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PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

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15.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

A falência da pena de prisão – sua incapacidade de alcançar quaisquer de seus


objetivos –, aliada às conseqüências danosas de sua execução, ainda que com rigorosa
obediência aos princípios do sistema progressivo, impôs, desde há tempos, aos
operadores do direito, a necessidade de encontrar outras soluções alternativas, mais
humanas e, pelo menos em tese, mais eficazes para o alcance do único aceitável fim da
pena: a recuperação ou reinserção social do condenado.

Como já se disse, a história da pena é a história de sua humanização, de sua


limitação.

A verificação de que a pena privativa de liberdade, longe de recuperar e reinserir


o condenado no meio social, traz profundos males, ensejando a reincidência, levou os
cientistas à procura e ao encontro de alternativas à pena de prisão.

“No (...) relatório da Secretaria da ONU para o VII Congresso de 1980, noticiava-
se que muitos países haviam realizado mudanças legislativas importantes e
inovadoras, com o propósito de humanizarem a execução penal. Na maioria dos
casos, a nova legislação destinava-se às medidas alternativas (...). As exigências
dos vários países, quanto ao aumento da adoção das medidas dos substitutivos e à
diminuição do emprego da prisão, baseavam-se em critérios de humanidade,
justiça e tolerância, bem como na interpretação racional e objetiva de dados da
justiça criminal e achados da pesquisa penal e sociológica. Não havia
concordância entre a instituição penitenciária e a ressocialização do condenado.
Em termos de análise custo-benefício, a prisão é altamente dispendiosa, com
prejuízo para os recursos humanos e societários. O custo com a prisão é mais alto
do que o da educação universitária.”1

1 ALBERGARIA, Jason. Comentários à lei de execução penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987. p. 259.
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles

Entre nós, a Constituição de 1988, no inciso XLVI do art. 5º, orientou o legislador
para adotar, entre outras, penas de “restrição da liberdade”, “perda de bens”,
“prestação social alternativa” e “suspensão ou interdição de direitos”.

As penas restritivas de direitos – chamadas alternativas – adotadas pelo Código


Penal são: a prestação pecuniária, a perda de bens e valores, a prestação de serviço à
comunidade ou a entidades públicas, a interdição temporária de direitos e a limitação
de fim de semana (art. 43, CP, com a redação da Lei nº 9.714/98).

Como se verá, são penas que vão ser executadas sem privação da liberdade, de
modo descontínuo e apenas em substituição a penas privativas de liberdade. Nada
impede, todavia, que o legislador venha a cominá-las diretamente para certos crimes,
como penas principais. De qualquer modo, as penas restritivas de direitos, como é
possível concluir pela experiência, só serão eficazes se contarem, em sua execução, com
a colaboração dos organismos vivos da sociedade.

15.2 CONDIÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE


LIBERDADE

As penas restritivas de direitos, pela regra geral do Código Penal, serão


aplicadas em substituição às penas privativas de liberdade. O juiz, após condenar o
acusado a uma pena privativa de liberdade, poderá substituí-la por uma pena restritiva
de direitos, desde que observe algumas condições.

A Lei nº 9.714, de 25-11-1998, alterou o sistema da reforma de 1984, ampliando a


possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade.

Nas condenações por crimes dolosos, as penas restritivas de direitos poderão


substituir as penas privativas de liberdade, se estas tiverem sido aplicadas em
quantidade não superior a quatro anos e se o crime não tiver sido cometido com violência
ou grave ameaça à pessoa. Ou seja, o condenado por crime doloso à pena de detenção
ou reclusão de até quatro anos, por crime doloso cometido sem violência ou grave
ameaça à pessoa, terá direito à substituição por uma pena restritiva de direito, se
estiverem presentes os demais requisitos adiante explicitados. Condenado à pena
privativa de liberdade superior a quatro anos não terá direito à substituição. Com o
novo sistema, até mesmo o condenado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes –
desde que atendidos os demais requisitos legais – poderá merecer a substituição por
pena alternativa.
Penas Restritivas de Direito - 3

Se a condenação for por crime culposo, a substituição se dará qualquer que seja
a quantidade da pena.

