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No 3933 de 1989, — Este excelente Acériio, de que se transcrevem apenas as partes essenciais ('), veio reforcar, sobre 0 conceito de atravessa- douros, um entendimento que merece plena adesio. A distingfo entre caminhos priblicos e atra- vessadouros deu origem, entre nés, a uma forte controvérsia doutrinal ¢ jurisprudencial, que nio terminou mesmo depois de o Supremo Tribunal de Justiga ter, proferido, em 1989, um Assento sobre a matéria. Segundo uma corrente interpretativa, um caminho $6 reveste natureza dominial quando tenha sido construfdo ou legitimamente apro- priado pelo Estado ou por uma autarquia local € se mantenha sob a administragao de um ente estadual ou autérquico, Os defensores deste entendimento baseiam-se em que o diploma preambular do Cédigo Civil actual, conforme decorre do seu artigo 3°, nfio revogon os preceitos do Cédigo de Seabra sobre bens do dominio piblico, designadamente 0 artigo 380°, que enuncia 0 conceito de coisas publicas nos seguintes ter- mos: “So puiblicas as coisas naturais ou artificiais, apropriadas ou produzidas pelo Estado e corporagdes piiblicas e manti- das debaixo da sua administragao, das quais é licito a todos individual ou colec- tivamente utilizar-se, com as restrigdes impostas pela lei ou pelos regulamentos administrativos.” Segundo uma outra corrente, para que um caminho revista natureza dominial basta que, desde tempos imemoriais, se encontre no uso directo e imediato do ptblico, independente- mente de saber quem o produziu ou admi- nistra Finalmente, segundo uma comrente inter- média, logo que se prove que determinado caminho esti a ser usado pelo piblica desde tempos imemoriais, deve presumir-se a sua natureza dominial, mas tal presun¢do poderé ser ilidida mediante prova em conttério. () 0 texto integral pode ler-se na “Colectinea de Jurisprudéneia — Acérdios do Supremo Tribunal de Sustga”, ano VIII, tomo Il, 2000, pags. 117 © segs. Revista DE LEGISLAGKO & DE JURISPRUDENCIA a ‘Todas estas orientagdes obtiveram acolhi- mento em decisdes judiciais ) e a oposi de julgados do Supremo acabou por dar ori gem a um Assento, proferido em 19 de Abril de 1989, que fixou a seguinte doutrina: “Sao piiblicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estéio no uso directo imediato do piiblico.” (Continua) M. Henrique Mesquita SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA Acérdio de 19 de Junho de 2001 Sumério: I — A responsabildade médica abrange a responsabilidad de todos os profisionais de side € lanto pode ser contatual como extracontratua, endo mesmo de admit, conforme a posigio maio- ritéia, que 0 lesado possa optar pelo regime que Ie for mais concenente em caso de concursa de res- ponsobilidades; II — também largamente maior? tiie a posgto da jurispradéncia que admit a repa- ragio de danos nio patrimoniais no campo da responsabilidade contratual; I — Ene bom rigor processuelforml, no hi, no caso concret, con- Jormidade entre 0 pedido e a causa de pedir, pois 0 ‘autor inooca danos por si sofridos mas ascenta 0 seu eventual diet & indemnizagio na supressdo ie uma faculdade sue seria concedida 3 mide (ow acs pais); IV — Dentro da ligica de argumentagio do autor, o pedo de indemnizagio deveri ser for smulado pelos pais e nao por ele; V — Relation mente as ps o> rus ter vilado a praxis linea no que toca 2 informagto, e por isso os pais do menor 36 terdo tdo conecimento da malfermagio deste aquando do sew nascimento. VI — Relatoa- mente ao autor, etd em causa o direito i no exis tencia, dreito este, todavia, que no encontra com sagrago na nossa le; Vil — Mas mesmo que existsse, tal dieito nto podera ser exercdo pelos pais emt nome do fio — 6 este, quando maior, poderteventualnente conciir se devia ou io exis- tir es6 enti pen ser avatiado se tal é mexevedor de tuteln juriicn e de pssiveliddemmizayio @) Vide, a este espeito, as decisbes referidas no “Boletim do Ministéxio da Justiga”, n° 431, pig. 308, ‘em anotagio ao Acéreio do . TJ. de. 10 