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Os crimes do Bigodes

Considerado como um dos actos criminosos mais falados na


sua época, os crimes do Bigodes, como era popularmente conhecido,
foi sem dúvida um dos casos que mais marcou e sensibilizou o povo
almadense.
Esta tragédia, ocorrida no sítio do Brejo, na Cova da Piedade,
durante a madrugada do dia 18 para 19 de Fevereiro de 1898, faz
parte da obra "Galeria dos Criminosos Cé1ebres", onde, no seu
terceiro volume, são descritos, de uma maneira um tanto ao quanto
sensacionalista, os crimes do Bigodes.
Tendo como incriminado autor, Domingos Francisco das
Neves, o Bigodes, natural de Serpins e empregado na fábrica de
cortiça da Companhia Londres Lisboa, no Caramujo, e como vítima
lsidora Miraldes, mulher de seu primo, o leiteiro José das Neves,
este crime nunca chegou a ser totalmente esclarecido, pois,
concretamente, nunca se conseguiu provar a cumplicidade do
suspeito criminoso que, na época, era dado como um homem de
poucas falas e graças, mas sendo um profissional de grande valor
para os seus superiores que o consideravam, inquestionavelmente,
um homem de respeito.
Iniciando a sua vida, muito jovem, como lavrador, Domingos
Francisco das Neves, veio da sua terra para Lisboa, vindo depois
viver para Almada, onde se empregou como enfardador de cortiça
numa das muitas fábricas no lugar do Caramujo, na Cova da
Piedade.
Os crimes do Bigodes

Trabalhando e amealhando as suas economias, o Bigodes viria


a comprar, para os lados do Pombal, a Quinta da Regateira. e, como
bom serrano que era, logo trouxe para junto de si os seus irmãos
mais novos, Manuel, José e Amélia, e o seu primo José das Neves.
Este notável imóvel, actualmente denominado propriedade dos
Gameros, possuía grandes pomares de fruta, vinhas e hortas.
Nos seus férteis terrenos cultiva-se em abundância a cevada,
para alimento de animais.
Mais tarde, motivado por um conflito entre o seu irmão
Manuel, Domingos das Neves, expulsa-o de sua companhia e, numa
discussão entre os dois, em legitima defesa, o Bigodes, ao ser
atacado á navalhada por seu irmão Manuel, dá-lhe com um pau na
cabeça, acto desesperado que levaria seu irmão a morrer no Hospital
São José, sendo por isso condenado a dois anos de prisão.
Cumprida a pena, volta á sua quinta, então administrada pelo
seu irmão José, sobre o olhar medroso e odiado dos seus vizinhos
que começam por não lhe dar a atenção e respeito que dantes
merecia pois, ao cometer aquele acto repentino, talvez motivado
pela ânsia de se ver atacado pelo irmão, este viria a resultar no seu
primeiro crime.

Casamento do primo

Durante a sua permanência no presídio, seu primo José das


Neves, que servia de moço de leiteiro, namorava Isidora Miraldes,
moça provinciana que veio para servir como criada na casa do
conhecido comerciante de Cacilhas, João Baptista Carvalho Serra,
em 1894.
Aprontado tudo para o casamento, este viria a realizar-se na
lgreja Matriz de Santiago, em Almada, sendo padrinho de José das
Neves, o seu primo Domingos das Neves, o Bigodes.
Este humilde casal, veio a instalar-se como rendeiros na Quinta
dos Frades, na Ramalha. Mais tarde, compram um terreno na
Carapinha, (sítio do Brejo), na Cova da Piedade, onde fazem casa.
0 José das Neves saia muito cedo para distribuir o leite,
voltando perto do meio-dia para comer.
Depois voltava a sair, regressando somente a casa por volta das
11 horas da noite.
Os crimes do Bigodes

Sua mulher, Isidora Meireles, para além de efectuar as tarefas


caseiras, negociava ainda na venda de criação doméstica e
engomava também roupa para fora.
Segundo rumores dos vizinhos na altura, a mulher de José das
Neves era um tanto ou quanto atiradiça, dando atenção a vários
homens, entre os quais Domingos Neves, o Bigodes, frequentador
assíduo de sua casa.
José das Neves, que não dava ouvidos aos dizeres do povo, não
crendo ou admitindo de animo leve a falsidade de sua mulher com o
seu primo e padrinho de casamento, chegava a afirmar que tudo não
passava de inveja pois, para si, o que mais contava era governar a
casa e família, criar o seu filho, de tenra idade, e desejar uma boa
hora para sua mulher, que estava em vésperas de novo parto.

