Você está na página 1de 15

OS FRUSTADOS

de

Walter de Azevedo

EPISÓDIO 05

ASSOMBRAÇÃO

participação especial

JUSSARA FREIRE

como DONA JUPIRA

CARLOS BONOW

como PAULÃO
CENA 1 – Tomada de São Paulo à noite. Várias cenas mostrando o movimento da cidade.

CORTA PARA:

CENA 2 – Tomada do prédio onde os rapazes moram.

CORTA PARA

CENA 3 – QUARTO DE LUCAS/INT/NOITE

Lucas está dormindo com cara de bobo.

LUCAS – Não mamãe, eu não quero jogar bola na rua. (pausa)

Bonito brinco o seu, mamãe.

Um som baixo, como se fosse um lamento começa a ecoar no quarto. Depois de algum

tempo, Roberto entra no quarto e começa a sacudir Lucas.

ROBERTO – Lucas! Acorda Lucas!

LUCAS (ACORDANDO) – Meu Deus! Terremoto! Tá tudo

tremento! Mulheres, crianças e bibas primeiro!

ROBERTO – Que terremoto o que! Sou eu.

LUCAS – Ah! Oi. Então, não sei se você percebeu, mas eu estava

dormindo.

ROBERTO – Você não tá ouvindo isso?

LUCAS – A única coisa que eu tô ouvindo é a sua voz perturbando o

meu sono.

ROBERTO – Tô falando sério. Fica quieto e escuta.

Os dois ficam em silêncio e o som que parece um lamento continua.


ROBERTO – Olha lá.

LUCAS – Você não queria dizer, ouve lá?

ROBERTO – Pára de fazer gracinha! Tá ouvindo ou não?

Lucas presta atenção e parece ficar surpreso ao ouvir o som.

LUCAS – Midericórdia! Que barulho estranho é esse?

ROBERTO – Não sei. Eu tava dormindo e acordei com ele.

LUCAS – Parece...Um lamento.

ROBERTO – Não fala isso nem brincando. Já tô todo arrepiado.

Lucas se levanta e encosta o ouvido na parede.

LUCAS – Parece que está vindo de dentro das paredes.

ROBERTO – Será que é um...Fantasma?

Na hora que Roberto fala, o som pára.

LUCAS – Olha só. Parou.

ROBERTO – Bem na hora que eu falei em fantasma.

LUCAS – Você acredita em fantasma?

ROBERTO – Claro que acredito! Você não?

LUCAS – Lógico. Mas eu não achei que você acreditasse.

Roberto e Lucas se olham.

ROBERTO – E aí? Você acha que é?

LUCAS – Não sei. Parecia uma voz humana. Um lamento mesmo.

Será que não são os vizinhos aí de cima?

ROBERTO – Só se o sexo deles for muito ruim. A pessoa parecia

estar sofrendo.
LUCAS – Esquece. Dona Nair não deixa fazerem sexo aqui no

prédio dela.

O lamento recomeça forte. Lucas pula para trás e agarra um guarda-chuva, ficando em

posição de defesa contra a parede. Roberto se esconde atrás dele.

LUCAS – Sai dessa casa que não te pertence, coisa ruim!

Caio entra no quarto sonado e vê Lucas parado e Roberto atrás dele.

CAIO – Eu posso saber que zona é essa? Eu tô tentando dormir.

LUCAS – Têm um fantasma na parede!

CAIO – E você pretende fazer o que com esse guarda-chuva? Bater

nele?

LUCAS – Não! Proteger ele da garôa! Me defender dos perdigotos

que ele lança quando fala! O que você acha?

CAIO – Eu acho que você estão doidos.

ROBERTO – Escuta só, Caio. Olha só esse lamento.

Caio presta atenção.

CAIO – Que barulho é esse?

LUCAS – É isso que a gente tá tentando descobrir desde o início do

episódio.

Caio encosta o ouvido na parede.

CAIO – Parece vir daqui de dentro.

LUCAS – Quando ele começar a dizer alguma coisa que nós ainda

não falamos, você me acorda.

ROBERTO – Não é um som estranho? (pausa) Não parece um

lamento?
CAIO – Pra mim parece só um barulho.

O barulho se eleva parecendo realmente um gemido sofredor. Caio se afasta rápido da

parede, se escondendo atrás dos amigos.

CAIO – Santa Zita! O que é isso?

LUCAS – Será que tem alguém...Enterrado na parede?