Os demais requisitos, tanto para o crime doloso quanto para o crime culposo, são:

a) o acusado não pode ser reincidente em crime doloso, salvo se, não sendo específica a
reincidência – por crime de mesma espécie –, o juiz verificar que a substituição é, ainda
assim, recomendável para os fins a que se destina a sanção penal, isto é, necessária e
suficiente para a reprovação ao crime. Nesse caso, o juiz levará em conta,
preponderantemente, o interesse social;

b) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, e


os motivos e as circunstâncias do crime devem ser razoavelmente favoráveis. Em outras
palavras, esses dados, que gravitam em torno do fato e do réu, devem ser de molde a
demonstrar a desnecessidade da aplicação de pena privativa de liberdade, impondo sua
substituição pela pena restritiva de direitos.

Em qualquer caso, o Juiz deverá atentar, ainda, para a seguinte regra: se a


condenação à pena privativa de liberdade for igual ou inferior a um ano, a substituição
poderá ser por uma pena de multa; se superior a um ano, então deverá ser substituída
por uma pena restritiva de direito e uma pena de multa, ou por duas penas restritivas
de direitos.

15.3 CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM


PENA RESTRITIVA DE DIREITOS

Outra hipótese de imposição da pena restritiva de direitos é a da conversão da


pena privativa de liberdade.

Em vez da substituição, é possível a transformação da pena de prisão em restrição


de direito, mediante o instituto da conversão, segundo o qual a pena privativa de
liberdade em curso poderá ser convertida em restritiva de direitos.

O condenado por crime doloso a pena privativa de liberdade igual ou superior a um


ano, que não exceda a dois anos, poderá obter a conversão em pena restritiva de
direitos, desde que a esteja cumprindo em regime aberto, já tenha cumprido pelo
menos um quarto de seu tempo e possua antecedentes e personalidade que
recomendem a conversão.

Esta é a regra do art. 180 da Lei de Execução Penal:

“A pena privativa de liberdade, não superior a dois anos, poderá ser convertida
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles

em restritiva de direitos, desde que: I – o condenado a esteja cumprindo em


regime aberto; II – tenha sido cumprido pelo menos um quarto da pena; III – os
antecedentes e a personalidade do condenado indiquem ser a conversão
recomendável.”

De notar que, entre as circunstâncias judiciais, a lei refere-se apenas aos


antecedentes e à personalidade do condenado, não podendo, por isso, ser recusada a
conversão com base em conduta social, personalidade, motivos do crime,
circunstâncias outras, desfavoráveis ao agente, que não as expressamente referidas no
art. 180 da Lei de Execução Penal.

15.4 TRANSAÇÃO NOS CRIMES DE MENOR POTENCIAL


OFENSIVO

Inovação da Lei nº 9.099, de 26-9-1995, o instituto da transação alcança os


chamados crimes de menor potencial ofensivo – aqueles cuja pena máxima é igual ou
inferior a dois anos, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial –
e as contravenções penais, e permite a aplicação imediata de pena não privativa de
liberdade, restritiva de direitos ou multa.

Assim, as penas restritivas de direitos podem ser aplicadas imediatamente, no


procedimento do juizado especial criminal, consoante determinam os arts. 72 e
seguintes da Lei nº 9.099.

A transação no direito penal tem sua origem no direito norte-americano, no


instituto da plea bargaining, que significa a realização da justiça mediante negociação
entre acusador e acusado, por meio da qual este se considera culpado em troca do
benefício de receber pena por crime menos grave, ou por menor número de crimes. No
direito italiano, o instituto que mais se aproxima do nosso é o chamado
patteggiamento, um acordo por meio do qual acusador e acusado propõem ao juiz a
aplicação de sanções substitutivas das originalmente previstas na lei.

