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TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA QUARTA SEMANA.

SÁBADO

97. A CAMINHO DA CASA DO PAI


– O desejo de alcançar o Céu.

– A “divinização” da alma, das suas potências e do corpo glorioso.

– A glória acidental.

I. E MOSTROU-ME UM RIO de água viva, claro como cristal, que saía do


trono de Deus e do Cordeiro. No meio da praça e de um lado e do outro do rio,
estava a árvore da vida, que dava doze frutos, cada um no seu mês [...]. Nela
estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão. E verão a
sua face; e trarão o seu nome gravado sobre as suas frontes1. A Sagrada
Escritura acaba onde começou: no Paraíso. E as leituras deste último dia do
ano litúrgico indicam-nos o fim do nosso caminhar aqui na terra: a Casa do Pai,
nossa morada definitiva.

Mediante símbolos, o Apocalipse revela-nos a realidade da vida eterna, na


qual serão satisfeitos os anelos do homem: a visão de Deus e a felicidade sem
fim. São João descreve-nos nesta Leitura o que hão-de encontrar aqueles que
foram fiéis nesta vida: a água é o símbolo do Espírito Santo, que procede do
Pai e do Filho e é representado por um rio que brota do trono de Deus e do
Cordeiro. O nome de Deus na fronte dos eleitos significa que eles pertencem a
Deus2. No Céu já não haverá noite: não haverá necessidade de luz da
lâmpada, nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os alumiará, e eles
reinarão pelos séculos dos séculos3.

A morte dos filhos de Deus será somente um passo prévio, a condição


indispensável para se reunirem com seu Pai-Deus e permanecerem com Ele
por toda a eternidade. Junto d’Ele, já não haverá noite. À medida que formos
crescendo no sentido da filiação divina, perderemos o medo à morte, porque
iremos sentindo cada vez mais intensamente o desejo de encontrar-nos com o
nosso Pai, que nos espera. Esta vida é somente um caminho para Ele; “por
isso, é necessário viver e trabalhar no tempo abrigando no coração a nostalgia
do Céu”4.

Muitos homens, no entanto, não têm no coração esta “nostalgia do Céu”,


porque se consideram satisfeitos com a sua prosperidade e conforto material e
sentem-se como se estivessem em casa própria e definitiva, esquecendo que
não temos aqui morada permanente5 e que o nosso coração foi feito para os
bens eternos. Encolheram o coração e encheram-no de coisas de pouco valor,
que terão que deixar em breve.

Nós, os cristãos, amamos a vida e tudo o que nela encontramos de nobre:


amizade, trabalho, alegria, amor humano. Não podemos, pois, surpreender-nos
se, no momento em que tivermos que deixar este mundo, viermos a
experimentar um certo temor e desassossego, pois o corpo e a alma foram
criados por Deus para estarem unidos e a única experiência que temos é a
deste mundo. No entanto, a fé dar-nos-á o consolo inefável de saber que a
vida não é tirada, mas transformada; e, desfeito o nosso corpo terreno, é-nos
dada no céu uma morada eterna6. Espera-nos a Vida.

Os filhos de Deus ficarão maravilhados ao verem na glória todas as


perfeições de seu Pai, das quais tiveram apenas uma antecipação na terra. E
sentir-se-ão plenamente em casa, na sua morada definitiva, no seio da
Santíssima Trindade7.

Por isso, podemos exclamar: “Mas se nós não morremos! Mudamos de casa
e nada mais. Com a fé e o amor, nós os cristãos temos esta esperança; uma
esperança certa. A morte não é mais do que um até logo. Deveríamos morrer
despedindo-nos assim: até logo!”8

II. OS SANTOS do Deus altíssimo receberão o reino e entrarão na sua


posse por todos os séculos dos séculos9.

