Público • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 41
Estamos cada vez mais habituados “a comer e a calar” e a desistir de raciocinar e de questionar
Custa a crer em tanta coisa que desafia o bom senso
A
alegria com o relatório do Banco de
Portugal
Primeiro ouvi, e depois fui confirmar.
Era mesmo verdade: na terça-feira,
quando o Banco de Portugal divulgou
o seu relatório de Inverno, a simples revisão em
alta, prudente e sujeita a várias incertezas, do cres-
José cimento português para 2010 suscitou de imediato
Manuel uma reacção quase entusiasmada do ministro das
Fernandes Finanças, Teixeira dos Santos: “a actividade eco-
Extremo nómica começa a apresentar sinais cada vez mais
positivos”, sublinhou.
ocidental Ora sucede que se é verdade que melhoraram as
previsões para o crescimento do PIB, é redutor e
enganador olhar para os dados do Banco de Portugal
apenas por essa óptica. É que quase tudo o resto são
más notícias: o rendimento disponível das famílias
deve diminuir, mas o consumo privado pode au-
mentar mais do que o PIB, o que significará menos
poupança e mais endividamento; o desemprego
deverá continuar a aumentar, pois o relatório prevê
uma queda do emprego total de 1,3 por cento; e o
investimento voltará a cair, pelo que será pelo lado
do aumento do consumo privado (muito dele de
bens importados), e não das exportações líquidas,
que o PIB crescerá, o que é um sinal de que cresce
coxo e agravando outros desequilíbrios; por fim,
o défice externo também vai aumentar, devendo
ultrapassar em 2011 os 11 por cento, novo máximo
das duas últimas décadas.
Políticos responsáveis já estariam a alertar para
a necessidade de conter o regresso de alguma eu-
foria consumista e a dizer que teremos de apertar
o cinto e mudar de hábitos para corrigir os nossos
problemas estruturais. Mas não ouvimos ninguém,
ou quase ninguém, a dizê-lo com clareza e, sobre-
tudo, a tirar disso as devidas consequências. Por
isso, daqui a dois anos, deveremos ter de carregar
um fardo de 10 mil milhões de euros só para pagar,
todos os anos, os encargos da dívida, mas também
disso não se fala, pois enquanto o pau vai e vem
folgam as costas.
Triste irresponsabilidade.
O
Orçamento e as universidades
Não sei se se abriam garrafas de cham-
panhe, mas a ocasião merecia: ao fim de
uma guerra ora surda, ora estridente,
as universidades e os politécnicos con-
seguiram extrair do Governo a promessa de que
receberão mais 100 milhões de euros em 2010 e
nos anos seguintes. Isto com a vaga promessa de
formarão mais estudantes, ficando por saber se para
depois exportarmos os melhores para o estrangeiro
e ficarmos por cá com um número ainda maior de
licenciados desempregados.
A verdade, nua e crua, é que a generalidade das
escolas do ensino superior em Portugal é mal gerida,
nelas não se é suficientemente exigente com o traba-
lho dos professores e quase todas têm demonstrado
uma enorme resistência a qualquer reforma. Nem
todas são iguais, mas o resultado do acordo é que
se atirará para cima de um problema – a má qua-
lidade média e a desadequação de muitas escolas
do ensino superior – um montão de euros que só
ajudará a perpetuar as ineficiências do mundo dos
senhores reitores.
Se isto, só por si, não fosse dramático, há que
acrescentar que ocorre num ano em que o Estado
está obrigado a cortar na despesa pública. Com acor-
dos destes (e o que ainda estamos para ver, no que
se refere às consequências orçamentais, do acordo
de Isabel Alçada com os professores), o que está a
ser feito é exactamente o contrário.
Em nome de quê? Do cálculo político mais ime-
diatista: calar o descontentamento dos sectores
PAULO PIMENTA
tos apodrecerem sem qualquer uso ou proveito. Ou
seja, cumpriu-se a profecia dos que, como Ribeiro
Teles, durante décadas, defenderam que o Alqueva
não era solução e acabaria transformado em mais
um “elefante branco”.
Depois porque, ao realizarem a primeira descarga
em oito anos, os responsáveis não trataram de ga-
rantir que os agricultores que, a jusante, possuem
terras e gado, estavam todos avisados de que as
águas do Guadiana podiam subir abruptamente. Re-
sultado: 71 cabeças de gado morreram afogadas.
Triste forma de zelar pelos bens próprios e
alheios.
O
afastamento de Marcelo
Não há outra forma de designar o fim do
programa As Escolhas de Marcelo: tratou-
se de um acto censório destinado a calar
uma voz incómoda e, também, imprevi-
sível. O resto são desculpas. E más desculpas.
