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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

Faculdade de Engenharia Química

Fenômenos de Transporte – Graduação Eng. Química – ano 2009

Prof.: Luiz Gustavo

CASO F – Considere um Escoamento Laminar unidimensional, não estabelecido,


isotérmico em face do deslocamento de uma placa adjacente a um Fluido Newtoniano e
Incompressível.

Figura 6 – Escoamento Unidimensional Transiente em face do deslocamento de uma placa

Para este fenômeno, deve considerar as seguintes hipóteses:

I – Fluido Newtoniano e Incompressível (µ e ρ constantes, respectivamente);


II – A placa é muito comprida (o fluido aderido à placa sempre sentirá ela se deslocando a vp)
e a placa é muito larga de forma que não há escoamento na direção “z” (vz = 0). A placa não é
porosa (não haverá movimento do fluido na direção “y”, logo, vy = 0);
III – para “t = 0” a placa e o fluido estão estáticos;
IV – para “t>0”, a placa se move à velocidade constante “vp”;
V – deslocamento da placa ocorre na horizontal;

113
VI – há uma espessa camada (L→ ∞) de fluido acima da placa.

A partir da hipótese II, pode-se falar que:

v = v x ex + v ye y + vzez v = v x e x + 0.e y + 0.ez v = v x ex (106)

Em que “vx” é, em tese, uma função de v x (x, y, z, t) . Como a placa é muito larga,
haverá simetria no sistema e, portanto, nenhuma dependência com “z”. Logo,

v x (x, y, t)

A partir da Equação da Continuidade tem que:

∂ρ
+ ∇. ( ρv ) = 0 (107)
∂t

Como a Equação da Continuidade está acoplada ao do Movimento, então a variável


“ρ” é considerada como a densidade e não variação de massa no interior do volume
∂ρ
de controle. Assim, se o fluido é incompressível, o termo = 0 , de modo que:
∂t

∇. ( ρv ) = 0 ρ∇.v = 0 ∇.v = 0 (108)

Pela álgebra tensorial:

∂vi ∂v x ∂v y ∂v z
∇.v = = + +
∂x i ∂x ∂y ∂z

∂v x ∂v y ∂v z
+ + =0
∂x ∂y ∂z

Como não há “vy” nem “vz” (nulas):

∂v x ∂.0 ∂.0
+ + =0
∂x ∂y ∂z

114
∂v x
=0 (109)
∂x

A equação anterior mostra que “vx” não depende da posição “x”. Logo, “vx” somente
dependerá de “y” e “t”, ou seja, v x (y, t) Fazendo agora a análise da Equação do Movimento,
para a componente “x”, aplicando as considerações anteriores:

 ∂v  ∂v ∂v ∂v   ∂P  ∂ (τ ) ∂ (τ yx ) ∂ (τzx ) 
ρ  x +  v x x + v y x + vz x   = − −  xx + +  + ρg x (110)
 ∂t  ∂x ∂y ∂z   ∂x  ∂x ∂y ∂z 

 ∂v  ∂.0 ∂.0    ∂ (0) ∂ (τ yx ) ∂ (0) 


ρ  x +  v x .0 + 0. + 0.   = −0 −  + +  + ρ.0
 ∂t  ∂y ∂ z    ∂ x ∂y ∂ z 
∂v x ∂ (τ yx )
ρ =− (111)
∂t ∂y

Sabe-se que para fluido newtoniano:

(
τ = −µ ∇v + ∇vT ) (112)

Especificamente para o Tensor “τij”:

 ∂v j ∂vi 
τij = −µ 
 ∂x i ∂x j 
+ ou
 

 ∂v ∂v y 
τ yx = −µ  x + 
 ∂y ∂x 

∂v x
τ yx = −µ (vy = 0) (113)
∂y
Substituindo a Eq. (113) na Eq. (111):

∂v x ∂  ∂v 
ρ = −  −µ x 
∂t ∂y  ∂y 

∂v x ∂2 v
ρ = µ 2x
∂t ∂y

115
∂v x µ ∂2 v x
=
∂t ρ ∂y2

∂v x ∂2 v x
=ν 2 (114)
∂t ∂y

Geralmente, a EDP trazida pela Eq. (114) tem sua variável dependente “vx”
adimensionalizada mediante a divisão dos dois membros por uma constante (neste caso, a
constante é a velocidade da placa “vp”):

v 
∂2  x 
1 ∂v x 1 ∂2 v x ∂  vx   vp
 
= ν  =ν
v p ∂t v p ∂y2  
∂t  v p  ∂y2

∂ϕ ∂2ϕ
=ν 2 (115)
∂t ∂y
vx
Em que: ϕ =
vp

A Eq. (115) é uma Equação Diferencial Parcial. Pela literatura, sabe-se que
dependendo das condições de contorno, ela possui uma solução analítica ou não.
Para este caso em específico, é possível obter uma solução analítica para esta EDP.

