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A Nova Aventura dos Cinco

Enid Blyton

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Índice

CAPÍTULO I - ACABARAM AS AULAS .................. 5

CAPÍTULO II - OUTRA VEZ OS CINCO ............... 15

CAPÍTULO III - O NOVO PRECEPTOR ................ 24

CapÍTULO IV - UMA DESCOBERTA SENSACIONAL ....... 36

CAPÍTULO V - UM PASSEIO DESAGRADÁVEL ........... 47

CAPÍTULO VI - AS LIÇõES COM O SR. ROLAND ....... 57

CAPÍTULO VII - INDICAÇÕES PARA O CAMINHO SECRETO 69

CAPÍTULO VIII - O DIA DE NATAL ................. 80

CAPÍTULO IX - À PROCURA DO CAMINHO SECRETO ..... 89

CAPÍTULO X - UM DESGOSTO PARA A Zé E PARA O TIM 101

CAPÍTULO XI - OS PAPÉIS ROUBADOS .............. 112

CAPÍTULO XII - A Zé EM APUROS ................. 122

CAPÍTULO XIII - JÚLIO TEM UMA SURPRESA ........ 133

CAPÍTULO XIV - FINALMENTE O CAMINHO SECRETO ... 147

CAPÍTULO XV - UMA JORNADA DIVERTIDA ........... 158

CAPÍTULO XVI - AS CRIANÇAS DESCOBERTAS ........ 169

CAPÍTULO XVII - VALENTE Tim! ............. 178

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CAPÍTULO I

ACABARAM AS AULAS

Chegara a semana do primeiro período escolar. Todas as raparigas daquele


colégio faziam planos para as férias do Natal.

Quando Ana se sentou à mesa para o pequeno almoço pegou numa carta que lhe
era dirigida.

- Olha para isto - disse ela à prima Maria José que estava sentada a seu lado. -
Uma carta do paizinho! Ainda ontem recebi uma da mãe e outra dele!...

- Espero que não sejam más notícias - disse a Zé.

Ela não deixava ninguém tratá-la por Maria José e, agora, mesmo as professoras
lhe chamavam Zé. Realmente parecia um rapaz, com o seu cabelo muito curto e
encaracolado e as suas maneiras arrapazadas. Zé olhava ansiosamente para a prima,
enquanto esta lia a carta.

- Ó Zé, não podemos ir a casa nas férias! - exclamou Ana, com lágrimas nos
olhos. - A mãezinha apanhou escarlatina e o pai tem de ficar a tratá-la. Não nos podem
ter em casa, por causa do contágio. Não é horrível?

- Oh, estou cheia de pena - disse a Zé. E estava tão desapontada por ela própria
como pela prima, pois a mãe de Ana tinha convidado a Zé e o seu cão Tim para
passarem as férias do Natal.

Tinham-lhe prometido muitas coisas que nunca vira - os fantoches, o circo e uma
grande festa com uma linda árvore de Natal! Agora, nada disso poderia ter.

- Que irão dizer os dois rapazes? - disse Ana, pensando em Júlio e David, seus
irmãos. - Eles também não poderão ir a casa, com certeza.

- Então, que vão vocês fazer durante as férias? - perguntou Zé. - Querem vir
comigo para o Casal Kirrin? Tenho a certeza de que a minha mãe vai gostar de os ter ali
outra vez. Nós divertimo-nos tanto quando vocês lá passaram as férias grandes!

- Espera um bocadinho; deixa-me acabar a carta para ver o que diz o pai -
interrompeu Ana, voltando a desdobrar o papel.

- Pobre mãezinha. Deus queira que não se sinta muito doente.

Ana leu mais algumas linhas e depois soltou uma exclamação tão viva que Zé e as
outras raparigas esperavam impacientemente que ela se explicasse.

- Zé! Nós vamos outra vez para tua casa mas, oh novidade, novidade, novidade!
teremos um preceptor durante as férias; em parte para olhar por nós, de modo que a tua
mãe não terá que se incomodar muito connosco, e também porque o Júlio e o David
estiveram duas vezes com gripe durante este período e ficaram atrasados nos estudos.

- Um preceptor? Que aborrecimento! E até aposto que também tenho de ouvir


lições - disse Zé, desanimada. - Quando o pai e a mãe virem as minhas notas vão
perceber como eu fui cabula. Mas afinal é a primeira vez que estou interna num colégio e
há muitas coisas que não sabia.

- Que férias detestáveis vão ser, se tivermos um preceptor a correr atrás de nós
durante todo o tempo! - exclamou Ana, muito triste. - Espero ter umas notas bastante
boas, pois os exames correram-me bem, mas não vai ser nada divertido para mim se
vocês tiverem lições durante as férias. Claro que sempre poderei ir com o Tim dar uns
passeios, suponho. Ele não terá lições!...

- Eu digo-te que sim - afirmou Zé, por não suportar a ideia de ver o seu querido Tim
sair todas as manhãs com Ana, enquanto ela ficaria a estudar com Júlio e David.

- O Tim não pode ter lições, não sejas pateta, Zé - disse Ana.

- Mas pode deitar-se aos meus pés, enquanto eu estudo - respondeu Zé. - Há-de
ser uma grande ajuda senti-lo ali. Mas por amor de Deus come o teu pão, Ana. Já todas
acabámos. A campainha deve estar a tocar e ainda te levantas sem teres tomado o café.

- Estou satisfeita por a mãezinha não estar muito mal - disse Ana, apressando-se a
acabar a leitura da carta. - O pai diz que escreveu ao Júlio e ao David e também ao teu
pai pedindo-lhe para arranjar um preceptor. Que raiva! Isto é um despropósito, não é? Eu
gostava tanto de ir outra vez para o Casal Kirrin e de ver a ilha Kirrin, apesar de não haver
lá fantoches, nem circos, nem festas!

O fim do período veio depressa. Ana e Zé fizeram as malas, animadas com o


movimento e a excitação dos últimos dois dias. As camionetas do colégio pararam em
frente da entrada e as pequenas apressaram-se a subir.

- De novo para Kirrin! - disse Ana. - Vamos, querido Tim, senta-te aqui, entre mim e
a Zé.

Aquele colégio permitia às alunas levarem para lá os seus divertimentos favoritos,


e Tim, o cão da Zé, portara-se maravilhosamente. Uma vez correu atrás da leiteira e
entornou-lhe a bilha; mas, na aula da Zé, ele esteve sempre muitíssimo bem.

- Tenho a certeza que terás umas belas notas, Tim - disse Zé abraçando-o. -
Vamos de novo para casa. Estás contente?

- Rrrrm - respondeu Tim, com o seu grosso rosnar.

Pôs-se em pé, abanando a cauda, mas logo se ouviu um grito da miúda que
estava atrás.

- Zé! Obriga o Tim a estar quieto. Quer tirar-me o chapéu com a cauda.

Pouco depois de as duas pequenas chegarem a Londres (o colégio era nos


arredores) foram levá-las ao comboio para Kirrin.

- Gostava que os meus irmãos também viessem hoje - suspirou Ana. - Se assim
acontecesse, podíamos ir todos juntos para Kirrin. Seria bem divertido!

Mas Júlio e David saíram do colégio apenas no dia seguinte e só então se foram
juntar às pequenas. Ana tinha muitas saudades dos irmãos. Um período escolar inteiro
era muito tempo para estarem longe uns dos outros. Todos os três tinham passado o
Verão com a prima Zé e tiveram juntos umas aventuras extraordinárias naquela
pequenina ilha, perto da costa. Ali ficava um velho castelo onde os pequenos descobriram
toda a espécie de coisas maravilhosas.

- Vai ser óptimo atravessar outra vez para a ilha Kirrin - disse Ana, enquanto
avançava.

- Agora não o poderemos fazer - respondeu Zé. - O mar à volta da ilha é


terrivelmente bravo no Inverno.

- Que pena! - disse Ana, desapontada. - Estava a pensar em arranjar ali mais
aventuras. - É impossível haver aventuras no Inverno, em Kirrin - disse Zé. - É muitíssimo
frio, e quando neva, algumas vezes ficamos completamente bloqueados e nem mesmo
podemos ir à cidade porque o vento que sopra do mar levanta muito alto os flocos de
neve.

- Oh! Isso parece muito divertido!

- Bem, para dizer a verdade, tem pouca graça! - disse Zé. - É um terrível
aborrecimento; não há nada que fazer senão sentarmo-nos em casa todo o dia ou ir lá
fora com uma pá cavar a neve da entrada para desimpedir o caminho.

Só depois de bastante tempo o comboio chegou à pequena estação que servia


Kirrin. As crianças saltaram e olharam em volta para ver se alguém as esperava. Até que
avistaram a mãe da Zé!

- Olá, querida Zé! Olá, Ana! - disse a boa senhora, abraçando-as. - Tenho pena da
tua mãe, Ana, mas ela está muito melhorzinha.

- Ainda bem! - exclamou Ana. - É muito amável por nos querer aqui outra vez, tia
Clara. Vamos fazer o possível por nos portarmos bem! Como está o tio Alberto? Ele não
se importará de nos ter cá em casa, agora no Inverno? Nós não poderemos sair e deixá-lo
em paz tantas vezes como o fazíamos no Verão!

O pai da Zé era um cientista, um homem muito inteligente, mas bastante maçador.


Tinha pouca paciência para as crianças e os quatro tinham medo dele.

- Olha, o teu tio continua a trabalhar muito no seu livro - disse a tia Clara. - Como
sabes, está a descrever uma teoria secreta, uma idéia secreta que vem toda no livro. Ele
diz que uma vez tudo explicado e acabado o livro, vai levá-lo a uma grande autoridade no
assunto, e então a sua descoberta há-de ser aproveitada para o bem do país.

- Ó tia Clara, isso parece maravilhoso! disse Ana. - Qual é o segredo?

- Não posso dizer-te, minha patetinha - respondeu a tia, rindo. - Mesmo eu não o
sei: Vamos para casa. Aqui paradas apanhamos frio. O Tim está muito gordo e com bom
aspecto.

- Nem calcula, mãe, gostou imenso do colégio. Uma vez mordeu os chinelos velhos
da cozinheira...

- E corria atrás do gato que vivia nos estábulos - acrescentou Ana.


- E uma vez entrou na despensa e comeu uma empada grande de carne, toda
inteira acrescentou a Zé. - E outra vez...

- Meu Deus, filha, está-me a parecer que o colégio vai recusar o Tim no próximo
período - disse a mãe da Zé, consternada. - Ao menos foi bem castigado? Espero que
sim.

- Não, mãe, não foi - respondeu Zé, fazendo-se vermelha. - Bem vê, nós somos
responsáveis pelos nossos cãezinhos. Se o Tim fizesse uma coisa mal, seria eu a
castigada, por não o ter fechado bem, ou coisa assim.

- Então deves ter recebido muitos castigos - disse-lhe a mãe, enquanto pela
estrada, coberta de neve, guiava a “charrette” puxada por um pônei. - Penso que foi uma
belíssima idéia! Ia piscando um olho e sorrindo enquanto falava. - Parece-me que vou
aproveitar a idéia e castigar-te cada vez que o Tim se portar mal!

As garotas riram-se. Sentiam-se felizes e excitadas. As férias queriam dizer


divertimento. Voltar para Kirrin era delicioso. No dia seguinte viriam os rapazes e depois
chegaria o Natal!

- Querido Casal Kirrin! - exclamou Ana quando avistaram a linda casa de


construção antiga. - Olha, lá está a ilha Kirrin! Que quantidade de aventuras ali tivemos no
Verão!

Entraram em casa.

- Alberto! - chamou a mãe da Zé. - As pequenas estão aqui.

O tio Alberto saiu do escritório que ficava no outro lado da casa. Ana achou que ele
parecia mais alto e mais moreno do que nunca. - E mais assustador! - disse ela para
consigo. O tio Alberto podia ser muito inteligente, mas Ana preferia uma pessoa mais
alegre e animada, como seu pai. Ana beijou o tio delicadamente e viu Zé fazer o mesmo.

- Bem - disse o tio Alberto para Ana -, o teu pai encarregou-me de arranjar um
preceptor para vocês. Pelo menos para os dois rapazes. Terão de se portar muito bem
com o preceptor, já os aviso!

O tio tinha querido falar de brincadeira, mas tanto Ana como Zé não conseguiram
rir-se. As pessoas com quem era preciso portarem-se muito bem eram em geral muito
insípidas e aborrecidas. Ambas se sentiram satisfeitas quando o pai da Zé voltou para o
seu escritório.

- O teu pai ultimamente tem trabalhado muitíssimo - disse a mãe da Zé dirigindo-


se à filha, anda cansado. Graças a Deus o livro está quase pronto. Ele esperava terminá-
lo pelo Natal e assim poderia juntar-se a nós nas danças e nos jogos, mas, afinal, diz que
não pode ser.

- Que pena! - disse Ana, delicadamente, ainda que em segredo pensasse outra
coisa. Não seria nada divertido ver o tio Alberto a jogar aos provérbios e brincadeiras
semelhantes. - Tia Clara, tenho tanta vontade de ver o Júlio e o David! Tia Clara, no
colégio ninguém chama à Zé, Maria José, nem mesmo as professoras. Eu tinha
esperanças que chamassem, só para ver o que aconteceria quando ela se recusasse a
responder! Zé, tu gostaste do colégio, não gostaste?
- Muito - respondeu Zé. - Pensava que era detestável ter de ficar com todas as
outras, mas, no fim, é divertido. Ouça mãe, tenho medo que não ache as minhas notas
muito boas. Havia tantas coisas em que eu era cábula por nunca as ter aprendido!

- Eu explicarei isso ao teu pai, se ele ficar aborrecido. Agora vão-se arranjar para
jantar. Com certeza estão cheias de fome.

As raparigas subiram ao seu quarto.

- Estou contente por não passar as férias sozinha - disse Zé. - Tim, onde te
meteste?

- Foi cheirar tudo à volta da casa, para ter a certeza de que é a sua própria casa! -
disse Ana, com uma gargalhada. - Ele quer saber se a cozinha, a casa de banho e o seu
cesto têm o mesmo cheiro. Deve ser tão bom para ele vir de férias, como para nós!

Ana tinha razão. Tim estava radiante por ter voltado. Corria à volta da tia Clara,
tropeçando-lhe nas pernas, encantado, por tornar a vê-la. Correu para a cozinha mas
depressa voltou, pois encontrava ali uma pessoa desconhecida - Joana, a cozinheira -
uma criatura gorda e corada que o olhou com desconfiança.

- Podes entrar na cozinha, uma vez por dia, para jantares - disse Joana. - E mais
nada. Não quero ver as salsichas, a carne e os frangos a desaparecerem. Bem sei como
são os cães!

Tim correu da casa de jantar para a sala e ficou satisfeito por encontrar o mesmo
velho cheiro. Pôs o focinho na porta do escritório onde trabalhava o pai da Zé e cheirou
com cautela. Não quis entrar. Tim partilhava com as crianças daquele medo especial pelo
tio Alberto. Correu novamente para o quarto das pequenas. Onde estava o seu cesto? Ah,
ali estava, perto da janela. Óptimo! Aquilo significava que ele dormiria mais uma vez no
quarto das meninas! Deitou-se, todo enroscado, e começou a abanar a cauda.

- Satisfeito por voltar - parecia dizer. - Satisfeito por voltar!

CAPÍTULO II

OUTRA VEZ OS CINCO

No dia seguinte chegaram os rapazes. Ana, Zé e Tim foram esperá-los à estação.


A Zé guiava a “charrette” e Tim ia sentado a seu lado. Ana nem pôde esperar que o
comboio parasse. Corria ao longo do cais, procurando Júlio e David nas carruagens que
iam passando. De repente viu-os. Estavam numa janela da última carruagem, gritando e
acenando.

- Ana! Ana! Estamos aqui! Olá, Zé! Ali está o Tim!

- Júlio! David! - gritava Ana. Tim começou a ladrar, aos pulos. Estavam todos
excitados.

- Ó Júlio! Estou encantada por vos ver outra vez! - exclamou Ana, abraçando os
irmãos. Tim continuava a saltar em volta das crianças, mostrando que estava muito
satisfeito.
Os três irmãos e o cão continuavam juntos, a vozear todos ao mesmo tempo,
enquanto um moço de fretes tirava a bagagem do comboio. Ana reparou, então, que
faltava a Zé. Olhou em redor, procurando-a. Não conseguiu vê-la.

- Onde está a Zé? - perguntou Júlio. - Agora mesmo aqui estava.

- Deve ter voltado para a “charrette” - disse Ana - Digam ao moço para levar as
vossas malas para lá. Vamos! Temos de encontrar a Zé.

Zé estava parada junto do pónei, de cabeça erguida. Parecia um tanto aborrecida,


pensou Ana. Os rapazes foram ter com ela.

- Olá, Zé! - gritou Júlio. E deu-lhe um abraço. David fez o mesmo.

- Que te aconteceu? - perguntou Ana, admirada com o repentino silêncio da Zé.

- Naturalmente pensou que a pusemos de parte - disse Júlio.

- Sempre a mesma Maria José!

- Não me chames Maria José! - protestou a pequena, zangada.

Os rapazes começaram a rir.

- Continuas com o mesmo mau génio, muito bem! - disse David, dando à pequena
uma amigável palmada nas costas. - Ó Zé, é mesmo bom voltar a ver-te. Ainda te lembras
das nossas maravilhosas aventuras, no Verão?

Zé tornou-se menos macambúzia e mais amável. Ela realmente sentira-se


deslocada quando viu a manifestação que os dois rapazes faziam à sua irmãzinha - mas
ninguém conseguia estar de mau humor, por muito tempo, junto de Júlio e David.

As quatro crianças subiram para a “charrette”. O bagageiro colocou ali as duas


malas. Já não havia mais espaço vazio. Tim sentou-se em cima das malas, com a cauda
a abanar e a língua de fora, em sinal de agrado.

- Vocês têm muita sorte por poderem levar o Tim para o colégio - disse David,
fazendo festas ao cão. - No nosso colégio não é permitido. É uma pena para aqueles que
gostam de animais.

- O Tomás levou um rato branco - contou Júlio. - Um dia fugiu e logo foi passar
pelos pés do Director. Nem calculas o sarilho que se seguiu.

As pequenas riram. Os rapazes contavam sempre histórias engraçadas, quando


voltavam do colégio.

- E o Hugo juntava caracóis - disse David. - Vocês sabem que os caracóis dormem
durante todo o Inverno, mas o Hugo guardou a caixa num lugar muito quente e os
caracóis começaram a deslizar, saíram da caixa e subiram ás paredes. Haviam de ver
como nós rimos quando o professor de geografia mandou o Henrique apontar o Cabo
Branco, no mapa, e mesmo naquele ponto estava um caracol!

Todos riram novamente. Era tão bom voltarem a juntar-se uma vez mais! Tinham
quase a mesma idade - Júlio tinha doze anos, Zé e David tinham ambos onze, e Ana
fizera dez. Estavam em férias e aproximava-se o dia de Natal. Não admira que eles
estivessem tão contentes e rissem por tudo, mesmo pela graça mais insignificante.

- Ainda bem que a mãe está melhor, não acham? - disse David, enquanto o pónei
ia caminhando num trote apressado. - Devo confessar que fiquei um pouco desapontado
por não ir a casa - eu queria ir ver a fita da “Gata Borralheira” e queria ir ao Circo - mas
também é bom voltarmos ao Casal Kirrin. Gostava que conseguíssemos arranjar
mais algumas aventuras divertidas. Mas não tenho muitas esperanças, desta vez.

- Há um grande contra durante estas férias - disse Júlio. - É o preceptor. Ouvi dizer
que vamos ter um, porque David e eu faltámos a muitas aulas durante este período e no
fim do ano teremos uma raposa.

- Tens razão - disse Ana. - Estou a pensar como será o preceptor. Espero que
goste de jogos e brincadeiras. O tio Alberto vai hoje escolher um.

Júlio e David fizeram uma careta. Eles tinham a certeza de que um preceptor
escolhido pelo tio Alberto devia ser tudo menos uma pessoa camarada e divertida. A ideia
do tio Alberto sobre um preceptor, seria uma pessoa severa, ríspida e aborrecida. Não
importava! Ele só iria por um dia ou dois. E talvez fosse divertido. Os rapazes resolveram
ser optimistas e depressa voltou a boa disposição. Só Tim não se preocupava com
preceptores! Feliz Tim!

Chegaram, finalmente, ao Casal Kirrin! Os rapazes tiveram verdadeiro prazer em


abraçar a tia e ficaram um tanto aliviados quando ela lhes disse que o tio ainda não
voltara.

- Foi falar com duas ou três pessoas que responderam ao anúncio que pedia um
preceptor - explicou ela. - Não deve tardar.

- Mãe, eu não tenho que dar lições nas férias, pois não? - perguntou a Zé. Ainda
não lhe tinham dito nada sobre o assunto e ela ardia por saber.

- Tens, sim, Zé - respondeu a mãe. - O pai esteve a ver as tuas notas e ainda que
não sejam muito más e nós também não esperássemos que fossem uma maravilha,
mostram que continuas atrasada em algumas disciplinas. Umas explicações vão ajudar-te
muito.

Zé ficou aborrecidíssima. Já esperava isto mas de toda a maneira era uma


maçada. - A Ana é a única que não terá lições - disse ela.

- Eu também irei a algumas, Zé - prometeu Ana, - se estiver um dia muito bonito,


por exemplo, mas outras vezes irei só para te fazer companhia.

- Obrigada - disse Zé -, mas não é preciso. Ficarei com o Tim.

A mãe de Zé duvidou desta afirmação.

- Terão de ver o que dirá o preceptor sobre isso - disse ela.

- Ó mãe! Se o preceptor disser que eu não posso ter o Tim no quarto de estudo
não quero dar lições durante as férias! - disse a Zé, zangada.

A mãe riu.
- Bem, bem, aqui temos nós outra vez a Zé com o seu mau génio! - disse ela. -
Vocês dois, pequenos, vão lavar as mãos e pentear-se. Parece que fizeram colecção de
fuligem durante a viagem. Mas que sujos!...

As crianças e Tim subiram as escadas. Era tão divertido serem cinco outra vez!
Contavam sempre Tim como sendo um deles. O cão acompanhava-os para toda a parte e
na verdade parecia perceber todas as palavras que os pequenos diziam.

- Gostava de saber que espécie de preceptor escolherá o tio Alberto - disse David
enquanto esfregava as unhas. - Se ao menos escolhesse uma pessoa simpática, que
soubesse como as lições nas férias são aborrecidas e tentasse amenizá-las com umas
anedotas! Penso que teremos de trabalhar todas as manhãs:

- Despacha-te! Quero ir lanchar - disse Júlio. - Vem para baixo David. Depressa
teremos notícias sobre o preceptor.

Desceram todos juntos e sentaram-se à mesa. Joana, a cozinheira, fizera uma


porção de pastéis deliciosos e um grande bolo. Mas pouco restava quando as quatro
crianças acabaram de lanchar!

O tio Alberto voltou exactamente quando se levantavam. Parecia bastante


satisfeito. Falou aos dois rapazes e perguntou-lhes se estavam bons.

- Arranjou um preceptor, tio Alberto? - perguntou Ana, que via estarem todos
mortos por sabê-lo.

- Ah, sim, arranjei - respondeu o tio. Ele sentou-se enquanto a tia Clara lhe servia
uma chávena de chá. - Falei com três interessados, e quase tinha escolhido o último,
quando um outro rapaz apareceu, todo apressado. Disse que acabava de ver o anúncio e
esperava que não fosse demasiado tarde.

- Escolheu-o? - perguntou David.

- Escolhi - disse o tio. - Parece uma pessoa muito inteligente; até sabia coisas a
meu respeito e sobre o meu trabalho! E tinha umas belíssimas cartas de recomendação.

- Acho que as crianças não precisam saber todos esses pormenores - murmurou a
tia Clara. - Em resumo, disseste-lhe para vir?

- Claro que sim! - respondeu o tio Alberto. - Ele é um bom bocado mais velho do
que os outros - eram todos bastante novos - e parece muito sensato e inteligente. Estou
convencido que vais gostar dele, Clara. Acho que vou ter prazer de conversar com ele,
algumas vezes, ao serão.

As crianças não puderam deixar de sentir que o novo preceptor era um tanto
alarmante. O tio riu-se para aquelas carinhas tristes.

- Vocês vão gostar do senhor Roland - afirmou ele. - Sabe muito bem lidar com
crianças, sabe ser severo e fazer com que fiquem um pouco mais instruídas no fim das
férias.

Isto ainda parecia mais alarmante! Os quatro pequenos desejavam ardentemente


que tivesse sido a tia Clara e não o tio Alberto a escolher o preceptor.
- Quando vem ele? - perguntou Zé.

- Amanhã - disse o pai. - Vocês podem ir todos esperá-lo à estação. Será um


bonito acolhimento.

- Nós tínhamos pensado em tomar a camioneta e ir fazer algumas compras para o


Natal - disse Júlio, vendo Ana muito decepcionada.

- Isso não! Certamente terão de ir ao encontro do Sr. Roland - declarou o tio.

- Eu disse-lhe que vocês iriam esperá-lo. E tomem atenção vocês quatro -, nada de
disparates! Têm de fazer o que o Sr. Roland lhes mandar e têm de trabalhar muito porque
o vosso pai vai pagar-lhe um bom ordenado. Eu pagarei um terço, pois quero que ele
ensine um pouco a Zé - por isso, Zé, tens de te portar à altura.

- Vou tentar - disse Zé. - Se ele for simpático, não terá razão de queixa.

- Vais portar-te o melhor possível, seja ele simpático ou não - afirmou o pai,
franzindo as sobrancelhas. - Ele chegará no comboio das dez e meia. Façam favor de lá
estar a tempo.

- Espero que ele não seja demasiado severo - disse David, nessa noite, enquanto
os cinco ficaram sozinhos por um ou dois minutos.

- Íamos estragar as férias se tivéssemos alguém em cima de nós durante todo o


tempo. Também espero que ele vá gostar do Tim.

Zé quase gritou.

- Gostar do Tim! Claro que vai gostar do Tim! Porque não havia de gostar do Tim?

- Bem, o teu pai no último Verão não gostava muito do Tim - disse David. - Eu não
percebo como é que alguém pode não gostar deste cão, mas há pessoas que não gostam
de cães, bem sabes, Zé!

- Se o Sr. Roland não gostar do Tim, não farei nada para ele - afirmou Zé. - Nem
uma simples coisa!

- Voltou-lhe outra vez o mau génio! - disse David, com uma gargalhada.

- Palavra, vai haver tempestade se o Sr. Roland se atrever a não gostar do nosso
Tim!

CAPÍTULO III

O NOVO PRECEPTOR

Na manhã seguinte o sol brilhava, dissipando a neblina que se fizera sentir durante
dois dias, e via-se a ilha Kirrin à entrada da baía do mesmo nome. As crianças olharam,
avidamente, para o castelo em ruínas.

- Eu gostava de voltar ao castelo - disse David. - O mar parece muito calmo, Zé.
- É muito bravo junto da ilha - respondeu a Zé. - Sempre assim acontece nesta
altura do ano. Sei que a mãe não nos deixará ir.

- É uma ilha maravilhosa! - exclamou Ana: - Vamos, temos de atrelar o pónei.


Chegaremos atrasados se ficarmos aqui mais tempo a olhar para a ilha.

Partiram todos, aos solavancos. A ilha Kirrin desapareceu atrás de uma colina
enquanto eles viravam para o interior, em direcção à estação.

