Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Código Civil de 1.916 (Lei 3.071, de 01-01-1916), no seu artigo 1.132, in verbis,
estabelecia:
"Art. 1132. Os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que
os outros descendentes expressamente consintam."
. . . .
Sob a mercê destes dispositivos legais, o Supremo Tribunal Federal formulou, inclusive, a
Súmula 494, que apontava o prazo prescricional de 20 (vinte) anos para a anulação da
venda de bens do ascendente para o descendente, sem o consentimento dos demais
filhos. (1)
Com o novo Código Civil (Lei 10406/02, de 11-01-2002), a sistemática não muda. As
mesmas restrições são encontradas nos contratos de compra e venda, de doação e de
permuta. Com efeito, o artigo 496, in verbis, reza:
Cria-se aqui uma inovação. Outrora fazia-se mister apenas o consentimento dos demais
descendentes. Hoje, pela nova redação, além deste consentimento, também o cônjuge há
de anuir.
. . . .
Outra vez a nova legislação cria a necessidade não só da anuência dos descendentes,
como também, do outro cônjuge.
Conforme Débora Gozzo (2), no Brasil sempre vigeu as proibições que hoje estão
estampadas, sobretudo, no artigo 1.132, do Código de 1.916. As ordenações Manuelinas
(1.521) e Filipinas (1.603), ambas com aplicação no Brasil colônia, já continham
disposições neste sentido.
A mesma autora (3)ensina que são poucos os países que possuem dispositivos iguais aos
do Brasil. Cita o exemplo de Portugal, cujo artigo 877 veda a venda de pais e avós aos
filhos e netos, sem o consentimento dos demais.
Em outros países, como na Argentina (art. 1.359, do CC), no Chile (art. 1.796 do CC) e no
Equador (art. 1.726,do CC), são vedadas as vendas entre pais e filhos enquanto perdurar
a menoridade deste. Finda a menoridade, o contrato poderia ser realizado normalmente.
Contudo, por haver citado alguns códigos da Europa, cabe salientar que tanto o francês,
quanto o alemão e o italiano, não adotam a proibição questionada (4).
Ora, por que, então, nosso legislador cria essa legitimação extraordinária para os contratos
de compra e venda entre ascendentes e descendentes, na contramão das legislações
alienígenas?
A doutrina, sempre partindo da mesma premissa, traz vários apontamentos para existência
dos ditos artigos.
J.M. Azevedo Marques (5)e Washington de Barros Monteiro (6)entendem que a razão da
existência destes impedimentos é evitar-se o prejuízo das legítimas.
No mesmo diapasão está Maria Helena Diniz (11), entendendo que o legislador visou evitar
as fraudes contra a legítima dos demais herdeiros.
De fato, parece esta ser a intenção do legislador: evitar as fraudes às legítimas dos
herdeiros, com a possibilidade de se contemplar um ou uns, em detrimento dos demais.
Neste passo, considerar-se-á pontualmente as limitações criadas pela lei, no que toca aos
negócios jurídicos havidos entre descendentes e ascendentes.
III. 3. Da doação
Para uma grande maioria, a doação é um contrato (Orlando Gomes (12), Maria Helena Diniz
(13)
). Tanto é assim que nosso Código a colocou no rol dos contratos.
Para outros, a doação não tem natureza contratual, pois, em algumas situações, o
consentimento do donatário não se verifica.
O próprio Código Civil francês não alista a doação como contrato, apenas a considerando
como forma de aquisição de propriedade. (14)
Contudo, mostra-se prevalente a primeira tese, a qual permite definir "doação" como um
"contrato pelo qual uma das partes de obriga a transferir gratuitamente um bem de sua
propriedade para o patrimônio da outra, que se enriquece na medida em que aquele
empobrece." (15)
A lei impõe certas limitações ao doador. Neste desiderato, o artigo 1.176, do Código Civil
de 1.916:
"Art. 549: Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que
o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento."
Sendo assim, o doador disporá de duas partes de seu patrimônio. Uma que se denomina
parte disponível, à qual o oferente poderá dar o fim que lhe aprouver; e uma outra parte,
denominada legítima, que deve ser resguardada em favor de seus herdeiros.
Tem-se, destarte, que não se admite a doação inoficiosa, qual seja, aquela doação em que
o doador, no momento da liberalidade, excede a legítima dos herdeiros. Não se concebe
que alguém doe além do que poderia dispor em testamento.
Cumpre mencionar que o Código Civil de 2.002 não traz texto expresso, com igual ou
semelhante redação.
Legítima, então, é a parte de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio do doador, cabível
aos seus herdeiros necessários, que pelo Código Civil vicejante, perfazem os
descendentes, os ascendentes e os cônjuges.
Nos dizeres da lei, quando o ascendente doa ao descendente, em vida, isto representa
adiantamento daquilo que lhe caberia na herança.
