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Na Liturgia
Sandra Dantas
«Rigorosamente falando, pode-se prescindir de qualquer
objecto para celebrar, mas nunca se pode prescindir
do CORPO. O mundo Ocidental, no seu conjunto,
relegou o corpo para segundo plano e glorificou
a inteligência, a cerebralidade(...).
Alguns atribuem esta desconfiança do corpo
a toda uma tradição judeo-cristã, certamente
porque nunca leram a Bíblia, nem os salmos,
onde o corpo está sempre presente!
O homem foi salvo na sua totalidade: corpo e alma.
“O que era desde o princípio,
o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos,
o que contemplámos
e as nossas mãos palparam acerca do Verbo da vida (...),
isso vos anunciamos” (1Jo 1,1-3).»1
1LEBON, Jean – Para viver a Liturgia. Porto: Editorial Perpétuo Socorro, 1989.
Sandra Dantas
As Posturas do Corpo
A pessoa humana está em relação com os demais,
com todo o seu ser: espírito e corporeidade.
Ela está diante de Deus e com Ele se comunica através dos seus gestos,
movimentos e também através do seu próprio porte
e da sua postura corporal, não só através da palavra.
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Atitudes como:
o RESPEITO,
a DISPONIBILIDADE,
a HUMILDADE,
a PROXIMIDADE,
a ADORAÇÃO,
a ESPERA CONFIANTE,
a RECEPTIVIDADE,
vêm-se já na própria maneira de estar corporalmente.
Isto acontece na nossa vida em sociedade: não é indiferente o facto de
se realizar uma acção importante estando descuidadamente
sentado ou de pé. E acontece também na oração:
há momentos do nosso culto que são mais expressivos e coerentes
se os realizamos de joelhos ou de pé ou sentados.
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As posturas corporais têm
a particularidade de acentuarem ou
desvalorizarem, segundo a uniformidade
de atitudes interiores da
assembleia celebrante,
uma vez que a nossa celebração é comunitária.
Por isso o Missal põe como ideal esta expressão de unanimidade entre
todos os que participam na celebração: “A atitude comum do corpo,
que todos os participantes na celebração devem observar, é sinal de
unidade dos membros da comunidade cristã reunidos para a sagrada
Liturgia: exprime e favorece os sentimentos e a atitude interior dos
participantes.” (IGMR 42).
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São três as principais e clássicas posturas do cristão
que participa na celebração:
DE PÉ,
DE JOELHOS
e SENTADO.
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De Pé: Como Povo Sacerdotal E Família De Filhos
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Foi a postura de oração mais clássica, tanto para
os judeus como para os cristãos dos primeiros séculos.
E acontece que, com efeito, reúne em si uma série de valores
e significados que a tornam a mais
coerente para expressar a identidade de um cristão
em oração diante de Deus:
éa disponibilidade,
a atitude que melhor indica a atenção, a prontidão,
a tensão para uma acção ou uma marcha,
a corresponsabilidade,
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participa, assim, da dignidade do Ressuscitado, unido ao
Cristo Glorioso, como membro do seu Corpo;
não é de estranhar que nos primeiros séculos fosse proibido
ajoelhar-se para a oração comunitária ao Domingo
ou durante todo o tempo pascal: levavam a sério a sua condição
de participantes da Ressurreição do Senhor;
enoéseu
também a postura típica de todo o sacerdote que actua
magistério, sobretudo quando dirige a Deus a sua oração
no nome de toda a comunidade.
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Na nossa celebração sublinhamos com esta postura em pé
alguns momentos mais significativos:
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todo o processo de preparação para a comunhão, desde o Pai-Nosso:
a comunidade, antes de caminhar para a mesa do Senhor, diz de pé
com a atitude de confiança dos filhos, a oração
que o próprio Cristo nos ensinou.
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De joelhos: penitência e adoração
Sandra Dantas
A posição de joelhos é muito expressiva de algumas atitudes interiores:
foi a postura clássica para a oração pessoal, privada, ainda que mais tarde
se tenha convertido pouco a pouco na postura normal também para
a comunitária, quando a partir do século XI se foi sublinhando o aspecto
da adoração na Missa.
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Na nova disposição da nossa liturgia ficou certamente relativizada
esta postura, que tinha chegado a ser quase a única.
Não só se suprimiram significativamente algumas genuflexões
(por exemplo a que acompanhava a saudação do bispo,
e a genuflexão dupla diante do Santíssimo), como também diminuiu
o número das que fazemos durante a Missa,
e só há um momento em que se nos indica
a posição de joelhos na celebração comunitária.
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Mas o mesmo Missal é flexível quanto à sua norma ao dizer:
“excepto se razões de saúde, a estreiteza do lugar, o grande número
de presentes ou outros motivos razoáveis a isso obstarem”.
É a postura mais razoável, a de joelhos, para sublinhar a consciência
do mistério eucarístico. Mas também é possível expressar esta mesma
atitude de fé estando de pé, como fazem os sacerdotes celebrantes,
e como fizeram todos os fiéis durante o primeiro milénio,
e como continuam a fazer em outros ritos. Também depende de várias
circunstâncias: é diferente a celebração de uma paróquia e a de grupos
mais reduzidos, que às vezes não têm comodidade para se ajoelharem.