- Todas estas terras aqui à volta pertenceram à tua família? - perguntou Júlio.

- Sim, todas elas - respondeu a Zé. - Agora só possuímos a ilha Kirrin, a nossa
casa e aquela quinta além - a Quinta Kirrin.

Ela apontou com o chicote. As crianças viram uma boa casa, já antiga, na encosta
de um vale bastante afastado.

- Quem vive lá? - perguntou Júlio.

- Um velho caseiro já de idade e a mulher - disse Zé. - Eram muito simpáticos para
mim, quando eu era mais pequena. Podemos lá ir um dia, se vocês quiserem. A mãe diz
que eles no Verão recebem pessoas que ali passam as férias a troco de umas libras.

- Meu Deus! O comboio está a apitar no túnel! - exclamou Júlio, de repente. -


Vamos depressa, Zé. De contrário não chegaremos a tempo!

Os quatro pequenos e o cão olharam para o comboio que saía do túnel e se dirigia
para a estação. O pónei continuava a trotar.

- Quem vai à gare recebê-lo? - perguntou a Zé, enquanto entravam no pequeno


largo em frente da estação. - Eu não posso. Tenho de tomar conta no Tim e no pónei.

- Eu também não quero ir - disse Ana. - Ficarei com a Zé.

- Então vamos nós dois - disse Júlio.

Ele e David saltaram da “charrette” e correram para a gare no momento preciso em


que o comboio parava.

Não saiu muita gente. Desceu uma mulher com uma cesta. Um rapaz novo saltou
atrás, assobiando - era o filho do padeiro da vila. Um sujeito idoso desceu com
dificuldade. O preceptor não podia ser nenhum deles!

Então, da primeira carruagem saiu um homem com um aspecto bastante singular.


Era alto e tinha a barba crescida à maneira dos marinheiros. Os olhos eram azuis e
penetrantes e a farta cabeleira salpicada de cabelos brancos. Ele olhou para um e outro
lado e depois dirigiu-se ao bagageiro.

- Deve ser aquele o Sr. Roland - disse Júlio a David. - Vamos perguntar-lhe. Não
há aqui mais ninguém que possa ser o preceptor.

Os pequenos aproximaram-se do senhor de barbas. Júlio tirou o boné,


delicadamente. - É o Sr. Roland? - perguntou.
- Sou - disse o homem. - Suponho que vocês são o Júlio e o David, não é verdade?

- Somos, sim - responderam os dois rapazes ao mesmo tempo. - Trouxemos a


“charrette” por causa da sua bagagem.

- Muito bem - disse o Sr. Roland: Os seus olhos azuis e brilhantes observaram os
rapazes dos pés à cabeça.

Júlio e David gostaram dele. Parecia alegre e camarada.

- As duas raparigas também aqui estão? perguntou o Sr. Roland, caminhando pela
gare, com o bagageiro atrás com as malas.

- Zé e Ana estão lá fora com a “charrette” - disse Júlio.

- Zé e Ana - repetiu o Sr. Roland, intrigado. - Julgava que eram dois rapazes e
duas raparigas. Não sabia que havia um terceiro rapaz.

- Oh, a Zé é uma rapariga - respondeu David, com uma gargalhada. - O seu


verdadeiro nome é Maria José.

- E é um bonito nome - afirmou o Sr. Roland.

- A Zé não pensa assim - disse Júlio. - Ela não responde quando alguém lhe
chama Maria José. Talvez seja melhor o senhor tratá-la por Zé!

- Com certeza? - disse o Sr. Roland num tom bastante frio.

Júlio olhou-o de relance.

- Não é tão simpático como parecia - pensou o rapaz.

- Tim também lá está fora - disse David.

- Oh! - Tim é um rapaz ou uma rapariga? - perguntou o Sr. Roland, à cautela.

- É um cão! - disse David, sorrindo.

O Sr. Roland pareceu bastante transtornado.

- Um cão? - disse ele. - Não sabia que havia um cão na casa. O vosso tio não me
falou no cão.

- Não gosta de cães? - perguntou Júlio, cheio de surpresa.

- Não - foi a resposta em tom seco do Sr. Roland. - Mas eu espero que o vosso cão
não me aborreça muito. Olá, Olá, aqui estão as pequenitas! Como passam?

A Zé não ficou muito satisfeita por lhes chamarem “pequenitas”. Por um lado,
detestava ser tratada como uma criança; por outro lado, sempre tentara ser tomada por
um rapaz. Ela apertou a mão do Sr. Roland e não disse uma palavra. Ana sorriu para ele
e o Sr. Roland achou que ela era a mais simpática das duas.
- Tim! Aperta a mão ao Sr. Roland! - ordenou Júlio a Tim. Esta era uma das
melhores graças de Tim. Ele conseguia erguer a pata direita de uma maneira muito
delicada. O Sr. Roland olhou para baixo, para o grande cão e Tim fitou-o.

Então, muito vagarosamente e de propósito, Tim voltou-lhe as costas e subiu para


a “charrette”. Usualmente ele estendia logo a pata, quando alguém lhe pedia para o fazer,
e as crianças ficavam encantadas.

- Tim! Que te aconteceu? - gritou David. Tim baixou as orelhas e não se mexeu.

- Não gosta de si - disse a Zé, olhando o Sr. Roland. - É muito esquisito. Ele
geralmente gosta das pessoas. Mas talvez o senhor não goste de cães.

- Não, realmente não gosto - disse o Sr. Roland. - Quando era rapaz fui uma vez
muito mordido e depois disso nunca mais pude gostar de cães. Mas espero vir a agradar
ao teu Tim, mais cedo ou mais tarde.

Subiram todos para a “charrette”. Ficavam bastante apertados. Tim olhava para os
tornozelos do Sr. Roland como se gostasse bastante de mordê-los. Ana ria-se.

- Tim está a portar-se de uma maneira indecente! - disse ela. - É uma grande coisa
que o Sr. Roland não tenha vindo para o ensinar! Ela riu-se para o preceptor, e este
também sorriu, mostrando uma dentadura muito branca. Os seus olhos tinham um azul
tão brilhante como os da Zé.

Ana gostou dele. O preceptor começou de brincadeira com os rapazes, enquanto


eles guiavam, e ambos começaram a achar que, afinal, o tio Alberto não fizera uma
escolha muito má.

Só a Zé não abria a boca. Estava sentida por o preceptor não gostar do Tim e ela
não conseguia gostar de ninguém que não simpatizasse com o seu cão logo à primeira.
Ela pensava, também, que era muito estranho o Tim não ter querido estender a pata ao
preceptor.

- É um cão inteligente - pensava ela. - Bem sabe que o Sr. Roland não gosta dele e
por isso não quer cumprimentá-lo. Eu não te censuro, querido Tim! Eu também não aperto
a mão a ninguém que não goste de mim!

Foram logo mostrar o quarto ao Sr. Roland à chegada a casa. A tia Clara desceu
depois e falou com as crianças.

- Parece muito simpático e alegre; é engraçado ver um homem tão novo com
aquela barba.

- Novo!? - exclamou Júlio. - Eu acho-o muitíssimo velho! Deve ter pelo menos
quarenta anos!

A tia Clara riu-se.

- Parece-te assim tão velho? - perguntou ela. - Bem, velho ou não, tenho a certeza
que vai ser muito simpático para vocês.

- Tia Clara, não começaremos as lições antes do Natal, pois não? - perguntou
Júlio, com ansiedade.
- Claro que sim! - disse a tia. - Ainda falta quase uma semana para o dia de Natal;
vocês não supõem que nós dissemos ao Sr. Roland para vir aqui e não fazer nada até ao
fim das férias, pois não?

As crianças lastimaram-se.

- Nós queríamos fazer algumas compras para o Natal - disse Ana.

- Bem, vocês podem fazer tudo isso às tardes - disse a tia. - Só darão lições de
manhã. Três horas por dia não vos vão matar com trabalho!

O novo preceptor desceu nessa altura e a tia Clara levou-o ao escritório do tio
Alberto, que apareceu daí a pouco, mostrando-se muito satisfeito.

- O Sr. Roland vai ser uma boa companhia para o teu tio - disse ela a Júlio. - Acho
que se dão muito bem: O Sr. Roland parece bastante interessado no trabalho de teu tio.

- Esperemos que ele passe a maior parte do tempo com o pai! - disse a Zé, em voz
baixa.

- Vamos dar uma volta? - sugeriu David. - Está um dia tão bonito! Esta manhã não
teremos lições, pois não, tia Clara?

- Claro que não - respondeu a tia. - Começarão amanhã. Vão passear; não
teremos muitas vezes dias de sol como este.

- Vamos até à Quinta Kirrin - sugeriu Júlio. - Parece um lugar tão bonito! Mostra-
nos o caminho, Zé.

- A direito! - disse a Zé. Ela assobiou e Tim logo apareceu aos pulos. Partiram os
cinco seguindo pela estrada e depois por um atalho que ia dar à quinta do vale distante.

Era óptimo andar a pé num dia de sol, em Dezembro. Os sapatos dos pequenos
ressoavam no caminho gelado e as patas do Tim faziam Tc, Tc, enquanto ele corria para
cima e para baixo, cheio de alegria por estar novamente com os seus quatro amigos.

Depois de uma longa caminhada as crianças chegaram à quinta. A casa era


construída em pedra branca e parecia bem resistente, na encosta do vale. Zé abriu o
portão e entrou no pátio. Conservava a mão na coleira do Tim, pois havia dois cães de
guarda. Alguém estava na eira ali perto. Era um homem de idade avançada. A Zé
saudou-o em voz muito alta.

- Olá, Sr. Sandeus, como passa?

- Querem lá ver que é o menino Zé! - disse o velho com um sorriso. A Zé também
se riu. Ela adorava ser tratada por menino em vez de menina.

- Estes são os meus primos - gritou a Zé. E, voltando-se para eles: - Ele é muito
surdo, é preciso gritar para ouvir.

- Eu sou Júlio - disse este, aos berros, e os outros gritaram também os seus
nomes. O caseiro parecia satisfeito.
- Entrem e vão falar à Maria - disse ele. - Ela vai ficar encantada por os ver a todos.
Nós conhecemos a menina Zé desde pequenina e também conhecemos a mãe, quando
ela era um bebé.

- Vocês devem ser muito, muito velhos - disse Ana.

O caseiro riu-se para ela.

- Tão velho como a minha língua e um pouco mais velho do que os meus dentes! -
gracejou ele. - Agora vamos para dentro.

Todos entraram na cozinha, espaçosa e bem aquecida, onde estava uma velhinha,
tão atarefada como uma abelha, mexendo-se de um lado para o outro. Ficou tão
satisfeita como o seu marido ao ver as quatro crianças.

- Há meses que não a vejo, menina Zé. Ouvi dizer que foi para um colégio - disse a
velhinha.

- Fui sim - respondeu Zé. - Mas agora estou em casa a passar as férias. Importa-se
que eu solte o Tim? Espero que ele se porte bem, se os seus cães assim o fizerem.

- Pode soltá-lo - disse a Sra. Maria. - Vai divertir-se no pátio com o Be e o Ri. E
agora que querem tomar? Leite quente? Cacau? Café? E tenho algum pão caseiro que
cozi ontem. Vão prová-lo.

- Cá a minha mulher esteve muito ocupada durante esta semana, fazendo toda a
espécie de doces e pastéis - disse o caseiro enquanto a mulher ia à despensa. - Este
Natal vamos ter companhia.

- Ah, vão? - disse Zé, surpreendida, pois sabia que o velho casal nunca tivera
filhos. - Quem está para chegar? Alguém que eu conheça?

- Dois artistas da cidade de Londres! - anunciou o velho. - Escreveram-me pedindo


para os ter aqui durante três semanas, nas férias do Natal e oferecem-nos bom dinheiro.
Por isso a minha mulher anda tão ocupada.

- Vão pintar quadros? - perguntou Júlio, que também queria ser artista. - Estou a
pensar se poderei vir falar com eles, qualquer dia. Eu também tenho jeito para pintar.
Poderão dar-me alguns conselhos.

- Pode vir sempre que quiser - disse a velhinha enquanto fazia cacau num grande
jarro. Colocou sobre a mesa um prato com os mais deliciosos pãezinhos e as crianças
serviram-se com apetite.

- Tenho a impressão de que os dois artistas se vão sentir bastante sós, aqui nos
confins do mundo, durante o Natal - disse a Zé.

- Eles disseram que não conhecem vivalma - respondeu a caseira. - Mas, sabe, os
artistas são muito originais. Já cá tenho recebido alguns. Eles parece que gostam de
vaguear por aí, sempre sozinhos. Farei tudo para que se sintam felizes.

- Hão-de sentir-se, com todas as guloseimas que fizeste para eles - disse o bom
marido. - Bem, tenho de sair para tomar conta no rebanho. Divirtam-se, meninos! Voltem
mais vezes a visitar-nos.
Saiu. A mulher cavaqueava com as crianças enquanto andava de um lado para o
outro, na espaçosa cozinha. Tim sentou-se num tapete que estava perto do lume. Mas, de
repente, viu um gato malhado de amarelo esgueirando-se ao longo da parede, com o pêlo
todo eriçado, cheio de medo do cão desconhecido.

Tim soltou um latido, deliciado, e correu na direcção do gato. Mas este sumiu-se da
cozinha, saltando para a entrada cujas paredes eram todas apaineladas. Tim continuava
a persegui-lo, não fazendo caso nenhum das ordens severas que a Zé gritava.

O gato tentou subir para um grande relógio, de caixa alta, encostado à parede.
Com latidos alegres, Tim tentou imitá-lo. Arremessou-se a um dos painéis de madeira
polida e então aconteceu uma coisa extraordinária! O painel desapareceu e surgiu um
buraco muito escuro na velha parede. A Zé, que tinha seguido Tim, deu um enorme grito
de surpresa.

- Venham, venham todos ver!

Capítulo IV

UMA DESCOBERTA SENSACIONAL

A Sra. Maria e as outras três crianças apareceram na entrada, quando Zé as


chamou.

- Que aconteceu? - gritou Júlio. - Que aconteceu?

- O Tim saltou atrás do gato, não conseguiu apanhá-lo e caiu com toda a força
contra um painel da parede - explicou Zé. - E o painel desandou e, olhem, apareceu um
buraco.

- É um esconderijo! - gritou David muito excitado, espreitando para a abertura. -


Fantástico! Sabia que havia isto aqui, Sra. Maria?

- Sabia, sim - respondeu ela. - Esta casa está cheia de coisas engraçadas como
esta. Tenho de ter cuidado quando limpo esse painel, pois se esfregar com muita força na
parte de cima, desliza sempre para trás.

- Que está atrás do painel? - perguntou Júlio. O buraco dava passagem a uma
pessoa, mas quando meteu a cabeça lá dentro só viu escuridão.

A parede propriamente dita ficava uns vinte centímetros atrás do painel e era feita
de pedra.

- Tragam uma vela, arranjem uma vela pediu Ana, nervosa. - Não tem uma
lanterna, pois não Sra. Maria?

- Não - disse a velhota. - Mas podem ir buscar a vela. Há uma na chaminé da


cozinha.

Ana correu a buscá-la. Júlio acendeu-a e introduziu-a na abertura atrás do painel.


Os outros precipitaram-se para ele, a fim de verem o que havia lá dentro.
- Assim não! - disse Júlio, impaciente. - Espere cada um a sua vez! Deixem-me dar
uma olhadela.

Ele olhou durante bastante tempo mas parecia que nada tinha grande interesse.
Passou a vela a David e depois cada uma das crianças espreitou sucessivamente. A Sra.
Maria voltara para a cozinha. Já estava habituada ao painel que deslizava!

- Ela disse que esta casa estava cheia de coisas esquisitas, como esta - disse Ana.
- Que mais coisas haverá, fazem alguma ideia? Vamos perguntar-lhe.

Puseram o painel no seu lugar e foram ao encontro da caseira.

- Sra. Maria, que outras coisas engraçadas há aqui? - perguntou Júlio.

- Há um armário lá em cima com um fundo falso - informou a Sra. Maria. - Não


fiquem tão excitados! Não tem nada lá dentro! E há uma grande pedra, ali ao pé da
lareira, que pode ser levantada ficando à vista um buraco. Eu suponho que antigamente
as pessoas gostavam de bons esconderijos, para guardar as coisas de valor.

As crianças correram para a pedra que ela apontara. Tinha uma argola de ferro e
facilmente a levantaram. Por baixo ficava uma cavidade, onde caberia uma caixa
pequena. Naquela ocasião estava vazia, mas mesmo assim parecia excitante.

- Onde fica o armário? - perguntou Júlio.

- As minhas pernas estão demasiado cansadas, esta manhã, para subir as


escadas - disse a mulher do caseiro. - Mas podem ir os meninos lá a cima, voltem à
direita e entrem na segunda porta. O armário está no canto mais afastado. Abram a porta
e apalpem o fundo até encontrarem uma ranhura na madeira. Carreguem aí com força e
verão o fundo falso deslizar para o lado.

As quatro crianças, ainda mastigando, e Tim correram pelas escadas, o mais


depressa que puderam. Era na verdade uma manhã sensacional! Encontraram o armário
e abriram a porta. Todos quatro se meteram lá dentro, apalpando o fundo para
encontrarem a ranhura. Foi Ana quem a encontrou.

- Aqui está! - gritou ela. Premiu a mola mas os seus dedos pequeninos não eram
suficientemente fortes para fazerem trabalhar o mecanismo do fundo falso. Júlio teve de a
ajudar.

Ouviu-se um estalido, e então viram o fundo falso do armário resvalar para o lado.
Ficou à vista um grande espaço, que poderia abrigar um homem de estatura média.

- Um sítio admirável para esconderijo disse Júlio. - Qualquer pessoa poderia


esconder-se aqui e ninguém a encontraria!

- Eu vou entrar e vocês fecham-me por fora - disse David. - Será bem divertido!

Entrou para a abertura. Júlio fez deslizar o fundo e David desapareceu!

- É bastante apertado! - exclamou ele. - Uma escuridão horrível. Deixem-me sair!

As crianças, uma a uma, quiseram fechar-se no esconderijo, mas a Ana não


gostou muito. Voltaram de novo para a cozinha onde a temperatura era mais agradável.
- É um armário extraordinário, Sra. Maria - disse Júlio. - Eu gostaria de viver numa
casa como esta, cheia de segredos.

- Podemos vir outra vez brincar no armário? - perguntou Zé.

- Parece-me que não, menino Zé - disse a Sra. Maria. - O quarto onde está o
armário é um dos que vão ser ocupados pelos dois senhores.

- Oh! - exclamou Júlio, desapontado. - Nós poderemos falar-lhes no fundo que


desliza?

- Acho que não vale a pena - respondeu a caseira. - Só os meninos, por serem
pequenos, ficam entusiasmados com coisas como essas. Os dois senhores não ligarão
importância:

- Que engraçadas são as pessoas crescidas! - exclamou Ana, admirada. - Eu tenho


a certeza que ficarei encantada por ver um painel a deslizar ou uma porta falsa, mesmo
quando tiver cem anos!

- Também eu - concordou David. - Posso ir mais uma vez ver o painel da entrada,
Sra. Maria? Eu levo a vela.

David nunca soube explicar por que razão lhe apeteceu de súbito dar mais uma
olhadela ao painel. Foi apenas uma ideia que lhe passou pela cabeça. Os outros não se
incomodaram a acompanhá-lo, pois, realmente, não havia mais nada para ver atrás do
painel, excepto a parede de pedra. David pegou na vela e dirigiu-se para a entrada.
Carregou na parte superior do painel e este deslizou para trás. Colocou a vela lá dentro e
olhou com atenção. Não havia nada digno de nota.

David tirou a cabeça e começou a apalpar ao longo da parede o mais longe que
conseguia. Estava para retirar a mão quando os seus dedos encontraram uma cavidade
na parede de pedra.

- Engraçado! - disse David. - Porque haverá aqui um buraco na parede? -


Começou a mexer e, sentindo um pequeno puxador, moveu mais os dedos, mas nada
aconteceu. Depois segurou com força e puxou.

A pedra rolou para fora! David ficou tão surpreendido que a deixou resvalar,
acabando por cair em frente do painel, com grande estrondo! O barulho despertou a
atenção dos outros, que apareceram logo.

- Que estás a fazer, David? - perguntou Júlio. - Partiste alguma coisa?

- Não - respondeu David com a face toda vermelha de excitação. - Vou contar-lhes:
- Pus a minha mão aqui, e encontrei um buraco numa das pedras da parede onde estava
uma espécie de puxador. Fiz força e a pedra saiu do seu lugar. Fiquei tão admirado que a
deixei resvalar e cair. Foi esse barulho que vocês ouviram!

- Fantástico! - disse Júlio, tentando desviar David da frente do painel. - Deixa-me


ver!

- Não, Júlio - respondeu David. - Isto é a minha descoberta. Espera até que eu veja
se encontro alguma coisa no buraco. É difícil lá chegar!
Os outros esperavam com impaciência. Júlio mal se continha. David estendeu o
braço o mais possível e introduziu a mão no espaço que ficava atrás da pedra que se
deslocara. Os seus dedos apalparam qualquer coisa que parecia um livro. Com cautela,
agarrou-o.

- Um livro velho! - disse ele.

- Abre-o - pediu Ana.

Viraram as páginas, cheias de humidade. Estavam tão secas e quebradiças que


algumas desfizeram-se em pó.

- Acho que é um livro de receitas - disse Ana enquanto o seu olhar inteligente lia
algumas palavras em caligrafia a tinta castanha, e quase sumida. - Vamos levá-lo à Sra.
Maria.

As crianças foram mostrar o livro à velhota. Ela riu-se das suas caras radiantes.
Pegou no livro e olhou-o sem curiosidade.

- Sim - disse ela. - É um livro de receitas, e nada mais. Vejam o nome aqui na capa
- Alice Sandeus. Deve ter sido da minha bisavó. Eu sei que ela era famosa pelas suas
receitas e mezinhas. Diziam que podia curar qualquer doença de pessoa ou animal, fosse
ela qual fosse.

- É pena ser tão difícil ler a sua letra - disse Júlio, penalizado. - Além disso, o livro
está a cair aos bocados. Deve ser muitíssimo antigo.

- Achas que haverá mais alguma coisa nesse esconderijo? - perguntou Ana. - Júlio,
vai tu procurar porque o teu braço é mais comprido do que o de David.

- Parece-me que não há mais nada - disse David. - É um espaço muito pequeno.
Só existem alguns centímetros atrás da pedra que caiu.

- Está bem, eu só vou experimentar uma vez - disse Júlio.

Todos voltaram para a entrada. Júlio meteu o braço no painel aberto e mexeu-o ao
longo da parede até ao lugar onde caíra a pedra. Introduziu a mão e os seus dedos
compridos começaram à procura de mais alguma coisa que pudesse ali estar. E havia
mais qualquer coisa! Uma coisa macia e delgada que parecia cabedal. Avidamente os
dedos do rapazinho apertaram o tal objecto trazendo-o para fora, cheio de cuidado, com
um certo receio que caísse aos bocados, de velho.

- Encontrei uma coisa! - disse ele, com os olhos a brilhar, radiante. - Olhem! - o que
é isto?

Os outros cercaram-no. - É parecido com a bolsa de tabaco do paizinho - disse


Ana. - É do mesmo feitio. Haverá alguma coisa dentro?

Era na verdade uma bolsa de tabaco, de um castanho muito escuro, feita de


cabedal macio e com muito uso. Júlio desfez o nó e alargou a abertura. Alguns
bocadinhos de tabaco preto ainda estavam na bolsa - mas havia mais alguma coisa!
Muito bem enrolado, mesmo no fundo do saquinho, estava um bocado de pano: Júlio
tirou-o, desenrolou-o e estendeu-o sobre a mesa da entrada. As crianças examinaram-no.
Havia indicações e sinais escritos sobre o pano, a tinta preta que quase desaparecera;
mas nenhum dos quatro conseguia perceber o que significavam aqueles sinais.

- Não é um mapa - disse Júlio. - Parece uma espécie de código, ou qualquer coisa
assim. Gostaria de saber o que significa. Queira Deus que consigamos decifrá-lo. Deve
ser, talvez, um segredo.

Continuavam a olhar o bocadinho de pano, muito intrigados. Era velho e continha


um segredo qualquer. Que poderia ser? Correram a mostrá-lo à Sra. Maria. Ela estava a
estudar o velho livro de receitas e a sua fisionomia indicava grande contentamento.

- Este livro é uma maravilha! - disse ela. - Eu mal posso ler a caligrafia, mas
descobri aqui uma receita para o reumatismo. Vou eu própria experimentá-la. Ora oiçam...

Mas os pequenos não queriam ouvir receitas para o reumatismo. Colocaram o


pedaço de pano no colo da Sra. Maria.

- Olhe! Que será isto? Sabe? Encontrámo-lo numa espécie de bolsa de tabaco,
naquele esconderijo atrás do painel.

A Sra. Maria tirou os óculos, limpou-os e voltou a colocá-los. Olhou,


cuidadosamente, para o bocado de pano de sinais estranhos. Abanou a cabeça.

- Não, isto não tem nenhum sentido para mim. E o que é isso aí? Parece uma
bolsa de tabaco. O meu João havia de gostar; a dele está tão velha que já não presta
para nada. Essa também está usada, mas ainda pode servir.

- Também quer este bocado de pano, Sra. Maria?- perguntou Júlio, ansioso. O
pequeno estava a pensar em levá-lo para casa e estudá-lo bem. Tinha a certeza de que
havia qualquer segredo ali escondido, e não suportava a ideia de entregar o trapo à Sra.
Maria.

- Pode levá-lo, se quiser, menino Júlio - disse a Sra. Maria com uma gargalhada. -
Guardo o livro de receitas para mim e a bolsa para o meu João. Os meninos podem ficar
com o farrapo velho, ainda que não perceba para que lhes vai servir. Ali vem o meu João!

Ela levantou a voz e gritou para o marido:

- Olha, João, está aqui uma bolsa de tabaco para ti! Os meninos encontraram-na
atrás do painel que se abre.

O velho Sanders pegou na bolsa e apalpou-a.

- É bastante esquisita - disse ele. - Mas bem melhor do que a minha. Olhem, meus
meninos, eu não quero apressá-los, mas já é uma hora e farão melhor em regressar, pois
deve ser quase a hora do almoço.

- Meu Deus! - exclamou Júlio. - Vamos chegar atrasados! Adeus, Sr. Sanders.
Adeus, Sra. Maria. Muitíssimo obrigado pelos pãezinhos e pelo farrapo velho. Nós vamos
fazer o possível por descobrir o que significa e depois dizemos-lhe. Apressem-se! Onde
está o Tim? Vamos, Tim, que estamos atrasados!

Todos cinco começaram a correr. Eles estavam realmente atrasados e tiveram de


correr quase todo o caminho; por isso, quase não podiam conversar. Mas estavam tão
excitados com os acontecimentos daquela manhã que iam fazendo comentários uns para
os outros, enquanto avançavam.

- Gostava de saber o que diz este trapo velho! - dizia Júlio, ofegante. - Espero
descobrir. Tenho a certeza que é qualquer mistério!

- Devemos contar a alguém? - perguntou David.

- Não! - disse a Zé. - Vamos guardar segredo! - Se a Ana começar a dizer alguma
coisa, pisem-na por baixo da mesa, como nós fazíamos no Verão passado - disse Júlio,
rindo-se. A pequena Ana encontrava sempre dificuldade em guardar um segredo e muitas
vezes tinham de lhe dar beliscões ou pisadelas quando ela começava a dizer alguma
coisa.