Aproveitando a oportunidade, vale mencionar que esta EDP requer 3


condições de contorno para ser resolvida analiticamente, que são as
seguintes:

v x (0, t) = v p

v x (y → ∞, t) = 0

v x (y, 0) = 0

Já que a variável “vx” foi adimensionalizada sob a forma de “φ”,


convém definir as condições de contorno de acordo com esta nova
variável:

116
ϕ(0, t) = 1
ϕ(y → ∞, t) = 0
ϕ(y, 0) = 0

Incumbe-nos agora, resolver a EDP. Para tanto, devemos a partir de agora, buscar métodos
matemáticos para resolvê-la, aplicando as condições de contorno mencionadas. Para tanto, a
literatura faz uso do Método da Similaridade.

F.1 - Similaridade

Diz a literatura matemática que o Método da Similaridade pode ser aplicado quando
duas variáveis independentes levam, cada qual submetida a limites extremos, aos mesmos
valores, ou seja:

v(y → ∞, t) = v(y, 0) = 0 (115)

Na verdade, este método pretende transformar, mediante mudança de variáveis, uma


EDP em uma EDO. O método consiste pôr a função que nos interessa (“φ”) em termos de
uma nova variável “η”. Por sua vez, esta nova variável “η” dependerá de “y” e “t”,
respectivamente, mantendo a física do fenômeno. Em outras palavras:

ϕ = ϕ ( η) (116)

η = η ( y, t ) (117)

Pelo método, a função “η” pode ser genericamente escrita como:

η = ay b t c (118)

Em que “a”, “b” e “c” são constantes reais arbitrárias

A partir dessas informações, é possível obter matematicamente as seguintes grandezas:

117
∂ϕ dϕ ∂η dϕ c ∂ϕ c
= =
∂t ∂η ∂t ∂η
( )
acy b t c−1 = ϕ' ay b t c
t
( ) →
∂t
= ϕ 'η
t
(119)

∂ϕ dϕ ∂η dϕ b ∂ϕ b
= =
∂y ∂η ∂y ∂η
( )
aby b −1t c = ϕ' ay b t c
y
( ) →
∂y
= ϕ'η
y

∂ 2ϕ ∂  ∂ϕ  ∂  dϕ ∂η  dϕ ∂ 2 η ∂η ∂  dϕ 
=  =  = +  
∂y 2 ∂y  ∂y  ∂y  dη ∂y  dη ∂y 2 ∂y ∂y  dη 

dϕ ∂ 2η ∂η  d 2 ϕ ∂η 
= + . . 
dη ∂y 2 ∂y  dη2 ∂y 
2
dϕ ∂ 2η  ∂η  d 2 ϕ
= +  .
dη ∂y 2  ∂y  dη2
2
∂ 2ϕ dϕ ∂ 2 η  ∂η  d 2 ϕ
= +  .
∂y 2 dη ∂y 2  ∂y  dη2

∂ 2ϕ 2

∂y 2 (
= ϕ' ab ( b − 1) y b −2 t c  + aby b−1t c ) .ϕ ''

∂ 2ϕ b ( b − 1) 2 b 2 ''
∂y 2
= ϕ' ay b t c 
y 2 (
+ ay b t c ) y2

∂ 2ϕ ' b ( b − 1)
2
2 b
2
= ϕ η 2
+ η 2
.ϕ'' (120)
∂y y y

A EDP que se deseja resolver pode ser escrita genericamente como:

∂ϕ ∂2ϕ
=ν 2 (121)
∂t ∂y

' c  ' b ( b − 1) 2 b
2
'' 
ϕ η = ν  ϕ η + η .ϕ  (122)
t  y2 y 2 

Como as constantes “a”, “b” e “c” são arbitrárias, ao longo do


exercício, o usuário poderá ir atribuindo valores a elas que melhor lhe
aprouver.. Assim, por conveniência matemática, nesta etapa da
resolução, é conveniente arbitrar o valor “1” para a constante “b”.

