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CAPITAL SOCIAL. UM ATIVO PARA O EMPODERAMENTO?

(Sumário preparado para uso interno da SDT)1

Este documento objetiva levar à equipe técnica da SDT alguns elementos


conceituais sobre as áreas de resultados2 eleitas como prioritárias para o
planejamento e a gestão estratégica da SDT e do Programa Nacional de
Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais. São elementos para serem
discutidos e relativizados a partir de realidades distintas para que produza um
núcleo comum de entendimento sobre este assunto. Os textos consultados
estão misturados a trechos produzidos internamente e, dado o caráter
instrumental e interno do documento, solicitamos não citá-lo.

1. CONCEITOS SOBRE CAPITAL SOCIAL.


O capital social vem sendo compreendido como um fator endógeno às
comunidades e grupos sociais, que pode ser fortalecido e desenvolvido,
assumindo características de elemento fundamental em processos de
desenvolvimento sustentável em regiões de manifesta desigualdade.
Regiões que apresentam baixos indicadores de desenvolvimento
freqüentemente são também regiões cujo capital social é pouco desenvolvido
ou pouco empregado em ações de expressivo valor para a solução de
problemas de interesse público. Inversamente, regiões dinâmicas e
realizadoras demonstram uma maior capacidade de mobilização, organização
e participação, favorecendo iniciativas coletivas que dependem em grande
medida, da coesão social, solidariedade e confiança dentre os que delas
participam.

2. A VISÃO DE PESQUISADORES DA CEPAL3


1. O QUE É CAPITAL SOCIAL?
Definimos capital social como o conteúdo de certas relações sociais: aquelas
que combinam atitudes de confiança com condutas de reciprocidade e
cooperação, que proporciona maiores benefícios para aqueles que o possuem,
do que se poderia obter sem este ativo. 4

1
Elaborado por Marcelo Duncan com a colaboração de Vera Azevedo e Marcelo Miná - COCEP/SDT.
2
Em 2005, a SDT durante seu planejamento redefine a área de resultado capital social por redes sociais
de cooperação, entendendo que as redes são instrumentos eficazes de emprego do capital social gerado
em um território a partir das relações sociais humanas e sociais, que o transforma em instrumentos de
otimização das iniciativas coletivas, rumo à formulação implementação e gestão de planos de
desenvolvimento sustentável.
3
Os artigos e trabalhos publicados pela CEPAL podem ser consultados em www.cepal.org
4
John Durston. Capital Social. Parte do problema, parte da solução.
Talvez esta seja a conceituação mais simples que conhecemos de capital
social e, provavelmente, a que mais se aproxima da realidade com que
lidamos. Porém ela pode ser compreendida em toda a sua extensão se
entendermos que capital social refere-se às normas, instituições e
organizações que promovem: a confiança, a ajuda recíproca e a cooperação.
O paradigma do capital social (e do novo institucionalismo econômico em que
ele parcialmente se baseia) propõe que as relações estáveis de confiança,
reciprocidade e cooperação podem contribuir para três tipos de benefícios:
reduzir os custos de transação, produzir bens públicos e facilitar a
constituição de organizações de gestão de base atuantes, de atores sociais e
de sociedades civis saudáveis.
A literatura sobre este assunto é vasta e traduz linhas analíticas mais
progressistas ou mais conservadores. Os primeiros entendem o capital social
como fator de empoderamento, cidadania, pluralismo e democratização,
enfim, instrumento de luta para conquistas de espaços e eqüidade; os
conservadores preferem analisar o capital social como um compromisso com
estruturas familiares tradicionais e em uma ordem moral coletiva
fundamentado em valores tradicionais.
2. FORMAS CONHECIDAS DE CAPITAL
SOCIAL.
Foram identificadas quatro formas básicas de capital social: o individual, o
grupal, o comunitário e o externo. O capital social individual se refere ao
conjunto de relações que liga uma pessoa a outros indivíduos, fundamentadas
de preferência em relações de reciprocidade e geralmente baseadas em
parentesco, identidade ou familiaridade e que as pessoas podem lançar mão
para seu benefício individual. Estas redes também podem ser verticais e de
caráter “clientelístico”. No plano econômico, estas redes podem conseguir
reduzir custos de transação em relação à participação individual e anônima
em um mercado.5
O capital social grupal é o que aparece entre grupos relativamente estáveis e
de alta confiança e cooperação nos quais se combinam laços horizontais de
reciprocidade com laços verticais, geralmente entre um líder local e um grupo
que o apóia. Alguns chefes de família, especialmente os de maior idade e
maior patrimônio, lideram grupos (ou quase grupos) relativamente estáveis e
fechados de alguns dos parentes e vizinhos que os rodeiam. Estes grupos
servem para acumular tanto bem estar material como prestígio para o líder e
indiretamente, para seus demais integrantes. O alto grau de confiança, o
caráter competitivo (com outros grupos e indivíduos) e o número reduzido de
integrantes fazem desses grupos boas bases para o trabalho em equipes e os
empreendimentos produtivos.
5
Martine Dirven. Entre el ideario y la realidad: capital social y desarrollo agrícola - algunos apuntes para la
reflexión.
O capital social comunitário refere-se às instituições socioculturais que
representam um coletivo.
O capital social externo é concernente às conexões de uma pessoa ou da
comunidade com pessoas ou grupos fora do próprio grupo e que têm outra
(melhor) dotação de ativos. É considerado como um poderoso mecanismo para
contribuir para o sucesso dos programas de superação da pobreza que, além
disso, ajuda a coesão social, um elemento crítico para a estabilidade social e
o bem estar econômico em longo prazo.
Em geral, se pode afirmar que os exemplos bem sucedidos de
desenvolvimento impulsionados pelo capital social foram precedidos por
longos e únicos processos que necessitaram de uma evolução de anos ou de
décadas.
Nayaran (2001) enfatiza que todas as sociedades estão configuradas mais por
grupos sociais do que por indivíduos e que estes grupos determinam as
atitudes, crenças, identidades e valores, assim como o acesso a recursos e
oportunidades e, em última instância, ao poder. Tendo em vista que a maioria
das sociedades não é homogênea, os grupos (étnicos, religiosos, classes
sociais) diferem no seu acesso a recursos e poder. O capital social dentro de
um grupo (capital social de “ligação” ou de “coesão”) ainda quando é
consolidado, não necessariamente permite fazer pontes virtuosas com outros
grupos (capital social de “ponte” ou de “conexão”).