De novo o crime atinge o Bigodes

Na noite de 18 para 19 de Fevereiro de 1898, a população


vizinha era acordada pelos gritos aflitos de José das Neves, dizendo
que a sua mulher estava morta.
Comunicado o crime ao Administrador do Concelho, Adolfo
Rodrigues da Costa Portela, logo as suspeitas caíram sobre o
Bigodes, que dada a sua fama de homem mau e pelos ciúmes que
tinha de Isidora, a tinha morto.
Preso imediatamente, era encaminhado para a cadeia da vila.
A participação do crime ao juiz de Direito, é do seguinte teor:

"Na noite de 18 para 19 de Fevereiro de 1891, foi


assassinada e roubada, na casa onde residia, no
sítio de Brejos, Alto da Carapinha, freguesia de
São Thiago, desta Vila de Almada. Isidora
mulher do leiteiro, José das Neves, que então
estava ausente de casa, no seu negócio de venda
de leite.
Não são por enquanto conhecidos os autores ou
autor do crime, porém por suspeitas mais ou
menos fundadas, se acha detido para
averiguações, Domingos Francisco das Neves, o
Bigodes, que tem residência no sitio do Pombal
nesta freguesia. A vítima conserva-se ainda na
sua casa onde foi assassinada e a chave da casa,
o suspeito criminoso, conserva-a ele consigo o
que tudo isto fica comunicado a V. Exa.,
Os crimes do Bigodes

aguardamos as diligências que forem mandadas


executar".

30 Anos de degredo em África

Este crime que tanto deu que falar durante muitos anos, teve
várias audiências, tendo sido sempre negado pelo Bigodes, o que
levou a população de Almada a dividir-se sobre se Domingos Neves
fora realmente o autor de tão bárbaro crime.
Contudo, os seus antecedentes nada o favorecem, pois que se
tratava, de facto, de um homem conflituoso e sempre metido em
problemas de agressões e ameaças de morte.
Após sucessivas audiências, durante as quais foram ouvidas
mais de 50 testemunhas de defesa e de acusação, o tribunal resolve,
no dia 10 de Março de 1899, dar a sentença, tendo condenado o
Bigodes, como autor do crime e tendo como pena do seu acto 30
Anos de degredo em África.
Esta tão severa sentença foi motivo de grandes desordens,
quando se falava no crime da mulher do leiteiro. Foram tantas as
desavenças que as autoridades chegaram a proibir de se falar do
assunto nas tabernas e na via pública.

Regressado de Moçambique 15 anos depois, abrangido por


indulto,

Domingos Neves emprega-se no Jardim Zoológico, onde, mais


uma vez, é alvo de acusação de furto.
Provada a sua inocência é, no entanto, suspenso das suas
funções.
Desanimado pelo seu destino, resolve enforcar-se num quarto
alugado, onde vivia, lá para os lados de Campolide, em Lisboa
pondo termo á sua vida, num gesto tão cobarde, para um homem
que muitos consideraram corajoso e valente.
Mais tarde, segundo tese defendida pelo escritor Gomes
Monteiro, no seu romance "Mulher do mau Olhado", obra que, de
certo modo, pretende clarificar este crime, seu primo José das
Neves, a residir em Azeitão, confessou ter sido ele o verdadeiro
assassino de Isidora Miraldes, sua mulher, e que seu primo o
Bigodes, fora sempre inocente de um crime que a justiça condenou
com pena tão pesada.
Os crimes do Bigodes

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