No Céu, tudo nos há de parecer inteiramente jovem e novo, de uma


novidade tão impressionante que o antigo universo terá desaparecido como um
livro que se enrola10. No entanto, não sentiremos estranheza. O Céu será a
morada que mesmo o coração mais depravado sempre desejou no âmago do
seu ser. Será a nova comunidade dos filhos de Deus, que terão alcançado por
fim a plenitude da sua adopção. Estaremos com novos corações e vontades
novas, com os nossos corpos transfigurados depois da ressurreição.

E esta felicidade em Deus não excluirá as relações pessoais genuínas. “No


Céu há lugar para todos os amores humanos verdadeiros, autenticamente
pessoais: o amor dos esposos, o amor entre pais e filhos, a amizade, o
parentesco, a nobre camaradagem... Vamos todos caminhando pela vida e, à
medida que os anos passam, são cada vez mais numerosos os seres queridos
que nos esperam do outro lado da barreira da morte. Esta converte-se numa
realidade menos temerosa, até alegre, quando vamos sendo capazes de
perceber que é a porta do nosso verdadeiro lar, onde nos esperam aqueles
que nos precederam marcados com o sinal da fé. O nosso lar comum não é um
túmulo frio; é o seio de Deus”11.

Custa-nos imaginar o que será a nossa vida no Céu, em companhia do


nosso Pai-Deus, porque nesta vida os pontos de referência que podemos achar
são de uma pobreza desoladora. O Antigo Testamento descreve a vida no Céu
evocando a terra prometida, onde não haverá sede e cansaço, mas
superabundância de bens. Não padecerão fome, nem terão sede, e não os
afligirão o calor nem o sol, porque Aquele que tem compaixão deles os
governará e os levará às fontes das águas12. Jesus, em quem a Revelação
chega à plenitude, insiste repetidas vezes nesta felicidade perfeita e
interminável. A sua mensagem é de alegria e de esperança neste mundo e
naquele que está por vir.

A alma e as suas potências, bem como o corpo depois da ressurreição,


ficarão como que divinizados, sem que isso suprima a diferença infinita entre a
criatura e o seu Criador.

Além de contemplarem a Deus tal como é em si mesmo, os bem-


aventurados conhecem em Deus, de modo perfeitíssimo, as criaturas
especialmente relacionadas com eles, e deste conhecimento obtêm também
uma alegria imensa. São Tomás afirma que os bem-aventurados conhecem em
Cristo tudo o que diz respeito à beleza e à integridade do mundo enquanto
parte do universo. Por serem membros da comunidade humana, conhecem
também tudo o que foi objecto do seu carinho ou interesse na terra. E, como
criaturas elevadas à ordem da graça, têm um conhecimento claro das verdades
da fé relativas à salvação: a encarnação do Senhor, a maternidade divina de
Maria, a Igreja, a graça e os sacramentos13.

“Pensa como é grato a Deus Nosso Senhor o incenso que se queima em


sua honra; pensa também quão pouco valem as coisas da terra que, mal
começam, já acabam...

“Pelo contrário, um grande Amor te espera no Céu: sem traições, sem


enganos: todo o amor, toda a beleza, toda a grandeza, toda a ciência...! E sem
enjoar: saciar-te-á sem saciar”14.

III. NO CÉU, veremos a Deus e n’Ele teremos uma felicidade infinita,


conforme a santidade e os méritos adquiridos nesta terra. Mas a misericórdia
de Deus é tão grande, é tanta a sua generosidade, que quis que os seus
eleitos encontrassem também no Céu um novo motivo de felicidade nos
legítimos bens criados a que o homem aspira; é o que os teólogos chamam
glória acidental.

Incluem-se nesta bem-aventurança a companhia de Jesus Cristo, a quem


veremos glorioso e que reconheceremos depois de tantos momentos de
conversa com Ele na nossa oração, depois de tantas Comunhões..., a
companhia da Virgem Maria, nossa Mãe, de São José, dos Anjos – em
particular do nosso Anjo da Guarda – e de todos os santos. Experimentaremos
uma especial alegria ao encontrarmos aqueles que mais amamos na terra:
pais, irmãos, parentes, amigos..., pessoas que influíram de uma maneira
decisiva na nossa salvação...

