Você está na página 1de 5
Por que muitas professoras consideram f Nsinar a ler? Para que serve a leitura, ponto de vista das criancas? Que difere iste entre ser alfabetizado e ser letra Mira um menino de 12 anos nfo seria Weferivel aprender a ler com algo mais il@ressante do que a li¢ao do pato? Qué “T@Xtos escolher para as criancas? Por quit Wofessoras se calam sobre a propria pra Gr que ¢ tao dificil o dialogo entre Desc dores universitarios e professol 6 Gnsino fundamental? 8 sdo algumas das questées levantad) ieutidas por Marlene Carvalho em ibetizar e letrar - Um didlogo entre @ iOrid e a pratica. Neste livro, dirigido q ofessores e alunos de cursos de peda ) @institutos superiores de formacao de “Wofessores, a autora argumenta que é iNsivel alfabetizar criangas e adultos, 1pm Inarlhes o codigo alfabético, e, ao lo tempo, com a mesma énfase, idé-los a participar da aventura do O que significa letramento? No titulo deste livro, estdo reunidas duas palavras - alfabetizar e letrar-, a primeira das quais é usada com desenvoltura pelos professores. Ainda assim, vamos nos deter no seu significado. Ifabetizacéo no sentido restrito de aprendizagem it isto é, a acdo de ensinar (ou o resultado de aprender) o cbdigo alfabétic seja, as relagdes entre letras e sons. Existem definicées mais amplas de alfabetizacdo que incluem as habilidades de interpretagao de leitura e produgao de escrita, e até de conhecimento do mundo, mas prefiro destacar o carater especifico da alfabeti ), que considero um processo li- mitado no tempo, no contetido e nos abje IS. ‘Segundo Magda Soares, “no Brasil, os conceitos de alfabetizagao ¢ letra- mento se mesclam, se superpdem e freqtientemente se confundem” (Soares, ). Isto ndo é bom, pois os processos de alfabetizar e letrar, embora , 880 especificos, afirma a autora. Alfabetizar é ensinar o codigo letra ¢ famiarizar 0 aprendiz com 05 diversos usos socials daletu- fae eserita, ‘Magda Soares (1998) tragou a historia da palavra letramento, originada do termo inglés literacy, ¢ introduzida na nossa lingua em meados da década de ‘80, Assim a autora definiu letramento: resultado da ago de ensinar ou de aprender a ler e escre- ver: 0 estado outa condigso que adquire um grupo socal ou um i como conseqtiencia de ter-se apropriado da escrta Goares, 1998, p. 18) que oletramento traz conseqtiéncias (politicas, econd- ie se apropriam da escr suldades para se expressarem por escrito. Lead pce loem ‘amos usando esse termo, é alguém que se apropriou sufi- jemente da escrita ¢ da leitura a ponto de usé-las com desenvoltura, com dade, para dar conta de suas atribuicdes sociais e profissionais. Analfabetismo no Brasil © Brasil chegou ao século XXI sem conseguir resolver o problema do nalfabetismo, Segundo o IBGE", o indice nacional de analfabetismo em 2003 a de 11,6%, incluidas as pessoas de 15 anos ou mais. ‘A matricula no ensino fundamental vem crescendo, de modo que é possi- esperar uma reduséo do analfabetismo nos proximos anos, isto se as esco- 1narem mais eficientes, e se os indices de evasdo escolar diminuirem, pols ha criangas que deixam a escola depois de dois ou trés anos de estudo, fem terem conseguido aprender a ler e escrever razoavelmente. ituagdo do analfabetismo varia conforme a regio do pais e a zona (r= yal ott urbana), Existem ainda municipios brasileiros que tém porcentagens de nais de 50% de analfabetos, enquanto hé outros em que essa taxa nao chega 8 10% (MEC/Inep, 2003) Entre as condigées sociais que explicam a persisténcia do analfabetismo ‘no limiar do século XXI, pademos destacar: pobreza e desemprego, que im- escola, ou manté-los als traba- wualidade insatisfatéria de alguns siste- is e estaduais; confuséo entre campanha de alfabetizacao (que ; Mas educactonais e escalas muni (hecessariamente emergencial e proviséria) e po! deve ser Permanente) mivolva processos de letrament Ibotismo estéo decrescendo, ainda que lentamente. Em 1998, havia 13,8% de ‘em 1999, 13,99; em 2000, 12,9%; em 2001, 12,43 em 2002, fe noubge.gov-br| Aprender a gostar de ler Algumas pessoas criam gosto pela leitura pelo exemplo dos familiares, outras, por influéncia de professores ou por circunstancias fortuitas de suas ist6tias de vida. No entanto, a formagao de leitores em grande escala, via es- « magaio de professores-leitores, na oferta abundante de bons e variados mate- tiais escritos, e na instalacéo de bibliotecas e salas de leitura bem equipadas, dinamizadas por bibliotecérios. Nao se ensina a gostar de ler por decreto, ou por imposi¢ao, nem se for- ma letrados por meio de exercicios de leitura e gramatica rigidamente contro- lados. Para formar individuos letrados, a escola tem que desenvolver um tra- balho gradual e continuo. Ha muitas formas de ler, conforme os objetivos do leitor, a situacéo em tempo dispontvel, o material a ser ldo etc. Alem integral do texto, incentivada e mesmo exigida pela escola, os leito- jentes praticam outras modalidades de leitura: a seletiva, para répida consulta de informacées; 0 passar os olhos numa revista; a leftura descom- rr salta as paginas (de um romance, por exemplo) que ndo Ihe interessam, a leitura deslinearizada do jornal, a leitura detalhada € pausada para fins de estudo, dentre outras. A leitura seletiva é uma estratégia do leitor que tem a intengao de nao ler tudo. Ea forma de ler que julga pertinente para suas necessidades, numa dada situagSo. Isto que dizer que ele procura alguma coisa enquanto Ié. A leitura sele- tiva nao é ensinada na escola, mas os alunos terminam por desenvolve-4a intu- tivamente, ao procurar respostas para um questionatio, por exemplo, gosto pela leitura pode ser cultivado desde a alfabetizacao. Michel Da- bene®, pesquisador francés na area da ra, Sugere mostrar as criangas que saber ler é “fazer acordar as hist6rias” que dormem nos livros. Atividades de leitura bem selecionadas mostram aos alunos que eles se alfabetizam para aprender, para divertir-se, e para fins praticos, como ler um cartaz, um aviso. Essa sensibilizacéo deve ser acompanhada de atividades de leitura livre, néo 2. Anotagdes de uma confertncla de Michel Dabene, no Rio de dentro, 68 gulacla, As diferentes hipoteses de leitura {memorizacdo de texto, adivinhagao pode estar escrito, invencdo de historia a partir da gravura) podem ser {elias desde muito cedo. A crianga enganar, compreender mal, nao im- ‘porta, diz o autor. O importante é o que ela faz para entender bem. - Dabene destaca as condigées de éxito da aprendizagem: 1) Valorizar a oralidade da crianca e sua cultura fora de escola, que nao deve ser encarada como uma subcultura, 2) Formar um ambiente favoravel a leitura e & escrita na escola, principal- monte quando hé desigualdades sociais. Organizar os cantos de leitura para atividades no guiadas, valorizar as situacdes espontaneas de eltura. 3) Lembrar que a escrita no é a transcri¢ao do oral. Para a crianga que ‘omega a escrever, essa € uma das maiores dificuldades, pois aprender a escrever ndo se resume a aprender a escrever 0 que se diz. Alias, o que se diz espontaneamente, quando é transcrito, parece extremamente can salivo e desagradével de ler. Alguns tentam, erradamente, ensinar a ctian~ {ga falar como se escreve, ou a escrever como se fala. E preci duos ordens diferentes, a da lingua escrita e a da lingua oral. Letramento escolar Para certas criancas, um problema de atraso ou insucesso na alfabeti- gag logo se transforma numa dificuldade grave que as conduz a turmas di- Torenciadas, batizadas com nomes diferentes ao longo das décadas: turmas “de repetentes, de renitentes, lasses de adaptacdo, classes ce atrasados es peciais, turmas de aceleracdo, turmas de progresséo etc. A possibilidade “ilo retomar o fluxo normal da escolaridade, depois de ter feito parte dessas “{urmas, é remota, pots se por um lado os alunos “fracos” sentem-se diminu- js o desmotivados, as professoras que os recebem séo muitas vezes inexpe- itatos suficientes com a ‘ue fornarem letvados, néo ganham fluéncia, sentem averséo pela letem-se em outras reas do curriculo. Forma: los0: a crianga nao 18 ow no compreende o que Ie, endo melhora na leitur 1 porque ninquém a ajuda a superar essa dificuldade. Quais 05 caminhos de que dispée a escola para melhorar o proceso de d jutamente nor Para alfabetizar, letrando, deve haver um trabalho intencional de seni zagho, por meio de atividades especificas de comunicagéio, por exemplo: es» crever para alguém que no esta presente (bilhetes, correspondéncia escor lar), contar uma histéria por