Sobreleve-se, apenas, que o ascendente não necessita do acordo dos demais para doar a
um descendente, ao contrário do que ocorre na compra e venda e na permuta, pois, na
hipótese da doação, já há a presunção de adiantamento de legítima.
Logo, a doação de ascendente para descendente, sem o consentimento dos demais, não
é nula. O caso é da conferência prevista no artigo 1.786 (16), do Código Civil de 1.916, com
idêntica redação do artigo 2.002 (17), da Lei 10.406/02; trazendo o ato realizado de doação
para a colação dos bens doados.
Por assim dizer, quando um descendente recebe em vida doação um bem de seu
ascendente, deverá declarar nos autos do inventário essa doação, e isso lhe será contado
como adiantamento da parte que lhe caberia na herança.
Colação é, então, o ato pelo qual os herdeiros necessários, beneficiados em vida com
doações do de cujus¸ declaram, no inventário, tudo aquilo que receberam, para que sejam
conferidas e resguardadas as respectivas legítimas.
A finalidade desta colação está prevista na própria lei. O artigo 2.003, do novo Código
Civil, assim a considera:
O que se reclama na doação entre ascendentes e descendentes é que tal seja declarada
nos autos do inventário, quando da colação. Caso o bem doado ao herdeiro seja mais
valioso que o quinhão hereditário a que faria jus, haverá necessidade de conferência e
redução. A propósito, eis o artigo 2.007, do novo Código Civil:
Por outro lado, poderão operar-se doações de ascendentes para descendentes, sem que
se dê a ulterior conferência, por intermédio da colação. Concorde, Maria Helena Diniz (19):
Portanto, não está sujeito à colação imóvel recebido em doação por filho, se o pai doador
determinou que fosse retirado de sua parte disponível o objeto da liberalidade, conforme já
decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo. (20)
No mesmo sentido, Rogério Marrone de Castro Sampaio (21), para quem é possível a
dispensa da colação, e, por conseguinte, que a doação beneficie um filho em detrimento
dos demais, desde que o doador inclua o ato de liberalidade dentro de sua parte disponível
na herança. (22)
Outrossim, convém lembrar que à luz do artigo 2.011, do novo Código Civil, que
Por assim dizer, quando um descendente recebe uma doação de seu pai, em face dos
serviços que lhe prestou, esta doação não se sujeita à colação, uma vez que se reveste de
caráter remuneratório, e não se configurando um verdadeiro donativo.
"É válida a partilha feita pelo pai, por ato entre vivos ou de última
vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros
necessários."
Deste modo, o ascendente poderá dispor da partilha de seus bens, ainda que em vida,
desde que não ferindo a legítima dos herdeiros.
Sendo assim, é lícito e legítimo que já se faça a partilha, em vida, confiando previamente o
quinhão sucessório aos herdeiros, sempre, contudo, respeitando a legítima que cabe a
cada um destes, dispensando-se, inclusive, futura colação em inventário.
Outrossim, da parte que lhe é disponível, poderá o compartilhante confiá-la a quem lhe
aprouver, pois a lei prevê apenas e tão-somente que seja preservada a parte legítima.
O contrato de compra e venda vem a ser, como ensina Caio Mário da Silva Pereira (24), o
contrato em que uma pessoa (vendedora) se obriga a transferir a outra (compradora) o
domínio de uma coisa corpórea ou incorpórea, mediante o pagamento de certo preço em
dinheiro ou valor fiduciário correspondente.
Diz o artigo 1.132, do Código Civil de 1.916 (Lei 3.071, de 01-01-1916), que o descendente
não pode vender ao ascendente, sem que os outros descendentes consintam. Na mesma
esteira, o artigo 496, do novel Código (Lei 10.406. de 10-01-2002), diz ser anulável essa
venda, se não houver o consentimento dos demais descendentes, bem como do cônjuge,
dispensando-se a outorga uxória se o casamento for regido pelo regime da separação total
de bens.
J. M. de Azevedo Marques (25), nos idos de 1.929, comentou o artigo 1.132, acima citado,
da seguinte forma:
Em vários acórdãos (27), nossa jurisprudência orientava-se no sentido de ser nula de pleno
direito, não gerando nenhum efeito, a venda de ascendente para descendente, sem o
consentimento dos demais.
Mas, será que essa venda é, deveras, nula? Ou seria meramente anulável? A nova teoria
dos negócios ineficazes teria pertinência ao caso em comento?
Uma questão de grande relevância é saber se a compra e venda, feita de ascendente para
descendente, sem autorização dos demais herdeiros e do cônjuge, seria ato nulo, anulável
ou meramente ineficaz? Outrossim, como ficaria a posição de um terceiro que
posteriormente adquirisse o bem do descendente?
Para que um negócio jurídico seja válido, requer-se agente capaz, objeto lícito, e forma
prescrita ou não defesa em lei, exigências do artigo 81, do Código de 1.916.