Além disso, como cada homem, cada mulher, conserva a sua própria
individualidade e as suas faculdades intelectuais, também seremos capazes de
adquirir outros conhecimentos, servindo-nos das nossas potências15. Por isso,
será motivo de alegria a chegada de novas almas ao Céu, o progresso
espiritual das pessoas queridas que ficaram na terra, o fruto dos nossos
trabalhos apostólicos ao longo da vida, a fecundidade sobrenatural das
contrariedades e dificuldades enfrentadas no serviço ao Mestre... Esta glória
acidental irá aumentando até o dia do Juízo final16. E depois do Juízo universal,
acrescentar-se-á a tudo isso a posse do nosso corpo, ressuscitado e glorioso.

É bom e necessário fomentar a esperança do Céu: consola-nos nos


momentos mais duros e ajuda-nos a manter firme a virtude da fidelidade. É
tanto o que nos espera dentro de pouco tempo que se entendem muito bem as
contínuas advertências do Senhor para que permaneçamos vigilantes e não
nos deixemos envolver pelos assuntos da terra de tal maneira que esqueçamos
os do Céu. No Evangelho da Missa17, o último do ano litúrgico, Jesus diz-nos:
Velai, pois, para que não suceda que os vossos corações se embotem pelos
excessos do comer e do beber, e pelos cuidados desta vida, e para que aquele
dia não vos apanhe de surpresa... Vigiai, pois..., para que possais manter-vos
de pé diante do Filho do homem.

Pensemos com frequência nestas outras palavras do Senhor: Vou preparar-


vos um lugar18. No Céu, temos a nossa casa definitiva, muito perto de Jesus e
de sua Mãe Santíssima. Aqui estamos só de passagem. “E quando chegar o
momento de rendermos a nossa alma a Deus, não teremos medo da morte. A
morte será para nós uma mudança de casa. Virá quando Deus quiser, mas
será uma libertação, o princípio da Vida com maiúscula. Vita mutatur, non
tollitur (Prefácio I de defuntos) [...]. A vida não nos é tirada, mas transformada.
Começaremos a viver de um modo novo, muito unidos à Santíssima Virgem,
para adorar eternamente a Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo,
que é o prémio que nos está reservado”19.

Amanhã começa o Advento, o tempo da espera e da esperança. Esperemos


Jesus permanecendo muito perto de Maria.

(1) Apoc 22, 1-6; Primeira leitura da Missa do sábado da trigésima quarta semana do Tempo
Comum, ano II; (2) cfr. Sagrada Bíblia, vol. XII, Apocalipse; (3) Apoc 22, 5; (4) João Paulo II,
Alocução, 22.10.85; (5) Hebr 13, 14; (6) Missal Romano, Prefácio de defuntos; (7) cfr. B.
Perquin, Abba, Padre, pág. 343; (8) S. Josemaría Escrivá, em Folha informativa, n. I, pág. 5; (9)
Dan 7, 18; Primeira leitura do sábado da trigésima quarta semana do Tempo Comum, ano I;
(10) Apoc 6, 14; (11) Camilo Lopez-Pardo, Sobre la vida y la muerte, Rialp, Madrid, 1973, pág.
358; (12) Is 49, 10; (13) cfr. São Tomás de Aquino, Suma teológica, I, q. 89, a. 8; (14) S.
Josemaría Escrivá, Forja, n. 995; (15) cfr. São Tomás de Aquino, Suma teológica, I, q. 89, ad 1,
ad 3, aa. 5 e 6; III, q. 67, a. 2; (16) cfr. Catecismo Romano, I, 13, n. 8; (17) Lc 21, 34-36; (18) Jo
14, 2; (19) Servo de Deus Alvaro del Portillo, Homilia, 15.08.89, em Romana, n. 9, 7.12.89, pág.
243.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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