de Novembro de 1993 37 Revista pe LEGISLAGKO & DE JuRIsPRUDENCIA Ne 3933 ‘Acordam, em conferéncia, no Supremo Tri- bunal de Justiga 1 — André Filipe (...), menor, represen- tado pelos seus pais (..),intentou acsio com processo ordinario contra Dr. Victor (-..) € Gabinete de Radiologia (...), pedindo que os réus sejam condenados a pagar as quantias que se apurarem em execugio de sentenca, pelos danos que a conduta dos mesmos acar- etou ao autor. ‘Alegou que os réus, que assistiram 4 sua mde durante a gravidez, néo actuaram com a diligéncia necesséria, néo a informando das mal- formacées do feto, retirando-ihe assim pos- sibilidade de optar pela interrupgio da gravidez. Contestando, os réus sustentaram que nao tém qualquer dever de indemnizar 0 autor. ( processo prosseguiu termos, sendo pro- ferido saneador-sentenca onde os réus foram absolvidas do pedido. Apelou o autor. O Tribunal da Relacao confirmou o deci- dido. Inconformado, recorre o autor para este ‘Tribunal. Formula as seguintes conclusdes: — Sobre os recorridos impende uma especial obrigacao de cuidado, dili- géncia, zelo e profissionalismo, face 3 especialidade, conhecimentos ¢ pre- paracio técnica que 05 mesmos pos- suem, ou devem possuit, bem como ‘208 concretos conhecimentos da gra- videz e da gravida; — Por forca do contrato de prestacao de servicos, ao existir incumprimento dos recorridos, como alegado pelo recor- rente, existe uma presungio de culpa daqueles (artigo 799." do C. Civil), que tém de a afastar de forma cabal; — Os recorridos tem win dever de agis, ‘9 que nao fizeram, violando assim grosseiramente as legis artes, por omissav; — A omissio dos recorridos tem rele- vancia juridica, pois era-Thes exigido terem actuado com muito mais dili- géncia, cuidado e profissionalismo, face aos conhecimentos possuidos (quer técnicos quer da sittac3o con- creta) e & praxis médica, que a0 tempo ja recomendava e exigia outra actua- <0, como demonstram os documen- tos juntos pelo recorrente; ‘Onexo causal tem que ver no s6 com. ‘os danos directos, mas também com. 0s indirectos, ou seja, com os danos que resultam mediata e remotamente de um dano directo (que no caso foi a ‘omissio do dever de cuidado e assis- téncia diligente da gravidez); O dano existente na satide do recor- rente podia ser evitado com a actua- fo devida e esperada dos recorridos; O dano podia resultar de um “asst mir” da responsabilidade pelos pais, do recorrente, no nascimento deste; Causa adequada do dano sio todas as consequéncias (directas out indi- rectas) que constituem uma conse- quencia normal, tipica e provavel deste; hé um nexo causal indirecto (como no caso concreto) que a lei quer salvaguardar; Se existem malformagées, € hé 0 dever legal ou contratual de serem diagnosticadas e ndo 0 sio, necesséria e normalmente nao se pode afastar esse resultado em virtude da omis- (0 de diagnéstico correcto; Tal facto (omissio), ainda que nao provoque directamente 0 dano, pos- sibilita-o como consequéncia indirecta, normal e previsivel; O direito, face ao fim ou etimologia inerentes, visa salvaguardar questdes que estejam no seu espfrito € no Ambito do pensamento legislativo, na tunidade do sistema jurfdico e no evo- luir da "manta" de responsabilizagao social e profissional; O caso em apreco tem pleno cabi mento no texto e no espirito do dis- posto no artigo 483.° do C. Civil, sob pena de se excluir do preceito uma situagao gravosa, quando no mesmo se pretendem incluir situacées de muito menor gravidade; Os recorridos tém o dever jutidico de dar vonselhos, recomendages ¢ infor magées sérias, crediveis e responsé- veis e ao nao 0 fazerem incorrem em responsabilidade indemnizatéria, como decorre do n° 2 do artigo 485° do C. Civil; ‘Ando ser 0 mau servigo ou acompa- nhamento clinico prestado pelos No 3533 recorridos, os danos do recorrente no existiam, ¢ os mesmos 56 daquele ‘mau servigo decorrem. A omissao de cuidados dos recorridos € condicso do resultado danoso; — Muitos factos essenciais e preponde- antes para a decisdo do mérito da causa esto controvertidos, mais impendendo sobre os recorridos uma presuncio de culpa pelo incumpri- mento que os mesmos ou 05 factos no conseguiram ilidir; -— Esto verificados todos os pressupos- tos exigiveis para actuar o instituto da responsabilidade civil; ‘A actuacio dos recorridos est mani- festamente a coberto da obrigacio de indemnizar, quer por fora da res- ponsabilidade civil aquiliana, quer da responsabilidade civil contratual; — O despacho saneador-sentenca vio- Jou 0 disposto nos artigos 9.