- Não direi uma palavra - afirmava Ana, indignada. - E não se atrevam a pisar-me.
Isso só me faz chorar e depois os tios querem saber o motivo.

- Nós vamos arranjar, depois do almoço, uma brincadeira bem divertida, com este
pedaço de pano - disse Júlio. - Aposto que descobriremos o que ele diz, se pensarmos
um bocado.

- Cá estamos - disse Zé. - Olá, mãe! Vamos num minuto lavar as mãos! Passámos
uma manhã estupenda!

CAPÍTULO V

UM PASSEIO DESAGRADÁVEL

Depois do almoço as quatro crianças subiram as escadas e já no quarto dos


rapazes estenderam o pedaço de pano em cima de uma mesa. Viam-se palavras aqui e
ali, escritas com letras irregulares. Havia um círculo com um E marcado na direcção leste:
Também ali estavam desenhados oito quadradinhos e num deles, ao centro, à esquerda,
via-se uma cruz. Era tudo muito misterioso.

- Vocês sabem, eu acho que estas palavras são em latim - disse Júlio, tentando lê-
las. - Mas eu não posso perceber bem. E mesmo se o conseguisse não saberia o que
querem dizer. Desejava conhecer alguém que soubesse latim.

- O teu pai sabe, Zé? - perguntou Ana.

- Julgo que sim - disse a Zé. Mas ninguém se atrevia a perguntar ao tio Alberto. Ele
poria logo de parte o misterioso trapo. Esquecê-lo-ia e talvez até o queimasse. Os
cientistas eram pessoas tão especiais!

- E que lhes parece o Sr. Roland? - sugeriu David. - Ele é professor. Deve saber
muito latim.

- Não aconselho perguntar-lhe enquanto não o conhecermos melhor - disse Júlio,


cautelosamente. - Ele parece bastante simpático, mas nunca se sabe. Oh, eu desejava
tanto decifrar isto!
- Há duas palavras mesmo em cima - disse David, tentando lê-las. - Via Occulta... -
Que poderão significar, Júlio?

- Bem, a única coisa que me parece é caminho secreto, ou qualquer coisa no


género - disse Júlio, franzindo a testa.

- Caminho secreto! - exclamou Ana, com os olhos a brilhar. - Oh, eu espero que
seja isso. Caminho secreto! Que divertido! Que espécie de caminho secreto poderá ser,
Júlio?

- Como hei-de saber, minha pateta? Eu nem mesmo sei se as palavras querem
realmente dizer caminho secreto.

- Mas se significam isso o trapo deve dar instruções para encontrar o caminho
secreto, seja ele qual for - disse David. - Ó Júlio, não é desesperador nós não
conseguirmos ler? Experimenta, experimenta mais uma vez. Tu sabes mais latim do que
eu.

- É tão difícil ler estas letras antigas - lamentou Júlio, tentando de novo.

Ouviram passos nas escadas e abriu-se a porta. Ali estava o Sr. Roland.

- Olá, Olá - disse ele. - Andava à vossa procura. Que dizem a um passeio pelo
campo?

- Está bem - respondeu Júlio, enrolando o pedaço de pano.

- Que têm aí? Alguma coisa interessante? - perguntou o Sr. Roland.

- É - começou Ana, e logo principiaram todos a falar ao mesmo tempo, com medo
que a Ana fosse trair o segredo.

- Está uma linda tarde para um passeio? Vamos!

- Tim, Tim, onde estás? - A Zé deu um assobio. Tim saltou debaixo da cama. A
Ana estava vermelha, adivinhando o motivo pelo qual os outros a tinham interrompido tão
depressa.

- Idiota - disse Júlio, quase em segredo. - Bebé. Graças a Deus o Sr. Roland não
se referiu mais ao pedaço de pano que vira nas mãos de Júlio. Ele agora observava Tim.

- Suponho que o cão vem connosco - disse ele. Zé fixou-o, indignada.

- Claro que sim! - afirmou ela. - Nós nunca, nunca vamos a sítio nenhum sem
levarmos o Tim. O Sr. Roland desceu, enquanto as crianças foram buscar os casacos. A
Zé estava furiosa. Só a ideia de deixar Tim punha-a mal disposta. - Tu ias quase dizendo
o nosso segredo, palerma! - disse David a Ana.

- Não pensei - desculpou-se a pequenita, envergonhada. - O Sr. Roland parece tão


simpático. Eu acho que podíamos pedir-lhe para nos ajudar a compreender aquelas
palavras esquisitas.

- Deixa-me ser eu a decidir isso - atalhou Júlio. - Por agora não te atrevas a dizer
uma só palavra sobre o assunto.
Saíram todos e Tim também. O Sr. Roland não precisava preocupar-se com o cão,
pois Tim nunca se aproximava dele. Realmente era muito extraordinário. Conservava-se
sempre longe do preceptor (mesmo quando este lhe falava), fingindo ignorá-lo.

- Ele não costumava ser assim - observou David. - Até é um cão muito sociável.

- Bem, como temos de viver na mesma casa devo tentar torná-lo meu amigo -
disse o preceptor. - Tim, vem cá! Tenho aqui no bolso um biscoito para ti!

Tim levantou as orelhas à palavra biscoito mas nem mesmo olhou para o Sr.
Roland. Foi ter com a Zé. Ela fez-lhe festas.

- Quando ele não gosta de alguém, nem um biscoito nem um osso conseguem
aproximá-lo - disse ela.

O Sr. Roland desistiu. Meteu o biscoito na algibeira.

- É um cão muito esquisito, não é? - disse ele. - Um rafeiro medonho! Prefiro cães
de raça.

A Zé ficou escarlate.

- Ele não é um cão esquisito! - gritou ela. - Pelo menos não é tão esquisito como...
É o melhor cão do mundo!

- Parece-me que está a ser um pouco indelicada - disse o Sr. Roland, secamente. -
Eu não permito que os meus alunos sejam mal-educados, Maria José.

Chamando-lhe Maria José o professor fez com que a pequena ficasse ainda mais
furiosa. Ela deixou-se ficar para trás, com o Tim, parecendo tão soturna como um dia de
trovoada. Os outros sentiam-se pouco à vontade. Eles conheciam o génio da Zé e sabiam
como ela se podia tornar intratável. Mas esperavam que ela não fosse tão pateta que
pensasse em estragar as férias com as suas birras.

O Sr. Roland não deu mais atenção à Zé. Não falava com ela mas caminhava à
frente com os outros, fazendo os possíveis por diverti-los. Na verdade, sabia tornar-se
muito engraçado e os rapazes fartavam-se de rir. Ele pegou na mão de Ana e a pequenita
saltitava ao seu lado, apreciando o passeio.Júlio teve pena da Zé. Não era agradável ser
posta de parte e ele sabia como a Zé detestava isso. Pensou se deveria dizer qualquer
frase para a desculpar. Talvez facilitasse as coisas.

- Sr. Roland - começou ele. - Não poderia tratar a minha prima pelo nome que ela
gosta: Zé?... Ela detesta que lhe chamem Maria José. E é muito amiga do Tim. Não
suporta que alguém diga coisas desagradáveis a respeito do cão.

O Sr. Roland pareceu surpreendido.

- Meu rapaz, tenho a certeza que és bem-intencionado - respondeu o preceptor


num tom de voz bastante seco. - Mas não penso aceitar os teus conselhos sobre nenhum
dos meus alunos. Seguirei os meus próprios desejos e não os teus na maneira de tratar a
Maria José. Eu quero ser amigo de vocês todos, e estou certo que o conseguirei, mas a
Maria José tem de se convencer que é preciso ser delicada.
Júlio sentiu-se bastante ofendido. Ficou vermelho e olhou para David. David deu-
lhe um beliscão no braço. Os rapazes sabiam que a Zé podia ser tola e antipática,
especialmente se alguém não gostava do seu querido cão, mas achavam que o Sr.
Roland podia tentar tornar-se um pouco mais compreensivo. David atrasou-se, ficando ao
lado da Zé.

- Não precisas de vir comigo - disse a pequena. - Vai ter com o teu amigo, o Sr.
Roland.

- Ele não é meu amigo - respondeu David. - Não sejas palerma.

- Não sou palerma - disse a Zé, num tom sacudido. - Eu oiço todos a rir e a brincar
com ele. Podes seguir para te rires ainda mais. Eu fico com o Tim.

- Zé, lembra-te que são férias de Natal pediu David. - Vamos ser todos amigos.
Anda, não estragues as férias!

- Não posso gostar de ninguém que não goste do Tim - foi a única resposta da
obstinada Zé. - Olha, apesar de tudo, o Sr. Roland ofereceu-lhe um biscoito - lembrou o
rapaz, tentando fazer as pazes a todo o custo.

A Zé não disse nada. Continuava zangada. David falou novamente.

- Zé! promete que vais ser mais simpática até acabarem as férias! Não estragues o
Natal, por amor de Deus! Vamos, Zé!

- Está bem - concordou a Zé, por fim. - Vou tentar.

- Então vem connosco - pediu David. Assim, a Zé juntou-se ao grupo e tentou não
parecer muito mal-humorada. O Sr. Roland adivinhou que David estivera falando com a
Zé e por isso começou a dirigir-se também à pequena. Não conseguiu fazê-la rir, mas
pelo menos ela foi respondendo com mais delicadeza.

- É ali a Quinta Kirrin? - perguntou o Sr. Roland, quando avistaram a propriedade. -


É sim. Conhece-a? - disse Júlio, surpreendido.

- Não, não - respondeu imediatamente o Sr. Roland. - Ouvi falar e pensei que seria
ali.

- Nós fomos lá esta manhã - contou a Ana. - É um lugar muito divertido.

Ela olhou para os outros, pensando se eles se importariam que dissesse alguma
coisa sobre o que tinham visto naquela manhã.

Júlio pensou por um momento. Afinal não tinha importância falar-lhe acerca da
pedra da cozinha e do fundo falso do armário. A Sra. Maria di-lo-ia a qualquer pessoa.
Também poderia falar no painel da entrada e dizer que tinham encontrado ali um velho
livro de receitas. Não precisaria de contar nada a respeito do pedaço de pano. Assim,
descreveram ao preceptor tudo quanto tinham visto na casa da quinta, mas não disseram
nada sobre o trapo e as suas estranhas inscrições. O Sr. Roland ouviu-os com o maior
interesse.

- Isso é muito curioso - disse ele. - Muito interessante, na verdade. Vocês dizem
que o velho casal vive ali completamente só?
- Estão à espera de dois hóspedes para passarem lá o Natal - informou David -,
dois artistas. Júlio pensou que poderemos lá ir conversar com eles. Sabe? Ele tem muito
jeito para pintar.

- Ah, sim? - disse o Sr. Roland. - Então hás-de mostrar-me alguns dos teus
desenhos. Mas acho que não deves ir aborrecer os artistas da quinta. Podem não gostar.

Esta observação não agradou a Júlio; resolveu imediatamente que iria falar com os
dois artistas logo que tivesse oportunidade! Afinal o passeio seria bastante agradável se a
Zé não continuasse calada e se o Tim não teimasse tanto em não se aproximar do
preceptor.

Quando chegaram a um pequeno charco gelado, David começou a atirar


pauzinhos para Tim ir buscar. Era tão engraçado vê-lo a patinar desajeitadamente
tentando não escorregar! Todos atiraram pauzinhos e Tim sempre os ia buscar. Mas,
quando o preceptor também arremessou um, o cão olhou-o e fez de conta que não viu.
Era quase como se dissesse: - O seu pau? Não, muito obrigado.

- Agora vamos para casa - disse o Sr. Roland, tentando não parecer aborrecido
com o Tim. - Chegaremos mesmo à hora do lanche.

CAPÍTULO VI

AS LIÇÕES COM O SR. ROLAND

Na manhã seguinte os pequenos sentiam-se um pouco contrariados. Havia lições!


Que coisa detestável, nas férias, ainda que o Sr. Roland não fosse muito antipático! Na
noite anterior ele deixara os pequenos na sala de estar, e fora conversar com o tio
Alberto. Assim, eles puderam conversar outra vez sobre o misterioso bocado de pano.

Mas não adiantaram nada. Nenhum deles conseguia perceber o sentido daquelas
frases! Caminho Secreto! Que poderia significar? Seriam realmente instruções para
encontrar um caminho secreto? E onde estaria o caminho e porque seria secreto? Era um
desespero não conseguir responder a estas perguntas!

- Na verdade acho que temos de perguntar a alguém, logo que seja possível -
disse Júlio, com um suspiro. - Não posso suportar este mistério por muito mais tempo.
Cada vez penso mais nele! - Júlio chegara a sonhar com o farrapo!

Naquela manhã, antes de começarem as lições, ele pensou se o Sr. Roland iria dar
latim. Se assim fosse, poderia perguntar o significado da expressão “Via Oculta”. O Sr.
Roland vira as notas dos pequenos e apontara as disciplinas em que eles pareciam mais
fracos. Uma era latim e a outra francês. Tanto David como a Zé tinham notas bastante
baixas em matemática; ambos precisariam de explicações nesta disciplina. O ponto fraco
de Júlio era a geometria. Ana não precisava de lições.

- Mas se tu quiseres vir connosco, eu dou-te um desenho para fazeres - disse o Sr.
Roland, com os seus olhos azuis sorrindo para a pequenita. Ele gostava de Ana. Ela não
era teimosa e irritável como a Zé.
- Oh, quero, quero! - disse Ana, satisfeita. - Gostava de pintar qualquer coisa.
Posso pintar umas papoulas vermelhas e uns malmequeres, da minha imaginação, não
acha Sr. Roland?

- Muito bem; então começaremos às nove e meia - determinou o Sr. Roland. -


Daremos lições na sala de estar. Levem os livros para lá e sejam pontuais.

Todos os quatro, às nove e meia em ponto, ali estavam sentados em volta da


mesa, com os livros em frente. Ana levara a sua caixa de aquarelas; os outros olhavam-
na, invejosos. Feliz Ana, que iria pintar, enquanto eles estudariam matérias difíceis, como
latim e matemática!

- Onde está o Tim? - perguntou Júlio em voz baixa, enquanto esperavam pelo
professor.

- De baixo da mesa - respondeu a Zé, com ar de desafio. - Estou certa que ele há-
de ficar quieto. Nenhum de vocês diga nada. Vai aqui ficar sempre. Não quero dar lições
sem o Tim.

- Eu não vejo por que razão não há-de ficar connosco - disse David. - Ele é tão
sossegado! Chiu!... lá vem o Sr. Roland.

O preceptor entrou, com a sua barba escura cobrindo-lhe a face. Os olhos


pareciam muito penetrantes, vistos àquela luz suave da manhã, vinda da janela. Mandou
os pequenos sentarem-se.

- Primeiro quero passar um volver de olhos nos vossos cadernos diários - disse ele.
- E quero ver o que fizeram neste período. Primeiro tu, Júlio.

Pouco depois toda a pequenada trabalhava sossegadamente. Ana estava muito


entretida a pintar uma aquarela de cores vivas, com papoulas vermelhas e malmequeres
amarelos. O Sr. Roland fez-lhe grandes elogios e Ana continuava a achá-lo muito
simpático. De repente, ouviu-se um grande suspiro vindo debaixo da mesa. Era o Tim,
cansado de permanecer tão quieto. O Sr. Roland ergueu a cabeça, cheio de surpresa. A
Zé imediatamente começou a suspirar, esperando convencer o Sr. Roland que fora ela
quem suspirara anteriormente.

- Pareces cansada, Maria José - disse o Sr. Roland. - Terão um pequeno intervalo
às onze horas.

Zé franziu as sobrancelhas. Continuava a não gostar de ser tratada por Maria José.
Colocou, com cautela, o seu pé sobre Tim, para o avisar que não fizesse mais ruídos.
Mas Tim mordeu-lhe o pé. Daí a momentos, quando a aula estava o mais sossegada
possível, Tim teve uma enorme vontade de se coçar. Levantou-se. - Sentou-se outra vez,
deu uma rosnadela e principiou a coçar-se com fúria. Os pequenos começaram todos ao
mesmo tempo a fazer barulho para abafar os ruídos do Tim. A Zé batia com os pés no
chão. Júlio começou a tossir e deixou cair um livro. David desengonçava a mesa e falava
com o Sr. Roland.

- Oh, Deus, esta soma é tão difícil; olhe que é mesmo! Já a fiz, já apaguei, já
comecei de novo e não quer dar certa!
- A que propósito vem todo este barulho? perguntou o Sr. Roland, surpreendido. -
Pára de bater com os pés, Maria José.

O Tim sentou-se, novamente quieto. As crianças deram um suspiro de alívio.


Voltaram a sossegar e o Sr. Roland pediu a David que se aproximasse com o caderno de
matemática. O preceptor pegou no caderno e estendeu as pernas, por baixo da mesa.

Para sua enorme surpresa os pés tocaram em qualquer coisa macia e quente e foi
então que Tim o mordeu no tornozelo! Levantou o pé, com um grito de dor. As crianças
fitavam-no, assustadas. Ele curvou-se e olhou para baixo da mesa.

- É o maldito cão - exclamou com enfado. - O bruto mordeu-me o tornozelo e fez-


me um buraco na calça. Leva-o lá para fora, Maria José.

A Zé não disse nada. Sentou-se como se não tivesse ouvido.

- Ela não responde quando lhe chamam Maria José - lembrou Júlio ao preceptor. -
Há-de responder-me, chame eu o que chamar - afirmou o Sr. Roland em voz rouca e
zangada. - Não quero que este cão aqui esteja. Se não o levares lá para fora
imediatamente, vou falar com o teu pai.

A Zé olhou-o. Ela sabia muito bem que se não levasse o Tim e se o Sr. Roland
fosse dizer ao pai, ele ordenaria que o cão fosse viver no canil do jardim e isso seria
horrível! Não havia mais nada que fazer, senão obedecer. Com a cara vermelha, as
sobrancelhas tão franzidas que quase lhe escondiam os olhos, levantou-se e dirigiu-se a
Tim.

- Vamos, Tim! Não me admira que o tenhas mordido.

- Não é preciso ser mal educada, Maria José! - disse o sr. Roland, cada vez mais
zangado. Os outros observavam a Zé. Admiravam-se como ela se atrevia a dizer coisas
daquelas. Quando estava zangada parecia não se importar de nada nem de ninguém!

- Volta logo que tenhas posto o cão lá fora - ordenou o Sr. Roland.

A Zé saiu com mau modo, mas voltou poucos minutos depois. Sentia-se apanhada.
O seu pai fizera-se grande amigo do Sr. Roland e sabia bem como a filha era difícil de
levar. Se ela, Zé, se portasse tão mal quanto lhe apetecia, seria Tim que sofreria, pois
certamente não o deixariam entrar em casa. Assim, apenas por Tim, Zé obedecera
ao preceptor, mas, desde aquele momento, ela ainda antipatizou mais com ele, com toda
a força do seu pequenino coração.

Os outros estavam cheios de pena da Zé e do Tim, mas não participavam com a


pequena da sua profunda antipatia pelo preceptor. Ele fazia-os rir muitas vezes. Era
benevolente com os erros dos alunos. Era capaz de lhes mostrar como se faziam setas e
navios de papel e sabia habilidades engraçadas. Júlio e David queriam aprender tudo,
para depois mostrarem aos outros rapazes do colégio. Nessa manhã, depois das lições,
as crianças foram dar um passeio. A Zé chamou Tim.

- Anda cá, meu velho! - disse-lhe ela. - Que vergonha porem-te fora da aula!
Porque mordeste o Sr. Roland? Realmente não sei o que te faça!
- Zé, não deves brincar com o Sr. Roland - aconselhou Júlio. - Só consegues
arranjar sarilhos. Ele é inflexível. Não transigirá com nenhum de nós. Mas acho que será
um bom camarada, se nós nos portarmos como ele quer.

- Então sejam vocês amigos dele - respondeu a Zé, com ar trocista. - Eu cá não
sou. Quando não gosto de uma pessoa, não gosto mesmo - e eu não gosto dele.

- Porquê? Só por ele não gostar do Tim? - perguntou David.

- Em grande parte é por isso, mas também porque ele me irrita; não posso olhar
para ele - afirmou Zé. - Não gosto da sua boca.

- Mas tu não a podes ver - disse Júlio. - Está coberta com a barba e o bigode.

- Mas às vezes já tenho visto os lábios - afirmou Zé, obstinada. - São finos e cruéis.
Reparem. Desagradam-me pessoas com lábios finos. São sempre desconfiadas e
rancorosas. E também não gosto do seu olhar frio. Vocês podem adorá-lo como
quiserem. Eu não consigo.

Júlio não se zangou perante aquela teimosia. Riu-se da prima.

- Nós não vamos adorá-lo - disse ele. - Vamos apenas ser delicados. Tu podias
fazer o mesmo, Zé.

Mas uma vez que a Zé tomava uma resolução sobre qualquer coisa, nada a
alterava. Ficou radiante ao saber que naquela tarde iriam todos no autocarro fazer as
compras do Natal sem o Sr. Roland! Ele ficaria assistindo a uma experiência que o tio
Alberto lhe ia mostrar.

- Vou com vocês até à cidade, para comprarem o que quiserem - disse a tia Clara,
às crianças. - Depois vamos lanchar a uma pastelaria e apanhamos de volta o autocarro
das sete horas.

Que divertido! As lojas estavam todas enfeitadas e iluminadas. Os pequenos


levavam as suas economias e andaram muito atarefados, comprando as coisas mais
variadas. Havia tantas pessoas a quem dar presentes!

- Acho que devíamos comprar qualquer coisa para o Sr. Roland, não lhes parece? -
lembrou Júlio. - Vou comprar-lhe um maço de cigarros.

- Eu sei a marca que ele gosta - disse Ana.

- Que engraçado, comprar um presente para o Sr. Roland! - disse a Zé, com
desdém.

- Porque não, Zé? - perguntou a mãe, cheia de surpresa. - Olha, querida, espero
que sejas delicada para ele e não comeces a detestar o pobre homem. Eu não quero que
ele vá fazer queixa de ti ao teu pai.

- Que vais comprar para o Tim, Zé? - perguntou Júlio, para mudar depressa de
assunto.

- O maior osso que houver no talho - respondeu a Zé. - E vocês que vão comprar-
lhe?
- Adivinho que se o Tim tivesse dinheiro compraria um presente para cada um de
nós - disse Ana, alisando o pêlo do cão. - É o melhor cão do mundo!

A Zé, ouvindo isto, teve de perdoar à Ana; esqueceu que ela queria comprar um
presente para o Sr. Roland. Ficou outra vez bem disposta e recomeçou a planear o que
deveria comprar para cada um. Lancharam muito bem e tomaram o autocarro de
regresso. A tia Clara, logo que chegou, foi ver se a criada dera o lanche aos dois homens.
Quando voltou do escritório parecia radiante.

- Na verdade, nunca vi o tio Alberto tão entretido - disse ela. - Dá-se às mil
maravilhas com o vosso preceptor! Esteve a mostrar ao sr. Roland uma quantidade de
experiências. É tão bom para o tio ter alguém com quem possa conversar sobre aquelas
coisas!

Nessa noite o sr. Roland foi jogar com as crianças. Tim estava presente e o
preceptor tentou de novo travar amizade com o cão, mas este fez de conta que não
percebia.

- Tão teimoso como a dona! - disse o preceptor, com uma gargalhada, olhando Zé.
Esta estava observando Tim, bastante satisfeita por o cão não ligar importância ao Sr.
Roland.

A pequena fitou o preceptor com antipatia e não respondeu. Nessa noite, quando
os dois irmãos se estavam a despir, Júlio perguntou a David qual era a sua opinião sobre
o Sr. Roland.

- Não sei bem - respondeu o irmão. - Tem muitas coisas de que eu gosto, mas, não
sei porquê, de repente ponho-me a não gostar nada dele. Não simpatizo com os seus
olhos. E a Zé tem razão sobre os seus lábios; eles são tão finos que mal se vêem.

- Deveremos perguntar-lhe, amanhã, se “Via Occulta” quer realmente dizer


“Caminho Secreto”? perguntou Júlio, acrescentando: - Eu simpatizo com o Sr. Roland.
Não me importava de lhe mostrar o pedaço de pano e pedir-lhe para nos explicar o que ali
está escrito.

- Pensava que tu dizias ser um segredo só nosso - comentou David.

- Bem sei, mas para que nos serve um segredo, se não o conseguimos descobrir
só por nós? - disse Júlio. - Vou dizer-te o que podemos fazer: pedimos-lhe para nos
explicar só as palavras e não lhe mostraremos o pano.

- Mas há palavras que não conseguimos ler - disse David. - Por isso, pouco
adiantamos. Temos de lhe mostrar o trapo e dizer-lhe onde o encontrámos.

- Bem, vou pensar - disse Júlio, metendo-se na cama.

No dia seguinte houve lições outra vez, das nove e meia ao meio-dia e meia hora.
A Zé apareceu sem o Tim. Agora que o cão mordera o Sr. Roland, este tinha todo o
direito de recusar a presença do Tim durante as lições. Mas a Zé, apesar de tudo, parecia
furiosa.

Na lição de latim, Júlio teve oportunidade de perguntar o que tanto desejava saber.
- Por favor, Sr. Roland - disse o pequeno. - Pode dizer-me o que significa “Via
Occulta”?

- “Via Occulta”? - repetiu o Sr. Roland, admirado. - Sim, significa ”Passagem


Secreta” ou “Caminho Secreto”. Um caminho escondido ou qualquer coisa como isso.
Porque queres saber?

As crianças escutavam com toda a atenção. Os seus coraçõezinhos batiam


apressados. O Júlio tinha razão! Aquele engraçado pedacito de pano continha instruções
sobre um caminho escondido, uma passagem secreta - mas onde? Onde começaria,
onde acabaria?

- Oh!... eu só queria saber - respondeu Júlio ao preceptor. - Muito obrigado, Sr.


Roland. Ele piscou o olho aos outros. Estavam todos entusiasmadíssimos!

Se ao menos pudessem descobrir o resto dos sinais, seriam capazes de desvendar


o mistério. Bem, talvez ele perguntasse ao Sr. Roland, daí a um ou dois dias. O segredo
tinha de ser descoberto de qualquer maneira.

- O “Caminho Secreto”! - dizia Júlio para consigo, enquanto resolvia um problema


de geometria. - O “Caminho Secreto”! Hei-de encontrá-lo, seja como for!

CAPÍTULO VII

INDICAÇÕES PARA O CAMINHO SECRETO

Nos dois dias que se seguiram os pequenos não tiveram muito tempo para pensar
no caminho secreto, pois o Natal aproximava-se e havia muito que fazer. Eram os cartões
de Boas-Festas para desenhar, pintar e mandar aos amigos; era a decoração da casa,
etc. Foram com o Sr. Roland buscar azevinho e chegaram a casa carregados.

- Vocês formam um conjunto que parece um autêntico cartão de boas-festas! -


exclamou a tia Clara quando eles chegaram ao jardim, com braças de azevinho de bagas
muito vermelhas e luzidias.

- O Sr. Roland subiu à árvore para apanhar tudo isto - disse Ana. - Trepa tão bem
como um macaco!

Todos riram, excepto a Zé. Ela nunca se ria de nada que dissesse respeito ao
preceptor. Deixaram os fardos na entrada e foram lavar as mãos. Era nessa noite que se
devia enfeitar a casa.

- O tio deixará enfeitar também o escritório? - perguntou Ana.