Objectivamente, o programa de comentário políti-
co de Marcelo Rebelo de Sousa, tendo tido melhores
e piores momentos, manteve até ao fim bons níveis
de audiência e um share acima da média da RTP1.
Ou seja, acrescentava valor ao canal dito de serviço
público. Querendo o próprio continuar a fazê-lo, a
sua exclusão da grelha não deriva nem da vontade
de Marcelo, nem de um qualquer raciocínio sobre
o interesse dos telespectadores, que as audiências
demonstravam existir.
Políticos responsáveis já que andaram a protestar na ante- O argumento, rocambolesco, foi que o programa
rior legislatura. tinha de acabar para manter “o pluralismo”, já que
estariam a alertar para Triste forma de governar. o programa gémeo, Notas Soltas, animado por An-
O
tónio Vitorino, ia acabar por indisponibilidade do
a necessidade de conter o absurdo do Alqueva político socialista. Ora nada aqui faz sentido. Não
regresso de alguma euforia Oito anos depois da faz sentido o argumento do pluralismo, pois este
inauguração e de se não se mede ao milímetro e Marcelo era muitas ve-
consumista e a dizer que terem fechado as suas zes mais duro para com o seu partido do que para
teremos de apertar o comportas, a Barra- com o PS e o Governo: ele valia como comentador e
gem de Alqueva lá conseguiu en- entertainer, pelo que as considerações da Entidade
cinto e mudar de hábitos cher por completo. Razões para Reguladora para a Comunicação Social não tinham
festejar? Nem por isso. nem deviam ser seguidas à letra. E também não faz
para corrigir os nossos Primeiro porque, oito anos pas- sentido acabar com aquele programa deixando no
problemas estruturais sados, o famoso e milagroso re- ar a suspeita de que, no PS ou na área do Governo,
gadio que– iria resgatar o Alentejo não existe ninguém à altura de Marcelo. Até pode
continua a ser uma miragem, e nada indica que al- ser verdade, mas isso não é um problema da RTP,
gum dia deixe de o ser. Praticamente não há áreas é um problema do PS.
regadas com a água da albufeira, nas terras que já Estranhamente, não ocorreu agora nenhum es-
podem utilizar as suas águas os agricultores ainda cândalo público como o de 2004, quando Marcelo
não sabem quanto pagarão por ela e noutras onde saiu da TVI. O que é um péssimo sinal: cada vez
os sistemas de rega deviam ter chegado houve muito estamos mais habituados “a comer e a calar”. Triste
boa gente que investiu e, depois, viu os equipamen- país. Jornalista
Uma semana em http://twitter.com/jmf1957
a 14Jan10 – Freedom recession: For the fourth Prepare to think again when you visit
– Na imensa tragédia do Haiti, o Twit- consecutive year more countries saw Royal Academy’s terrific new show
ter tem preenchido necessidades de declines in political & civic rights than letters & pictures http://bit.ly/6vglq5
informação que, não há muitos anos, advances http://bit.ly/8Xm5o0 – The terrorist mind, an update: What
eram asseguradas por rádio-amadores – El Pais: Crear en el desierto del moves people to kill themselves & in-
a 13Jan10 Sáhara un nuevo país bajo tutela de nocent bystanders? http://bit.ly/8vkrVE
– Morreu um trostkista assumido, Argelia es contrario a los intereses de a 09Jan10
Daniel Bensaid, vide Arrastão http:// España http://bit.ly/6PuAil – Anybody running a British university
bit.ly/8FosGz Pena o camarada Louçã ñ – Science: Monogamous men-women ought to know that many British
se assumir tb http://bit.ly/8MhSic marriage is an evolutionary win-win campuses have become centres of
– Quando será que vamos abrir os situation, argue Laura Fortunato, islamic radicalism http://bit.ly/7hEkCH
ouvidos? Agência de rating Moodys diz Harvard University http://bit.ly/85t9XX – P. J. O’Rourke: Giving money and
que economias grega e PORTUGUESA a 11Jan10 power to government is like giving
correm risco de “morte lenta” – A haver acordo PS/PSD é por causa whiskey and car keys to teenage boys
a 12Jan10 disto: Moodys avisa q rating pode a 08Jan10
– Novo sucesso chavista: electricidade baixar s Portugal ñ tomar medidas pr – Temos novos-ricos do TGV, e temos
será racionada em Caracas e reduzir défice http://bit.ly/51KIMt a realidade: nunca em Portugal houve
localidades próximas a partir de a 10Jan10 tantas linhas de comboio fechadas
quarta-feira http://ow.ly/16kakX – You think you know van Gogh? para obras http://bit.ly/8mbzTt