A transação da Lei nº 9.099, além de aplicar-se apenas aos crimes de menor


potencial ofensivo e às contravenções penais, é da iniciativa do Ministério Público, que
a proporá ao agente do fato. Se este aceitar, a proposta será levada ao juiz, para
homologá-la.

Discute-se se essa iniciativa é exclusiva do órgão da acusação, ou se, preenchidos


seus requisitos, a transação seria um direito do agente do crime.

Correta é a opinião de MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, para quem


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“a formulação de proposta de aplicação imediata de pena não privativa de


liberdade não está ao talante exclusivo do Promotor de Justiça, como se fosse
soberano da discricionariedade. Em matéria de atos que importem no
reconhecimento de direito à liberdade, num Estado Democrático de Direito
Material, há de se entender como eleição ao nível de direito subjetivo o que
adquire, por vezes, na lei, caráter meramente facultativo. (...) Preenchidos os
requisitos legais objetivos e subjetivos o argüido torna-se titular de um direito
subjetivo à obtenção da transação”2.

Os pressupostos para a obtenção da transação são:

a) não ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena
privativa de liberdade, por sentença definitiva;

b) não ter sido ele beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela
aplicação de pena nos termos de outra transação;

c) indicarem os antecedentes, conduta social e personalidade do agente, e os


motivos e circunstâncias do fato, ser a transação necessária e suficiente, para prevenção
e reprovação do crime.

Aceita a transação pelo agente do fato, o juiz aplicará pena restritiva de direitos ou
multa.

15.5 ESPÉCIES DE PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.714/98, são cinco as penas restritivas
de direitos, segundo estabelece o novo art. 43 do Código Penal. Nada impede venham
outras espécies ser criadas pelo legislador ordinário. Aliás, é preciso, urgentemente e
com criatividade, construir outras modalidades dessas penas. O avanço da Lei nº
9.714/98, nesse particular, foi positivo, mas acanhado.

15.5.1 Prestação pecuniária

Inovação do legislador de 1998, a prestação pecuniária é o pagamento, em


dinheiro, de um valor fixado pelo juiz, entre um e 360 salários mínimos, a ser feito à
própria vítima ou a seus dependentes, ou, quando o crime não tiver atingido interesse

2Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.
345.
6 – Direito Penal – Ney Moura Teles

jurídico de particular, à entidade pública ou privada com destinação social. A estas será
feito o pagamento quando a vítima tiver falecido sem dependentes. A lei fala em
dependentes e não em sucessores, daí que se, por ocasião da sentença, a vítima tiver
morrido sem deixar dependentes, a prestação pecuniária será paga à entidade, pública
ou privada.

Se a vítima ou a entidade beneficiária da prestação concordar, o pagamento em


dinheiro poderá ser substituído por prestação de outra natureza, como serviços, bens e
outros valores. É evidente que a substituição será objeto de deliberação pelo Juiz da
Execução Penal, a fim de que seja preservada a natureza penal da condenação e
evitadas transações lesivas do interesse público. O interesse primordial continua sendo
a sanção penal, e, secundariamente, a reparação do dano.

A prestação pecuniária paga à vítima ou dependentes é uma antecipação, na esfera


da jurisdição penal, da indenização reparatória a que tiver direito o ofendido, daí por
que seu valor será deduzido do montante de eventual condenação civil, desde que os
beneficiários sejam os mesmos.

15.5.2 Perda de bens e valores

A pena de perda de bens e valores consiste na transmissão, para o patrimônio


do Fundo Penitenciário Nacional, de bens e valores pertencentes ao condenado,
equivalentes ao montante do prejuízo causado ou do proveito obtido em conseqüência
do crime.

Essa pena não se confunde com a perda do produto do crime ou bem auferido
com o crime – efeito da condenação definido no art. 91, II, b. Aqui, trata-se de perda de
bem ou valor que pertence ao condenado e que não foi adquirido com o crime ou por
meio dele. O valor do proveito do crime é apenas o parâmetro para a fixação da pena,
que terá como teto máximo o maior valor – o do prejuízo causado ou do proveito
auferido.