Havia ali tantos tubos de ensaio e instrumentos esquisitos que as crianças olhavam
para aquilo tudo, maravilhadas, quando entravam no escritório, o que acontecia
raramente.

- Não, não quero que estraguem nada no meu escritório - disse o tio Alberto,
imediatamente.
- Ó tio, para que servem todas essas coisas engraçadas do seu escritório? -
perguntou Ana, olhando em volta com os olhos muito abertos.

O tio Alberto começou a rir.

- Ando à procura duma fórmula secreta! - explicou ele.

- Que quer dizer com isso? - tornou a perguntar Ana.

- É difícil perceberes - disse o tio. - Todas essas coisas engraçadas, como tu lhes
chamas, ajudam-me nas minhas experiências e eu anoto no meu livro o que elas me
mostram; com tudo o que aprendo espero descobrir uma fórmula secreta que será de
grande utilidade, quando estiver concluída.

- O tio quer descobrir uma fórmula secreta e nós queremos descobrir um caminho
secreto - disse Ana, completamente esquecida de que não devia falar sobre o assunto.

Júlio estava ao pé da porta e começou a fazer sinais à irmã. Por sorte o tio Alberto
deixara de prestar atenção à conversa da pequenita. Júlio fê-la sair do quarto.

- Olha Ana, a única maneira de te fazer guardar um segredo é coser-te a boca com
agulha e linha! - disse Júlio.

A cozinheira estava muito ocupada a fazer os bolos do Natal. Viera um peru


enorme da Quinta Kirrin e Joana prendera-o na despensa, fora do alcance do Tim. Havia
na casa de estar vários embrulhos misteriosos e caixas com guloseimas! Era mesmo
Natal! As crianças sentiam-se felizes e entusiasmadas. O Sr. Roland e os pequenos
foram buscar um pinheiro, mas faltava com que ornamentar a árvore.

- Vou esta tarde à cidade - disse o preceptor - e trago-lhes os enfeites que forem
precisos. Vai ser divertido enfeitar a árvore de Natal e colocá-la na entrada; e depois
acendemos as velas. Quem quer vir comigo buscar as velas e os enfeites?

- Eu! - gritaram três crianças. Mas uma não disse nada. Era a Zé. Nem mesmo
para comprar os enfeites ela queria acompanhar o Sr. Roland. Até ali ela nunca tivera
uma árvore de Natal e estava com imensa vontade de ver aquela pronta - mas para a Zé
tudo estava estragado, só por ser o Sr. Roland quem ia comprar os enfeites que haveriam
de tornar um simples pinheiro numa árvore maravilhosa.

Já estava agora na entrada, com velas coloridas presas aos ramos e toda coberta
com enfeites alegres e luzidios. Por todos os lados se viam suspensos fios prateados, e
Ana espalhara bocadinhos de algodão branco a imitar neve. Realmente estava um
encanto!

- Que linda! - exclamou o tio Alberto quando passou pela entrada e viu o Sr. Roland
pendurando os últimos ornamentos. - Agora reparo - olhem para a bonequinha lá no alto.
A quem está destinada? Será para a menina mais ajuizada?

Ana, muito em segredo, esperava que o Sr. Roland lhe desse a boneca. Tinha a
certeza que não seria para a Zé e de qualquer maneira esta não a aceitaria. Era uma
boneca tão bonita! Parecia uma fada, com o seu vestido de gaze e asas prateadas.

O preceptor acabara, enfim, por conquistar completamente a simpatia de Júlio,


David e Ana, como professor e como amigo. Na verdade o mesmo acontecera em
relação aos tios e até à cozinheira. Só a Zé e Tim continuavam a evitar o Sr. Roland e
pareciam tão contrariados um como o outro, quando o preceptor estava presente.

- Sabem, nunca julguei que um cão conseguisse mostrar-se tão aborrecido - disse
Júlio observando Tim. - Faz umas caretas parecidas com os ares de mau génio da Zé.

- Riam-se à vontade - murmurou a Zé, despeitada. - Eu acho que vocês são bem
antipáticos comigo. E tenho a certeza de que não estou enganada a respeito do Sr.
Roland. Tenho um segundo sentido que não me deixa simpatizar com ele e o Tim sente o
mesmo.

- És pateta, Zé - disse David. - Não tens nenhum “segundo sentido”; é só porque o


Sr. Roland continua a chamar-te Maria José, a meter-te na ordem, e não gosta do Tim. Eu
acho que ele não consegue gostar de cães. Ouvi contar que uma pessoa importante não
suportava gatos.

- Oh, está claro, gatos é diferente - interrompeu a Zé. - Mas se uma pessoa não
gosta de cães, especialmente dum cão como o nosso, então é porque não deve ser muito
boa.

- Não vale a pena discutir contigo - concluiu Júlio. - Uma vez que resolves uma
coisa, não mudas de opinião nem por um decreto!

A Zé saiu do quarto, num ímpeto de mau génio. Os outros achavam que ela se
estava a portar de uma maneira insensata.

- Estou muito surpreendida - disse a Ana. - Ela era tão simpática no colégio. Agora
anda esquisita, tal como no princípio do Verão passado.

- Eu acho que o Sr. Roland foi muito amável por fazer os enfeites para a árvore de
Natal - disse David. - Às vezes continuo a não gostar dele, mas acho-o camarada. Que
pensariam vocês se resolvesse pedir-lhe para nos explicar as inscrições do pedaço de
pano? Pela minha parte não me importo de partilhar o nosso segredo com o Sr. Roland.

- Eu acho óptimo - respondeu logo Ana, que estava toda ocupada a pintar um lindo
cartão de Boas-Festas para o preceptor. - Ele é inteligentíssimo. Estou certa de que nos
vai dizer qual é o caminho secreto. Vamos perguntar-lhe?

- Está bem - disse Júlio. - Vamos mostrar-lhe o pedaço de pano. Hoje é véspera de
Natal. Ele há-de ficar sozinho connosco na sala de estar, pois a tia Clara vai para o
escritório do tio embrulhar presentes para todos nós.

Assim, nessa noite, antes de o Sr. Roland vir ter com eles, Júlio trouxe o pedaço
de pano e desenrolou-o em cima da mesa a Zé olhou-o, admirada.

- Cuidado, que o Sr. Roland está a chegar - avisou ela. - É melhor guardares isso
depressa.

- Nós vamos perguntar-lhe se nos pode dizer o significado das palavras latinas -
explicou o Júlio.

- Não! Não! – gritou a Zé. - Pedir-lhe para compartilhar o nosso segredo! Como
podem fazer isso?!
- Olha, nós queremos saber qual é o segredo, não queremos? - perguntou Júlio. -
Não precisamos de lhe contar onde arranjámos o trapo nem coisa alguma a seu respeito;
apenas queremos saber o que significam as indicações. Não é partilhar o segredo com
ele - é só pedir-lhe para pensar um bocadinho e ajudar-nos.

- Nunca julguei que vocês fossem pedir a ele - disse a Zé. - Quererá saber tudo
acerca do caso, vão ver! Ele é muitíssimo bisbilhoteiro.

- Que queres dizer com isso? - perguntou Júlio, surpreendido. - Não o acho nada
bisbilhoteiro.

- Vi-o ontem a investigar tudo no escritório, quando ninguém lá estava – explicou a


Zé. - Não me viu porque eu estava lá fora, em frente da janela, com o Tim. E ele ia
fazendo uma verdadeira inspecção.

- Bem sabes como ele está interessado no trabalho do teu pai - disse Júlio. - É
natural que queira observar tudo. Olha que o teu pai também gosta dele. Tu só procuras
arranjar coisas contra o Sr. Roland.

- Calem-se os dois - interveio David. - É véspera de Natal: - Não podemos discutir


nem dizer coisas idiotas.

Nessa altura o preceptor entrou na sala.

- Todos muito atarefados? - perguntou ele, sorridente. - Naturalmente querem jogar


as cartas?

- Senhor Roland - começou Júlio. - Pode ajudar-nos numa coisa? Nós encontrámos
um pedaço de pano velho, com umas inscrições muito estranhas. As palavras parecem
uma espécie de latim e não conseguimos decifrá-las.

A Zé soltou uma exclamação zangada, vendo Júlio entregar o pedaço de pano ao


preceptor. Saiu do quarto e fechou a porta com estrondo. Tim seguiu-a.

- A nossa doce Maria José não parece estar muito acolhedora esta noite - notou o
Sr. Roland, desenroland o trapo.

- Onde encontraram isto? Que coisa esquisita!

Ninguém respondeu. O Sr. Roland estudou as inscrições e depois exclamou:

- Ah, agora percebo porque queriam traduzir essas palavras latinas, noutro dia, as
que significavam “Passagem Secreta”; estão escritas aqui, na parte superior.

- Era sim - concordou David. As crianças inclinaram-se sobre o Sr. Roland,


esperando que ele fosse capaz de desvendar o mistério.

- Nós só queremos saber o significado das palavras - disse Júlio.

- Isto é na verdade muito interessante - murmurou o preceptor. - Aparentemente


estão aqui indicações para encontrar a abertura ou entrada de um caminho ou passagem
secreta.
- É o que nós pensámos - exclamou Júlio, excitado. - É exactamente o que nós
pensámos. Ó Sr. Roland, leia as instruções e veja o que querem dizer!

- Olhem, estes oito quadrados devem significar painéis ou caixilhos de madeira,


penso eu - disse o preceptor apontando para os oito quadrados desenhados
grosseiramente no pano.

- Esperem um momento; eu consigo, a custo, ler algumas palavras. Isto é


curtíssimo. Solam lapidem - paires ligues - e o que é isto? - célula; sim, célula!

As crianças repetiam as palavras.

- Painéis de madeira! Com certeza significava painéis da Quinta Kirrin.

O Sr. Roland continuava procurando decifrar as letras mais apagadas. Mandou


Ana pedir emprestada, ao Alberto, uma magnífica lente. Quando a pequenita a trouxe,
todos olharam através dela, vendo as palavras três vezes maiores e mais claras.

- Ora bem - disse, por fim, o preceptor. - O que eu consigo descobrir é isto: um
quarto virado a leste; oito painéis de madeira, com uma abertura em qualquer parte, que
será encontrada no painel marcado; um chão de pedra - sim, acho que é isso mesmo -
um chão de pedra e um armário. Tudo isto parece muito estranho e curioso. Onde
arranjaram este pano?

- Encontrámo-lo - disse Júlio depois de uma pausa. - Ó Sr. Roland, muitissimo


obrigado! Nunca conseguiríamos descobrir nada só por nós. Supõe que a entrada do
caminho secreto fica num quarto virado a leste, não é verdade?

- Parece que sim - concordou o Sr. Roland examinando outra vez o trapo. - Onde
disseram que encontraram isto?

- Não chegámos a dizer - explicou David. - Bem vê que é segredo.

- Julgava que pudessem contar-me - disse o preceptor, fixando David com os seus
olhos azuis e brilhantes. - Podem ter confiança em mim. Vocês nem fazem ideia de
quantos segredos extraordinários eu sei!

- Bem, realmente eu não vejo razão para não dizermos onde descobrimos isto, Sr.
Roland. Encontrámo-lo na Quinta Kirrin, dentro de uma bolsa de tabaco, muito velha.
Suponho que o caminho secreto deve começar na quinta, em qualquer parte!

- Encontraram isto na Quinta Kirrin? - interrogou o preceptor. - Bem, bem, devo


dizer-lhes que me parece um lugar muito interessante. Hei-de lá ir um dia destes.

O Júlio enrolou o pedaço de pano e meteu-o na algibeira.

- Muito obrigado, Sr. Roland - disse ele mais uma vez. - O senhor resolveu-nos
uma parte do mistério, mas deixe-nos descobrir sozinhos o que falta! Seremos nós a
procurar a entrada do caminho secreto, depois do Natal, logo que pudermos ir até à
Quinta Kirrin.

- Eu irei com vocês - insistiu o Sr. Roland. - Talvez possa auxiliá-los um pouco. Ou
seja, se vocês não se importarem que eu entre neste curioso segredo.
- O senhor ajudou-nos tanto, descobrindo o significado das palavras! - disse Júlio.
- Pode vir connosco, se quiser.

- Eu gosto imenso! - exclamou Ana.

- Então iremos todos procurar o caminho secreto - concluiu o Sr. Roland.

- Que divertido vai ser, apalpar os painéis, esperando que apareça uma entrada
escura e misteriosa! - Dizendo isto o preceptor retirou-se.

- Acho que a Zé não irá - murmurou David a Júlio. - Não devias ter convidado o Sr.
Roland para vir connosco, Júlio. Assim a Zé não quererá entrar na brincadeira e tu bem
sabes como ela vai ficar furiosa.

- Isso é verdade - concordou Júlio, sentindo-se pouco à vontade. - Não nos


apoquentemos agora com isso. Talvez a Zé se sinta diferente depois do Natal. Ela não
pode continuar a portar-se como agora, durante muito tempo!

CAPÍTULO VIII

O DIA DE NATAL

Houve enorme alegria na manhã do dia de Natal. As crianças acordaram cedo e


levantaram-se, prontamente, para ir ver os presentes. Todos soltavam exclamações de
surpresa e alegria.

- Oh! um comboio! Exactamente como eu queria!

- Que linda boneca com olhos que abrem e fecham! Vou chamar-lhe Branca de
Neve. Parece-se com a Branca de Neve!

- Ó tia Clara, que livro formidável sobre aviões. - Tim! Olha o que te deu o Júlio -
uma coleira com pregos dourados todos à volta. Vais ficar elegantíssimo! Tens de
agradecer-lhe, Tim!

Assim continuaram os gritos e exclamações; os quatro pequenos,


sempre entusiasmados, e o cão, tão entusiasmado como eles, passaram uns momentos
felizes, antes do pequeno almoço, abrindo toda a espécie de embrulhos, dos formatos
mais variados. Tudo ficou em desordem quando as crianças foram para a mesa.

- Quem te deu esse livro sobre cães, Zé? - perguntou Júlio, pois não se lembrava
de ter visto o livro no meio dos presentes da Zé.

- Foi o Sr. Roland - respondeu a Zé, um pouco atrapalhada.

O Júlio ficou admirado por a Zé ter aceitado o livro. Mas a rapariguinha, embora
teimosa e irritável tinha resolvido não estragar o dia de Natal com as suas birras. Assim,
quando os outros agradeceram ao preceptor os presentes que lhes dera, ela
também juntou os seus agradecimentos, ainda que o fizesse numa voz um pouco fraca e
inexpressiva.
A Zé era a única que não dera um presente ao preceptor. O Sr. Roland agradeceu
aos outros três, com muita simpatia, parecendo verdadeiramente satisfeito. Ele garantiu à
Ana que o seu cartão de boas-festas era o mais bonito que recebera; a pequena ficou
muito contente.

- Tenho de confessar que estou encantado por passar o Natal convosco! - disse o
Sr. Roland quando se sentaram à mesa de jantar. - Posso ajudá-lo a trinchar o peru, Sr.
doutor? Eu tenho uma certa habilidade.

O tio Alberto passou-lhe o garfo e a faca de trinchar, de boa vontade. - Também


tenho imenso prazer que esteja connosco - afirmou ele. - Devo dizer-lhe que conseguiu
agradar a todos; tenha a certeza que todos o estimamos como se o conhecêssemos há
muito tempo.

Foi na verdade um dia de Natal muito alegre! Não houve lições, claro está. As
crianças comeram quantidades enormes de guloseimas e chupavam rebuçados e
bombons a toda a hora. A árvore de Natal estava linda, com as velas todas acesas, a luz
a tremer na escuridão da entrada, e os enfeites a brilharem. O Tim olhava-a muito quieto,
extasiado.

- Ele gosta tanto da árvore como nós - afirmoua Zé. E realmente, naquele dia, o
Tim divertiu-se tanto como qualquer das crianças.

Estavam todos muito cansados quando se foram deitar.

- Não tarda nada estou a dormir - bocejou a Ana. - Ó Zé, foi muito divertido, não
foi? Gostei imenso da árvore de Natal.

- Foi óptimo! - disse a Zé, saltando para a cama. - Vem aí a mãe desejar-nos boa
noite. Para o cesto, Tim.

Tim pulou para o cesto, perto da janela. Encontrava-se sempre ali quando a mãe
da Zé vinha dar as boas-noites às pequenitas, mas logo que ela descia as escadas, o cão
saltava dum pulo só para a cama da Zé. Ali dormia, todo enroscado sobre os pés dela.

- Não achas que o Tim devia dormir lá em baixo, esta noite? - sugeriu a tia Clara. -
A Joana disse-me que ele comeu tanto que naturalmente vai ficar doente.

- Ó mãe, não! - respondeua Zé, imediatamente. - Fazer o Tim dormir lá em baixo,


no dia de Natal? Que pensaria ele!?

- Eu já devia calcular que não servia de nada dizer-te isto. Adormeçam depressa,
meninas; já é tarde e vocês estão muito cansadas.

A tia Clara foi ao quarto dos rapazes para também lhes desejar boa noite.
Encontrou-os quase a dormir.

Duas horas mais tarde todos se foram deitar. A casa estava silenciosa e escura a
Zé e a Ana dormiam muito sossegadamente nas suas caminhas. O Tim também dormia
aos pés da dona.

De súbito, a Zé acordou sobressaltada, o Tim rosnava baixinho! Levantara a


grande cabeça felpuda e a Zé percebeu que ele estava a dar atenção a qualquer ruído.
- Que aconteceu, Tim? - sussurroua Zé.

Ana não acordara. Tim continuava a rosnar. A Zé levantou-se e pôs-lhe uma das
mãos na coleira, para o fazer calar. Ela calculava que se o cão acordasse o pai, este
ficaria zangado. Como a Zé se levantasse, Tim parou de rosnar. A pequena não sabia
que fazer. Não servia de nada acordar Ana. A pequenita ficaria assustada. Porque estaria
o Tim a rosnar? Nunca o fazia durante a noite!

- Talvez seja melhor eu ir ver se tudo está bem – pensou a Zé. Ela não era nada
medrosa e a ideia de andar pela casa silenciosa, às escuras, não a alterou; além de tudo
ela tinha o Tim! Quem teria medo ao lado do Tim?! Vestiu o roupão. - Talvez tenha
resvalado um pau da lenha de algum dos fogões e esteja a queimar o tapete - pensou ela,
procurando encontrar um cheiro a queimado, enquanto descia as escadas. - Talvez o Tim
tenha sentido o cheiro e nos queira avisar!

Sempre com a mão na coleira do Tim, para o prevenir que estivesse calado, a Zé
passou, pé ante pé, da entrada para a sala de estar. O lume estava completamente
apagado. Na cozinha também tudo estava em ordem; mas ali as patas do Tim
começaram a fazer barulho, pois as unhas arranhavam o oleado. Ouviu-se então um
ligeiro ruído vindo do outro lado da casa. O Tim rosnou muito alto e o pêlo eriçou-se. A Zé
ficou imóvel. Seriam ladrões?

De repente, o Tim libertou-se dos dedos da Zé e correu através da entrada, em


direcção ao escritório! A Zé ouviu uma exclamação e um barulho, como se alguém tivesse
caído.

- É um ladrão! – pensou a Zé, correndo para o escritório. Viu uma lanterna de


algibeira caída no chão, arremessada por alguém que ainda estava a lutar com o Tim. A
Zé acendeu a luz e então olhou com a maior surpresa para dentro do escritório. O Sr.
Roland estava ali, de roupão, Rolando pelo tapete, tentando livrar-se do Tim; este,
apesar de não o morder, segurava-o com firmeza pelo roupão.

- Ah, és tu, Zé! Chama o teu cão! - pediu o Sr. Roland em voz baixa, furioso. -
Queres acordar toda a gente?

- Que está o senhor fazendo por aqui, com uma lanterna? - perguntoua Zé.

- Ouvi um barulho e quis ver o que era - explicou o Sr. Roland, sentando-se e
tentando livrar-se do cão. - Por amor de Deus, chama esta fera!

- Porque não acendeu a luz? – perguntou a Zé, não fazendo menção de afastar o
Tim. Ela estava gozando aquela cena, vendo o Sr. Roland zangado e amedrontado.

- Não consegui encontrar o interruptor. Como podes ver está num sítio pouco à
mão - disse o preceptor. Era verdade. O Sr. Roland tentou de novo desembaraçar-se do
Tim e o cão pôs-se a ladrar.

- Vais acordar todos! - disse o preceptor, zangado. - Não queria alarmar ninguém.
Pensei que pudesse vir sozinho, pois julguei tratar-se dum ladrão. Mas ali vem o teu pai!

Apareceu o pai da Zé, trazendo uma grande tenaz. Ficou imóvel de surpresa,
quando viu o Sr. Roland no meio do chão e o Tim sobre ele.
- Que vem a ser isto? - perguntou admirado. O Sr. Roland tentou levantar-se mas
Tim não consentiu. O pai da Zé chamou o cão com severidade.

- Já aqui, Tim! Vamos!

O Tim olhou para A Zé, pois queria saber se a sua dona concordava com a ordem
do pai. A pequena ficou calada. Por isso, Tim fez de conta que não percebia e agarrou um
tornozelo do Sr. Roland.

- Este cão é maluco - disse o Sr. Roland, estendido no chão. - Já uma vez me
mordeu e agora está a tentar fazer o mesmo.

- Então! Quer vir já aqui, senhor Tim? - gritou o tio Alberto. - Zé, este cão é ultra
desobediente. Chama-o imediatamente.

- Vem cá, Tim - disse a Zé a meia voz. O cão dirigiu-se logo para ela, com os pêlos
do pescoço ainda eriçados. Rosnava devagar, como quem diz: - Tenha cautela, Sr.
Roland, tenha cautela!

O preceptor levantou-se. Continuava fora de si.

- Ouvi barulho e desci com a minha lanterna para ver o que era - explicou ele ao
pai da Zé. - Julguei que viesse do seu escritório e sabendo que guardava aqui o seu
valioso livro e todo o material, pensei que talvez algum ladrão andasse por aí. Tinha
acabado de entrar quando este cão apareceu não sei de onde e me atirou ao chão. A Zé
também chegou mas não quis chamar o cão.

- Não posso compreender o teu procedimento, Zé; é realmente espantoso - disse


o pai da pequena, zangado. - Espero que não te vás portar estupidamente, como
aconteceu no princípio do Verão antes de chegarem os teus primos. Que história é essa
do Tim ter mordido o Sr. Roland noutra ocasião?

- A Zé escondia-o de baixo da mesa durante as lições - contou o Sr. Roland. - Eu


não sabia que ele ali estava e quando estendi as pernas, toquei no Tim e ele mordeu-me.
Não lhe contei isto há mais tempo pois não queria incomodá-lo. Tanto a Zé como o cão
têm feito o possível por me aborrecer, desde que cheguei.

- Se assim é, o Tim vai viver lá para fora, no canil - resolveu o tio Alberto. - Não o
quero dentro de casa. Será um castigo para ele e também para ti, Zé. Não quero que te
portes desta maneira. O Sr. Roland tem sido muitíssimo simpático para todos vocês.

- Não quero que o Tim fique lá fora - disse a Zé, furiosa. - Está um tempo tão frio
que, com certeza, vai matá-lo.

- Então que morra - disse o pai. - Depende só do teu comportamento, de hoje em


diante, eu resolver se o Tim continuará em casa ou se vai para o canil durante as férias.
Hei-de perguntar todos os dias ao Sr. Roland que tal te portas. Se não tiveres juízo, o Tim
irá lá para fora. Ficas avisada! Volta para a cama, mas primeiro pede desculpa ao Sr.
Roland!

- Não peço! - disse a Zé. E, tomada por um acesso de mau génio, saiu do escritório
num rompante, subindo as escadas a correr.
- Deixe-a ir - disse o Sr. Roland. - É uma criança muito difícil de sujeitar e resolveu
não gostar de mim, é fácil de perceber. Mas eu ficarei muito contente se este cão não
estiver cá em casa. Tenho a certeza que a Maria José há-de incitá-lo contra mim, se
puder!

- Lamento tudo isto - disse o pai da Zé. - Gostaria de saber que espécie de barulho
ouviu. Espero que fosse um pau de lenha que resvalou. Agora que hei-de fazer a este
impertinente cão? O melhor é levá-lo lá para fora.

- Deixe-o aqui esta noite - disse o Sr. Roland. - Estou a ouvir barulho lá em cima;
os outros também devem ter acordado! O melhor é não tomar mais nenhuma resolução
por agora.

O tio Alberto concordou. Os dois homens foram deitar-se e adormeceram pouco


depois. Só a Zé não conseguia dormir. Os outros tinham acordado quando a pequena
subira as escadas e ela queria contar-lhes o que acontecera.

- Ó Zé, és mesmo idiota! - exclamou David. - Porque não havia o Sr. Roland de ir lá
abaixo, se ouviu barulho?! Tu também foste! Agora não podemos ter em casa o querido
Tim, durante este Inverno tão frio!

A Ana começou a chorar. Ela não gostava de saber que o preceptor, de quem era
tão amiga, tinha sido agarrado por Tim, e também detestava que o Tim fosse castigado.

- Não sejas bebé - disse a Zé. - Eu não estou a chorar e trata-se do meu cão!

Mas quando os outros se meteram de novo na cama e dormiam em paz, a


almofada da Zé ficou toda molhada... o Tim queria lamber as lágrimas da dona. Ele ficava
sempre triste quando a sua dona se sentia infeliz.

CAPÍTULO IX

À PROCURA DO CAMINHO SECRETO

No dia seguinte também não houve lições. A Zé estava bastante pálida e


parecia muito sossegada. Tim tinha ido para o canil do pátio e as crianças ouviam-no
ganir, ficando todas cheias de pena do cão.

- Ó Zé, tudo isto é muito aborrecido - disse David. - Seria bem melhor se tu não te
irritasses por qualquer coisa. Assim só consegues meteres-te em sarilhos e coitado do
pobre Tim!

Havia dentro da Zé um turbilhão de sentimentos desencontrados. Agora detestava


tanto o Sr. Roland que mal suportava olhar para ele, e contudo não se atrevia a mostrar
abertamente a sua aversão, pois temia que o preceptor fosse fazer queixa ao pai e depois
talvez nem sequer pudesse ver o Tim. Era muito duro para um temperamento como
o seu, aquele bom comportamento forçado.

O Sr. Roland fazia de conta que não dava por ela. Os outros pequenos, sempre
que era possível, incluíam a prima nas suas conversas e projectos, mas ela permanecia
calada e desinteressada.
- Zé! Hoje vamos à Quinta Kirrin - anunciou David. - Queres vir? Vamos tentar
descobrir a entrada para o caminho secreto.

Os pequenos haviam contado à Zé o que o Sr. Roland lhes dissera sobre o pedaço
de pano. Andavam todos entusiasmadíssimos e só o dia de Natal os fez esquecer, por
momentos, aquelas frases misteriosas.

- Claro que também vou! - disse a Zé, parecendo muito mais satisfeita. - O Tim
também pode ir.

Mas quando a pequena percebeu que o Sr. Roland também ia, mudou logo de
ideias. Por coisa nenhuma acompanharia o preceptor! Não, ela iria sozinha passear com
o Tim.

- Mas, Zé, pensa que divertido vai ser; todos à procura do caminho secreto - disse
Júlio, segurando-lhe no braço. A Zé sacudiu-o.

- Eu não vou com o Sr. Roland - disse ela, teimosa. Os primos sabiam que não era
possível dissuadi-la.

- Vou sozinha com o Tim - continuou a Zé. - Vocês irão com o vosso querido Sr.
Roland!