Deste modo, o negócio será válido quando atender a esses requisitos, e inválido no caso
contrário. (29)
A invalidade, segundo Zeno Veloso (30), é o gênero, do qual decorrem as espécies de atos
nulos e anuláveis. Haveria, ainda, uma classe intermediária, denominada de nulidade
relativa.
Antônio de Pádua Ribeiro é do mesmo pensar, lecionando que a nulidade absoluta vicia
interesse coletivo, e a anulabilidade e a nulidade relativa, fulminam interesse da parte
envolvida no negócio. (32)
E completa:
A nulidade decorre de um negócio que ingressou no mundo jurídico, com disposições que
ferem a ordem pública e o interesse geral.
A nulidade absoluta afeta todos e pode ser reconhecida de ofício. Já na nulidade relativa
ou na anulabilidade, embora o ato seja viciado, somente os interessados é que podem
buscar sua decretação.
E, sobretudo, o ato nulo não produz efeitos; já o ato anulável produz efeitos enquanto não
for anulado.
Quanto à ineficácia do ato, implica em dizer que este é válido, apenas não surtindo efeitos
entre algumas pessoas.
Pois bem, o Código Civil de 1.916 não esclarecia que tipo de vício atingiria o negócio
havido entre pais e filhos, sem o consentimento dos demais herdeiros. Deste modo, a
primeira vista, a nulidade seria absoluta.
Débora Gozzo (33), mesmo ante a literalidade do artigo comentado, já era proselitista de
tese oposta. Para ela, a nulidade em questão não se revestia de caráter absoluto:
No entanto, o mesmo autor, embora reconhecesse a nulidade do ato, não via nenhum
interesse público relevante em jogo. Logo, propugnava que apenas os herdeiros
interessados poderiam alegar o vício. Entendia-a, então, como nulidade relativa.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o ato é meramente anulável:
J.M. Carvalho Santos (37)é adepto desta corrente. Pontifica que a nulidade é relativa, não
podendo ser alegada senão pelos herdeiros prejudicados.
Contudo, essa discussão parece ter chegado ao fim, com a recente redação proposta pelo
Código de 2.002 (Lei 10.406, de 10-01-2002). Este recita:
Preconiza Ênio Santarelli Zuliani, in "O novo Código Civil" (38) que:
E continua:
Sem embargo, em que pese essa disposição, parece que a melhor interpretação do
dispositivo é considerar tal alienação meramente ineficaz em relação aos que não
consentiram, permanecendo válido o ato entre os demais envolvidos na relação e,
notadamente, perante terceiros.
A teoria da ineficácia já ganha espaço nos nossos Tribunais. O Tribunal de Justiça de São
Paulo, por exemplo, já decidiu que:
Deste modo, a venda fraudulenta é ineficaz perante o credor prejudicado, mas válida entre
o devedor e o terceiro adquirente. Eis as lições de Gelson Amaro de Souza (44):
A teoria dos atos ineficazes foi incorporada, por exemplo, pela Lei de Falências (Decreto-
Lei nº 7661, de 21-06-1945), cujo artigo 52 reza que os atos ali alistados, "não produzem
efeitos relativamente à massa", mas são válidos entre os demais envolvidos no negócio.
Ademais, a penhora de bem imóvel não registrada no Serviço de Registro Imobiliário, tal
como impõe o artigo 659, § 4º, do Código de Processo Civil (Lei 5869, de 11-01-1973) não
é nula ou anulável, mas meramente ineficaz perante terceiros. (45)
E tal teoria parece ser absolutamente aplicável ao caso em tela. A venda de ascendente
para descendente, sem o consentimento dos demais, não atinge diretamente normas de
interesse público. Antes, leva em consideração apenas o interesse de alguns dos
herdeiros. Não há, repita-se, predomínio de interesse público, pois qualquer ato que
contrarie interesse público será nulo e não apenas ineficaz.
No caso, a situação ainda é mais branda, não se tratando sequer de ato anulável. A
ineficácia de que se diz é somente relativa e em relação aos herdeiros que não
consentiram, e sempre condicionada à vontade deste em tomar a iniciativa para a
declaração de ineficácia.
Como já exposto, o que a lei visa é burlar a fraude da legítima. A problemática reside,
portanto, na proteção à fraude.
Ora, mas não são meramente ineficazes os atos praticados em fraudeà execução e
fraude contra credores?
E a venda de ascendente a descendente nada mais é do que uma fraudeà legítima dos
demais herdeiros. Se fraude é, a solução deve ser, então, a mesma daquela havida na
fraude à execução e na fraude contra credores: a declaração de ineficácia do ato, perante
os herdeiros que não anuíram.
Ademais, entendemos que o simples fato de não ter existido a concordância dos demais
herdeiros, não retiraria, de per si, a validade do negócio.
Reclama-se, ao nosso ver, entre outros requisitos, que seja demonstrado o prejuízo, como,
por exemplo, de que o bem tenha sido alienado por valor inferior ao de mercado. Neste
sentido, repise-se julgamento do STJ: