Você está na página 1de 1

m Portugal o

o de Iluminismo ele defendeu foi que o trono estava


vago, que todos os pretendentes eram
ilegítimos, e que por isso as Cortes
podiam escolher o melhor – e o me-
lhor era o Mestre de Avis.
“Portugal nunca
teve um problema de
identidade:

ziu muitas vezes


A II Dinastia é marcada por
uma sucessão de casamentos os muçulmanos
cruzados entre as coroas de
Portugal e de Castela que, mais desapareceram, os
tarde ou mais cedo, poderia
dar origem à unificação dos judeus foram

scurantismo”
reinos. Isso acaba por suceder
com Filipe II e este, através
obrigados
do Pacto de Tomar, outorga a
Portugal algo que definem como
a converter-se. Mesmo
uma “quase Constituição”. Esta hoje não temos
visão não contraria a ideia de
“usurpação” que associamos à grandes comunidades
III Dinastia?
Esse ponto é muito importante pois de outras religiões
Portugal” coordenada por Rui Ramos recapitula a verdade é que, nessa época, os reis
ou etnias para que
– e não só os reis de Portugal – tinham
propondo releituras heterodoxas de acontecimentos de si próprios uma visão providencia- possamos testar
lista, para além de procurarem a sua
crise de sucessão de 1383-85, a expansão ultramarina grandeza e glória pessoais. O poder o lugar-comum de que
político foi produzindo a nação mas
de 1820. Em entrevista, Rui Ramos analisa a grande durante muito tempo não se identifi- não somos racistas”
cou com ela. Na época havia patrio-
a “inerradicável” pluralidade do país. tismo – basta ler “Os Lusíadas” –, mas
não é o mesmo patriotismo dos sécu-
José Manuel Fernandes los XIX e XX, quando este passou a
estar associado à noção de soberania
nacional. O que Nuno Monteiro [o
historiador que escreveu esta parte
do livro] faz nesses capítulos é ler as
relações entre a Casa de Avis e a Casa
de Habsburgo tal como eram lidas na
época e não como foram lidas nos sé-
culos XIX e XX, em que foram inter-
pretadas à luz do nacionalismo da
época e o período passou a ser visto
como o do “cativeiro espanhol”. Ora
o que os contemporâneos discutiam
era a legitimidade dos reis, e Filipe II
impõe-se não apenas porque era mais
forte, mas porque era legítimo por via
da linha de sucessão, e porque reco-
nheceu a especificidade de Portugal.
Na monarquia dos Habsburgos foi
sempre claro que Portugal era um
reino herdado, não era um reino con-
quistado. Os próprios portugueses,
contramos nenhuma uniformidade desde o início, de afirmar um poder Já nenhum medievalista sustenta essa na época, estavam sempre a recordá-
de paisagens… público para além dessas duas refe- tese. Não só não podemos aplicar as lo e a sublinhar que o estatuto reco-
…ou mesmo de tipo de ocupação rências mais tradicionais. O que os categorias sociológicas do século XX nhecia a vida autónoma do Reino de
do solo, de cultura. Há uma nossos reis medievais fazem são su- ao século XIV, como havia nobres dos Portugal. O que é que mudou em
grande diferença entre o cessivas combinações políticas, com dois lados. O que se passou foi que a 1640? Filipe IV, III de Portugal, e o
Portugal Atlântico e o Portugal maior ou menor sucesso, chegando nobreza mais estabelecida, a que es- Conde-Duque de Olivares passaram
Mediterrânico… a produzir nobreza e a instalar bispos, tava nos lugares de topo, seguiu as a centralizar o poder em Madrid, qui-
O Orlando Ribeiro definiu isso com tudo para afirmar a sua soberania. regras de sucessão e apoiou as pre- seram “castelhanizar” toda a Penín-
muita clareza e o José Mattoso, na Nunca temos o Rei contra os nobres, tensões de Castela, ao mesmo tempo sula, e assim violaram o pacto cons-
“Identificação de um País”, tornou mas o Rei com uns nobres contra ou- que outros nobres, como Nuno Álva- titucional consagrado em Tomar.
isso central na caracterização de Por- tros nobres, quase sempre com o res Pereira, que tinham menos a per- Quando o rei se torna tirano, a “Res-
tugal. Esses estudos impedem-nos de apoio dos concelhos, a que iam dando der, tomam o partido do Mestre de tauração” surge como uma revolta
considerar que o país é um todo ho- cartas de Foral. É preciso notar que Avis. Os argumentos que se utilizam constitucional. A leitura nacionalista
mogéneo e hoje até sabemos mais: a afirmação deste poder segue a par para tentar convencer os partidários veio muito mais tarde…
sabemos, por exemplo, que há uma com a recuperação do Direito Roma- de D. Beatriz são muito variados e não Na apresentação que fez do livro,
variação genética importante entre no, com a concepção de um poder apenas os referidos no século XIX, António Barreto referiu que,
as populações do Norte e as do Sul. público que é distinto do poder feudal sob a influência dos nacionalismos ao longo dos séculos, as elites,
Ou seja, temos um território que é e das relações de vassalagem. É um europeus, quando se sublinhou mui- progressistas ou reaccionárias,
produto da acção de um poder polí- poder público que se instala para ser- to o facto de o Mestre de Avis ser na- esbarravam “numa sociedade
tico, que o define e nele incorpora as vir o bem comum e não para servir tural do Reino. Na época esse foi ape- de valores e comportamentos
populações muçulmanas e judaicas nenhum grupo, nem sequer a nobre- nas um entre muitos argumentos atávicos”. Sente o mesmo?
que viviam no Sul, por exemplo. za de Entre-Douro e Minho, que sem- trocados. Por exemplo: a facção do Essa percepção surge sobretudo nos
Nesta obra, no período referente pre considerou que tinha sido ela a Mestre também criticava os adversá- séculos XIX e XX, se bem que já tives-
à I Dinastia, escreve-se que as fazer o Rei. rios por, na época, os reis de Castela se sido esboçada com o governo pom-
relações entre os nobres e o Rei Continua válida a interpretação terem ficado do lado dos “hereges” balino, um governo que não se via
foram muito mais conflituosas da crise dinástica de 1383-85 no cisma que então abalou a Igreja de limitado pelas tradições e tinha como
do que estávamos habituados a segundo a qual foi o povo que Roma… Também não podemos falar única fonte de direito o poder do Rei.
pensar, até porque em Portugal se colocou ao lado do Mestre de de nenhuma revolução, antes da uti- A partir desse primeiro momento,
não se chegaram a criar Avis contra os nobres aliados a lização do povo de Lisboa, como vol- sempre em nome do “bem comum”,
estruturas do tipo feudal. Castela? A revolta dos artesãos e taria a ocorrer em 1580, em 1640, ou o poder político pôde permitir-se
De facto os nobres viam o Rei como comerciantes de Lisboa pode ser mesmo em 1910. Nem foi essa movi- “transformar a sociedade”. No século
uma espécie de “primus inter pares” vista, como a viu Álvaro Cunhal, mentação popular que, depois, nas XIX, com os liberais, essa ambição
e o clero via-o como alguém que lhe como uma proto-revolução Cortes de Coimbra, sustentou a argu- afirma-se em toda a sua extensão:
estava submetido, pelo que o Rei tem, burguesa? mentação de João das Regras. O que quer-se mudar a sociedade, os com-

Ípsilon • Sexta-feira 22 Janeiro 2010 • 23

Você também pode gostar