3. A VISÃO DE PESQUISADORES DO INSTITUTO BANCO


MUNDIAL.
Neste sumário vamos apresentar um trecho de um trabalho6 de uma equipe de
pesquisadores7 que se preocupa em mensurar o capital social, para poder
fazer dele um dos resultados a serem perseguidos em programas de
desenvolvimento sustentável e redução da pobreza. Aqui vamos reproduzir
apenas a parte referente aos conceitos sobre capital social.
3. Capital social: uma revisão conceitual
Na literatura acadêmica contemporânea, o conceito de capital social é
discutido de duas maneiras relacionadas (mas claramente diferenciadas).8 A
primeira, associada aos sociólogos Ronald Burt, Nan Lin e Alejandro Portes,
refere-se aos recursos – como, por exemplo, informações, idéias, apoios –
6
Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS), WBI.
7
Esse grupo, composto por Deepa Narayan, Veronica Nyhan Jones e Michael Woolcock, os dois
primeiros pertencentes ao “Community Empowerment & Social Inclusion” (WBI) e o terceiro parte do
“Development Research Group” (WBI), desenvolve pesquisas sobre este tema em diversas partes do
mundo. O trabalho deste grupo é muito vasto e pode ser consultado em
www.worldbank.org/poverty/scapital.
8
Woolcock e Narayan (2000) discutem quatro perspectivas amplas que conectam o capital social aos
resultados do desenvolvimento; a dupla distinção aqui colocada refere-se às definições centrais conforme
aplicadas a toda uma série de áreas substantivas.
que os indivíduos são capazes de procurar em virtude de suas relações com
outras pessoas. Esses recursos (‘capital’) são ‘sociais’ na medida em que são
acessíveis somente dentro e por meio dessas relações, contrariamente ao
capital físico (ferramentas, tecnologia) e humano (educação, habilidades),
por exemplo, que são, essencialmente, propriedades dos indivíduos. A
estrutura de uma determinada rede – quem se relaciona com quem, com que
freqüência, e em que termos – tem, assim, um papel fundamental no fluxo de
recursos através daquela rede. Aqueles que ocupam posições estratégicas no
interior da rede, especialmente aqueles cujas ligações percorrem vários
grupos, potencialmente têm mais recursos do que seus pares, precisamente
porque sua posição no interior da rede lhes proporciona maior acesso a mais e
melhores recursos (Burt 2000).
A segunda (e mais comum) abordagem acerca do capital social, mais
precisamente associada ao cientista político Robert Putnam, refere-se à
natureza e extensão do envolvimento de um indivíduo em várias redes
informais e organizações cívicas formais. Desde a conversa com os vizinhos
ou o engajamento em atividades recreativas, até a filiação a organizações
ambientais e partidos políticos, o capital social é usado, nesse sentido, como
um termo conceitual para caracterizar as muitas e variadas maneiras pelas
quais os membros de uma comunidade interagem. Assim entendido, é possível
traçar um mapa da vida associativa da comunidade e, com isso, perceber seu
estado de saúde cívico. Um conjunto de problemas sociais – criminalidade,
saúde, pobreza, desemprego – tem sido empiricamente associado à existência
(ou falta de) capital social em uma comunidade, e com eles um sentido de
preocupação por parte de cidadãos e formuladores de políticas públicas de
que novas formas de capital social precisam ser imaginadas e construídas,
conforme outras formas mais velhas entram em declínio (como resultado,
por exemplo, de mudanças tecnológicas ou demográficas). Essas questões são
relevantes tanto para países onde a renda per capita é alta, como para
aqueles onde a renda é baixa.
Estudiosos trabalhando com ambas as tradições conceituais concordam que é
importante reconhecer que o capital social não é uma entidade única, mas
antes, de natureza multidimensional. Dado que o capital social é,
freqüentemente, definido em termos dos grupos, redes, normas e
confiança de que as pessoas dispõem para fins produtivos, a ferramenta de
survey9 neste paper foi desenvolvida para apreender essa
multidimensionalidade, explorando (a) os tipos de grupos e redes com os
quais as pessoas em situação de pobreza podem contar e a natureza e
extensão de suas contribuições para com outros membros desses grupos e
redes. O survey também explora (b) as percepções subjetivas dos
entrevistados acerca da confiabilidade das outras pessoas e das instituições