Partiu com o Tim, saindo silenciosa pelo jardim. Os outros ficaram a olhá-la. Era
uma pena! A Zé cada vez ia fazendo uma vida mais à parte; mas como poderiam eles
impedir que assim fosse?

- Bem, pequenos, estão prontos? - perguntou o Sr. Roland. - Vocês vão à frente e
mais tarde encontramo-nos na quinta. Quero ir primeiro à vila, comprar uma coisa.

Assim, os três irmãos saíram sozinhos, lamentando que a Zé não estivesse com
eles. Ainda a procuraram, mas já não conseguiram encontrá-la. Os velhos Sandeus
ficaram satisfeitos quando viram as três crianças e levaram-nas para a cozinha, dando-
lhes leite quente e biscoitos.

- Então vieram procurar mais esconderijos? - perguntou o Sr. Sandeus com uma
gargalhada.

- Deixa-nos tentar? - pediu Júlio. - Andamos à procura de um quarto virado a leste,


com o chão de pedra e com as paredes apaineladas.

- Todos os quartos cá em baixo têm o chão de pedra - informou o caseiro. -


Podem procurar o que quiserem. Sei que não vão estragar nada. Só lhes peço para não
irem lá acima ao quarto que tem o armário com o fundo falso e ao outro quarto ao lado;
são os quartos dos dois artistas.

- Muito bem - disse Júlio, com uma certa pena de não poder experimentar outra
vez o fundo falso do armário. - Os artistas estão aqui, Sra. Maria? Gostava de falar com
eles sobre pintura. Eu também espero vir a ser artista, um dia mais tarde.

- Meu Deus, isso é verdade?! - exclamou a Sra. Maria. - Para mim sempre foi um
mistério como é que uma pessoa consegue ganhar dinheiro pintando quadros.
- Os artistas não procuram ganhar dinheiro mas apenas o prazer de pintar -
explicou Júlio, sentenciosamente.

Isto ainda intrigou mais a Sra. Maria; começou a menear a cabeça e a rir.

- Há gente engraçada! - concluiu ela. - Ora bem, podem ir procurar o que quiserem.
Mas o menino Júlio não pode falar com os dois artistas porque eles saíram.

Os pequenos acabaram de comer, levantaram-se, hesitando por onde começar.


Deviam saber quais eram os quartos virados a leste. Era a primeira coisa a fazer.

- Sabe que lado da casa dá para leste, Sr. Sandeus? - perguntou Júlio.

- A cozinha está virada ao norte - disse o Sr. Sandeus. - Por isso, o leste deve ficar
daquele lado. - Apontou para a direita.

- Muito obrigado. Venham todos! - disse Júlio. Os pequenos saíram da cozinha e


voltaram à direita. Havia ali três quartos - uma espécie de arrecadação, agora quase sem
uso, um compartimento pequeno que servia de escritório do Sr. Sandeus, e outro que fora
em tempos uma sala de visitas, agora abandonado e húmido.

- Todos têm o chão empedrado - notou Júlio.

- Então temos de procurar em todos três - respondeu Ana.

- Ai, isso é que não! - exclamou o Júlio. - Escusamos de entrar na arrecadação.

- Porquê? - tornou a Ana.

- Pateta! Porque as paredes são de pedra, e nós queremos umas com painéis -
disse Júlio. - Usa a tua cabecinha, Ana!

- Olhem - notou David. - Tanto o quarto mais pequeno como a sala têm paredes
apaineladas. Temos de procurar nos dois.

- Deve haver qualquer razão para desenharem nas indicações oito quadrados de
painéis - disse Júlio, consultando o pedaço de pano mais uma vez. - Será boa ideia
vermos onde é que existe uma parede só com oito quadrados.

Os pequenos começaram pelo escritório do Sr. Sandeus, cheios de nervosismo. A


parede era toda de carvalho escuro, apainelada, mas não havia nenhum lado com oito
painéis. Por isso os pequenos dirigiram-se ao outro quarto. As paredes ali eram
diferentes. Não pareciam tão velhas nem tão escuras. Os quadrados também tinham um
tamanho diferente. Os pequenos experimentaram todos os painéis, apalpando e fazendo
pressão com os dedos, esperando a cada momento que um deles se movesse para trás,
como acontecera com o da entrada. Mas estavam a desanimar. Nada acontecia. Quando
haviam chegado ao meio das tentativas ouviram nas escadas passos e vozes. Alguém
chegou à porta da antiga sala de visitas. Era um homem magro e alto, com óculos sobre
um grande nariz.

- Olá! - disse ele. O Sr. Sandeus disse-me que vocês são descobridores de
tesouros, ou qualquer coisa assim.
- Não é bem isso - respondeu Júlio, com delicadeza. Olhou para o homem e viu um
outro atrás daquele, com olhos encovados e uma grande boca. - Suponho que os
senhores são os dois artistas, não é verdade?

- Somos sim - disse o homem mais alto, entrando no quarto. - Agora expliquem-me
o que procuram.

Júlio não tinha grande vontade de lhe dizer, mas era difícil mudar de assunto.

- Bem, nós estamos apenas a ver se encontramos aqui um painel que se mova -
disse ele por fim. - Sabem que há um na entrada. Divertimo-nos andando à procura de
outro.

- Podemos ajudar? - disse um dos artistas. - Como se chamam? Eu sou Smith e o


meu amigo chama-se Wilson.

As crianças conversaram delicadamente durante um ou dois minutos, mas não


desejavam de maneira nenhuma que os artistas os ajudassem. Se houvesse alguma
coisa para encontrar, queriam ser eles a descobri-la. Estragaria tudo se aquele mistério
fosse resolvido por pessoas crescidas! Em breve todos andavam a apalpar os painéis de
madeira. Uma voz veio interrompê-los.

- Olá! Sim senhor, estão muito entretidos!... Os pequenos voltaram-se e viram o


preceptor no limiar da porta, sorrindo para eles. Os dois artistas também o olharam.

- É vosso amigo? - perguntou o Sr. Smith.

- É o nosso preceptor e é muito simpático! - disse a Ana correndo para o Sr.


Roland.

- É melhor apresentares-me, Ana - disse o Sr. Roland sorrindo para a pequenita.

Ana sabia muito bem como se deve apresentar uma pessoa. Vira muitas vezes a
mãe fazer o mesmo.

- Dão-me licença que lhes apresente o Sr. Roland? - disse ela dirigindo-se aos dois
artistas. Depois voltou-se para o preceptor e disse o nome dos dois artistas, enquanto
estes apertavam a mão do Sr. Roland.

- Vivem aqui? - perguntou o preceptor. - É uma linda quinta, não acham?

- É tempo de regressarmos - interrompeu o Júlio, ouvindo um relógio dar horas.

- Parece-me que sim - disse o Sr. Roland. - Cheguei aqui mais tarde do que
esperava. Temos de partir dentro de cinco minutos. Só quero dar-lhes uma ajuda para ver
se conseguimos descobrir esse segredo misterioso.

Mas por mais que apalpassem as paredes dos dois quartos, nada encontravam.
Era um desapontamento!

- Bem, agora temos de ir - disse o Sr. Roland. - Vamos despedir-nos do Sr.


Sandeus e da Sra. Maria.
Entraram todos na cozinha aquecida; onde a Sra. Maria estava a cozinhar qualquer
coisa que cheirava deliciosamente.

- Algum petisco para o nosso almoço, Sra. Maria? - perguntou o Sr. Wilson.
-Palavra que a considero uma cozinheira maravilhosa!

A Sra. Maria riu-se. Voltou-se para as crianças.

- Então, meus queridos, encontraram o que queriam?

- Não - disse o Sr. Roland, respondendo pelos alunos. - Não conseguimos


encontrar o caminho secreto.

- O caminho secreto?! - repetiu a Sra. Maria, cheia de surpresa. - Que sabem


acerca disso? Pensei que todos o tinham esquecido - na verdade eu nunca acreditei
muito nele.

- Ó Sra. Maria, então já sabia alguma coisa a esse respeito? - perguntou Júlio. -
Onde é?

- Não sei, meu filho; o segredo perdeu-se há muito tempo - disse a velhinha. -
Lembro-me de minha avó contar uma história, quando eu era mais pequena do que
qualquer de vocês. Mas eu não estava interessada em coisas desse género. Só gostava
de vacas, galinhas e ovelhas.

- Ó Sra. Maria, tente lembrar-se de alguma coisa - pediu o David. - Para que houve
um caminho secreto?

- Supunha-se que fosse uma passagem escondida, ligando a Quinta Kirrin com
qualquer outro lugar - explicou a Sra. Maria. - Não sei onde fica, garanto-lhes. Usavam-no
noutros tempos, quando as pessoas se queriam esconder dos inimigos.

Era uma pena que a Sra. Maria soubesse tão pouco! As crianças despediram-se e
saíram com o preceptor, sentindo que fora uma manhã perdida. A Zé já se encontrava em
casa quando eles chegaram. Estava um pouco mais corada e recebeu os primos com
entusiasmo.

- Descobriram alguma coisa? Contem-me tudo - pediu ela.

- Não temos nada para contar - disse David, bastante aborrecido. - Há três quartos
virados a leste, todos com chão de pedra, mas só dois têm painéis de madeira;
apalpámos toda a parede à volta destes dois, mas não encontrámos nada.

- Conhecemos os dois artistas - contou Ana. - Um era alto e magro, com óculos e
um nariz comprido. O outro era mais novo e tinha uma boca enorme.

- Vi-os esta manhã - disse a Zé. - Deviam ser eles. Estavam a falar com o Sr.
Roland e não me viram.

- Não pode ser - disse a Ana, imediatamente. - O Sr. Roland não os conhecia. Fui
eu quem os apresentou.

- Tenho a certeza que ouvi o Sr. Roland chamar Wilson a um deles - disse a Zé,
intrigada. - Ele já devia conhecê-los...
- Não podiam ser os pintores - repetiu Ana. - Eles não conheciam o Sr. Roland. O
Sr. Smith perguntou-nos se ele era um amigo nosso.

- Tenho a certeza de que não estou enganada - disse a Zé, cheia de teimosia. - Se
o Sr. Roland disse que não conhecia os pintores, estava a mentir.

- Tu andas sempre a arranjar coisas horríveis contra ele! - gritou Ana, indignada.

- Chi! - disse Júlio. - Ele vem ali.

A porta abriu-se e apareceu o preceptor.

- Foi uma pena não termos encontrado o caminho secreto, não foi? - disse o Sr.
Roland. - E além disso fomos bastante insensatos por termos procurado na sala de
visitas. As paredes aí não são muito antigas. Devem ter sido arranjadas há poucos anos.

- Então não vale a pena lá procurar outra vez - disse Júlio, desapontado. - E tenho
quase a certeza que também não há nada no outro quarto, pois vimos tudo com imenso
cuidado. Não é uma decepção?

- Também acho - disse o Sr. Roland. - Então, Júlio, que tal achaste os dois
artistas? Tive muito prazer em conhecê-los; parecem boas pessoas e gostaria de os
conhecer melhor.

A Zé observava o preceptor. Seria possível dizer mentiras com uma voz tão
verdadeira? A rapariguinha estava intrigada. Continuava convencida de que vira os
artistas com o preceptor. Porque pretenderia ele não os conhecer? Ela devia estar
enganada. Mas de qualquer maneira resolveu procurar a verdade, a todo o custo.

CAPÍTULO X

UM DESGOSTO PARA A ZÉ E PARA O TIM

Na manhã seguinte houve outra vez lições - e sem Tim debaixo da mesa! A Zé
tinha imensa vontade de dizer que não queria trabalhar, mas que ganharia com isso? No
fim de contas os mais velhos tinham a força. Só inventavam castigos. Não se importava
por ela, mas não suportava a ideia de ver o Tim compartilhar o castigo. Por isso pálida e
aborrecida a rapariguinha sentou-se também à mesa de trabalho. Ana estava satisfeita
por também dar lições - na verdade ela gostava sempre de fazer qualquer coisa que
agradasse ao Sr. Roland, pois ele dera-lhe a boneca parecida com uma fada, que estivera
no cimo da árvore de Natal. Ana achava-a a mais linda que vira até então.

Zé repelira a boneca com mau modo, quando Ana a mostrara. Ela não gostava de
bonecas, e ainda menos daquela, escolhida pelo Sr. Roland e oferecida à Ana! Mas Ana
adorava-a; e resolvera dar lições com os outros e trabalhar o mais possível.

A Zé fazia o menos que podia, mas de maneira a não ser censurada. O Sr. Roland
não lhe dispensava grande atenção, nem a ela nem ao seu trabalho. Só elogiava os
outros e explicava com paciência qualquer coisa que não percebessem.

Enquanto os pequenos trabalhavam, ouviam o Tim a ganir lá fora. Isto preocupava-


os imenso, pois o Tim era um grande companheiro e muito querido de todos. Não podiam
suportar a ideia de ele não entrar nas brincadeiras, ficando no canil do pátio, triste e com
frio. Quando chegou o intervalo de dez minutos, o Sr. Roland saiu da sala e Júlio
aproveitou para falar com a Zé.

- Ó Zé! É horrível ouvir o pobre Tim a ganir, cheio de frio. E tenho a impressão que
o ouvi tossir. Deixa-me falar com o Sr. Roland a respeito do cão. Tu deves sentir-te
tristíssima por saberes que o Tim está lá fora.

- Também acho que o ouvi tossir - disse a Zé, parecendo muito preocupada. -
Espero que não se constipe. E naturalmente está a pensar que fui eu quem o mandou
para ali; deve achar-me muito má!

A pequena voltou a cara, com medo de que lhe vissem as lágrimas nos olhos.
Gabava-se sempre que nunca chorava, mas era muito difícil reprimir as lágrimas,
pensando que o Tim estava no canil a apanhar frio! David tomou-lhe o braço.

- Ouve, Zé, tu detestas o Sr. Roland e eu suponho que não o consegues evitar.
Mas nenhum de nós suporta que o Tim esteja lá fora, sozinho, e hoje deve nevar, o que
para ele ainda será pior. Conseguirás portar-te hoje lindamente? Esquece-te que não
gostas do preceptor, e quando o tio Alberto lhe perguntar qual foi hoje o teu procedimento,
o Sr. Roland há-de dizer-lhe a verdade. Então nós três unimo-nos e pedimos ao Sr.
Roland para consentir que o Tim volte para casa. Combinado?

O Tim tossiu mais uma vez, no canil do pátio, e a Zé sentiu um arrepio. E se ele
apanhasse aquela doença terrível chamada pneumonia e ela sem poder tratá-lo? Morreria
de desgosto! Voltou-se para Júlio e David.

- Está bem - disse ela. - Detesto o preceptor, mas ainda gosto mais do Tim de que
odeio o preceptor; pelo Tim vou tornar-me boa, agradável e trabalhadora. Então vocês
podem pedir para o Tim voltar.

- Boa pequena! - exclamou Júlio. - Atenção, que ele aí vem; faz todos os possíveis,
Zé!

Com enorme surpresa do professor a Zé dirigiu-lhe um sorriso, quando ele entrou


na sala. Isto era tão inesperado que o intrigou. Ainda ficou mais intrigado ao ver que a Zé
trabalhou com grande afinco durante o resto da manhã, e respondeu delicadamente
quando ele lhe falou. Fez um elogio à pequena.

- Muito bem feito, Maria José! Estou a ver que tomaste juízo!

- Muito obrigado, Sr. Roland - disse a Zé sorrindo outra vez, um sorriso bastante
fugidio, mas de toda a maneira era um sorriso!

À mesa do jantar a Zé procurou ser o mais simpática possível com o Sr. Roland -
passou-lhe o sal, ofereceu-lhe mais pão, levantava-se para lhe encher o copo quando se
esvaziava! Os outros olhavam-na com admiração. A Zé tinha grande domínio. Devia ser
muito difícil tratar o Sr. Roland como se ele fosse um grande amigo, quando realmente
o detestava tanto! O preceptor parecia muito satisfeito e inclinado a corresponder à
amabilidade da Zé.
Contou-lhe uma história engraçada e ofereceu-se para lhe emprestar um livro
sobre um cão. A mãe da Zé estava encantada por ver a filha tão mudada. Tudo parecia
mais animado naquela noite.

- Zé, sai daqui antes que o teu pai venha aí perguntar ao Sr. Roland como te
portaste hoje - disse Júlio. - Assim, quando o Sr. Roland lhe disser que tu foste exemplar,
nós todos pedimos-lhe para deixar vir o Tim para casa. Será mais fácil se não estiveres
presente.

- Está bem – concordou a Zé. Ela suspirava que acabasse aquele dia. Era muito
difícil pretender ser amiga quando não o era.

Nunca, nunca o conseguiria se não fosse para bem do Tim! Quando ouviu o pai
aproximar-se, a Zé desapareceu da sala. Ele entrou e dirigiu-se ao Sr. Roland.

- Então os seus alunos souberam as lições? - perguntou ele.

- Muito bem, na verdade - respondeu o Sr. Roland. - O Júlio ficou a saber uma
coisa que não compreendia. David sabia a lição de latim. A Ana fez um ditado em francês
sem nenhum erro.

- E a Zé? - perguntou o tio Alberto.

- Era de quem eu queria falar - disse o Sr. Roland olhando à volta para ver se ela
estava presente. - Trabalhou melhor do que qualquer dos outros! Estou muito satisfeito
com ela. Conseguiu ser delicada e simpática. Tenho a impressão de que está a tentar
seguir um novo caminho.

- A Zé foi um anjo - disse Júlio, com calor. - Tio Alberto, não calcula como ela se
portou! E bem sabe que anda tristíssima.

- Porquê? - perguntou o tio Alberto, cheio de surpresa.

- Por causa do Tim - explicou Júlio. - Ele está lá fora ao frio, bem vê. E apanhou
uma enorme constipação.

- Ó tio Alberto, por favor, deixe o pobre Tim voltar cá para dentro! - pediu a Ana.

- Deixe, por favor! - disse David. - Não só por causa da Zé mas também por nós.
Não podemos ouvi-lo ganir lá fora. E a Zé merece um prémio - hoje portou-se
maravilhosamente!

- Bem - começou o tio Alberto, olhando indeciso para aquelas três carinhas tão
ansiosas. - Olhem, não sei o que diga. Se a Zé começou a portar-se bem e o tempo se
tornou mais frio... bem...

Olhou para o Sr. Roland, esperando que este dissesse alguma coisa em favor do
Tim. Mas o preceptor ficou calado, parecendo aborrecido.

- Que pensa você, Roland? - perguntou o tio Alberto.

- Eu acho que o senhor deve manter o que disse e o cão deve continuar lá fora -
respondeu o preceptor. - A Zé precisa de um pulso firme. Não deve alterar a sua decisão.
Não há motivo para ceder, só porque ela se portou bem apenas um dia.
Os três pequenos fixaram o Sr. Roland, com surpresa e desânimo. Nunca lhes
passara pela cabeça que o professor não transigisse!

- Ó Sr. Roland, o senhor é cruel! - exclamou a Ana. - Deixe o Tim voltar!

O preceptor desviou o olhar. Apertou os lábios rodeados pela barba espessa e por
fim olhou na direcção do tio Alberto.

- Escutem, meninos - disse o tio Alberto. - Talvez seja melhor ver como é que a Zé
se porta durante uma semana inteira, pois só um dia não chega.

Os pequenos olharam-no, desgostosos. Acharam-no fraco e pouco simpático.

- Uma semana será melhor prova - apoiou o preceptor. - Se a Maria José se portar
bem durante uma semana inteira, falaremos então no cão. Mas por enquanto acho melhor
conservá-lo lá fora.

- Fica combinado - disse o tio Alberto saindo da sala. Parou e voltou-se para trás. -
Venha até ao meu escritório, Sr. Roland - disse ele. - Tenho umas coisas interessantes
para lhe mostrar, sobre a minha fórmula.

As três crianças entreolharam-se mas não disseram palavra. Como podia o


preceptor aconselhar o tio a não deixar o Tim voltar para casa?! Estavam desiludidos com
o Sr. Roland! Este percebeu o que eles sentiam.

- Tenho muita pena - disse ele. - Mas acho que se o Tim os tivesse mordido e
deitado ao chão, não estariam tão interessados em tê-lo aqui.

Saiu do quarto. As crianças hesitavam no que haviam de dizer à Zé. Ela chegou
um momento depois, com uma expressão radiante. Quando viu as caras contristadas dos
primos, mudou imediatamente.

- O Tim não pode vir? - perguntou ela. - Que aconteceu? Digam-me!

Contaram-lhe. A pequena tornou-se zangada ao ouvir que o preceptor tinha sido


contra o Tim, mesmo quando o pai sugerira que o cão voltasse para casa.

- Oh, que imbecil ele é! - exclamou. - Há-de pagar-me! Verão!

Correu para fora da sala. Ouviram-na passar pela entrada e fechar a porta da rua,
com estrondo.

- Saiu, com esta escuridão! - disse o Júlio.

- Até aposto que foi ter com o Tim. Pobre Zé! Agora vai portar-se pior do que
nunca!

A Zé não conseguiu dormir nessa noite. Atirou-se para cima da cama, procurando
escutar o Tim. Primeiro ouviu-o ganir. Depois tossir.

Ela sabia que estava frio. Mudara a palha do canil e virara a abertura, abrigando-a
do vento norte, mas, assim mesmo, ele devia sentir imenso frio naquela noite rigorosa,
depois de estar habituado, havia tanto tempo, a dormir na cama da dona! O Tim começou
a tossir tanto, que a Zé não conseguiu conservar-se mais tempo na cama. Ela reconheceu
que devia ir ver o que ele tinha.

- Vou trazê-lo para casa, só durante um momento, e esfrego-lhe o peito com


aquele remédio que a mãe costuma usar quando está constipada - pensou a pequena. -
Talvez lhe faça bem.

Agasalhou-se e desceu as escadas. Toda a casa estava em silêncio. Escapou-se


até ao pátio e desprendeu a corrente do Tim. Ele ficou encantado de a ver; lambeu-lhe as
mãos e a cara. - Vem aquecer-te um bocadinho - segredou-lhe a rapariguinha. - Vou
esfregar o teu peito com um óleo que arranjei.

O Tim seguiu-a. Levou-o para a cozinha mas ali fazia muito frio, pois o fogão
estava apagado. Foi ver nos outros compartimentos. Ainda havia um bom lume no
escritório do pai. Levou O Tim para lá. Tinha com ela o frasquinho de óleo que tirara do
armário da casa de banho. Colocou-o perto do lume, para o aquecer. Depois esfregou o
peito peludo do cão, esperando que lhe fizesse bem.

- Vê se consegues não tossir - segredou-lhe ela. - Se tosses, alguém pode ouvir-te.


Deita-te aqui ao pé do lume, querido, e vê se aqueces. A tua constipação vai melhorar
depressa. - O Tim deitou-se sobre o tapete. Que alegria já não estar no canil e ter ao lado
a sua dona adorada! Pôs a cabeça sobre os joelhos dela. Ela abraçou-o.

A luz da chama reflectia-se nos instrumentos esquisitos e nos tubos de vidro que
estavam ali à volta, em prateleiras. A pequenita quase adormeceu. O cão também fechou
os olhos e adormeceu, quente, sossegado e feliz. A Zé apoiou a cabeça sobre o pescoço
do Tim. Acordou quando o relógio do escritório batia as seis! O quarto agora estava frio e
ela tremia.

- Oh, céus! Seis horas! - A cozinheira em breve estaria levantada! Não podia
encontrá-los ali!

- Ó Tim querido! Acorda! Tens de voltar para o teu canil - sussurrava a Zé. - Tenho
a certeza que a tua constipação está melhor, pois não tossiste nem uma vez desde que
vieste para dentro. Levanta-te e não faças barulho! Chi!

O Tim levantou-se. Lambeu as mãos da Zé. Percebia perfeitamente quando devia


estar sossegado. Saíram ambos do escritório, passaram pela entrada e abriram a porta
da frente. Uns minutos depois O Tim estava acorrentado no seu canil, acomodado no
meio da palha. Quanto desejava a Zé ficar ali com ele! Fez-lhe mais uma festa e voltou de
novo para dentro.

Subiu as escadas e entrou no quarto, sonolenta e com frio. Esqueceu-se que


estava vestida e meteu-se na cama tal como estava. Num momento adormeceu. Pela
manhã Ana ficou admiradíssima quando viu a Zé levantar-se com a saia, camisola e
sobretudo!

- Olha! - disse ela - Tu estás vestida! Mas eu ontem vi-te despir!

- Cala-te - disse a Zé. - Eu ontem à noite fui buscar o Tim. Deitei-o em frente do
lume do escritório e esfreguei-o com óleo. Agora não te atrevas a dizer uma palavra!
Promete!
A Ana prometeu. Pensar que a Zé se atrevera a sair durante a noite! Que rapariga
extraordinária era ela.

CAPÍTULO XI

OS PAPÉIS ROUBADOS

- Zé, hoje não te portes mal - pediu O Júlio, depois do pequeno almoço. - Não pode
trazer nenhuma vantagem, nem a ti nem ao Tim.

- Supões que me vou portar bem, sabendo perfeitamente que o Sr. Roland nunca
consentirá que o Tim volte para casa? - disse a Zé.

- Olha que eles pediram uma semana; não podes experimentar só por
uma semana? - perguntou David.

- Não. No fim de oito dias o Sr. Roland dirá para eu experimentar mais oito dias -
disse a Zé. - Ele detesta o pobre Tim. E a mim também. Não me admira nada, pois ele
bem sabe que se eu quiser sou mesmo má. Mas ele escusava de embirrar com o Tim.

- Ó Zé, vais estragar as férias se fores tão pateta que queiras arranjar ainda mais
sarilhos, disse Ana.

- Então estrago-as! – respondeu a Zé com o habitual mau génio.

- Não percebo porque hás-de aborrecer a todos nós - disse Júlio.

- Não precisam de ficar aborrecidos - retorquiu a Zé. - Podem divertir-se quanto


quiserem; vão passear com o vosso querido Sr. Roland, joguem com ele à noite, riam-se
e conversem quanto lhes apetecer. Não precisam de pensar em mim.

- És uma rapariga engraçada, Zé - disse Júlio, com um suspiro. - Nós gostamos de


ti e detestamos que te sintas infeliz; como havemos de nos divertir se soubermos que tu
estás triste e o Tim também?

- Não se preocupem comigo - disse a Zé, num tom bastante reforçado. - Vou sair
com o Tim. E não tenciono vir dar lição.

- Ó Zé! Deves vir! - exclamaram os dois rapazes ao mesmo tempo.

- Não há “deves” - respondeua Zé. - Apenas, não quero vir. Não estudarei com o
Sr. Roland até que ele deixe o Tim voltar cá para dentro.

- Mas tu sabes que ele nunca consentirá nisso; vais apanhar uma sova ou qualquer
castigo no género - disse David.

- Fugirei de casa se as coisas se tornarem insuportáveis - disse a Zé com a voz a


tremer. - Fugirei com o Tim.

Saiu da sala atirando com a porta. Os outros estavam perplexos. Que fazer com
uma pessoa como a Zé? Conseguia-se sempre levá-la, com bondade e com brandura,
mas se tinha de enfrentar alguém que não gostava dela, ou de quem ela não gostava,
portava-se como um cavalo assustado que se quer pôr em liberdade. O Sr. Roland
chegou à sala de estar, com os livros na mão. Sorriu aos três pequenos.

- Tudo a postos, não é verdade? Onde está a Maria José?

Ninguém respondeu.