O que era necessário conseguir era a uniformidade na mesma assembleia.
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Sentados: Receptividade E Escuta
Sandra Dantas
Quando nos mantemos sentados,
expressamos determinadas atitudes:
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Na nossa liturgia, o “sentado” por antonomásia,
é o sacerdote presidente.
Presidente significa o que se senta
diante de: “prae-sedere”.
Durante a primeira parte da celebração
– a escuta da Palavra –
preside sentado na sua sede, excepto a leitura do Evangelho.
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A comunidade permanece sentada nos momentos em
que a atitude é das que temos enumerado como mais
coerentes com esta postura: “Estão sentados: durante as leituras
que precedem o Evangelho e durante o salmo responsorial;
durante a homilia e durante a preparação dos dons ao ofertório;
e, se for oportuno, durante o silêncio sagrado depois da comunhão”
(IGMR 43).
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Não é indiferente a postura corporal que acompanha
a nossa oração. Sobretudo nas celebrações comunitárias.
A expressividade da linguagem corporal favorece
a atitude interior: tanto se é de escuta, como de atenção
respeitosa à acção, como a adoração e a súplica penitencial.
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Por outro lado, não se deve endeusar ou absolutizar uma determinada
postura. O Missal sugere às conferências episcopais que determinem
para o seu território, se crêem conveniente, estas ou outras posturas
de celebração: com a condição de que “estejam de acordo com
o sentido e o carácter de cada uma das partes da celebração” (IGMR 43).
Deve ter-se em conta as duas chaves: a índole de cada povo e cultura
(em algumas culturas a postura de maior respeito é permanecer
sentados), e por sua vez a índole da própria celebração, que em cada
momento pede uma dinâmica distinta e uma postura corporal na acção.
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Celebrar Com Os Sentidos:
Audição, Visão, Olfacto, Gosto E Tacto
2 Cfr. HANS URS VON BALTHASAR – Ver, Oír y leer en la Iglesia, in Ensayos Teologicos II Sponsa Verbi (1964) 560-580.
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A Importância Do Olhar
Sandra Dantas
O Olhar Como Comunicação
Comunicamos com o olhar, antes ainda de comunicar com a voz.
Por ele o que está longe faz-se perto, torna-se nosso, entra em nós.
O olhar é também a nossa forma mais radical de comunicar.
Os nossos olhos são como que o espelho dos
nossos sentimentos e emoções:
AFECTO
RESSENTIMENTO
CANSAÇO
INDIFERENÇA
Olhar ou não olhar, olhar com interesse ou com frieza, eles são o termómetro
da nossa presença espiritual, da nossa atenção às pessoas e
aos acontecimentos, ou da nossa rotina ou indiferença.
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Por Uma Liturgia Mais Visual
A última reforma favoreceu a visibilidade em toda a celebração, sobretudo
com o altar de frente para o povo e a disposição do ambão
e da sede presidencial.
No entanto, é necessário fazer ainda muito para que a comunicação visual
chegue a funcionar como deve. Pois também na celebração a vista ajuda
em grande medida a captar a dinâmica do mistério celebrado e a sintonizar
com ele. Antes das palavras e do próprio canto, damo-nos conta,
por meio dos olhos, do que celebramos: vemos a comunidade reunida,
o altar, as pessoas dos ministros, os gestos simbólicos, o ambão com
o seu livro, as imagens...
O olhar de fé é ajudado e sustentado pelo olhar humano: dirigir os olhos
para o altar, para o pão e o vinho, ou para aquele que está a proclamar a
Palavra de Deus, coloca-nos em situação de proximidade e atenção.
Sandra Dantas
Poder ver o que acontece no altar não é uma perda do sentido
do mistério, mas uma ajuda pedagógica elementar. Olhamos para
o leitor que proclama as leituras, para o pão e o vinho que o sacerdote
nos mostra em alguns momentos, para as diversas acções que têm
lugar na celebração, para o irmão a quem damos a paz.
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Perigos Que Devem Ser Evitados:
Sandra Dantas
O presidente tem um papel decisivo na celebração.
É o ministro que mais deveria cuidar da sua comunicação visual com
a comunidade.
O olhar do presidente pode ser um dos sinais da sua atitude interior.
O seu deve ser um olhar de sintonia, de apreço pelas pessoas e pelo
que se celebra. Um olhar de celebrante activo e presidente
de uma comunidade. Não está a “dizer a sua missa” com uma
atitude introvertida. Está a presidir
a uma comunidade cristã da qual faz parte e com a qual celebra.
Na liturgia também pedimos a Deus que nos olhe. Quase todas as vezes que
aparece o verbo “olhar” nas orações do Missal é uma súplica para que Deus
nos olhe, com tudo o que isso significa de proximidade e Graça.