9
Tipo de pesquisa de campo.
cruciais que modelam suas vidas, assim como as normas de cooperação e
reciprocidade que envolvem as tentativas de se trabalhar juntos para resolver
problemas.10
Na tentativa de avaliar o acesso às redes e as formas de participação, o
survey também adota a distinção comum entre capital social de “ligação” –
laços entre pessoas similares, no sentido de que compartilham
características demográficas, tais como familiares, vizinhos, amigos e colegas
de trabalho – e capital social de “ponte” – laços que ligam as pessoas que
não compartilham muitas dessas características (Gittell e Vidal 1998,
Putnam 2000, Narayan 2002). O que delimita as fronteiras entre diferentes
grupos de ligação e de ponte evidentemente varia entre contextos (sendo
assim endógeno), mas essas fronteiras, entretanto, são relevantes – em geral,
politicamente – de modo que é importante identificar onde se situam, e de
que modo são construídas e mantidas.
Recentemente, alguns estudiosos sugeriram uma terceira classificação
conceitual. Chamada capital social de “conexão”, (Woolcock, 1999, Banco
Mundial, 2000), essa dimensão refere-se aos laços mantidos com as pessoas
que detém posições de autoridade, tais como representantes de instituições
públicas (polícia, partidos políticos) e privadas (bancos). Esse
desenvolvimento conceitual nasceu de uma preocupação que perdurava havia
algum tempo, de que pode haver (e geralmente há), uma enorme
heterogeneidade – tanto demograficamente como em termos de sua
importância para o bem-estar imediato ou futuro de um indivíduo – entre
aqueles que podem ser identificados possivelmente como parte do capital
social de ponte de uma pessoa. Enquanto o capital social de ponte, como a
metáfora sugere, é essencialmente horizontal, (isto é, conecta as pessoas de
posição social mais ou menos igual), o capital social de conexão é mais
vertical, uma vez que conecta as pessoas a recursos políticos (e outros) chave
e instituições econômicas – isto é, entre diferenciais de poder. É importante
enfatizar que não é a mera presença destas instituições (escolas, bancos,
agências de seguro), que constituem o capital social de conexão, mas antes a
natureza e a extensão dos laços sociais entre clientes e provedores, muitos
dos quais são um meio inerente à prestação destes serviços (tais como ensino,
extensão agrícola, atenção à saúde, etc.).11 Assim definido, o acesso ao capital
social de conexão é fundamental para o bem estar, especialmente em países
e comunidades pobres, onde muito freqüentemente os bancos cobram taxas
de juros abusivas, a polícia é corrupta e os professores faltam ao trabalho
(Narayan 2000). Líderes locais e intermediários contribuem para facilitar as
conexões entre as comunidades pobres e a assistência externa ao

