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A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Peterson de Souza (*)

A análise do contexto em que estão inseridas as ações de


natureza previdenciária é alarmante. De um lado, temos a lentidão do Poder
Judiciário ocasionada pelo acúmulo de serviço e pela falta de equipamentos e
pessoal adequados. De outro lado, observamos a inadequação do ordenamento
processual vigente, no qual estão previstos uma série de recursos que na prática
se colocam como obstáculo a uma célere prestação jurisdicional.

Sensibilizado, o legislador ordinário introduziu no


ordenamento jurídico pátrio o instituto da tutela antecipada, tendo a Lei nº
8.542/94 alterado a redação do art. 273, do Código de Processo Civil, para nele
fazer constar que "O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verosimilhança da alegação e: I -
haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique
caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu".

A verossimilhança das alegações é analisada no juízo de


probabilidade a ser realizado pelo julgador no tocante aos fatos que
fundamentam o direito invocado. Havendo prova inequívoca destes ou ao
menos possibilidade de comprovação, resta atendido o primeiro requisito.

Os demais requisitos exigidos podem ser comprovados de


forma alternativa (inciso I ou II), consistindo no fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação, evidenciados através do periculum in mora e
do fumus boni juris (inciso I) ou no abuso do direito de defesa ou manifesto
propósito protelatório do réu (inciso II).
O perigo da demora está presente quando há receio de
ineficácia do provimento jurisdicional se atendido apenas ao final da demanda,
como nos casos dos benefícios previdenciários requeridos por pessoas idosas ou
inválidas, pois possuem natureza de verba alimentar. De outro parte, a fumaça
do bom direito deve ser apresentada através da legislação aplicável ao caso
(Leis nºs 8.212/91, 8.213/91 e Decreto nº 3.048/99), devendo o interessado
comprovar o atendimento dos pressupostos de concessão do benefício
almejado.

Quanto ao abuso do direito de defesa, geralmente manifestado


através de condutas protelatórias, tais como protocolo de contestações genéricas
pelo instituto réu ou insistência em recorrer de decisões cuja matéria resta
pacificada nos Tribunais Superiores, temos que pode ser auferido a qualquer
momento pelo órgão julgador.

Tal entendimento vem sendo aplicado pelo Superior Tribunal


de Justiça:

¨ Tutela antecipada. Requisitos. Deferimento liminar.

1. Ainda que possível, em casos excepcionais, o


deferimento liminar da tutela antecipada, não se dispensa o
preenchimento dos requisitos legais, assim a prova
inequívoca, a verossimilhança da alegação, o fundado receio
de dano irreparável, o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu, ademais da
verificação da existência de perigo de irreversibilidade do
provimento antecipado, tudo em despacho fundamentado de
modo claro e preciso.
2. O despacho que defere liminarmente a antecipação
de tutela com apoio, apenas, na demonstração do fumus boni
juris e o periculum in mora malfere a disciplina do art. 273
pelo legislador para a salutar inovação trazida pela Lei nº
8952/94.
3. Recurso especial não conhecido". (RESP 131853/SC,
STJ, DJ 08/02/1999, Terceira Turma)

“PROCESSO CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. REAJUSTE


DE VENCIMENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS.
28,86%. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO DO
DIREITO. MEDIDA PROVISORIA Nº 1704-3/97.
RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO.

O direito ao reajuste de vencimentos dos servidores públicos


em 28,86%, está pacificado no âmbito do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
O reconhecimento administrativo desse direito, através da
Medida Provisória nº 1704-3/97, conjugado com a intenção
de efetuar o pagamento dos valores correspondentes a todos
os servidores públicos, mesmo que não tenham ingressado em
juízo, torna inequívoco o direito dos recorridos à concessão
de antecipação de tutela.
Na hipótese, a insistência da União em recorrer caracteriza
abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório
(art. 273, II, do CPC)...”. (RESP 194193/CE, DJ 19/04/1999,
Quinta Turma, Min. Gilson Dipp)

A tutela pode ser antecipada, ainda, de ofício, com base no


art. 461, caput e §§ 3º e 5º, do Código de Processo Civil, na redação dada pela
Lei 8.952/94, pela qual estipulou-se que "Na ação que tenha por objeto o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências
que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. §3º Sendo
relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia
do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante
justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou
modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. §5º Para a
efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,
desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de
força policial".

Os requisitos autorizadores da conduta de ofício são os


mesmos do art. 273, do CPC, aqui já analisados, podendo tais decisões serem
modificadas a qualquer momento, seja por alteração ou revogação do texto,
sendo necessária para tanto nova fundamentação (§ 4º, do art. 273 e § 3º, do art.
461, do CPC). Pode ainda ocorrer a inaplicabilidade da decisão em face de
efeito suspensivo concedido em recurso de Agravo de Instrumento interposto
pelo réu (art. 524 e seguintes, do Código de Processo Civil).

Dessa forma, parece-me perfeitamente possível que o órgão


julgador determine a implantação do beneficio previdenciário pretendido antes
do trânsito em julgado da sentença. No caso da aposentadoria por idade, por
exemplo, comprovado o período de carência, a idade exigida e a qualidade de
segurado, pode o juiz determinar ao Instituto Nacional do Seguro Social o
imediato início do beneficio.

Alegações no sentido da necessidade de duplo grau de


jurisdição ou ofensa à forma de pagamento prevista no art. 100, da Constituição
Federal (Precatórios) não podem prevalecer diante do caráter de verba alimentar
do benefício previdenciário, pois falamos de sobrevivência, não sendo
necessário sequer mencionarmos os danos oriundos da demora na implantação
dos benefícios, à evidência.
As recentes alterações trazidas pelas Leis nºs 10.099/00 (que
define obrigações de pequeno valor para a Previdência Social) e 10.259/01
(que cria os Juizados Especiais na Justiça Federal) reforçam este entendimento.
A possibilidade de pagamento, sem expedição de precatório, de valores não
superiores a R$ 5.180,25 (cinco mil, cento e oitenta reais e vinte e cinco
centavos), bem como a inexistência de reexame necessário e a possibilidade de
se determinar o sequestro de numerário suficiente para o cumprimento da
decisão no Juizado Especial da Justiça Federal, evidenciam o objetivo do
legislador em possibilitar uma prestação jurisdicional mais rápida e eficiente.

Eventual improcedência do pedido ao final e a


impossibilidade de devolução do dinheiro recebido por parte do beneficiário
também não devem obstaculizar a concessão da antecipação de tutela, pois o
art. 194, da Constituição Federal, prevê como objetivos da Seguridade Social
“ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

É fato que a receita originada das contribuições sociais


custeiam o sistema de saúde público, os benefícios previdenciários concedidos
e os programas assistenciais. Mostra-se razoável, assim, diante da
impossibilidade de retorno, alocarmos os gastos decorrentes da antecipação de
tutela posteriormente revogada como verba de natureza assistencial.

(*) Peterson de Souza é Bacharel em Direito pela UNESP e Chefe do Gabinete da


Quinta Vara da Justiça Federal em Ribeirão Preto – SP.
e-mail: pet.souza@bol.com.br ou pdesouza@trf3.gov.br
Ribeirão Preto, 18 de novembro de 2.001.

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