Mas somos nós que temos mais necessidade de potenciar a linguagem dos olhos
e a pedagogia do olhar para seguir com atenção e entrar em profundidade
no que celebramos. É uma atitude espiritual semelhante à que nos faz
dizer o salmo: “Como os olhos do servo se fixam nas mãos do seu amo,
e como os da serva, nas mãos da sua ama, assim os nossos olhos estão
postos no Senhor, nosso Deus, até que tenha piedade de nós.” Sl 123
Sandra Dantas
A Importância de Escutar
“Cada vez compreendemos melhor que também o silêncio
faz parte da Liturgia. Quando Deus fala, respondemos cantando
e orando, mas o grande mistério, que excede todas as palavras,
apela ao silêncio.”3
Sandra Dantas
3 RATZINGER, Joseph – Introdução ao espírito da liturgia. Lisboa: Edições Paulinas, 2001.
O silêncio tem um sentido particular na celebração, onde o escutar em
silêncio pode ser um gesto simbólico da nossa fé interior e da nossa
verdadeira participação no que celebramos.
Sandra Dantas
Escutar é tornar próprio o que se proclama. Não é algo passivo:
por meio deste silêncio os fiéis não se vêm reduzidos a assistir à acção
litúrgica como espectadores mudos e estranhos, mas são associados
mais intimamente ao Mistério que se celebra, graças àquela
disposição interior que nasce da Palavra de Deus escutada e da união
espiritual com o celebrante nas orações que ele diz.
É uma atitude positiva, activa.
Sandra Dantas
Silêncio Diante Do Mistério
O silêncio é uma viagem ao interior e à realidade mais profunda daquilo que
se celebra. É o nosso gesto simbólico diante do Mistério. Não se trata
do mutismo de quem não quer cantar ou participar na oração da comunidade,
refugiando-se na sua interioridade. É o silêncio de quem está mais atento
e participa naquilo que se diz e se faz. A presença de Jesus Cristo
e o protagonismo do seu Espírito,
produzem radicalmente um silêncio de louvor e comunhão.
O Mistério é sempre inefável. Logo, no momento adequado brotarão dos
nossos lábios a palavra e o cântico, o louvor e a súplica.
O sentido do Mistério é básico na celebração cristã. É a alma de toda a oração. A atitude de silêncio,
exterior e interior, e de escuta atenta, é o que torna possível a expressão desse Mistério.
O silêncio é a abertura a Deus, à comunidade com a qual partilhamos a oração, e até um reencontro
consigo próprio. Àquele que sabe calar e fazer silêncio, tudo lhe fala, tudo lhe aparece eloquente.
O Mistério torna-se-lhe acessível como encontro e comunhão.
Sandra Dantas
A Palavra Brota Do Silêncio
O silêncio interior daquele que sabe escutar é o seio de onde germina e brota
para o exterior a palavra. Só diz palavras plenas e pode dialogar quem sabe
calar e escutar. Cristo comparou a palavra a uma semente que cai na terra e
em segredo germina e amadurece.
Toda a palavra, sobretudo a que pronunciamos na nossa celebração,
deve ser precedida, acompanhada e seguida pela escuta e pelo silêncio.
Sandra Dantas
O Silêncio Na Nossa Celebração
Sandra Dantas
A justa proporção entre palavra, canto, gesto, movimento e silêncio é
fundamental para uma boa celebração. Saber fazer silêncio, saber escutar,
dá profundidade à nossa oração. Mas não se pode escutar se não há
silêncio interior e se o ritmo da celebração não transmite serenidade.
Isto requer aprendizagem, dentro e fora da celebração.
Não sei o que ajuda mais o quê: se o saber escutar os outros na vida diária nos
educa para escutar Deus, ou se o exercício de escutar a Palavra de Deus ou
do presidente nos treina para saber escutar os outros fora da Igreja.
Sandra Dantas
A Importância de Tocar
Sandra Dantas
É surpreendente olhar os sacramentos sob
o ponto de vista do toque.
A linguagem do “tocar” está presente em todos eles.
Na EUCARISTIA o ministro beija o altar, toca com a sua mão e beija o livro
do Evangelho; os fiéis são convidados a comer e beber o corpo e sangue
do Senhor; quem quer pode receber o pão na sua mão e, antes de ir comungar
damo-nos a mão ou o abraço da paz.
No sacramento da PENITÊNCIA restituiu-se como gesto simbólico de
reconciliação a colocação das mãos, por parte do ministro, sobre a cabeça
do penitente, ou, pelo menos, a mão direita.
Sandra Dantas
Na UNÇÃO DOS DOENTES o sacerdote unge com os óleos
a fronte e as mãos do doente.
Sandra Dantas
Uma Liturgia Incorpórea
Sandra Dantas
A salvação de Deus
alcança-nos e toca-nos
A linguagem do contacto é toda uma linguagem de proximidade,
de personalização, de tomada de consciência, de eficácia.
É o símbolo de que Deus nos alcança com a sua graça, no espaço e no tempo,
a cada um de nós, e que nós acolhemos o seu dom com todo o nosso ser.
Claro que o encontro com Deus deve suceder a um nível interior e profundo.
Mas os sinais sacramentais estão para isso: para exprimir e facilitar esse
encontro sempre misterioso e inefável.
Sandra Dantas