escrito, produzir un jomal escolar, um car etc, Assim a escrita passa a ter fungao social. Na etapa de sensibilizagio, a crianga deve ser ajudada para compreender as exigéncias das variagdes da escrita, de acordo com o género de texto, 0 lele tor potencial, os objetivos do autor etc. ‘Sugerimos alguns tipos de textos, de uso corrente na vida social, que vem ser trabalhados ao longo do ensino fundamental, em diferentes projet @ em diferentes momentos: 1) Narrativas (historias de autoria conhecida, ou ndo; contos de faclas tbrias do folclore, lendas; historias de vida; “casos” da vida cotidiat 2) Listas (de compras, de coisas a fazer, de herdis favoritos, de personar gens, de meninos e meninas, de brincadeiras etc.) 3) Poemas (para serem aprendidos de cor, para serem recitados ou lidos silenciosamente). 4) Receitas de cozinha (receitas simples e econdmicas podem eventual: mente ser preparadas na escola). '5) Quadrinhos (ctiangas ndo s6 leem mas produzem suas proprias historias) 6) Bilhetes, cartas e telegramas. j 7) Convites (para festas escolares, exposigdes, reunides de pats). 88) Cartazes, textos de propaganda (para promover campanhas). 9) Agendas e didrios (textos de natureza intima). 10) Textos didaticos (de Portugués, Matematica, Estuclos Social a ‘eportagens (sobre o que esta ocorrendo na escola, no bait 12) Relatérios de visitas ou de pesquisa. 13) Documentos da vida cotidiana (cheques, requerimentos, formularios ete. 4) Bulas (‘le remédios de uso comum).. a 1c observar em cada tipo de texto tuagio sodial em que o texto foi ou seré usado: uma carta ou bihe- ‘um convite; um artigo ou uma reportagem, um requerimento, uma Turliddo, uma lista etc. aparecem em contextos socials diferentes. © local ou locais em que 0 texto foi ou seré encontrado: na rua, na es: jornal, no mercado, no tribunal, na televiséo ete. silhucta" do texto. As formas gréficas de uma receita de cozinha, de jpoema, de uma lista séo diferentes, apresenta um texto aos alunos iclos a ressaltar quando se © autor: Nem todos os textos tem autoria declarada, Nos jomais, por emplo, apenas uma parte dos escritos so ‘assinados. No caso de textos possuem um autor declarado (como é o caso da maioria dos livros), feressa saber quem é ele, quando e onde escreve ou escreveu, 0 que se ‘gabe sobre suas idéias, a quem se dirige etc. (Os objetivos do autor: um texto pode ser escrito para informar, dar no- {fazer rir, argumentar, convencer, discutir um problema, nar mento, expressar idéias, vender um produto, apresentar | ropostas etc. O que sabemos sobre a intengo do autor (ou autores) 20 cto que estamos: examinando? © assumto: Em certos casos, & preciso conhecer algo sobre 0 assunto ual o texto trata para poder compreendélo. um titulo? Se existe, 0 que o titulo nos permite prever itetxdo do texto? se de um artigo, uma crénica, uma reportagem, um po- 18? Cada um desses géneros de texto suas: jue sabemos sobre o género em quest 9? A or- é muito importante. O que é que faz com que uma se- forme um texto? Na maioria dos casos de dificuldades ‘a crianga compreende cada frase isoladamente, mas nao 0 tex A ‘escola ndo ensina como o texto @ elaborado. ma carta ou o qué a jpela qual 08 textos se organizam, a partir do titulo, ‘eonvengdes, e descobrando-se paragrafo por paragrafo ios, & principalmente aprender a dialogar com os autores, ‘© que eles nos dizem ¢ comparando as suas com as nossas proprias idéias. ‘Quem sabe, um dia, as criangas ¢ jovens brasileiros poderdo estudar e apren- der contetidos por meio da letura e ainda usufruir com alegria dos direitos dos leitores, dentre os quais, 0 direito de reler; 0 direito de amar os herdis do ro- ‘mance; 0 direito de ler néo importa onde; 0 direito de saltar de livro em livro e até mesmo 0 direito de ndo falar do que se leu (Pennac, 1992). Referéncias bibliograficas MINISTERIO DA EDUCAGAO/Instituto Nacional de Pesquisas Ps ic Teixeira. Mapa do analfabetismo, 2003 [8.n. err ee wie PENNAG, Daniel. Commo um roman. Pars: Gallimard 2001. SOARES, Maa, Loam: un ome am tee gaa. Blo sso: Atte, —Letramento¢ atfabettzapto: as muita facotas (Trabalho apresentado na 26° Rev ‘ido Anual da Associagao Nacional de Pés-gracuagao e Pe 7 Pogos de Caldas, 7 de outubro de 2003}. is ert naa,

Você também pode gostar