ROBERTO – Alguém que foi assassinado e o criminoso colocou aí

pra que ninguém saiba?

LUCAS – Não. Alguém que entrou por engano dentro da parede e

esqueceu de sair! Lógico que é alguém que foi assassinado!

CAIO – O que a gente vai fazer?

ROBERTO – Eu não vou fazer nada porque eu tenho medo.

CAIO – Eu também.

LUCAS – Vocês dois são muito bichinhas.

Roberto e Caio se olham.

LUCAS – Eu sei o que fazer. Vou tomar uma atitude que vai resolver

isso.

CORTA PARA

CENA 4 – QUARTO DE LUCAS/INT/NOITE

Roberto e Caio, ainda assustados, estão atrás de Lucas. Paulão está parado com cara de

sono diante deles.

LUCAS – Paulão, eu sei que você não está no seu horário de serviço,

mas nós precisamos da sua ajuda.

PAULÃO – Pode falar seu Lucas.

LUCAS – Eu ouço gente morta.


PAULÃO (SURPRESO) – Como é?

ROBERTO – O negócio é o seguinte, seu Paulão. Tá saindo um

barulho estranho de dentro da parede.

PAULÃO – Não tô ouvindo nada.

LUCAS – Eu não falei que ele ia resolver o problema?

ROBERTO – Ele sempre resolve os seus problemas.

CAIO – O que você quer dizer com isso?

ROBERTO – Nada. É melhor não saber.

PAULÃO – Como é esse barulho?

LUCAS – É uma coisa meio assim...Uuuuuuuuu.

ROBERTO – Mas não é tão agudo. É como se fosse um homem.

Lucas olha para Roberto.

PAULÃO – Mas agora parece que parou.

Paulão encosta o ouvido na parede e o barulho começa ainda mais forte. Paulão grita. Os

três rapazes também gritam e Paulão se escode atrás deles.

PAULÃO (ASSUSTADO) – Jesus Cristo! Isso é coisa do outro

mundo! Eu tenho medo dessas coisas, seu Lucas.

CAIO – Mas a gente precisa fazer alguma coisa.

ROBERTO – Eu vi num programa de televisão que precisa fazer um

exorcismo.

LUCAS – Quem vomitar abacate em mim eu mato! Possuído ou não!

PAULÃO – Eu acho que conheço uma pessoa que pode ajudar a

gente.

CAIO – Quem?
PAULÃO – É uma senhora que atende lá no bairro que eu morava. O

nome dela é dona Jupira. Dizem que ela é porreta. Não tem

assombração que ela não bote pra correr.

LUCAS – Será que fantasma de quem não tem perna corre?

ROBERTO – Lucas! Com isso não se brinca!

LUCAS – Mas eu não tô brincando. É só uma dúvida pertinente.

PAULÃO – Assim que amanhecer eu ligo pra ela e falo pra vir aqui.

CAIO – Faça isso, seu Paulão. Eu não quero ser obrigado a voltar pra

casa da minha mulher.

ROBERTO – E enquanto isso a gente dorme aonde?

LUCAS – Na sala. Eu só volto a dormir aqui quando o fantasma

tiver ido embora.

CAIO – Não se preocupa Lucas. Nenhum fantasma vai tirar a gente

daqui.

O barulho aumenta, os quatro gritam e saem correndo.

CORTA PARA:

CENA 5 – SALA/MANHÃ

Caio, Lucas e Roberto estão tomando café. Todos com muita cara de sono.

CAIO – Não consegui pregar o olho. Quero ver como é que eu vou

trabalhar hoje.

LUCAS – Eu quero ver se arranjo um bico como cobaia de

sonoterapia. Deve ser muito bom.

Ouvem-se latidos de cachorro e gritos. Paulão entra correndo no apartemento e fecha a

porta.
PAULÃO (OFEGANTE) – Será que tem exorcismo pra cachorro?

ROBERTO – E aí, Paulão? Falou com a dona Julipa?

PAULÃO – É Jupira.

ROBERTO – Que seja.

PAULÃO – Falei. Ela disse que vêm hoje à noitei. Vocês precisam

estar os três aqui.

CAIO – Eu ia arranjar um compromisso.

ROBERTO – Deixa de ser medroso.

CAIO – Olha quem fala.

PAULÃO – Agora eu preciso ir. Duro vai ser enfrentar esse cachorro

de novo.

LUCAS – Eu tenho uma coisa pra te ajudar.

Lucas apanha uma latinha e entrega a Paulão.

PAULÃO – O que é isso?

LUCAS – Spray de pimenta. É só mirar no pulguento e apertar o

botão.

PAULÃO – Pôxa. Obrigado seu Lucas.

Paulão sai. Novos latidos e gritos. Caio, Lucas e Roberto ficam escutando. Os latidos

aumentam e os gritos também.

CAIO – Ele tá matando o cachorro!

ROBERTO – Você quer impedir?

Paulão entra de novo e fecha a porta. Está com os olhos fechados e vermelhos. A perna da

calça está rasgada.

LUCAS – O que aconteceu, criatura?


PAULÃO – Na hora que eu apertei o botão, o spray tava virado pra

minha cara e foi no meu olho. O cachorro se aproveitou.

Lucas faz cara de impaciente.

CORTA PARA

CENA 6 – Tomada de São Paulo à noite.

CORTA PARA

CENA 7 – Roberto, Carlos e Lucas estão de pé. Latidos e gritos no corredor. Paulão e dona

Jupira entram correndo. Paulão fecha a porta.

JUPIRA – Vocês querem me matar? Colocar uma fera dessas pra

tomar conta do prédio?

ROBERTO – Desculpe dona Jupóca.

JUPIRA – É Jupira!

ROBERTO – Então. Perdão.

PAULÃO – Dona Jupira, esses são os rapazes que eu falei.

JUPIRA – Então vocês estão sendo assombrados?

LUCAS – O fantasma está lá na parede do meu quarto.

Dona Jupira fecha os olhos e parece ficar arrepiada.

CAIO – O que tá acontecendo? Ela tá tendo um piripaque?

JUPIRA – Vocês sentiram o arrepio?

LUCAS – A senhora quer que eu feche a janela?

JUPIRA – Não é frio meu filho...É a força.

LUCAS (SORRINDO) – Meu Deus. Nós chamamos um Jedi.

Jupira abre apenas um olho e fita Lucas.


JUPIRA – Eu sei o que é um Jedi. Você tá querendo tirar uma da

minha cara?

LUCAS – Claro que não. Perdão.

CAIO – Cala a boca, Lucas!

ROBERTO – Dona Jureba, o que a senhora está sentindo?

JUPIRA (ABORRECIDA) – É Jupira, meu filho! Jupira! (pausa) Eu

sinto...Que o mal habita essa casa.

Paulão se benze.

CAIO (ASSUSTADO) – O...O Mal.

JUPIRA (DRAMÁTICA) – O próprio. Senti isso quando passei por

aquela porta. Esse apartamento é um portal.

CAIO – Por isso que tava barato. Eu mato a dona Nair!

LUCAS – O que a senhora quer dizer com...Portal?

JUPIRA – É um lugar por onde os espíritos passam. Que os leva de

um lugar a outro.

LUCAS – Sei. Tipo uma rodoviária. A gente mora numa rodoviária

de gente morta?

JUPIRA – Mais ou menos isso.

ROBERTO – Tá. E como a gente faz pra...Fechar o portal?

JUPIRA – Isso é um trabalho muito difícil. Nós vamos precisar de

um ritual.

LUCAS – Ritual? Vai precisar matar alguma coisa? Têm um

cachorro aqui do lado que...

Roberto dá um cutucão em Lucas.


LUCAS – Ai!

JUPIRA – Eu quero ir até o local. O centro que emana as piores

energias.

LUCAS – Acho que ela tá falando de quando você sai do banheiro.

ROBERTO – Muito engraçado.

PAULÃO – Ela está falando do quarto.

CAIO – Claro. O quarto. Me acompanhe, por favor.

CORTA PARA

CENA 8 – QUARTO DE LUCAS/INT/NOITE

O quarto está todo iluminado com velas.

LUCAS – Eu não imaginava que cabia tanta vela dentro daquela

bolsinha dela. Aquilo deve ser um universo paralelo. A entrada pro

mundo das velas.

ROBERTO – Fica quieto!

LUCAS – Hoje vocês estão me oprimindo.

JUPIRA – Vamos nos juntar. Eu quero um círculo. Todos de mãos

dadas.

Jupira, Caio, Lucas, Paulão e Roberto dão as mãos.

LUCAS – Ciranda, cirandinha...

Todos olham com cara de bravos para Lucas.

LUCAS – Tá bom. Parei.

O barulho começa.

ROBERTO – Tá ouvindo, dona Panqueca?

CAIO – É Judoca!
JUPIRA (BRAVA) – É Jupira! Cacete!

LUCAS – Que sobrenome mais sujestivo! Jupira Cacete.

PAULÃO – Ouve só. Parece que o gemido tá mais forte.

Todos ficam em silêncio e Jupira presta atenção.

JUPIRA – Mas isso é péssimo!

LUCAS – Principalmente na hora de dormir.

JUPIRA – Essa alma está sofrendo. (pausa) Eu estou sentindo.

CAIO – O que?

JUPIRA – Essa pessoa sofreu muito nesse quarto.

LUCAS – Tinha que ser logo no meu! Sacanagem!

ROBERTO – Você que escolheu!

JUPIRA – Vamos pedir para que ela vá para a luz.

LUCAS – Eu tengo uma pergunta de importância capital.

CAIO – Lá vem besteira.

LUCAS – Quando a gente manda o espírito pra luz, ele pode se

confundir e ir pra lâmpada se ela estiver acesa?

ROBERTO – Meu Deus! Quando as mariposas batem na lâmpada e

morrem elas vão direto pra luz!

Roberto e Lucas começam a rir muito.

JUPIRA – Isso não vai dar certo.

CAIO (BRAVO) – Parem com isso vocês dois!

LUCAS – Tá bom. Mas essa da mariposa foi muito boa.

O barulho na parede parece aumentar.

JUPIRA – Vocês estão deixando os espíritos furiosos.


ROBERTO – Calma seu espírito. Foi só brincadeira.

LUCAS – É que ele é muito...espirituoso.

Nova onda de risadas de Roberto e Lucas.

JUPIRA – Se vocês não pararem com isso eu vou embora agora

mesmo!

CAIO – Eles vão parar.

Todos ficam em silêncio.

JUPIRA (CONCENTRADA) – Espíritos que vagam entre as

dimensões. Almas perdidas que não encontrarem o seu lugar no ciclo

do universo.

LUCAS – Bonito isso.

JUPIRA – Vocês não podem mais ficar aqui. Não pertencem a esse

lugar.

ROBERTO – E nem o lugar pertence a vocês. Somos nós que

pagamos o aluguel.

CAIO – Sou eu.

LUCAS – Vai começar a jogar na cara.

JUPIRA – Psiu! Silêncio. Estou captando vibrações. O som está

aumentando. Eles estão querendo se comunicar.

LUCAS – Lucas não está no momento. Deixem o recado após o bip.

Biiiiiiiiiip.

JUPIRA – Espíritos! Espíritos! Façam a passagem. Sigam a luz! A

Luz!

LUCAS – Vá para a luz Carol Anne!


O som fica cada vez mais forte.

JUPIRA (GRITANDO) – É agora! Eles estão indo! Eles estão indo!

O encanamento da parede explode e água começa a jorrar em todos. Paulão e Caio ficam

tentando colocar a mão no buraco para não deixar a água entrar. Roberto, Lucas e dona

Jupira se seguram pra não escorregar no piso molhado.

CORTA PARA

CENA 9 – SALA/NOITE

Roberto e Lucas estão sentados no sofá. Paulão e Lucas entram completamente molhados,

vindos do quarto.

CAIO – Você bem que podiam ter ajudado a gente com o vazamento.

ROBERTO – Você não disse que quem paga o aluguel é você? Então

resolve o problema.

PAULÃO – Eu vou indo. Ainda preciso levar a dona Jupira pra casa.

LUCAS – Vidente de araque. Falar que aqui era uma passagem.

ROBERTO – Só se fosse passagem do cano de água.

PAULÃO – Até depois.

Paulão sai.

CAIO – A culpa é de vocês que ficaram achando que era fantasma. A

pressão no cano é que fazia aquele barulho.

LUCAS – Me tira dessa. Quem falou que era gente morta foi o

medroso do Roberto. Eu tava dormindo muito bonitinho, com essa

minha carinha de bebê e sonhando com a minha mãe.

ROBERTO (SEM GRAÇA) – Eu me assustei.


CAIO – Vocês são dois adultos. Precisam entender que esse negócio

de fantasma não existe!

Repentinamente as luzes se apagam e um lamento assustador é ouvido. Caio, Lucas e

Roberto gritam.

(FIM DO EPISÓDIO)

Você também pode gostar