A sentença substituirá a pena privativa de liberdade pela decretação da perda


dos bens ou dos valores que o condenado possuir, tendo como valor máximo o do
prejuízo ou o do auferido com a prática do crime.

Tratando-se de pena alternativa, o condenado poderá recusá-la, preferindo a privação


da liberdade, se lhe convier.

Melhor teria sido que a pena de perda de bens tivesse sido instituída para certos
tipos de crimes de natureza econômica – os chamados crimes do colarinho branco – e
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não como alternativa à prisão.

15.5.3 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades


públicas

Há quem veja a origem da pena de prestação de serviços nas penas de trabalhos


forçados conhecidas nos primórdios do Direito Penal, mais tarde conhecidas como
“galés”, o que não se pode admitir, pois não se confundem os institutos.

Melhor concordar com os que ensinam que a pena de prestação de serviços


surgiu na Suécia, na legislação marítima, no século XVII, como substituição da pena de
prisão, sendo certo que, na Itália, o Código Zannardeli, de 1989, incluía a prestação de
serviço ao Estado.

É na União Soviética e nos países socialistas do Leste Europeu que ela foi mais
adotada, inclusive entre as penas principais, em alguns países.

15.5.3.1 Conceitos e regras

Essa espécie de pena consiste na realização gratuita, pelo condenado, de tarefas


junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos
congêneres, ou, ainda, em programas comunitários ou desenvolvidos por organismos da
sociedade ou dos poderes públicos federal, estaduais ou municipais.

Trata-se, pois, da imposição de trabalho gratuito em benefício de entidades cujo


objetivo é a promoção do bem-estar social. O art. 46 do Código Penal refere-se a essas
entidades, mas é óbvio que a referência é apenas exemplificativa, podendo ser incluídas
outras que se destinem, igualmente, à realização de atividades voltadas para o alcance
de melhores condições de vida para parcelas carentes da população ou marginalizadas.

O trabalho do condenado será realizado na proporção de uma hora por dia da


condenação, fixado de maneira a não prejudicar sua jornada de trabalho. Se a
substituição for de uma pena de detenção de um ano, o juiz determinará a prestação de
365 horas de serviços à comunidade. Se for de um ano e seis meses, serão 365 + 180 =
545 horas, que deverão ser distribuídas de modo a não prejudicar a atividade laboral do
condenado, podendo ser prestadas nos períodos noturnos dos dias de semana ou nos
sábados e domingos.

A pena de prestação de serviços pode ser cumprida de modo descontínuo, por


exemplo, durante uma hora por dia, de segunda a sexta, e três horas no sábado e/ou
8 – Direito Penal – Ney Moura Teles

domingo, de modo a perfazer o montante fixado na sentença.

Não se pode confundir a prestação de serviços à comunidade com o trabalho


forçado, nem com o trabalho escravo, terminantemente proibidos. A gratuidade do
trabalho constitui a pena, a retribuição jurídica, e tem como fim a recuperação do
condenado, que, aliás, não está obrigado a aceitá-la. Basta lembrar que, recusando-se a
cumprir a pena alternativa, será ela convertida em pena privativa de liberdade.

Importante, ainda, que as tarefas atribuídas ao condenado sejam compatíveis


com suas aptidões. Sempre que possível, os serviços atribuídos devem guardar relação
com as atividades habituais do condenado, e não prejudicar suas atividades laborais,
das quais aufere os meios para o sustento próprio e de seus familiares.

Por exemplo, o motorista profissional condenado por homicídio culposo


cometido em acidente de trânsito poderá ver sua pena privativa de liberdade
substituída pela prestação de serviços de condutor de uma ambulância de um hospital
público ou beneficente, durante oito horas do sábado ou do domingo.