10
A distinção entre (a) e (b) é por vezes referida como capital social “estrutural” e “cognitivo”,
respectivamente (ex. Krishna e Uphoff, 2002).
11
Em relação a esse ponto, ver Pritchett e Woolcock (em vias de publicação).
desenvolvimento (incluindo programas governamentais – Khrisna, 2000),
constituindo assim, uma importante fonte de capital social de conexão.
Também é importante reconhecer, contudo, que essas diferentes formas de
capital social, como o capital humano, podem ser usadas para dificultar ao
invés de contribuir para o bem-estar dos indivíduos (Portes 1998, Woolcock
1998) – por exemplo, quando as regras para pertencer a um grupo implicam
obrigações, tais como compartilhar ao invés de acumular riqueza, ou quando
negam aos membros o acesso a serviços (ex. negando o direito às meninas de
irem à escola). Além de outras formas de controle e responsabilidade, o
capital social de conexão também pode rapidamente se tornar uma forma de
nepotismo ou um mecanismo de troca de favores e de favoritismo político.
Nesse sentido, uma questão política e empírica central é saber quais
condições institucionais e/ou combinações de diferentes dimensões de capital
social geram resultados que servem ao bem comum.
Embora reconhecendo o potencial das diferentes visões sobre o capital social
na literatura, o objetivo deste instrumento de survey não é resolver esses
debates em si, mas antes, fornecer um amplo conjunto de questões de survey
pré-testadas que possam ajudar pesquisadores e praticantes a caminharem
juntos em direção à maior clareza, com base em evidências empíricas. Desse
modo, o survey enfatiza os diferentes tipos de redes e organizações aos quais
os membros do domicílio têm acesso, e confere atenção particular ao
entendimento dos processos por meio dos quais a inclusão (ou exclusão) nas
redes e organizações se sustenta. O questionário também inclui questões mais
subjetivas, relativas às percepções acerca da confiança (nos vizinhos,
provedores de serviços etc.) reciprocidade normativa e ação coletiva.12

4. CONCLUINDO
Estes são apenas dois exemplos de como importantes grupos de pesquisadores
estão ocupando-se desta questão, com vistas a aumentar o seu entendimento
e a sua utilização eficiente em programas públicos de enfrentamento às
desigualdades sociais e regionais e à pobreza.
O trabalho do grupo do IBM, do qual reproduzimos apenas a introdução
conceitual, é bastante interessante, pois parte para a proposição de uma
ferramenta, que parece ainda complexa, para medição do capital social em
comunidades pobres, com experiências em algumas regiões do mundo.
No Brasil vem crescendo significativamente o número de estudos sobre capital
social, ainda confundido, pela maioria dos não iniciados, como o capital com
12
Também reconhecemos que o capital social foi concebido e medido em diferentes unidades de análise,
desde indivíduos (Glaeser, Laibos e Sacerdote 2002, Collier 2002) e domicílios a regiões e sociedades
inteiras (Fukuyama 1995). Como demonstra essa ferramenta de survey, acreditamos que o capital social
é apreendido com maior precisão ao nível do domicílio, fazendo perguntas aos indivíduos enquanto
membros de vários grupos sociais. Medidas mais amplas de capital social são válidas apenas quando
resultados de amostras representativas dos domicílios.
que se gerencia uma empresa, típico dos contabilistas e acionistas. Existe
também uma corrente acadêmica que secundariza a sua efetividade ou
mesmo discute a sua existência. Esta corrente tem fortes defensores no nosso
País.
Para o uso da SDT, deverão emergir indicativos dos caminhos e dos
entendimentos que deveremos assumir a partir das oficinas de planejamento
de 2005-2006, assim como da construção do sistema de monitoramento e
avaliação. Para as finalidades do PRONAT, é importante que consigamos
estabelecer paralelos entre as análises conceituais e as manifestações
concretas, para que possamos, gradualmente, como cabe à um programa que
se pretende de longo prazo, ir ampliando a precisão do nosso entendimento e
construindo um referencial apropriado às condições em que trabalhamos

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