- Não sabem onde ela está? - perguntou o Sr. Roland, surpreendido. Começou a
observar o Júlio.

- Não sei, Sr. Roland - disse Júlio, com verdade. - Não tenho ideia onde ela possa
estar. - Bem, talvez chegue daqui a alguns minutos - disse o preceptor. - Naturalmente foi
dar de comer ao cão.

Começaram a trabalhar. O tempo ia passando e a Zé não aparecia. O Sr. Roland


consultou o relógio e soltou uma exclamação de impaciência.

- A Maria José vai arrepender-se por chegar atrasada! Vai ver se a encontras, Ana.

A Ana levantou-se. Foi ao quarto de dormir. A Zé não se encontrava ali. Procurou


na cozinha, onde só viu a cozinheira a fazer bolos. Esta deu-lhe um biscoito ainda quente.
Ana não imaginava onde estaria a prima. Não conseguiu encontrá-la e voltou para a aula.

- Terei de contar isto ao vosso tio Alberto - disse o preceptor. - Nunca lidei com
uma criança tão rebelde. Parece que faz todos os possíveis para ser castigada.

As lições continuaram. Chegou o intervalo e a Zé ainda não aparecera. Júlio foi ao


pátio e verificou que o canil estava vazio. A Zé tinha ido com o Tim! Que descompostura
apanharia quando voltasse! Pouco depois dos pequenos recomeçarem a trabalhar, após
o intervalo, foram interrompidos pela entrada do tio Alberto; parecia muito preocupado.

- Algum de vocês esteve no meu escritório? - perguntou ele.

- Não, tio Alberto - responderam os três.

- Porquê, tio Alberto? - perguntou Júlio.

- Apareceu alguma coisa quebrada? - perguntou o Sr. Roland.

- Quebraram-se os tubos que eu ontem separei para uma experiência e, o que é


pior, desapareceram três folhas muito importantes do meu livro - disse o tio Alberto. -
Posso escrevê-las outra vez, mas só depois de um grande trabalho. Não consigo
perceber. Vocês têm a certeza que não mexeram em nada no meu escritório?

- A certeza absoluta! - responderam.

Ana, de repente, ficou muito vermelha; lembrara-se, de súbito, do que a Zé lhe


contara. Dissera-lhe que levara o Tim para o escritório, na noite anterior, e o esfregara
com óleo! Mas era impossível que a Zé tivesse quebrado os tubos de ensaio e tirasse as
páginas do livro do pai!

O Sr. Roland reparou em Ana, que ficara corada.

- Sabes alguma coisa, Ana? - perguntou ele.


- Não, Sr. Roland - disse a pequenita, corando ainda mais e sentindo-se pouco à
vontade.

- Onde está a Zé? - perguntou o tio Alberto.

As crianças calaram-se e foi o Sr. Roland quem respondeu.

- Não sabemos. Esta manhã não veio dar lições.

- Não veio! Porque não? - perguntou o tio Alberto enrugando a testa.

- Não disse nada - respondeu o Sr. Roland com secura. - Julgo que ela ficou
aborrecida por nós não termos transigido acerca do Tim, a noite passada, e esta é a sua
maneira de se vingar.

- Que rapariga insubordinada - disse o pai da Zé, zangado. - Eu não percebo este
procedimento. Clara! Vem cá! Sabes que a Zé não veio dar lições?

A tia Clara entrou na sala. Parecia muito preocupada e aborrecida. Segurava na


mão um frasco pequeno; as crianças pensaram o que seria.

- Não veio dar lições?! - repetiu a tia Clara. - Que extraordinário! Então onde está
ela?

- Julgo que não precisa preocupar-se; deve ter saído com o Tim, num acesso de
mau génio. O que tem muito mais importância, minha senhora, é que, segundo parece,
alguém estragou o trabalho de seu marido; só espero não ter sido a Zé, embora julgue
que ela seria capaz de se vingar por o pai não ter consentido que o cão voltasse para
casa.

- Garanto que não foi a Zé! - exclamou David, zangado por alguém se atrever a
pensar que a prima pudesse fazer tal coisa.

- A Zé, nunca, nunca faria uma coisa dessas! - disse Júlio.

- Nunca, tenho a certeza - disse Ana, defendendo a prima, ainda que no fundo
tivesse agora uma horrível dúvida. Afinal a Zé estivera no escritório na noite anterior!

- Alberto, estou convencida que a Zé nem mesmo pensaria em fazer tal - disse a
tia Clara. - Encontrarás essas folhas noutro sítio qualquer e quanto aos tubos quebrados,
talvez fosse o vento que levantasse a cortina e esta batesse neles. Quando viste essas
folhas pela última vez?

- A noite passada - disse o tio Alberto. - Voltei a lê-las e verifiquei as contas, para
ter a certeza de que estavam certas. Aquelas páginas contêm a parte principal da minha
fórmula! Se vão parar às mãos de outra pessoa, ela poderá usar o meu segredo. Seria um
golpe terrível para mim! Tenho de saber o que lhes aconteceu!

- Encontrei isto no teu escritório, Alberto - disse a tia Clara mostrando o frasco que
tinha na mão. - Levaste-o para lá? Encontrei-o no guarda-fato.

O tio Alberto pegou no frasco e examinou-o.

- Óleo canforado! - disse ele. - Claro que não o levei. Para que serviria?
- Então quem o levaria? - perguntou a tia Clara, intrigada. - Nenhum dos pequenos
está constipado e de qualquer maneira não pensariam no óleo canforado nem o levariam
para o escritório! É muito extraordinário!

Todos estavam perplexos. Porque apareceria noguarda-fato do escritório um frasco


de óleo canforado? Só uma pessoa sabia o motivo; ele apareceu como uma flecha no
espírito de Ana. A Zé tinha dito que levara o Tim para o escritório e que o esfregara com
óleo. Oh, Deus, que aconteceria agora? Que pena a Zé ter-se esquecido do frasco! Ana
ficara novamente encarnada, ao ver o óleo. O Sr. Roland, que naquela manhã parecia ter
um olhar muito penetrante, observou atentamente a pequenita.

- Ana! Tu sabes qualquer coisa sobre o óleo! - disse ele, de súbito. - Que sabes tu?
Deixaste-o ali?

- Não, Sr. Roland - disse Ana. - Eu não estive no escritório. Já disse que não
estive.

- Sabes alguma coisa sobre o óleo? - repetiu o preceptor. - Tu deves saber


qualquer coisa.

Todos observaram a Ana. Ela não se mexia. Era simplesmente horrível! Não podia
denunciar a Zé. Não podia! Cerrou os lábios e não respondeu.

- Ana - disse o Sr. Roland, autoritário. - Responde ao que te pergunto!

Ana continuava calada. Os dois rapazes observaram-na, adivinhando que havia ali
qualquer coisa a respeito da Zé. Eles não sabiam que na noite anterior a Zé fora buscar o
Tim.

- Querida Ana - disse a tia com ternura. - Diz-nos se sabes alguma coisa. Podes
ajudar-nos a compreender o que aconteceu aos papéis do teu tio. Olha que são muito
importantes.

A Ana continuava sem dizer palavra. Os olhos dela encheram-se de lágrimas. Júlio
fez-lhe uma festa.

- Não torturem a minha irmã. Não vêem que ela está aflita?

- Deixemos a Zé falar por si própria quando resolver voltar para casa - disse o Sr.
Roland. - Estou convencido que ela sabe como o frasco foi ali parar; e se foi ela que lá o
deixou é porque esteve no escritório - e foi a única pessoa que lá esteve.

Os rapazes nem por um instante podiam pensar que a Zé fosse capaz de estragar
os papéis do pai. Mas a Ana não estava bem certa e isso a afligia muito. Soluçava nos
braços de Júlio.

- Quando a Zé entrar, mandem-na ao meu escritório - disse o tio Alberto, irritado. -


Como pode um homem trabalhar com todas estas contrariedades? Sempre fui contra o
sistema de conservar as crianças em casa.

Ele foi-se embora, aborrecido e carrancudo. Os pequenos, quando o viram sair,


sentiram-se aliviados. O Sr. Roland fechou os livros.
- Esta manhã não damos mais lições - disse ele. - Guardem as vossas coisas e vão
dar um passeio até à hora do almoço.

- Vão, vão - disse a tia Clara, preocupada. - É uma boa ideia!

O Sr. Roland e a tia saíram da sala.

- Não sei se o Sr. Roland pensa sair connosco - disse Júlio em voz baixa. - Temos
de nos escapar primeiro, para ver se encontramos a Zé e a pomos ao corrente do que se
passa.

- Tens razão! - disse David. - Enxuga os olhos, Aninhas. Apressem-se! Escapemo-


nos pela porta do jardim antes que o Sr. Roland venha para baixo. Aposto que a Zé foi dar
o seu passeio favorito, para o lado dos rochedos! Vamos procurá-la!

Os três irmãos vestiram os abafos e saíram, sem barulho, pelo jardim. Então
desataram a correr para que o Sr. Roland nem mesmo visse que direcção levavam. A
meio caminho avistaram a Zé.

- Ali está ela e o Tim também! - exclamou o Júlio. - Zé! Zé! Depressa, temos uma
coisa para te contar!

CAPÍTULO XII

A ZÉ EM APUROS

- Que aconteceu? - perguntou a Zé enquanto os primos corriam para ela. -


Aconteceu alguma coisa?

- Nem calculas! Alguém tirou as três folhas mais importantes do livro do teu pai! -
contou Júlio, ofegante. - E quebraram os tubos de ensaio onde ele fizera uma
experiência. O Sr. Roland pensa que tu tens qualquer coisa a ver com o caso.

- O estúpido! - disse a Zé, com os seus olhos azuis cheios de rancor. - Como se eu
fosse capaz de fazer uma coisa dessas! Mas porque pensou ele que fui eu?

- Porque tu deixaste o frasco do óleo no guarda-fato - explicou Ana. - Eu não disse


a ninguém o que aconteceu na noite passada, mas não sei como o Sr. Roland percebeu
que tinhas alguma relação com o frasco do óleo.

- Não contaste aos rapazes como é que levei o Tim para dentro de casa? -
perguntou a Zé. - Não tem nada de especial; ouvi o pobre Tim a tossir; agasalhei-me,
desci as escadas e levei-o para o escritório, onde o lume estava aceso. A mãe tem um
frasco de óleo para esfregar o peito quando estamos constipados e eu pensei que
também devia fazer bem ao Tim. Fui buscar o óleo e esfreguei-o com cuidado e
ambos adormecemos perto do lume até às seis da manhã. Estava cheia de sono quando
me levantei e por isso esqueci-me do frasco. Ora aqui têm a história.

- E tu não tiraste nenhumas folhas do livro do tio, nem quebraste os tubos, pois
não? - perguntou a Ana.
- Claro que não, pateta! - exclamou a Zé, indignada. - Como te atreves a fazer-me
essa pergunta? Deves estar doida!

A Zé nunca mentia e os outros acreditavam-na, fosse no que fosse.

- Não imagino quem poderia levar as folhas - disse Júlio. - Talvez o teu pai ainda
as encontre. Naturalmente pô-las num lugar seguro e depois esqueceu-se. E os tubos de
ensaio podiam quebrar-se facilmente sem ninguém lhes tocar. Alguns parecem-me bem
frágeis.

- Agora vou ver-me em apuros por ter levado o Tim para o escritório - disse a Zé.

- E por teres faltado às lições desta manhã - acrescentou David. - Foste muito
palerma, Zé. Não conheço ninguém como tu, para se meter em complicações.

- Não acham que o melhor é ficarmos cá fora mais um bocado, até que estejam
todos mais calmos? - lembrou Ana.

- Não! - disse a Zé. - Se me vão ralhar, que seja já! Não tenho medo!

Começou a avançar em direcção a casa, seguida por Tim, como sempre. Os outros
também a seguiram. Todos se sentiam aflitos. Chegaram ao jardim. O Sr. Roland viu-os
da janela e foi abrir-lhes a porta. Mirou a Zé, de relance.

- O teu pai quer falar-te, no escritório - disse o preceptor. Depois voltou-se para os
outros, parecendo aborrecido. - Porque saíram antes de mim? Tencionava ir com vocês.

- Sim? Desculpe - respondeu Júlio com delicadeza, não olhando para o Sr. Roland.
- Fomos só dar uma pequena volta.

- Maria José, foste ao escritório ontem à noite? - perguntou o Sr. Roland,


observando a Zé, enquanto ela despia o casaco.

- Responderei às perguntas de meu pai e não às suas - disse a Zé.

- O que tu precisas é de uma boa sova! exclamou o Sr. Roland. - Se eu fosse o teu
pai era o que fazia.

- Mas felizmente não é o meu pai - respondeu a Zé. Dirigiu-se à porta do escritório
e abriu-a. Não estava lá ninguém.

- O pai não está aqui - disse ela.

- Virá num minuto - disse o Sr. Roland. - Entra e espera; e vocês vão arranjar-se
para o almoço.

Os três irmãos, enquanto subiam as escadas, sentiam-se como se tivessem


abandonado a Zé. Ouviam o Tim a ganir, no pátio. Sabia que a sua dona estava a
atravessar um momento difícil e ele desejava estar a seu lado. A Zé sentou-se numa
cadeira a contemplar o lume e recordar-se como se sentara no tapete com o Tim,
esfregando-lhe o peito peludo. Que parvoíce ter esquecido o frasco do óleo! O pai entrou,
carrancudo e mal disposto. Olhou severamente para a pequena.

- Estiveste aqui, na noite passada, Zé? - perguntou ele.


- Estive, sim - respondeu a Zé, sem hesitar.

- Que estiveste a fazer? - perguntou o pai. - Sabes que vocês estão proibidos de
entrar aqui.

- Bem sei - disse a Zé. - Mas o Tim apanhou uma enorme constipação e eu não
suportava ouvi-lo tossir. Por isso fui ao pátio, por volta da uma hora, e trouxe-o para
dentro. Este era o único quarto que estava aquecido; sentei-me aqui e esfreguei o peito
do Tim com o óleo que a mãe usa quando estamos constipados.

- Esfregar o peito de um cão com óleo canforado! - exclamou o pai, com espanto. -
Que ideia louca! Como se isso lhe pudesse fazer algum bem!

- Não me pareceu nenhuma loucura - disse a Zé. - Pareceu-me sensato. E a tosse


do Tim está hoje muito melhor. Peço desculpa por ter entrado no escritório. Está claro que
não toquei em nada.

- Zé, aconteceu uma coisa muito séria - disse o pai, gravemente. - Quebraram-se
alguns dos meus tubos de ensaio, onde eu fizera experiências importantes, e pior do que
isso, desapareceram três folhas do meu livro. Dá-me a tua palavra de honra que não
sabes nada sobre isto.

- Não sei nada - disse a Zé, fitando o pai bem de frente. Os olhos dela brilhavam,
muito claros e azuis, enquanto o contemplava fixamente.

Ele teve a certeza absoluta de que a filha estava a falar verdade. Mas sendo assim,
onde estariam aquelas folhas?

- Zé, na noite passada, quando me fui deitar, eram onze horas e tudo estava em
ordem - disse ele. - Tinha relido aquelas páginas e mais uma vez as verificara. Esta
manhã tinham desaparecido.

- Então devem ter sido levadas entre as onze e a uma - disse a Zé. - Eu estive aqui
desde a uma hora até às seis.

- Mas quem poderia levá-las? - disse o pai. - Suponho que a janela estava
trancada. E ninguém, a não ser eu, sabia que aquelas três folhas eram as mais
importantes. É muito extraordinário!

- Naturalmente o Sr. Roland também sabia - disse a Zé, devagar.

- Não sejas disparatada - respondeu o pai. - Mesmo conhecendo a


sua importância, não as tiraria; é uma pessoa muito séria. E agora me lembro: porque
faltaste às lições, esta manhã?

- Não quero dar mais lições com o Sr. Roland - disse a Zé. - Detesto-o.

- Zé! Não quero ouvir-te falar assim! Queres que mande embora o Tim, para
sempre?

- Não - disse a Zé, sentindo os joelhos a tremer. - E não acho bonito forçar-me a
fazer uma coisa, ameaçando-me com a perda do Tim. Se fizer isso, eu fujo!
Não havia lágrimas nos olhos da Zé. Sentou-se muito direita, numa cadeira,
encarando o pai, sem medo. Que rapariga difícil! O pai suspirou e lembrou-se que
também ele, quando era criança, fora considerado insuportável.

Talvez a Zé saísse a ele. Ela conseguia ser tão boa e meiga mas agora estava
perfeitamente impossível e o pai não sabia que lhe fazer. Pensou que o melhor seria ter
uma conversa com a mulher. Levantou-se e dirigiu-se para a porta.

- Espera aqui. Quero falar com a tua mãe, sobre ti.

- Não fale sobre mim ao Sr. Roland, não? - pediu a Zé, pois estava certa que o
preceptor lembraria enormes castigos para ela e para o Tim. - ó pai, se o Tim tivesse
ficado em casa, na noite passada, dormindo como de costume no meu quarto, ele teria
sentido a pessoa que roubou o seu segredo; teria ladrado e acordado todos!

O pai não respondeu mas sabia que a Zé tinha razão. O Tim não deixaria ninguém
entrar no escritório. Era estranho que ele não tivesse ladrado, lá fora, no caso de alguém
se ter aproximado e entrado pela janela do escritório. Mas como era do outro lado
da casa, talvez ele não tivesse ouvido. O pai fechou a porta atrás de si. A Zé continuou
sentada na mesma cadeira, olhando para a chaminé do fogão, onde um relógio batia os
segundos. Sentia-se muito desanimada. Tudo corria mal!

Enquanto olhava a parede sobre a chaminé, contou os painéis de madeira. Eram


oito. Onde tinha ouvido falar anteriormente em oito painéis? Claro, no caminho secreto.
Havia oito painéis marcados no pedaço de pano. Que pena não terem conseguido
encontrá-los na Quinta Kirrin! A Zé olhou através da janela e pensou se estaria voltada
para leste. O sol não incidia agora no escritório, mas sim de manhã cedo. O
compartimento era então virado a leste e com oito painéis. Começou a pensar se teria o
chão de pedra. O chão estava coberto com um grande tapete muito espesso. Levantou
uma das pontas e viu que o chão era feito de grandes pedras! O escritório também tinha
chão de pedra!

Sentou-se outra vez, examinando os oito painéis, e tentou lembrar-se qual deles
estava marcado com uma cruz nas instruções. Sem dúvida, era num quarto da Quinta
Kirrin e não ali em casa que o caminho secreto devia começar. Mas supondo que era
naquela casa! As instruções tinham sido encontradas na quinta, mas isso não queria dizer
que o caminho tivesse de começar ali, embora fosse essa a opinião da Sra. Maria. A Zé
sentia-se entusiasmada.

- Tenho de apalpar os oito painéis e ver se encontro o que está marcado no


pedaço de pano - pensou ela. - Deve deslizar para trás ou qualquer coisa parecida, e de
repente verei a entrada aberta!

Levantou-se para tentar ao acaso, mas nesse momento o pai entrou. Vinha muito
sério e preocupado.

- Estive a falar com a tua mãe - disse ele. - Ela concorda que tu foste muito
desobediente e indelicada. Não podemos perdoar tal maneira de proceder. Vais ter um
castigo.

A Zé olhou para o pai, com ansiedade. Se ao menos o castigo não abrangesse o


Tim!
- Irás para a cama o resto do dia e não verás o Tim durante três dias - disse o pai. -
Pedirei ao Júlio que lhe leve a comida e que vá passear com ele, de vez em quando. Se
teimares em portar-te mal, mando o Tim embora. Receio que este cão tenha uma má
influência sobre ti.

- Não tem nada, garanto que não tem! - exclamou a Zé. - Oh, ele vai sentir-se tão
triste se não me puder ver durante três dias inteiros!

- Não tenho mais nada a acrescentar - disse o pai. - Vai imediatamente para a
cama e, sobretudo, pensa naquilo que te disse. Nestas férias estou muito descontente
contigo. Julgava que o exemplo dos teus primos te encorajasse a portares-te melhor. Mas
afinal estás pior do que nunca.

O pai abriu a porta e a Zé saiu, de cabeça erguida. Percebeu que os outros já


estavam na sala de jantar. Foi para o quarto e despiu-se. Meteu-se na cama e sentiu-se
muito infeliz por não poder estar com o Tim durante três dias. Não suportava aquilo!
Ninguém conseguia imaginar quanto ela gostava do Tim! Joana entrou com o tabuleiro do
almoço.

- Ó menina, é uma pena estar aqui na cama - disse ela, impressionada. - Agora vai
ter muito juízo e depressa irá lá para baixo!

A Zé mal provou o almoço. Não tinha nenhuma vontade. Deitou-se de bruços, a


pensar no Tim e nos oito painéis que estavam sobre o fogão do escritório. Poderiam ser
aqueles os que estavam assinalados nas instruções do pano? Continuava a pensar.

- Olhem! Está a nevar - disse ela, sentando-se. - Pensei que isto ia acontecer, logo
que vi hoje de manhã o céu cor de chumbo. E está a nevar imenso. À noite deve haver
uma camada bem espessa. Pobre Tim! Espero que o Júlio tenha o cuidado de limpar a
neve do canil.

Enquanto estava na cama, a Zé tinha imenso tempo para pensar. A Joana entrou e
levou o tabuleiro. Mais ninguém veio vê-la. Sentia-se sozinha e abandonada. Pensou nas
folhas desaparecidas. Seria o Sr. Roland quem as tirou? Ele andava muito interessado no
trabalho do pai e parecia perceber do assunto. O ladrão devia ser alguém que soubesse
quais eram as páginas importantes. Certamente o Tim ladraria se um ladrão se
aproximasse da casa, ainda que o escritório ficasse do outro lado. O Tim tinha tão bom
ouvido!

- Julgo que deve ter sido alguém cá de dentro - dizia a Zé para consigo. - Não foi
nenhum de nós, crianças, isso é mais que certo e também não foi a mãe nem a Joana.
Assim, resta só o Sr. Roland. E eu encontrei-o no escritório na outra noite, quando Tim
me acordou a rosnar.

De súbito teve uma ideia.

- Acho que o Sr. Roland quis conservar o Tim fora de casa, porque queria ir outra
vez passar uma revista ao escritório e tinha medo que o cão ladrasse - pensou ela. - Ele
insistiu tanto para que o Tim ficasse lá fora, mesmo quando todos os outros pediram que
ele voltasse para dentro! Eu acredito, realmente acredito, que o Sr. Roland foi o ladrão!
A pequena sentia-se muito nervosa. Seria possível que o preceptor tivesse
roubado os papéis e quebrado os tais tubos importantes? Como ela desejava que os
outros pequenos fossem vê-la, para trocar impressões com eles!

Capítulo XIII

JÚLIO TEM UMA SURPRESA

Os três primos da Zé ficaram com muita pena dela. Mas o tio Alberto proibira-os
de subirem as escadas e irem vê-la.

- Talvez um pouco de tempo para meditar, sozinha, lhe faça bem - explicara o tio.

- Pobre Zé - disse Júlio. - É uma pena! Olhem lá para fora; está a nevar!

A neve caía, em enorme quantidade.

- Tenho de ir ver como está o canil do Tim - resolveu Júlio. - Não quero que o
desgraçado fique bloqueado pela neve. Acham que ele saberá de que é feita a neve?

O Tim, realmente, estava muito intrigado por ver tudo coberto com uma camada
branca. Deitara-se no canil, com os seus grandes olhos castanhos seguindo os flocos que
caíam no chão. Estava intrigado e infeliz. Porque viveria agora ali, ao frio? Porque não
viria a Zé? Já não gostava dele? Aquele cão enorme sentia-se desgostoso,
tão desgostoso como a sua dona!

Ficou satisfeito por ver o Júlio. Saltou para o pequeno e lambeu-lhe a cara.

- Meu bom Tim! - disse Júlio. - Sentes-te bem? Deixa-me varrer esta neve e virar
um bocadinho a tua casa, para que os flocos não possam chegar aí dentro. Assim, assim
está melhor. Não, não vamos passear, agora não.

O pequeno fez festas ao cão e voltou para casa.

- Júlio! O Sr. Roland vai passear sozinho. A tia está a repousar e o tio Alberto está
no escritório. Não podemos ir lá acima ver a Zé?

- Estamos proibidos - lembrou Júlio.

- Bem sei - continuou David. - Mas não me importo de me arriscar, só para que a
Zé se sinta um pouco mais contente. Deve ser horrível estar no quarto sozinha, sabendo
que durante dias não poderá ver o Tim.

- Oiçam, deixem-me subir, eu sou o mais velho - disse Júlio. - Vocês dois ficam cá
em baixo, a conversar na sala. Assim o tio Alberto ficará convencido de que estamos os
três. Eu vou até lá acima e verei a Zé por uns instantes.

- Está bem - disse David. - Dá-lhe saudades nossas e diz-lhe que nós trataremos
do Tim.

O Júlio subiu as escadas, sem ruído. Abriu a porta do quarto da Zé e viu a prima
sentada na cama.

- Chiu! - disse Júlio. - Não sabem que vim aqui!


- Ó Júlio! - exclamou a Zé, muito contente. - Que bom teres vindo! Sentia-me tão
sozinha! Chega-te mais aqui. Se alguém aparecer de repente podes esconder-te debaixo
da cama.

A Zé começou a dizer tudo o que pensara.

- Acho que o Sr. Roland foi o ladrão! - disse ela. - Eu não digo isto por detestá-lo,
Júlio, acredita que não é por isso. Para mais eu vi-o uma vez no escritório a examinar
tudo, e outra vez apanhei-o ali, no meio da noite. Ele deve ter ouvido falar no trabalho do
meu pai e veio cá para casa só com a ideia de roubar a tal fórmula. Foi uma sorte, para
ele, nós precisarmos dum preceptor. Tenho a certeza que ele roubou as folhas, e estou
certa que ele quer o Tim lá fora para fazer o roubo sem o Tim dar sinal.

- Ó Zé, não concordo - disse Júlio, que realmente não podia conceber que o autor
do roubo tivesse sido o Sr. Roland. - Parece-me tudo isso muito extraordinário e
inacreditável.

- Acontecem imensas coisas inacreditáveis - disse a Zé. - Imensas. E esta é uma


delas.

- Se o Sr. Roland roubou os papéis, eles devem estar em qualquer parte, cá em


casa - disse Júlio. - Ele ainda não saiu. Devem estar no quarto dele.

- Sem dúvida! - concordou a Zé. - Quem me dera que ele saísse! Ia fazer uma
busca no quarto dele!

- Zé, não podias fazer tal coisa! - disse Júlio, chocado.

- Tu não fazes ideia das coisas que eu posso fazer, se quiser - disse a Zé,
apertando os lábios com firmeza. - Ouve, que barulho é este?

Era uma porta a bater. Júlio aproximou-se da janela, com cuidado, e investigou. A
neve parara de cair, e o Sr. Roland aproveitara para sair.

- É o Sr. Roland - informou Júlio.

- Óptimo. Posso então fazer uma busca no quarto dele, se tu ficares à janela e me
avisares quando ele voltar - disse a Zé atirando para os pés a roupa da cama.

- Não, Zé, não - pediu o Júlio. - É muito feio, pavoroso, fazer uma busca no quarto
duma pessoa. E, por outro lado, suponho que deve ter levado as folhas com ele.
Naturalmente até vai entregá-las a alguém!

- Não tinha pensado nisso - disse a Zé, olhando Júlio, com os olhos muito abertos.
- Não é um aborrecimento? Naturalmente tens razão. Ele conhece aqueles dois artistas
da Quinta Kirrin, por exemplo. Eles também devem fazer parte da quadrilha.