c  1(1 − 1) 2 1
2 
ϕ'η = ν  ϕ'η 2
+ η 2
.ϕ'' 
t  y y 

118
c  0 12 
ϕ'η = ν  ϕ'η. 2 + η2 2 .ϕ'' 
t  y y 

c 12
ϕ'η = νη2 2 .ϕ''
t y
c ' νη ''
ϕ = 2ϕ (123)
t y

Da Eq. (118) é possível obter:

η = ayt c

η 2 η2
y= c → y = 2 2c
at a t

Logo:

c ' νη c  η2  1 '
ϕ = ϕ'' →   ϕ =ϕ
''
t  η2  t  a 2 t 2c  νη
 2 2c 
a t 

ϕ'' − 2 2c +1
ϕ' = 0 (124)
νa t

Novamente por conveniência matemática, pode-se arbitrariamente convencionar que


“2c+1 = 0”, fazendo com que “c” assuma o valor “-1/2”. Assim:

1 η '
ϕ'' + ϕ =0 (125)
2 νa 2

ϕ'' + βηϕ' = 0 (126)

1 1
Em que: β = . Verifica-se a partir da Eq. (126) que a EDP
2 νa 2
originalmente adotada transformou-se numa Equação Diferencial
Ordinária de 2ª Ordem (EDO). Como a EDO de 2ª Ordem é também

119
homogênea, pode-se ainda, reduzi-la a uma EDO de 1ª ordem,
mediante a adoção de uma nova variável “Ψ”, de tal forma que:

dϕ d 2 ϕ dψ
≡Ψ 2
= = ψ'
dη dη dη

Assim:

ψ ' + βηψ = 0 (127)

Deve-se notar que a Eq. (127) é uma EDO de 1ª Ordem de Variáveis Separadas:


ψ ' + βηψ = 0 + βηψ = 0

∫ ∫
dψ dψ β β
= −βηψ = −βηdη ln ψ = − η2 + K1 ln ψ = − η2 + ln K1
dη ψ 2 2
β β
− η2 + ln K1 − η2
eln ψ = e 2 ψ=e 2 .e ln K1

β
− η2
ψ = K1e 2 (128)

β
Fazendo = 1 , pode-se chegar que:
2

1 1
2 νa 2 = 1 1
=1 a=
1
(129)
2 4ν a 2 4ν

Levando esta informação na Eq. (118):

1
1 −
η= yt 2

y
η= (130)
4νt

120

Mas: ψ = . Então:

∫ ∫
dϕ 2 2
= K1e −η → dϕ = K1e−η dη

η


2
ϕ= K1e−η dη + K 2 (131)
0

Resta-nos, agora, calcular os valores de “K1” e “K2”. Para tanto, vamos redefinir as
condições de contorno. Vale relembrar que:

0
ϕ(η) = ϕ(0, t) = 1 η= =0 ϕ(0) = 1
4ν t

ϕ(η) = ϕ(y → ∞, t) = 0 η= →∞ ϕ(∞) = 0
4ν t
y
ϕ(η) = ϕ(y, 0) = 0 η= →∞ ϕ(∞) = 0
4ν.0

Aplicando a condição de contorno “ ϕ(0) = 1 ”:


2
ϕ ( 0) = K1e −η dη + K 2 = 1 → K2 = 1 (132)
0

Aplicando a condição de contorno “ ϕ(∞) = 0 ”, pode chegar ao valor de “K1”:

∞ ∞

∫ ∫
2 2
ϕ(∞) = K1e−η dη + 1 = 0 → K1 e−η dη + 1 = 0
0 0

121
−1
K1 = ∞
(133)


2
e−η dη
0

A integral trazida no denominador da Eq. (133) tem solução analítica


e pode ser calculada a partir do Teorema de Fubini (transforma uma
integral simples em uma integral dupla, em face da mudança do
domínio da variável independente e unidimensional para um
domínio bidimensional) . Diz o Teorema de Fubini que se:

G = G ( F ) , e F = F ( x, y ) e I =
∫ G ( F) dF < ∞ , então:
F

∫∫x,y
G ( x, y ) d(x, y) = I2 (134)

Considerando “ η2 = y 2 + t 2 ” e fazendo-se uso do Teorema de Fubini


ao presente caso tem que:

∞ ∞ ∞

∫ ∫∫
I= e −η2
dη → 2
I = e
(
− y2 + t 2 )dydt (135)
0 0 0

Note que a eq. (135) está em coordenadas cartesianas, cuja solução


não é conhecida. Requer uma mudança de coordenadas cartesianas para
coordenadas polares em que:

y = r cos θ
t = rsenθ
Sabe-se que um elemento infinitesimal de área no
plano cartesiano “ dydt ” equivale a um elemento
infinitesimal de área em coordenadas polares
equivalentes a “ rdrdθ ”. Logo, a integral mostrada
pela Eq. (135) pode ser escrita como:

122
π
∞ 2

∫∫
I2 = e
( ) rdrdθ
− r2
(136)
0 0

A integral anterior tem solução analítica, podendo ser resolvida da


seguinte forma:

u = r2 du = 2rdr

Logo:

π π
∞ 2 ∞ 2

∫∫ ∫∫ e
− u du 1
I2 = e ( ) dθ I2 = −u
dudθ
2 2
0 0 0 0

∞ ∞

∫e ∫e
1 π/ 2 −u 1π −u
I2 = θ 0 du I2 = du
2 22
0 0


π ∞ π 1 π 1  π 1
I2 = − e−u I2 = − =− −− 
4 0 4 eu 0 4 e∞  4 e0 

π π
I2 = I= (137)
4 4

Logo:


2 π
e−η dη = Consequentemente:
2
0

−2
K1 = (138)
π

Substituindo os valores das constantes “K1” e “K2” na Eq. (131) tem que:

123
η


2
ϕ= K1e−η dη + K 2
0


2 2
ϕ=− e−η dη + 1
π
0


2 2
ϕ = 1− e−η dη (139)
π
0


2 2
A parcela e −η dη da Eq. (139) é denominada de Função Erro (erf). Assim:
π
0

ϕ = 1 − erf ( η) (140)
η


2 2
erf ( η) = e−η dη
π
0

Sabe-se também que a diferença "1 − erf ( η) " é denominada de Função

Erro Complementar (erfc). Logo, a solução analítica da EDP poderia


ainda ser também escrita como:

ϕ = erfc ( η) (141)

Reescrevendo a Eq. (140) a partir das variáveis originais, pode-se finalmente obter a
solução analítica da EDP:

vx  y 
= 1 − erf   ou (142)
vp  4νt 

vx  y 
= erfc   (143)
vp  4νt 

124
A seguir, é apresentado um esboço do comportamento da Função Erro, bem como o
seu respectivo domínio:

Figura 7 – Comportamento, Domínio e Imagem da Função Erro.

Os valores da Função Erro são tabelados e disponibilizados para consulta nos livros de
matemática. Todavia, se essa consulta não for possível, os respectivos valores podem também
ser obtidos por meio da representação da Função Erro expandida sob a forma de uma Série
Matemática conforme mostra a Eq. (144):


 ( −1)i 
erf ( η) =
2
π ∑ 0

 ( 2i + 1) i!
η2i +1 

(144)

Assim, exemplificando o cálculo para “erf (1)” seria:


 ( −1)i 
erf (1) =
2
π ∑ 0

 ( 2i + 1) i!
12i +1 


2  ( −1) 
0 1 2 3 4
erf (1) =  12.0+1
+
( −1)
12.1+1
+
( −1)
12.2+1
+
( −1)
12.3+1
+
( −1)
12.4+1 + ...
π  ( 2.0 + 1) 0! ( 2.1 + 1)1! ( 2.2 + 1) 2! ( 2.3 + 1) 3! ( 2.4 + 1) 4! 

2  1 −1 1 −1 1 
erf (1) =  1+ 1+ 1+ 1+ 1 + ...
π 1.0! 3.1! 5.2! 7.3! 9.4! 
2 1 −1 1 −1 1 
erf (1) =  1+ 1+ 1+ 1+ 1 + ...
π 1.1 3.1 5.2.1 7.3.2.1 9.4.3.2.1 

125
2
erf (1) = [1 − 0,33333 + 0,10000 − 0, 02380 + 0, 00046 − ...]
π
2
erf (1) = [ 0, 74333 − ...]
π

erf (1) ≈ 0,83877

TRABALHO:

Realizar um programa que faça:

Leitura de (y,t);
 y 
Cálculo de η =  ;
 4ν t 
η


2 2
Cálculo da função erf ( η) = e−η dη (Regra dos Trapézios);
π
0

Cálculo de v x = v p 1 − erf ( η)  ;

Resultado Final: escrever “vx” para “y” e “t”;

Considere para os cálculos:

vp = 1 m/s
Glicerina (25ºC):
ρ = 1260 kg/m3
µ = 0,80 kg/(m.s)

126

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