Cabe ao Juiz da Execução Penal designar a entidade, o estabelecimento ou o


programa comunitário ou estatal no qual o condenado prestará serviços. Para tanto, em
cada cidade deverão ser credenciadas as diversas entidades e estabelecimentos nos
quais serão prestados tais serviços. As entidades, em contrapartida, deverão colaborar
com o Poder Judiciário, encaminhando, periodicamente, ao Juiz da Execução Penal,
relatório pormenorizado, dando conta das atividades dos condenados, comunicando
faltas, irregularidades e outros fatos que sejam do interesse da sociedade.

Por essa razão, como afirmado anteriormente, é essencial a participação da


comunidade. Mormente nas cidades do interior, é de todo recomendável que os juízes
selecionem entidades filantrópicas e assistenciais sérias, a fim de que não se frustrem
os objetivos da pena alternativa. Sem que haja controle sobre as atividades do
condenado, a pena pode tornar-se uma benesse indevida e, por isso, injusta. Não se
pode aceitar, por exemplo, que aquele condenado a trabalhar como motorista de
ambulância contrate uma pessoa para trabalhar em seu lugar.

Se o diretor do hospital for conivente com o condenado, aceitando a troca e


ocultando-a do Juiz da Execução, os fins da pena jamais serão alcançados. Por isso, os
juízes devem evitar credenciar entidades públicas dirigidas por políticos
inescrupulosos, privilegiando as particulares e as dirigidas por homens e mulheres
sérios. O prefeito e o vereador estão, inevitavelmente, sujeitos às pressões do
condenado e, principalmente, de seus familiares, e têm menos condições de colaborar,
com a seriedade exigida, para a execução penal, nos limites precisos da lei.
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O mais importante na execução da pena de prestação de serviços à comunidade


e a entidades públicas é a convivência que se estabelece entre o condenado e aqueles
para os quais vai prestar seus serviços, sejam os dirigentes da entidade,
estabelecimento ou programa comunitário ou estatal, sejam os cidadãos que se
beneficiam de seu trabalho. Os primeiros são, geralmente, pessoas identificadas com as
necessidades dos cidadãos mais carentes de assistência, e os segundos são os próprios
necessitados.

A um só tempo, o condenado vai conhecer o homem que cultiva os valores da


solidariedade e do respeito, e o que necessita do amor, do apoio. Participar dessa
relação humana é a melhor terapia para que alguém que violou a norma penal possa
compreender a importância de valorizar os bens importantes da sociedade.

15.5.3.2 Conversão em pena privativa de liberdade

A pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas será


convertida em pena privativa de liberdade nas seguintes situações.

Se o sentenciado vier a ser condenado, por outro crime, a uma pena privativa de
liberdade, deverá o Juiz da Execução Penal decidir sobre a conversão da pena restritiva
de direitos em privativa de liberdade, mas não estará obrigado a fazê-lo, desde que seja
possível o cumprimento da pena anterior. Por exemplo, se vier a ser condenado a uma
pena de multa, ou a uma limitação de fim de semana ou a uma interdição de direito, é
perfeitamente possível continuar cumprindo a pena de prestação de serviços. E até
mesmo quando a pena pelo segundo crime seja também de prestação de serviços, pode
ser possível compatibilizar o cumprimento de ambas. Se a condenação sobrevinda for
uma pena privativa de liberdade cuja execução tenha sido suspensa, pelo instituto do
sursis – suspensão condicional da pena, regulada pelos arts. 77 a 82 do Código Penal –
também poderá continuar o cumprimento da pena de prestação de serviços.

A pena também será convertida em privação de liberdade se o condenado


descumprir, sem justificativa, qualquer restrição imposta pelo juiz.

O § 1º do art. 181 da Lei de Execução Penal estabelece ainda:

“A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o


condenado: a. não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido; b. não
comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que devia prestar
serviço; c. recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;
d. praticar falta grave.”
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Ocorrendo a conversão, o condenado deverá cumprir a pena privativa de


liberdade substituída pela restritiva de direitos, deduzido o tempo cumprido da pena
restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de prisão. Por exemplo,
condenado a dois anos de reclusão teve sua pena substituída pela prestação de serviços à
comunidade equivalente a 365 x 2 = 730 horas. Se tiver cumprido 600 horas de
serviços, e for o caso de conversão, por qualquer das causas que a autorizam, deverá
cumprir 130 dias de reclusão. Se tiver cumprido 720 horas de trabalho, a conversão se
dará para o cumprimento de 30 dias de reclusão, no mínimo.