- Ó Zé, não sejas palerma - exclamou Júlio. - Tu estás a inventar uma montanha de
coisas, falando em quadrilhas e Deus sabe em que mais. Até se podia supor que
estávamos a viver uma grande aventura!

- Olha, eu creio que estamos - disse a Zé, inesperadamente, com um ar bastante


solene. - Eu pressinto à minha volta uma grande aventura!
O Júlio olhou pensativo para a prima. Haveria alguma verdade no que ela dizia?

- Júlio, queres fazer-me um favor? - perguntou a Zé.

- Claro que sim - disse o rapaz, sem hesitar. - Persegue o Sr. Roland - explicou a
Zé. - Não deixes que ele te descubra. Há uma capa de borracha branca no armário da
entrada. Veste-a e dificilmente te verão através da neve. Segue-o e repara se ele vai
encontrar-se com alguém e se lhe dá alguma coisa parecida com as folhas do livro
do meu pai. Sabes como são as folhas onde ele escreve. São muito grandes.

- Está bem. Mas se eu for, promete-me que não fazes nenhuma busca no quarto
dele. Não seria nada bonito.

- Concordo, se seguires o Sr. Roland. Estou convencida de que ele vai entregar o
que roubou aos outros da quadrilha. E até aposto que os outros são os dois artistas da
Quinta Kirrin, que ele pretendia não conhecer.

- Verás que estás completamente enganada - disse Júlio, dirigindo-se para a porta.
- E estou convencido que já não consigo seguir o Sr. Roland. Ele partiu há cinco minutos!

- Consegues, sim, pateta; seguirás as suas pegadas na neve - disse a Zé. - E olha,
Júlio, esqueci-me de te contar mais uma coisa importante. Mas agora não há tempo.
Conto-te depois, quando voltares, se conseguires vir outra vez cá acima. É sobre o
caminho secreto.

- Verdade? - disse Júlio, encantado. Fora grande desilusão toda aquela história ter
ficado em nada. - Está bem, eu tentarei voltar cá acima. Se não vier é porque não
consegui escapar-me. Então espera até à hora de nos deitarmos.

Fechou a porta sem ruído. Desceu com cuidado, entrou na sala de estar e
segredou aos irmãos que ia no encalço do preceptor.

- Depois digo-vos o motivo - disse ele. Vestiu a capa de borracha branca e saiu
pelo jardim. A neve começara de novo a cair mas não era em tão grande quantidade que
apagasse as marcas dos sapatos do Sr. Roland. O pequeno seguiu-as com rapidez. O
céu estava carregado, adivinhando muito mais neve. Júlio apressou-se, pois tinha medo
que desaparecessem os sinais do preceptor. A certa altura apareceu mais uma fila de
pegadas. Júlio ficou desorientado, quando de súbito ouviu vozes. Parou. Havia um
arbusto do lado esquerdo e as vozes vinham dali. O pequeno aproximou-se. Reconheceu
a voz do preceptor, falando baixo. Não conseguia perceber o que dizia.

- Com quem estaria a falar - pensou o pequeno. Então dirigiu-se para mais perto do
arbusto. Notou um espaço no meio da ramagem. Júlio pensou que poderia esconder-se
ali, ainda que fosse bastante arriscado, e então espreitar para o outro lado. Assim fez,
cheio de precauções. Apartou os ramos, muito devagar, e, com enorme espanto, viu o Sr.
Roland a falar com os dois artistas da quinta - o Sr. Smith e o Sr. Wilson! A Zé sempre
tinha razão! O preceptor tinha ido encontrá-los - e enquanto Júlio os observava, o Sr.
Roland entregou ao Sr. Smith umas folhas de papel.

- Parecem exactamente as folhas do livro do tio Alberto - disse Júlio para consigo. -
Isto é estranhíssimo! Começa, na verdade, a parecer-me uma quadrilha - e o Sr. Roland é
o chefe!
O Sr. Smith meteu os papéis no bolso do sobretudo. Os homens disseram mais
algumas palavras, que Júlio não conseguiu compreender, e depois partiram. Os artistas
foram em direcção à Quinta Kirrin e o Sr. Roland dirigiu-se para casa. Júlio, escondido no
meio do arbusto, fazia votos por que o Sr. Roland não se voltasse e não o
descobrisse. Felizmente tudo correu bem. A neve agora caía com mais
abundância. Também começava a escurecer e Júlio apressou-se a sair dali, com medo de
se perder.

O Sr. Roland não estava menos ansioso do que o pequeno por chegar a casa. Ele
quase correu até chegar ao portão. Júlio viu-o entrar. Deixou passar algum tempo, foi
fazer uma festa ao Tim e depois dirigiu-se para a entrada. Tirou a capa de borracha,
mudou de sapatos e chegou à sala de estar, antes de o Sr. Roland ter voltado do quarto.

- Que aconteceu? - perguntaram David e Ana, vendo que Júlio estava num estado
de grande excitação. Mas ele não pôde contar-lhes nada, pois nesse momento a Joana
entrava com o chá.

Com grande desespero de Júlio, não conseguiu dizer nem uma palavra aos irmãos,
pois estavam sempre presentes os pais da Zé. Nem conseguiu escapar-se até ao quarto
da Zé. Ele mal podia conter-se, mas não havia outro remédio.

- Ainda está a nevar, tia Clara? - perguntou Ana.

A tia foi à porta da frente e olhou para fora. A neve formava sobre o degrau da
entrada uma camada já bastante alta.

- Está a nevar cada vez mais - disse a tia quando fechou a porta... - Se continuar
assim, ficaremos completamente bloqueados pela neve, como aconteceu há dois anos!
Nessa altura não pudemos sair durante cinco dias. Nem o leiteiro, nem o padeiro
conseguiram cá chegar. Por sorte temos bastante leite condensado e posso cozer o pão
no nosso forno. Pobres pequenos; amanhã não poderão sair; a neve deve atingir uma
altura enorme!

- A Quinta Kirrin também ficará bloqueada? - perguntou o Sr. Roland.

- Oh, ainda será pior do que aqui! - disse a tia Clara. - Mas não se devem importar,
não lhes faltam mantimentos. Ficarão presos tanto tempo como nós.

O Júlio pensou por que razão o Sr. Roland fizera aquela pergunta. Teria medo que
os seus amigos não pudessem mandar os papéis pelo correio ou levá-los para qualquer
parte, de camioneta ou de automóvel? O rapaz tinha a certeza que era este o motivo da
pergunta. Como ele desejava falar sobre estas coisas com os outros!

- Estou cansado! - disse ele, por volta das nove horas. - Vamos para a cama.

Ana e David olharam-no, admirados. Normalmente, como ele era o mais velho, era
o último a deitar-se. Hoje pedia para ir! Júlio fez um sinal aos irmãos, e estes logo o
compreenderam. David começou a bocejar e Ana fez outro tanto. A tia pôs de lado a
costura, dizendo-lhes:

- Vocês parecem cansados! O melhor é irem deitar-se.

- Posso só ir ver se o Tim está bem? - pediu Júlio.


A tia consentiu. O pequeno vestiu a capa, calçou as botas de borracha e foi ao
pátio. Estava coberto de neve e esta quase escondia o canil.

- Pobre Tim! Aqui sozinho, no meio da neve - disse Júlio. Fez festas ao cão e ele
ganiu. Estava a pedir para acompanhar o pequeno.

- Quem me dera poder levar-te! - continuou Júlio. - Não te importes, Tim. Virei ver-
te amanhã.

Voltou para dentro. Os pequenos deram as boas-noites aos tios e ao Sr. Roland e
subiram as escadas.

- Dispam-se depressa, ponham os roupões e depois encontramo-nos no quarto da


Zé - segredou Júlio. - Não façam barulho para a tia não vir cá acima. Agora despachem-
se!

Em menos de três minutos os pequenos tinham-se despido e estavam sentados na


cama da Zé. Ela ficou muito satisfeita por os ver. A Ana meteu-se na cama da prima, pois
tinha os pés gelados!

- Júlio! Seguiste o Sr. Roland? - disse a Zé em voz baixa.

- Porque o seguiu ele? - perguntou David, que estava morrendo por saber.

Júlio contou-lhes tudo, tão rapidamente quanto podia - tudo o que a Zé suspeitava -
e o que ele próprio observara. Quando a Zé soube que Júlio vira o preceptor entregar aos
artistas uns papéis, os seus olhos brilharam, muito abertos.

- Ai o ladrão! Devem ser as folhas perdidas. E pensar que o meu pai tem sido tão
amigo dele! Oh! Que podemos fazer? Aqueles homens vão levar os papéis o mais
depressa possível e o segredo em que o pai trabalha há anos vai ser usado por outra
pessoa, por outro país, possivelmente!

- Eles não podem levar os papéis - disse Júlio. - Não fazes ideia da quantidade de
neve que está a cair. Ficaremos aqui presos por alguns dias, se este nevão continuar; e o
mesmo acontecerá na Quinta Kirrin. Se quiserem esconder os papéis têm de o fazer na
casa da quinta. Se nós pudéssemos lá ir fazer uma busca - Mas não podemos - disse
David. - É mais que certo. Ficávamos enterrados na neve até ao nariz! - As quatro
crianças entreolharam-se, sem esperanças. David e Ana quase não conseguiam acreditar
que o alegre Sr. Roland fosse um ladrão, talvez um espião, tentando roubar a um cientista
um segredo valioso.

- Será melhor dizermos a teu pai - disse Júlio; por fim.

- Não - disse Ana. - Ele não acreditaria, não achas Zé?

- Troçaria de nós e iria direito contar ao Sr. Roland - disse a Zé. - Isso punha-o de
sobreaviso e ele não deve saber que nós desconfiamos.

- Chi! Vem aí a tia Clara! - murmurou David. Os rapazes fugiram para o quarto
deles e deitaram-se num segundo. Ana também deu um salto para a sua caminha. Tudo
era paz e tranquilidade quando a tia entrou nos quartos dos pequenos.

Logo que ela desceu, voltaram a reunir-se os quatro no quarto da Zé.


- Zé, agora conta-nos o que querias dizer sobre o caminho secreto - pediu Júlio.

- É verdade! - exclamou a Zé. - Pode ser que eu não tenha razão nenhuma, mas
no escritório há oito painéis de madeira sobre a chaminé do fogão e o chão é de pedra; e
o quarto está virado a leste! Curioso, não é? Exactamente o que dizem as instruções.

- Também há ali um armário?- perguntou Júlio.

- Não. Mas há todas as outras coisas - disse a Zé. - E eu ando a pensar se a


entrada para o caminho secreto não será, por acaso, aqui em casa e não na quinta.
Ambas pertencem à minha família, como sabem. As pessoas que vivem na quinta, há
muitos anos, deviam conhecer bem esta casa.

- Fantástico, Zé! Supõe que a entrada é aqui! - exclamou David. - Seria


maravilhoso! Vamos lá abaixo ver.

- Não sejas palerma, David - disse Júlio. - Ir ao escritório enquanto lá está o tio
Alberto?! Eu preferia encontrar vinte leões a dar de caras com o tio! Especialmente
depois do que aconteceu!

- Bem, mas nós temos de verificar se a ideia da Zé é verdadeira; temos de ir! -


disse David, esquecendo-se de baixar a voz.

- Cala-te, idiota! - disse Júlio, dando-lhe um soco. - Queres que venham todos cá
acima?

- Desculpa - respondeu David. - Mas isto entusiasma! É outra aventura!

- Tal como eu tinha dito - interrompeu a Zé. - Oiçam: podemos esperar pela meia-
noite e então escapamo-nos até ao escritório, enquanto todos estiverem a dormir, e
podemos tentar a nossa sorte. Pode ser que a minha ideia não tenha nenhum
fundamento, mas temos de nos certificar. Não acredito que consiga adormecer antes de
ter apalpado os painéis a ver se acontece alguma coisa.

- Eu também não posso dormir nem um segundo - disse David. - Escutem: não vos
parece que vem aí alguém? O melhor é voltarmos para o nosso quarto. Vamos, Júlio!
Reunimo-nos aqui à meia-noite e então vamos pôr em prática a ideia da Zé.

Os dois rapazes saíram. Nenhum deles conseguiu, sequer, passar pelo sono. Nem
a Zé. Ela continuava acordada, pensando e tornando a pensar em tudo o que acontecera
durante aquelas férias.

- É como uma adivinha - pensou ela. - Ao princípio não conseguia perceber uma
porção de coisas, mas agora ajustam-se uns factos aos outros e começam a formar a
solução completa.

Ana depressa adormeceu. Teve de ser acordada à meia-noite.

- Vamos - segredou-lhe Júlio, abanando-a. - Não queres entrar connosco nesta


aventura?
CAPÍTULO XIV

FINALMENTE O CAMINHO SECRETO

As quatro crianças desceram as escadas, pé ante pé, no meio da maior escuridão.


Entraram no escritório. A Zé fechou a porta com cuidado e abriu a luz. Todos ficaram a
observar os oito painéis sobre o fogão. Sim, eram exactamente oito, quatro numa fila e os
outros quatro por cima dos primeiros. Júlio estendeu o pedaço de pano sobre a mesa e
começaram a examiná-lo.

- A cruz fica no meio do segundo painel, na fila de cima - disse Júlio em voz baixa.
- Vou carregar ali. Reparem todos.

Aproximaram-se do fogão, com os corações batendo apressados. Júlio pôs-se em


pontas dos pés e começou a carregar com força no meio do segundo painel. Nada
aconteceu.

- Mais força - dizia David.

- Não quero fazer muito barulho - disse Júlio apalpando todo o painel para ver se
havia alguna saliência que pudesse indicar uma mola escondida ou uma alavanca.

Então, sob as suas mãos, o painel deslizou para trás, tal como fizera o da Quinta
Kirrin! As crianças fixaram o espaço deixado a descoberto e estremeceram, maravilhadas

- Não é suficientemente grande para lá caber uma pessoa - disse a Zé. - Não
pode ser a entrada do caminho secreto.

Júlio tirou uma pilha eléctrica da algibeira do roupão. Colocou-a dentro da abertura
e soltou uma exclamação abafada.

- Há aqui uma espécie de puxador ligado a um arame muito forte. Vou puxá-lo a
ver o que acontece.

Puxou, mas não tinha força suficiente para o mover, pois parecia atarraxado à
parede. David começou a ajudar o irmão, puxando ao mesmo tempo.

- Está a mover-se, está a ceder um bocadinho - exclamou Júlio. - Vamos David!


Com toda a força!

De repente, o puxador saiu da parede, trazendo um arame grosso, velho e


ferrugento. Ao mesmo tempo, em frente do fogão, veio do chão um barulho especial, e a
Ana quase se desequilibrou.

- Júlio! Está alguma coisa a mexer-se por baixo do tapete! - disse ela,
amedrontada. - Eu senti! Debaixo do tapete, depressa!

O puxador já não vinha mais para fora. Os rapazes largaram-no e olharam para
baixo. À direita do fogão, debaixo do tapete, alguma coisa se movera. Não havia dúvida.
O tapete fazia um fole em vez de estar esticado.

- Deslocou-se uma pedra do chão - explicou Júlio, com a voz a tremer, muito
excitado. - Este puxador faz trabalhar uma alavanca que está ligada a este arame.
Depressa, enrolem o tapete.
Com as mãos a tremer, os pequenos afastaram o tapete, e então ficaram atónitos
perante uma coisa muito estranha!

Uma grande pedra do chão, deslizara para dentro, puxada por qualquer processo
pelo arame ligado ao puxador escondido atrás do painel! No lugar onde a pedra estivera,
havia agora uma grande cavidade escura.

- Olhem para isto! - disse a Zé, muito emocionada. - A entrada para o caminho
secreto!! - Aqui está ela, por fim! - exclamou Júlio. - Vamos entrar! - sugeriu David.

- Não! - disse Ana, tremendo com a ideia de desaparecer naquele buraco tão
escuro.

Júlio examinou a abertura com a lanterna de algibeira. A pedra escorregara


primeiro para baixo e depois para o lado. Ficava um espaço onde caberia um homem, um
pouco inclinado.

- Julgo que haverá uma passagem subterrânea partindo daqui em direcção a


qualquer lugar, lá fora - disse Júlio. - Quem me dera saber onde vai sair!

- Basta-nos avançar! - lembrou a Zé.

- Agora não - disse David. - Está muito frio e muito escuro. Não me agrada seguir
pelo caminho secreto, à meia-noite. Não me importo de saltar lá dentro, só para ver como
é, mas hoje não devemos ir mais longe.

- Amanhã o tio Alberto estará aqui a trabalhar - disse Júlio.

- Ele tenciona ir logo de manhã cavar a neve que se juntou na porta da entrada -
lembrou a Zé. - Nessa altura podemos escapar-nos até ao escritório.

- Está bem - concordou Júlio, que era um apaixonado por explorações. - Mas peço-
vos por tudo que ao menos me deixem dar uma olhadela, para ver se há realmente uma
passagem ali em baixo. Por enquanto, a única coisa que vemos é um buraco!

- Eu ajudo-te a descer - disse David.

Júlio entrou com agilidade na abertura, segurando a lanterna. Soltou uma


exclamação. - É com certeza a entrada do caminho secreto! Há uma passagem que
segue por baixo da casa, muitíssimo baixa e escura, mas consigo ver que é realmente
uma passagem. Não imagino onde irá dar!

Ele tremia. Ali em baixo estava frio e húmido. - Dá-me a tua mão, David - disse
Júlio. Em breve estava novamente fora do buraco, no escritório aquecido.

As crianças entreolharam-se com a maior emoção e alegria. Era uma aventura!


Uma verdadeira aventura! E só tinham pena de não poderem continuar naquele momento.

- Amanhã tentaremos levar o Tim connosco - disse a Zé. - Mas oiçam uma coisa -
como vamos agora fechar a abertura?

- Não podemos deixar o tapete enfolado sobre o buraco - disse David. - E não
devemos deixar o painel aberto!
- Vamos ver se conseguimos pôr a pedra no seu lugar - disse Júlio.

Pôs-se em pontas dos pés e introduziu a mão no painel. Tocou numa espécie de
maçaneta bem presa na pedra. Carregou com força. Imediatamente o puxador deslizou
para trás, levado pelo arame. Ao mesmo tempo, a pedra que desaparecera no chão
voltou ao nível das outras, fazendo um ligeiro ruído.

- Olhem! É como por magia! - exclamou David. - É extraordinário o mecanismo


trabalhar tão bem, depois de não funcionar há tantos anos. Nunca vi nada tão fantástico!

Ouviu-se um barulho no quarto em cima. Os pequenos ficaram quietos, à escuta.

- É o Sr. Roland - murmurou David. - Vamos depressa para cima, antes que ele
desça. Fecharam a luz e abriram devagar a porta do escritório. Subiram, pé ante pé, tão
silenciosos como índios, com os corações a baterem tanto que quase tinham medo que
ouvissem as suas pancadas!

As raparigas conseguiram chegar ao quarto, sem novidade e David também


chegou ao dele. Mas Júlio foi surpreendido pelo Sr. Roland, que saíra do quarto com uma
lanterna.

- Que fazes aqui, Júlio? - perguntou o preceptor, surpreendido. - Ouviste algum


barulho lá em baixo? Eu julguei ouvir qualquer coisa.

- Ouvi... sim... ouvi bastante barulho - disse Júlio, não faltando à verdade. - Mas
deve ser neve a deslizar no telhado, caindo com estrondo no chão. Não lhe parece?

- Não sei, disse o Sr. Roland, com bastantes dúvidas. - Vamos lá abaixo ver.

Desceram, mas claro que não havia nada de anormal. Júlio estava satisfeito por
terem conseguido fechar o painel e terem feito a pedra voltar ao seu lugar. O Sr. Roland
era a última pessoa a quem ele queria contar o segredo. Foram para cima e Júlio entrou
no quarto.

- Há alguma novidade? - sussurrou David.

- Não - respondeu o irmão. - Vamo-nos calar. O Sr. Roland está acordado e eu não
quero que ele desconfie de nada.

Os pequenos adormeceram. Quando acordaram, na manhã seguinte, tudo lá fora


estava coberto de branco? A neve tapara tudo, com uma camada bem profunda! Nem se
via o canil do Tim! Mas havia sinais de pegadas ali à volta.

A Zé soltou um grito, quando viu tanta neve.

- Pobre Tim! Vou buscá-lo para dentro. Não me importo com o que possam dizer!
Não o quero ver sepultado na neve!

Ela vestiu-se e correu ao canil. A neve enterrava-a até aos joelhos. Mas o Tim não
estava ali! Ouviu-se ladrar na direcção da cozinha. A cozinheira, Joana, bateu na vidraça
da janela.
- Ele está bem! Não podia pensar que o Tim apanhasse este nevão e por isso fui
buscá-lo, pobrezinho! A sua mãezinha diz que ele pode estar na cozinha, mas a menina
não tem licença para aqui vir.

- Que bom, o Tim não está ao frio! - disse a Zé com alegria. - Mil vezes obrigada.
Foste muito boa, Joana!

Voltou para dentro e contou aos outros. Ficaram todos muito contentes.

- Tenho uma notícia para te dar - disse David. - O Sr. Roland ficou na cama, muito
constipado, por isso hoje não há lições. Viva!

- Viva! Que boa notícia! - exclamou a Zé, ruidosamente. - o Tim está na cozinha e o
Sr. Roland na cama! Sinto-me encantada!

- Assim podemos explorar o caminho secreto - disse Júlio. - Esta manhã a tia Clara
vai fazer uma compota, com a Joana. O tio vai varrer a neve. E eu vou lembrar que
podíamos estudar sozinhos, na sala de estar. Depois, quando não houver perigo, vamos
explorar o caminho secreto!

- Mas para que havemos de estudar? - perguntou a Zé, contrariada.

- Se não estudarmos, palerma, teremos de ajudar o teu pai a cavar a neve -


explicou Júlio. Assim, com grande surpresa do tio, Júlio sugeriu que os quatro pequenos
poderiam estudar sozinhos, na sala de estar.

- Bem, eu pensei que gostariam de vir ajudar-me a tirar a neve - disse o tio Alberto.
- Mas talvez seja melhor irem trabalhar.

Os pequenos sentaram-se na sala de estar, tão mansos como cordeirinhos, com os


livros à frente. Ouviram o Sr. Roland a tossir no quarto. Ouviram a tia falar com a Joana,
na cozinha. Ouviram o Tim a arranhar a porta da cozinha; depois, um focinho grande e
admirado apareceu na entrada do quarto, e ali estava o Tim, procurando com ansiedade a
sua querida dona!

- Tim! - exclamou a Zé, correndo para ele. Pôs-lhe os braços à volta do pescoço e
abraçou-o com ternura.

- Tu procedes como se não visses o Tim há um ano - notou Júlio, rindo.

- Pois parece-me um ano! - disse a Zé. - Olhem, lá está o meu pai a cavar a neve,
como doido. Não acham que podemos ir agora ao escritório? Não nos devem procurar tão
cedo.

Deixaram a sala de estar e foram para o escritório. Júlio depressa fez funcionar o
mecanismo. A Zé tirou o tapete. O caminho secreto estava aberto!

- Vamos - disse Júlio. - Depressa!

Saltou para o buraco. David seguiu-o, depois Ana e depois a Zé. Júlio mandou-os
para o começo da passagem. Olhou para cima. Talvez fosse melhor colocar o tapete
sobre o buraco, no caso de alguém entrar no quarto. Instantes depois tudo estava
arranjado. Então o Tim foi juntar-se aos outros, no começo da passagem. Iam finalmente
explorar o caminho secreto.
CAPÍTULO XV

UMA JORNADA DIVERTIDA

O Tim também saltara para o buraco, ao mesmo tempo que a Zé. Agora corria à
frente dos pequenos, intrigado por eles quererem explorar um lugar tão escuro e frio.
Tanto Júlio como David tinham lanternas de algibeira, que iluminavam o caminho.

Não se via nada de especial. O caminho secreto, sob a velha casa, era estreito e
baixo. Por isso, os pequenos avançavam numa só fila, e conservavam-se muito curvados.
Foi um grande alívio quando a passagem se tornou um pouco mais larga e o tecto um
pouco mais alto. Era muito fatigante caminharem sempre inclinados.

- Fazes alguma ideia do ponto onde vai dar o caminho secreto? - perguntou David
ao irmão. - Quero dizer, vai em direcção ao mar ou em sentido contrário?

- Acho que não se dirige para o mar - disse Júlio, que tinha um bom sentido de
orientação. - Segundo creio vai dar ao vale. Espero que não tenha saída.

Continuaram a avançar. O caminho secreto era em linha recta, salvo uma curva, a
tornear uma rocha.

- Não acham muito escuro e frio? - disse Ana, arrepiada. - Estou arrependida por
não ter trazido um casaco. Quantos quilómetros devemos ter andado, Júlio?

- Nem um, pateta! - disse Júlio. - Atenção, reparem, o tecto da passagem desabou
um bocado.

À luz das suas lanternas viram que tinha caído um pouco de terra batida e arenosa
que formava o tecto. Júlio bateu com o pé no montículo que se formara no caminho.

- Não tem importância - disse ele. - Podemos atravessar, pois é movediço como a
areia. Pouco depois, à força de pontapés, a terra desabada já não impedia o caminho.
Continuaram a expedição. Um pouco depois, Júlio, empunhando a lanterna, notou que o
caminho se tornava muito mais espaçoso.

- Isto aqui foi alargado para fazer uma espécie de pequeno quarto - disse a Zé. -
Olhem, há aqui um banco, talhado na pedra. Creio que é um lugar de descanso.

A Zé tinha razão. Era muito fatigante avançar naquela passagem tão estreita,
durante tanto tempo. Aquele pequeno espaço com o seu banco de pedra, constituía um
lugar muito agradável.

As quatro crianças, excitadas, mas com frio, sentaram-se no banco muito juntas e
gozaram um descanso bem-vindo. O Tim colocou a cabeça nos joelhos da Zé, encantado
por estar novamente com ela.

- Agora continuamos - disse Júlio, passados alguns minutos. Estou a ficar cheio de
frio. Não imagino onde irá ter esta passagem!

Júlio, não achas que pode sair na casa da Quinta Kirrin? - perguntou a Zé,
repentinamente. - Tu sabes o que disse a Sra. Maria, que havia uma passagem secreta,
dirigindo-se da casa da quinta para qualquer outro lugar. Pode ser que assim seja, e que
se dirija ao Casal Kirrin!
- Ó Zé, creio que tens razão! - disse Júlio. - As duas casas pertencem à tua família,
há imensos anos. Noutros tempos havia muitas passagens secretas ligando duas casas;
por isso é natural que aconteça aqui isso mesmo. Porque não pensei nisso há mais
tempo?

- Oiçam! - interrompeu Ana, numa voz excitadíssima. - Oiçam! Também tive uma
ideia!

- Qual é? - perguntaram todos.

- Bem, se aqueles dois artistas levaram os papéis do tio, nós podemos apanhá-los
antes de os homens os mandarem pelo correio ou levá-los daqui - explicou Ana, tão
animada com a sua ideia que até atrapalhava as palavras. - Eles estão presos na casa da
quinta por causa da neve, tal como nós estamos no Casal Kirrin.

- Ana! Tens toda a razão! - aprovou Júlio.

- És muito esperta! - exclamou David.

- Se conseguíssemos reaver os papéis, que maravilhoso seria! - gritou a Zé.

