – Mas que confusão é essa?

ANALY (SIMPÁTICA) – Oi! É com você mesmo que eu quero falar.

LUCAS – A Mulher doida.

Lucas vê Pedro.

LUCAS – O menino doido!

ANALY – É Lucas o seu nome, não é?

LUCAS – Isso. (pausa) Por que?

ANALY (DISSIMULADA) – Nada. Você se lembra de mim, não é?

Eu sou a mulher do Caio.


LUCAS – Claro que eu lembro. Não dava pra esquecer do coitado

parado aqui no meio da sala e você agarrada nele que nem um bicho

preguiça. Você e o lunaticu...Lunati...Lunaticuzinho...Cuzinho? Você

e o alucinadinho do seu filho.

PEDRO – Mãe, ele está falando impropérios sobre mim.

ANALY – E como você quer que eu te defenda? É alucinado mesmo!

Explodiu a coitada da borboleta de tanto comer geléia!

LUCAS – Meu Deus! Esse menino é uma bomba relógio. Um

psicopata em formação. Eu diria que ele é praticamente um Hannibal

Lacter pequeno. (pausa) Bem pequeno. Eu posso saber o que vocês

querem aqui?

ANALY – Filho, vai lá pra cozinha, vai. Mamãe precisa conversar

com o moço.

PEDRO – Continuo achando esse homem muito estranho.

LUCAS – Você conhece a cinco dedos?

PEDRO – Cinco dedos?

Lucas abre a mão.

LUCAS – É essa daqui. Se você não quiser que eu apresente ela pra

sua cara, é melhor fazer o que a sua mãe tá mandando.

PEDRO (EMBURRADO) – Só me tratam assim porque eu sou

pequeno.

LUCAS – Não. É porque você é chato.

Pedro vai para a cozinha.

LUCAS – Pronto, agora nós podemos conversar.


ANALY (COM CARA SEXY) – Agora sim. Eu tava doida pra ficar

sozinha com você!

LUCAS (SEM ENTENDER) – Como é? Por que você queria ficar

sozinha comigo (pausa) Por que você tá me olhando com essa cara?

Analy vai se aproximando.

ANALY – Desde que eu vi você, fiquei doidinha!

LUCAS – Desculpa dizer, mas acho que isso veio bem antes de você

me conhecer.

ANALY – E agora vendo você assim. Sem camisa. Com esse

pelinhos aparecendo.

LUCAS – Pois é. Eu tenho preguiça de depilar. Também acho que

fica parecendo o namorado da Barbie.

ANALY – Eu vou me deixar levar pelos meus instintos mais animais.

LUCAS – Pela sua cara os seus instintos são bem animais. Já tô até

começando a ver umas penas.

ANALY – Eu quero que você me possua agora!

LUCAS – Como assim?

ANALY – Vêm!

Analy, muito próxima de Lucas, abre a blusa, ficando de sutiã.

LUCAS – Meu Deus!

ANALY – O que foi? Você achou os meus seios lindos?

LUCAS – Esse sutiã é completamente fora de moda! Como você

ainda pode usar uma coisa dessas?

O ar sedutor de Analy desaparece e ela olha pro sutiã.


ANALY – É?

LUCAS – Claro.

ANALY – Faz tanto tempo que eu não compro nada pra mim.

(pausa) Mas isso não interessa.

Analy agarra Lucas e o beija. Ela passa a perna em torno da cintura dele, mas o rapaz,

estático, não faz nada. Fica olhando, birolho, para a cara de Analy. Pedro entra na sala.

PEDRO – Mãe, eu...Mãe!

Paulão entra na sala vindo do quarto.

PAULÃO – Seu Lucas, eu...Seu Lucas, o senhor não perde tempo.

Eu não sabia que o senhor tinha gosto variado.

LUCAS (SENDO BEIJADO) – Dá pra jogar um balde de água nela?

Paulão olha para a porta da cozinha e se assusta ao ver Pedro, dando um grito. Pedro se

assusta com o grito e grita de volta. Paulão grita por causa do grito de Pedro que grita mais

uma vez. Os dois fogem correndo. Paulão para o quarto e Pedro para a cozinha.

LUCAS (SENDO BEIJADO) – Dá pra parar um pouco? Eu preciso

respirar. (pausa) Eu tenho sapinho. (pausa) Eu sou corinthiano.

Analy solta Lucas com cara de espanto.

ANALY – Corinthiano?

LUCAS – Ufa!

Ouve-se os latidos do lado de fora do apartamento e os gritos de Roberto. Ele entra

ofegante e fecha a porta.

ROBERTO – Peste dos infernos! Eu ainda mato esse cachorro!

Roberto olha para Lucas.

ROBERTO – Lucas eu...


Ele vê Analy só de sutiã.

ROBERTO – Lucas?

LUCAS – Não é nada disso do que você está pensando.

ROBERTO (SORRINDO) – Eu não tô pensando nada.

ANALY – Tá olhando com essa cara por que? Eu e o Lucas sempre

fomos amantes. Agora nós resolvemos assumir!

Roberto começa a rir.

ANALY – Do que ele tá rindo?

LUCAS – Ele não acreditou em você. Ele sabe que eu prefiro os

morenos...digo, as morenas.

Pedro entra na sala de novo.

PEDRO – O monstro já foi?

LUCAS – Não garoto. Se você ainda tá aqui é porque o monstro não

foi embora. Aliás, acabou a palhaçada. Loira, recolhe os peitos, o

filho e vai limpando o rancho.

ANALY – Como assim?

LUCAS – Acabou o circo. Vai embora! Tenho mais o que fazer!

Analy fecha a blusa um pouco contrariada.

ANALY – Vem filho. Vamos embora.

Pedro se agarra à mãe e os dois se dirigem à porta.

ANALY – Eu vou. (pausa) Mas eu volto.

Analy e Pedro saem e Roberto fecha a porta. Ouve-se os latidos de Fifi e os gritos de mãe e

filho, que depois passam.


ROBERTO – Quer dizer que o senhor tá dando uns catos na mulher

do manda-chuva?

LUCAS – Claro que não. Primeiro porque ela não faz o meu gênero.

ROBERTO – Eu sei disso.

LUCAS – Segundo porque o combinado foi que nós não íamos trazer

ninguém pra dentro de casa. Eu nunca faria uma coisa dessas. Pra

isso existe motel.

Paulão aparece na porta do quarto.

PAULÃO – O monstro já foi embora?

Lucas fica sem graça enquanto Roberto começa a rir.

LUCAS – É...O zelador.

Paulão dá um sorriso sem graça.

(FIM DO EPISÓDIO)

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