15.5.4 Interdição temporária de direitos

As penas de interdição temporária de direitos são:

“I – a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de


mandato eletivo; II – a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que
dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III
– suspensão de autorização para dirigir veículo; IV – proibição de freqüentar
determinados lugares.” (Art. 47, CP, com a redação da Lei nº 9.714/98.)

15.5.4.1 Conceito e regras

Interditar não se confunde com suprimir, pelo que se deve entender que essas
penas atingem certos direitos de modo efetivo, porém, por certo tempo, e não de modo
a eliminar o direito, mas, tão-somente, a proibir seu exercício por um lapso temporal.
Seu titular não o perde, porém não o pode exercer. O direito não é subtraído, tirado,
apenas não pode ser exercido. Seus efeitos não podem ser extraídos. São quatro as
hipóteses de interdição de direitos, que devem ser explicadas.

15.5.4.1.1 Proibição do exercício de cargo, função, atividade, mandato

O condenado não perde o cargo, função ou atividade pública e tampouco o


mandato eletivo. A pena consiste na proibição de exercê-los, o cargo, a função, a
atividade ou o mandato. Ele não o pode exercer, pelo tempo determinado na sentença.

Só pode ser condenado a cumprir essa pena aquele que tiver cometido o crime
no exercício do cargo, da função ou atividade, com violação dos deveres que lhe são
inerentes (art. 56, CP). Para a substituição da pena privativa de liberdade pela de
interdição de direitos, é necessária a vinculação entre o efetivo exercício da atividade
Penas Restritivas de Direito - 11

pública e o crime praticado.

Terão o direito a essa substituição aqueles que tiverem, por exemplo, praticado
alguns dos crimes do Título XI da Parte Especial do Código Penal, como peculato
culposo, prevaricação, condescendência criminosa, advocacia administrativa,
violência arbitrária, abandono de função, violação de sigilo funcional.

A execução dessas penas exige a participação das autoridades públicas, para


quem o Juiz da Execução Penal encaminhará comunicação dando conta da pena
aplicada, a fim de que seja baixado o ato administrativo pelo qual o condenado terá
interditado seu direito ao exercício do cargo, função, atividade ou mandato.

15.5.4.1.2 Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício

Algumas profissões, atividades ou ofícios dependem de licença ou autorização


do poder público, como a dos médicos, engenheiros, advogados, odontólogos,
enfermeiros.

Aqueles que vierem a ser condenados por crimes praticados com violação dos
deveres inerentes à profissão, à atividade ou ao ofício terão suas penas privativas de
liberdade substituídas pela interdição temporária do direito de exercê-los, desde que
atendam aos demais requisitos legais. É a norma do art. 56 do Código Penal.

Exemplo: o crime do art. 154 do Código Penal:

“Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de
função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a
outrem: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa”,

praticado, por exemplo, por médico ou por um advogado. A pena poderá ser substituída
pela interdição do direito de exercer a medicina ou a advocacia pelo tempo
correspondente ao da pena privativa de liberdade.

O Juiz da Execução Penal determinará a apreensão dos documentos que


autorizam o exercício da profissão, devendo, igualmente, comunicar ao órgão
fiscalizador da atividade (OAB, CFM, CREA etc.).

15.5.4.1.3 Suspensão da autorização ou habilitação para digirir veículo

A terceira espécie é a suspensão da autorização ou da habilitação para dirigir


veículos, que só pode ser aplicada aos crimes culposos de trânsito – homicídio culposo,
lesão corporal culposa –, como manda o art. 57 do Código Penal. Não se trata de
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inabilitação nem de cassação da licença ou da habilitação, mas de sua suspensão.