°, 483°, 4852, n2 2, 7992 e 1154. do C. Civil e artigo 510°, n° 1, alinea b), do C. P. Civil. Contra-alegando, 05 réus defendem a manutengio do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II — Vem roferida a seguinte matéria factica como fundamento da pretensito deduzida: Em dia nio concretamente apurado, mas por certo no inicio de Fevereiro de 1996, a mie do autor ficou gravida do mesmo, tendo ‘0 seu nascimento ocorrido no dia 29-10-96, no Hospital Dr. Francisco Zagalo, em Ovar; Os pais do autor deslocaram-se a0 con- sullGrio do 1° réu, que exerce a profissao de médico, em Ovat, no dia 16-04-96, onde foi dada a 1. consulta, tendo sido dito por aquele que a gestacio tinha cerca de 11 semanas € que tudo estava bem, face a uma ecografia ¢ relatério feito na 2." ré, que a mae do autor entregou a0 1. réu; O 1? réu sabia que a mae do autor tinha o titero septado, por jé a ter assistido na ante- rior gravidez; Por proposta do 1° réu, que néo-estava satisfeito com a 1.* ecografia, a mae do autor dirigiu-se & 2° r6, com vista a fazer nova eco- grafia para apurar o estado evolutivo da ges- taco, 0 que foi feito; (© 1° réu sabia que estava perante uma gravidez de risco, tendo afirmado textualmente Revista pe. LECISLACKO & DE JURISPRUDENCIA 38 que a gravidez da mie do autor era de risco pelo facto de ter uma cesariana anterior ¢ uma malformacdo uterina e referido que o volume ‘uterino parecia ser ligeiramente inferior & idade gestacional determinada ecograficamente; ‘Apesar de tal afirmagio e conhecimentos, 0 1? réu nao actuou com a diligéncia neces~ siria, ndo respeitando a praxis clinica, uma vez que deveria ter solicitado a realizacio de outros exames mais especfficos para aferir, nomeada~ mente, das medig6es embriondrias, mediante medigéo do comprimento do fémur, o que desde logo revelaria as malformacbes do autor; ‘A gravidez da mae do autor prosseguitt a sua marcha, tendo sido feitas, por ordem do 1? réu, mais 4 ecografias, a 1." das quais, em 17-06-96, efectuada nas instalagdes da 24 18, laboratério da confianca do 1.” réu, cons- tando do respectivo relatério que nao sao apa~ rentes anomalias fetais evidentes; © autor veio a nascer com graves e irre- versiveis malformacdes nas duas pernas € ainda na mao direita; "A mae do autor, se tivesse sido devida- mente informada da existéncia de graves mal- formagées no feto, poderia ter abortado, mas 0s pais do autor s6 com 0 seu nascimento tomaram conhecimento da existéncia das refe- ridas malformagoes do seu corpo; ‘A gravidez de risco da mie do autor era ‘uma situagéo que exigia um cuidado, dedica~ G0, preocupacio e diligéncia muito superiores as que foram despendidas pelos réus; Nao fosse a ma praxis profissional do 1? réu e do comissério da 2." ré ¢ ter-se-ia evi- tado o’nascimento de uma pessoa marcada inferiorizada para o resto da sua vida; ‘A locomogao do autor eslé para sempre dependente de tereeiros assim como a funcio- nalidade da sua mao direita é residual. Ili — O menor, representado por seus pais, pede uma indemnizacio por danos patrimo- niais e ndo patrimoniais que a conduta dos éus — médico’e cliniea privada que assistiram a sua mae durante a gravidez — Ihe terdo causado. ‘Na primeira instancia o3 réus foram absol- vidos em saneador-sentenga, decisio que a Relagio confirmow. Dai o recurso. ‘A questio a resolver consiste em saber se os réus respondem civilmente perante 0 autor pelos danos por este sofridos. Sendo a res-

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