No caso de motorista de veículo automotor, o Juiz da Execução Penal determinará


a apreensão do documento que autoriza o exercício do direito, a Carteira Nacional de
Habilitação.

15.5.4.1.4 Proibição de freqüentar determinados lugares

Modalidade instituída pela Lei nº 9.714/98, a proibição de freqüentar


determinados lugares é importante medida alternativa, no sentido de evitar a presença
do condenado em ambientes favoráveis à reincidência, daí por que os lugares proibidos
devem guardar relação com o crime praticado. Não se proibirá o condenado por
estelionato de freqüentar estádios de futebol, mas, evidentemente, essa proibição deve
ser imposta a quem se envolveu, por exemplo, numa rixa.

15.5.4.2 Conversão em pena privativa de liberdade

As penas de interdição temporária de direitos serão convertidas em penas privativas


de liberdade originalmente aplicadas nas sentenças, nas seguintes hipóteses.

A condenação posterior por outro crime implicará a conversão da interdição de


direitos na pena de reclusão ou detenção se o condenado não cumprir, sem justa causa,
a restrição imposta, vale dizer, se exercer o direito interditado.

A conversão se dará, ainda, se o condenado não for encontrado, por estar em lugar
incerto e não sabido, ou se desatender intimação por edital.

O condenado cumprirá a pena convertida em privação de liberdade pelo tempo


que restar.

15.5.5 Limitação de fim de semana

Na busca de alternativas às penas de prisão, pensou-se, inicialmente, numa forma


diferente de prisão, descontínua, em que o condenado, em vez de permanecer preso
continuamente, ficasse recolhido por alguns dias, nos finais de semana e nos feriados.
A idéia era manter a força intimidativa da prisão, sem, contudo, os males decorrentes
do excesso de prisão.

O direito brasileiro aderiu a uma nova modalidade de pena, que não se confunde
com a privação da liberdade, mas que a restringe. Poderia ser chamada de pena de
Penas Restritivas de Direito - 13

prisão de fim de semana, mas a lei preferiu utilizar a expressão limitação, como se a
palavra alterasse sua essência.

15.5.5.1 Conceito e regras

A limitação de fim de semana consiste na obrigação de o condenado


“permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado
ou outro estabelecimento adequado”, tempo em que “poderão ser ministrados” cursos
e palestras ou desenvolvidas outras atividades educativas. Trata-se da manutenção do
condenado, pelo tempo de cinco horas no sábado e de cinco horas no domingo, em
estabelecimento prisional, casa de albergado ou similar, tendo, conseqüentemente, seu
direito de liberdade restringido, coarctado, suprimido.

“A sanção punitiva em exame não produz, em verdade, no condenado seqüelas


profundas: não o obriga a abandonar a família, nem a deixar o trabalho, nem a
ter um contato carcerário mais prolongado. Mas parece fora de dúvida que as
duas características fundamentais de qualquer modalidade de prisão de fim de
semana – a brevidade e a intermitência – tornam esta pena de duvidosa
eficácia, posto que nenhum trabalho ressocializador realmente sério poderá
ser realizado.”3

Infelizmente, a própria lei considera uma simples faculdade a realização dos


cursos, palestras e atividades educativas, pelo que, mesmo que houvesse, no país,
estabelecimentos adequados ao cumprimento dessa pena, nenhuma atividade tendente
à recuperação do condenado seria, necessária e obrigatoriamente, ali executada.

15.5.5.2 Conversão em pena privativa de liberdade

A pena de limitação de fim de semana se converterá em privativa de liberdade


se o condenado descumprir, injustificadamente, a restrição imposta, como, por
exemplo, não comparecer ao estabelecimento designado para cumprir a pena, bem
assim no caso de praticar falta grave, ou não ser encontrado por estar em lugar incerto
e não sabido, ou desatender à intimação por edital.

A superveniência de condenação por outro crime somente implicará a


conversão se não for possível a continuidade do cumprimento da limitação de fim de

3FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995. p. 616.
14 – Direito Penal – Ney Moura Teles

semana.

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