O Tim juntou-se ao entusiasmo geral, saltando de alegria. Qualquer coisa agradara


às crianças, por isso ele também estava satisfeito.

- Vamos - disse Júlio, dando a mão à irmã. - Isto é palpitante! Se a Zé tem razão e
este caminho secreto vai dar à casa da quinta, faremos uma busca no quarto dos artistas
e havemos de encontrar os papéis.

- Tu disseste que fazer uma busca no quarto duma pessoa era uma coisa muito
feia - comentou a Zé.

- Nessa altura eu não sabia o que sei agora, - respondeu Júlio. - Vamos fazer isso
pelo teu pai; e talvez também pelo nosso país, se a fórmula secreta tiver o valor que
dizem. Agora devemos agir com todo o cuidado, pois temos de enfrentar inimigos
perigosos.

- Achas que realmente são perigosos? - perguntou Ana, bastante assustada.

- Suponho que sim - disse Júlio. - Mas não te preocupes. Tens o David, o Tim e eu
para te proteger.

- Também a posso proteger - disse a Zé, indignada. - Sou tão valente como um
rapaz!

- Lá isso é verdade - concordou David. - És mesmo mais valente do que qualquer


rapaz meu conhecido.

- Vamos - pediu Júlio com impaciência. - Desejo imenso chegar ao fim desta
passagem.

Seguiram de novo, Ana atrás de Júlio e David atrás da Zé. O Tim ia e vinha de um
lado para o outro; ele achava que era uma maneira muito especial de passar a manhã!
Depois de terem caminhado bastante, Júlio parou de repente.
- Que aconteceu? - perguntou David, que seguia em último lugar. - Espero que não
seja outro bocado do tecto desabado.

- Não, parece-me que chegámos ao final da passagem! - disse Júlio, intrigado. Os


outros três avançaram, tanto quanto podiam. O caminho, certamente, acabava ali. Havia
uma parede de pedra, na frente deles, onde estavam presas, numa fila vertical, placas de
ferro, salientes, que deveriam servir para fixar os pés e trepar até ao cimo da
parede. Quando Júlio voltou a lanterna para cima, os pequenos observaram um quadrado
aberto no tecto da passagem.

- Agora vamos subir por esta parede - disse Júlio. - Avançaremos por aquele
quadrado escuro, subindo sempre, e só Deus sabe onde iremos dar! Vocês esperam aqui.
Eu vou lá acima e depois volto para lhes contar como é.

O rapaz segurou a lanterna com os dentes e depois começou a trepar pelas


saliências de ferro. Subiu durante um bom bocado. Era como se subisse pelo interior
duma chaminé, pensou ele. Fazia frio e cheirava a bafio.

Depois, chegou a uma plataforma onde se pôs de pé. Tirou a lanterna dos dentes e
examinou em redor. Havia uma parede de pedra dos dois lados e em cima. O buraco
negro por onde tinha vindo, abria-se a seus pés. Júlio deu meia volta e fez a luz incidir à
sua frente; teve um movimento de surpresa.

Daquele lado não havia parede de pedra, mas sim uma grande porta de madeira
escura. Tinha um puxador, cerca da altura da cintura de Júlio. O pequeno fê-lo girar, com
os dedos a tremer. Que iria encontrar?

A porta abriu-se para fora, sobre a plataforma, e era difícil abri-la completamente
sem cair no buraco. Júlio puxou-a para si aos poucos, com cuidado, esperando ir
encontrar-se num quarto. Mas a sua mão apalpou mais madeira, em frente da porta!

Novamente fez incidir a luz da sua lanterna e viu o que parecia ser uma nova porta.
Sob a pressão dos seus dedos, esta moveu-se para o lado, deslizando silenciosamente! E
então Júlio percebeu onde estava!

- Estava no armário da casa da quinta, naquele que tem o fundo falso! - pensou
ele. - O caminho secreto vem dar aqui atrás. Que bem imaginado! Quem havia de dizer,
quando aqui brincámos com o fundo falso que esta era a entrada do caminho secreto!

O armário estava agora cheio de fatos pertencentes aos artistas. Júlio parou, à
escuta. Não havia barulho no quarto. Poderia fazer uma rápida pesquisa e ver se os
papéis perdidos se encontravam ali. Mas lembrou-se dos outros quatro, esperando por
ele, ao frio.

Era melhor ir contar-lhes o que acontecera. Podiam vir todos fazer a busca.
Recuou até ao espaço atrás do fundo falso, este voltou a mover-se e Júlio encontrou-se
novamente na plataforma estreita, com a porta de carvalho completamente aberta. Não
se incomodou a fechá-la. Começou a descer pela parede, fazendo por encontrar com os
pés as placas de ferro. Lá foi descendo, segurando-se com os pés e as mãos, a lanterna
entre os dentes.

- Ó Júlio! Demoraste tanto! Conta-nos tudo depressa! - pediu a Zé.


- É simplesmente fantástico! - declarou Júlio. - Extraordinário! Onde supõem que
isto vai dar? Ao armário da Quinta Kirrin, aquele que tem o fundo falso.

Todos soltaram exclamações de surpresa.

- Entraste no quarto? - perguntou Ana.

- Subi o mais que pude até chegar a uma grande porta de madeira - contou Júlio. -
Havia um puxador, dei-lhe uma volta e a porta abriu-se. Então vi outra porta à minha
frente, pelo menos eu pensava que era outra porta, pois não sabia que era o fundo
falso daquele armário. Foi muito simples fazê-lo deslizar; entrei e encontrei-me no meio
dos fatos pendurados. Depois apressei-me a vir-lhes contar.

- Agora podemos ir procurar os papéis! - exclamou a Zé com vivacidade. - Havia


alguém no quarto?

- Não ouvi ninguém - disse Júlio.

- Proponho o seguinte: - vamos todos até lá e fazemos uma busca nos dois
quartos. O quarto a seguir ao do armário também pertence aos homens.

- Óptimo! - disse David, entusiasmado com a ideia de tal aventura. - Vamos então;
tu vais à frente, Júlio, depois a Ana, depois a Zé e depois eu.

- E que fazemos ao Tim? - perguntou a Zé. - Ele não consegue subir, palerma -
disse Júlio. - é um cão maravilhoso, mas bem sabes que não pode subir esta parede.
Temos de o deixar aqui em baixo.

- Ele não vai gostar - disse a Zé.

- Mas não podemos carregar com ele lá para cima - disse David. - Tu não te
importas de aqui ficar por um bocadinho, pois não, meu velho?

- O Tim abanou a cauda. Mas ao ver as quatro crianças desaparecerem


misteriosamente no cimo da parede, não ficou satisfeito. O quê?! Irem sem ele! Como
podiam?!

Tentou saltar para a plataforma, mas não o conseguiu. Tentou novamente, sem
resultado; começou a ganir. A Zé debruçou-se na plataforma, falando em voz baixa.

- Está sossegado, Tim! Não nos demoraremos.

O Tim deixou de ganir. Ali ficou à espera dos pequenos. Aquela aventura estava a
tornar-se cada vez mais extraordinária! Todos tinham chegado à plataforma estreita. A
porta de madeira continuava aberta. Júlio dirigiu-lhe a luz da lanterna e os outros puderam
ver o fundo falso do armário. Júlio fê-lo deslizar para o lado, em silêncio. A luz mostrou-
lhes vários fatos e sobretudos. Os pequenos ficaram muito quietos, a escutar. Não vinha
do quarto o mais pequeno barulho.

- Vou abrir a porta do armário e investigar o que se passa no quarto - sussurrou


David. - Não façam barulho!
O pequeno afastou os fatos e tocou com a mão na verdadeira porta do armário.
Abriu-a ligeiramente, e no armário entrou um feixe de luz do dia. Examinou o quarto com
cautela. Por sorte não havia ali ninguém.

- Venham! - segredou aos outros. - O quarto está vazio.

Um por um, os pequenos apareceram por entre as roupas do armário e entraram


no quarto. Havia ali uma grande cama, um lavatório, uma cómoda com várias gavetas,
uma mesa pequena e duas cadeiras. Nada mais. A busca seria fácil.

- Repara, Júlio, há uma porta que liga os dois quartos - disse a Zé. - Dois de nós
deviam procurar ali e os outros dois aqui; podemos fechar à chave as portas que dão para
o corredor e assim ninguém nos apanhará.

- Boa ideia! - exclamou Júlio, que tinha um certo receio que chegasse alguém dum
momento para o outro e os apanhasse a fazer a busca.

- Eu vou com a Ana para o quarto ao lado, e tu e o David procuram aqui. Fecha à
chave a porta que dá para o corredor, David; eu farei o mesmo no outro quarto. Deixemos
aberta a porta de comunicação e assim poderemos ir falando uns com os outros, em voz
baixa.

O segundo quarto era muito parecido com o primeiro. Também não havia ali
ninguém. Depois de se fecharem à chave, sentiram-se mais seguros.

- Ana, levanta os tapetes e vê se há alguns papéis escondidos por baixo - disse


Júlio. - Depois desfaz a cama e vê se está alguma coisa escondida no colchão.

Ana começou a trabalhar e Júlio também. Principiou nas gavetas da cómoda, que
ele pensava ser um bom sítio para esconder qualquer coisa. As mãos das crianças
tremiam, enquanto procuravam os papéis perdidos. Era tão excitante!

Começaram a pensar onde estariam os dois artistas. Talvez em baixo, na cozinha


aquecida. Ali em cima fazia muito frio e com certeza eles não se afastavam do calor. Não
podiam ter saído, pois a neve acumulava-se a grande altura, em volta da casa.

O David e a Zé procuravam activamente, no outro quarto. Viram todas as gavetas.


Desfizeram a cama. Voltaram os tapetes.

- Júlio, encontraste alguma coisa? - perguntou David, em voz baixa, aparecendo na


porta entre os dois quartos.

- Absolutamente nada - respondeu Júlio, bastante desapontado.

- Esconderam bem os papéis! Só espero que não os tenham com eles, nas
algibeiras ou coisa parecida!

David olhou o irmão, desanimado. Não pensara naquela hipótese.

- Isso era horrível! - disse ele.

- Volta a procurar em toda a parte! - ordenou Júlio. - Procura nas almofadas, para
ver se estão metidos nas fronhas.
Júlio e Ana também continuavam a procurar activamente. Não havia lugar onde
não tivessem investigado. Até tinham voltado os quadros para ver se os papéis teriam
sido pregados atrás de algum deles. Mas nada! Era um amargo desapontamento!

- Não podemos ir embora sem os encontrar - disse Júlio, cheio de desespero. -


tivemos tanta sorte em chegarmos aqui, pelo caminho secreto, direitos aos quartos dos
artistas! Temos de encontrar os papéis!

- Atenção! - disse David, vindo do outro quarto. - Estou a ouvir vozes! Escutem!

Todos quatro começaram a escutar. Sim, ouviam-se vozes de homem, mesmo


atrás da porta do quarto!

CAPÍTULO XVI

AS CRIANÇAS DESCOBERTAS

- Que vamos fazer? - murmurou a Zé.

Tinham ido todos, pé ante pé, para o quarto do armário e ali estavam muito
quietos, à escuta.

- O melhor é voltarmos para o caminho secreto - disse Júlio.

- Não, não, nós... - começou a Zé, quando ouviram a maçaneta da porta a mexer.
Quem ali estava, tentando entrar, não podia abrir a porta. Ouviram uma praga e depois a
voz do Sr. Wilson.

- Smith! A minha porta parece que emperrou. Importas-te que eu entre pelo teu
quarto e vá ver o que aconteceu a esta fechadura?

- Claro que não me importo! - respondeu a voz do Sr. Smith. Ouviram o som de
passos dirigindo-se para a outra porta. Depois ouviram o puxador a girar e a abanar.

- Mas que é isto? - exclamou o Sr. Wilson, desesperado. - Esta também não se
quer abrir! Estarão as portas fechadas à chave?

- Parece que sim! - disse o Sr. Smith. Houve uma pausa. Depois os pequenos
ouviram distintamente algumas palavras proferidas em voz baixa.

- Os papéis estão em sítio seguro? Andará alguém a procurá-los?

- Estão no teu quarto, não é verdade? - perguntou o Sr. Smith.

Houve outra pausa. Os pequenos entreolharam-se. Os homens sempre tinham os


papéis! E o que era mais, eles estavam ali no quarto! No próprio quarto onde os pequenos
se encontravam! Olharam em redor dando voltas à imaginação para acharem um sítio
onde ainda não tivessem procurado.

- Depressa, procuremos outra vez, enquanto tivermos tempo! - murmurou Júlio. -


Não façam barulho!
Os pequenos recomeçaram mais uma vez, no maior silêncio. Como eles
procuravam! Até abriram as páginas dos livros que estavam em cima da mesa, pensando
que os papéis pudessem estar ali. Mas nada encontraram.

- Ó Sra. Maria! - ouviram o Sr. Wilson chamar. - Por acaso fechou à chave as
portas dos nossos quartos? Não conseguimos abri-las.

- Coitada de mim! - disse a voz da Sra. Maria, das escadas. - Eu vou lá ver.
Garanto-lhes que não fechei à chave porta nenhuma!

Mais uma vez se moveram os puxadores, mas as portas não se abriram. Os


homens começaram a perder a paciência.

- Acha possível que esteja alguém nos nossos quartos? - perguntou o Sr. Wilson à
Sra. Maria. Ela riu-se.

- Agora, senhores? Quem poderia estar nos vossos quartos? Cá em casa só


estamos nós e o meu marido. E sabem tão bem como eu que ninguém poderia vir lá de
fora, pois estamos completamente bloqueados pela neve. Não percebo os trincos devem
ter caído.

A Ana, nesse momento, estava a levantar o jarro do lavatório, para procurar lá


dentro. Era mais pesado do que ela pensava e escorregou-lhe das mãos. Bateu no
mármore do lavatório com grande estrondo, salpicando tudo com água! Do outro lado da
porta todos ouviram o barulho. O Sr. Wilson começou às pancadas à porta.

- Quem está aí? Deixem-nos entrar ou depois arrependem-se! Que fazem aí?

- Que idiota, Ana - disse David. - Agora vão arrombar a porta.

Era exactamente o que os dois homens tencionavam fazer! Com medo que alguém
estivesse misteriosamente no quarto, tentando encontrar os papéis roubados, eles
tornaram-se quase loucos e começaram a forçar a porta com toda a violência. A porta
abanava e estalava.

- Tenham cuidado no que estão a fazer! - gritou a Sra. Maria, indignada. Os


homens não se importaram, continuando a sua tarefa.

- Depressa, vamos embora! - disse Júlio. - Não devemos deixar os homens saber
como entrámos aqui, para ainda podermos cá vir outra vez, fazer nova busca. Ana, Zé,
David, voltem depressa para o armário! Eu vou à frente e ajudo-os a descer.

Chegou à plataforma e depois desceu pelas placas de ferro, com a lanterna entre
os dentes, como de costume.

- Vem agora tu, Ana! - chamou ele. - Tu vens a seguir, David, e dás a mão à Ana,
se ela precisar. A Zé é muito ágil, pode descer facilmente sem ajuda.

Ana descia muito devagar. Estava nervosa, um pouco amedrontada, e com tanto
medo de cair que mal se atrevia a descer pelas placas de ferro.

- Mexe-te, Ana! - murmurava David, mais acima. - Os homens já quase


arrombaram a porta!
Vinha do quarto o som de enormes pancadas. A todo o momento esperavam que
os homens entrassem no quarto: David suspirou de alívio quando pôde começar a descer.
Uma vez que os três estivessem lá em baixo, a Zé poderia fechar a porta de madeira e
então ficariam todos em segurança.

A Zé estava escondida entre as roupas do armário e aguardava a sua vez de


descer. Enquanto ali estava, tentando em vão imaginar outro esconderijo para os papéis,
as suas mãos encontraram qualquer coisa num bolso a que estava encostada. Era um
sobretudo com grandes algibeiras. O coração da pequena deu um salto. E se os papéis
tivessem ficado na algibeira do sobretudo que o homem vestia quando encontrara o Sr.
Roland? Era o único sítio onde os pequenos não tinham procurado, nas algibeiras dos
casacos!

Com os dedos a tremer, a pequena meteu a mão naquele bolso. Agarrou um maço
de folhas de papel! Estava muito escuro ali dentro do armário e ela não podia ver se eram
ou não aquelas que procurava. Meteu-as na parte da frente da sua camisola de malha,
pois não tinha algibeiras. Depois, murmurou para David:

- Já posso descer?

Buuuuum!!! A porta caiu com enorme estrondo e os dois homens precipitaram-se


no quarto. Olharam em volta. Estava vazio! Mas havia água salpicando o lavatório e o
chão. Alguém devia ali estar escondido!

- Vê no armário! - disse o Sr. Smith.

A Zé saiu do meio das roupas, recuando para o espaço que ficava entre o fundo
falso e a porta de madeira. Não teve tempo de fazer deslizar o fundo, que ainda estava
escondido na parede. Deu alguns passos até à plataforma, começou a descer pela
parede e tentou fechar a porta de madeira que ficava agora acima da sua cabeça. Não
teve força para a fechar completamente, mas esperava estar agora a salvo!

Os homens dirigiram-se para o armário procurando alguém que pudesse ali estar
escondido. Wilson deu um grito.

- Desapareceram os papéis! Estavam na minha algibeira! Depressa, Smith! Temos


de encontrar o ladrão! - Os homens não repararam que o fundo do armário parecia mais
afastado do que normalmente... Saíram dali, pois tinham a certeza que ninguém lá estava
dentro, e começaram a procurar por toda a parte.

Nessa altura, os três irmãos, que já tinham descido a parede, esperavam a Zé com
impaciência. A pobre pequena quis descer tão depressa que prendeu a saia numa das
saliências de ferro e teve de parar, numa posição muito arriscada, tentando desprendê-la.

- Desce, Zé, peço-te por tudo! - disse Júlio.

O Tim começou a saltar contra a parede. Percebia o nervosismo dos três


pequenos, aguardando que a Zé descesse. Ele queria a sua dona! Porque não vinha ela?
Porque estaria lá em cima, naquele buraco escuro? O Tim sentia-se atemorizado por
causa da Zé.

Pôs a cabeça para trás e soltou um latido tão triste que assustou os pequenos.

- Cala-te, Tim! - disse Júlio.


O Tim ladrou outra vez e aquele som estridente ecoou duma maneira soturna.

Ana estava apavorada e começou a chorar. O Tim ladrava cada vez mais. Quando
começava a ladrar era difícil fazê-lo calar.

Os homens ouviram no quarto aquele barulho extraordinário e pararam, cheios de


espanto. - Que poderá ser isto? - disse um deles.

- Parece um cão a ladrar nas profundezas da terra - disse o outro.

- Curioso! - disse Wilson. - O som vem na direcção daquele armário.

Foram abrir a porta do armário. Naquele momento o Tim deu um latido ainda mais
triste e Wilson alarmou-se. Entrou e examinou o fundo. A porta de madeira moveu-se sob
a sua mão e ele abriu-a.

- Smith! Há aqui qualquer coisa espantosa; traz a minha lanterna aí da mesa.

O Tim continuava a ladrar, de uma maneira triste que fazia estremecer. Smith
acendeu a lanterna, iluminando o fundo do armário.

- Olhem para isto! Uma porta! Onde irá dar?

A Sra. Maria, que assistira a tudo, cheia de surpresa e indignação por lhe terem
arrombado a porta, chegou-se ao armário. - Oh, céus! - disse ela. - Eu sabia que este
armário tinha um fundo falso, mas não supunha que houvesse outra porta aqui atrás! Isto
deve ser a entrada para o tal caminho secreto que antigamente usavam.

- Onde vai dar? - perguntou Wilson.

- Sei lá! - disse a Sra. Maria. - Nunca me interessei muito por estas coisas.

- Vamos, Smith, temos de descer - disse Wilson iluminando o buraco quadrangular


e vendo as placas de ferro na rocha.

- Foi por aqui que desapareceu o ladrão. Não pode estar longe. Vamos persegui-lo.
Temos de nos apoderar dos papéis.

Começaram a descer pela parede, desejando saber onde estavam. Agora não
havia nenhum barulho. Com certeza o ladrão fugira!

A Zé conseguira descer, finalmente. O Tim ficara radiante. Ela fez-lhe uma festa no
focinho.

- Que pateta! - disse ela. - Certamente fizeste com que descobrissem o nosso
segredo! Depressa, Júlio, vamos depressa que os homens virão perseguir-nos. Devem ter
ouvido o Tim a ladrar.

O Júlio deu a mão à a Ana.

- Vamos, Ana - disse ele. - Tens de correr o mais depressa que puderes!
Despacha-te! Tu, David, fica com a Zé.
Todos quatro se apressaram pela passagem estreita e escura. Que grande
percurso tinham de fazer até chegar a casa! Se ao menos a passagem não fosse tão
comprida! Os pequenos sentiam-se cansadíssimos, enquanto corriam, aos tropeções.

Júlio ia à frente, com a lanterna. David, em último lugar, também iluminava o


caminho. Quase arrastando a Ana, Júlio continuava a apressar-se. De repente, ouviram
uma voz atrás deles:

- Olha! Vai uma luz ali à frente! É o ladrão! Depressa o apanharemos!

CAPÍTULO XVII

VALENTE Tim!

- APRESSA-TE, Ana! Apressa-te! - implorava David que caminhava atrás dela.

A pobre Ana tinha grande dificuldade em avançar depressa. Puxada por Júlio e
empurrada por David, quase se desequilibrou duas ou três vezes. Respirava com
dificuldade, muito cansada.

- Deixem-me descansar - pediu ela. Não havia tempo a perder, pois os dois
homens continuavam a persegui-los. Chegaram ao lugar que era mais espaçoso, onde
estava o banco de pedra, e a Ana bem desejou sentar-se um pouco. Mas os rapazes
continuavam a apressá-la.

Pouco depois a pequenita bateu com o pé numa pedra e caiu no chão,


desamparada, quase arrastando Júlio. Tentou levantar-se e começou a chorar.

- Magoei o meu pé! Torci-o! Ó Júlio, não consigo andar!

- Minha querida, faz um esforço. Não podes ficar aqui! - disse Júlio, com pena da
irmã, mas sabendo que seriam apanhados se ela cedesse. - Anda o mais depressa que
puderes.

Era impossível. Ana não podia agora andar depressa. Gritava com dores no pé e ia
coxeando, tão devagar que David quase caía sobre ela. David olhou para trás e viu que a
luz da lanterna dos homens cada vez estava mais próxima.

- Que fazer?

- Vou ficar aqui com o Tim, e não deixarei os ladrões avançarem - resolveu a Zé,
num instante. - Leva estes papéis, David. Julgo serem aqueles que nós queremos, mas
não tenho a certeza, pois ainda não os vi à luz. Encontrei-os na algibeira de um
sobretudo, no armário.

- Estupendo! - disse David, surpreendido. Pegou nas folhas de papel e meteu-as


na parte da frente da camisola, tal como a Zé fizera. Eram demasiado grandes para
caberem nos bolsos das suas calças.

- Eu fico contigo, Zé, enquanto os outros dois vão fugindo.


- Não. Quero que os papéis fiquem em segurança, no caso de serem os de meu
pai - disse a Zé. - Vai, David! Eu ficarei com o Tim! Esperarei aqui, pois o caminho faz
uma ligeira curva para contornar a rocha. Farei o Tim ladrar como doido.

- Supõe que os homens trazem um revólver! - sugeriu David. - Podem disparar.

- Aposto que não trazem - disse a Zé. - Vai-te embora, David! Os homens estarão
aqui num momento. Ali vem a luz da lanterna deles!

David correu a juntar-se aos irmãos. Contou a Júlio o que a Zé resolvera.

- É uma rapariga fantástica! - exclamou Júlio. - Não tem medo de nada! E não
deixará os homens avançarem, vais ver.

A Zé escondeu-se atrás da rocha, com a mão na coleira do Tim.

- Agora, Tim! - segredou-lhe ela. - Ladra o mais alto que fores capaz! Agora!

O Tim, à ordem da Zé, abriu a sua grande bocarra e começou a ladrar. E como
ladrava! Num som fortíssimo, os latidos ecoavam por toda aquela passagem, estreita e
escura. Os dois homens, que vinham correndo, já quase ao pé da rocha, pararam.

- Se continuarem, solto o meu cão e mando-o contra vocês - gritou a Zé.

- É uma voz de criança - disse um dos homens. - É só uma criança.

- Avancemos.

O Tim ladrou mais, puxando a corrente. Ansiava por se atirar aos homens. A luz da
lanterna deles incidiu sobre a pedra. A Zé soltou o Tim, e o cão enorme contornou a
pedra, cheio de impetuosidade, ao encontro dos seus inimigos.

Estes viram o Tim aparecer de repente. À luz da lanterna era uma figura
assustadora! Para começar, era um canzarrão enorme, e agora, que estava enraivecido,
tinha o pêlo todo eriçado, parecendo, por isso, ainda maior. Os seus dentes, muito
aguçados, luziam com a luz. Os homens não apreciaram nada aquela aparição.

- Se derem mais um passo, mando o meu cão atacá-los - gritou a Zé. - Espera,
Tim, espera! Pára aí, até eu te dar sinal.

O cão parou, mesmo em frente dos dois homens, ladrando com estridência.
Parecia um animal feroz. Os homens olharam-no, pouco seguros. Um dos artistas deu
um passo; a Zé percebeu. Imediatamente gritou:

- Atira-te a ele, Tim! Já!

O Tim saltou à garganta do homem. Este, apanhado de surpresa, caiu tentando


livrar-se do animal. O outro auxiliava-o, sem resultado.

- Chama o teu cão, que está a magoá-lo! pediu este último.

- E também há-de magoar-te a ti! - disse a Zé, saindo detrás da pedra e gozando o
espectáculo. - Tim, vem cá!
O Tim largou o homem, olhando para a sua dona, como quem diz:

- Estava a divertir-me tanto! Porque estragaste esta brincadeira?

- Quem és tu? - perguntou o homem ainda caído no chão.

- Não tenciono responder a nenhuma pergunta - disse a Zé. - Aconselho-vos a


voltarem para casa. Se se atreverem a avançar, mando o meu cão, de novo, contra vocês
e na próxima vez vai dar-lhes mais que fazer.

Os homens voltaram as costas e seguiram por onde tinham vindo. Nenhum deles
queria enfrentar novamente o Tim. A Zé esperou até não ver mais a luz da lanterna; então
inclinou-se, fazendo festas ao Tim.

- Meu valente Tim! - disse ela. - Gosto muito de ti, querido! Vamos! Apressemo-
nos, para nos juntarmos aos outros. Estes dois homens devem vir explorar a passagem,
durante a noite. Que surpresa vão ter quando chegarem à saída final!

A Zé começou a caminhar depressa com o Tim a seu lado. Tinha a lanterna de


David e não levou muito tempo a apanhar os outros. Contou-lhes o que acontecera, e
mesmo a pobre Ana riu-se com prazer, ao ouvir como o Tim atirara um deles ao chão.

- Chegámos finalmente! - disse Júlio, atingindo o fim da passagem, por baixo do


buraco do chão do escritório. - Mas que é isto?

Via-se uma luz viva, brilhando sobre a abertura, e o tapete composto, arranjado por
Júlio com tanto cuidado, estava agora novamente afastado. Os pequenos olharam para
cima, cheios de surpresa.

Ali estava o tio Alberto e também a tia Clara! Quando viram os pequenos olhando
para eles, pelo buraco, ficaram tão atónitos que quase caíram também naquela abertura!!

- Júlio! Ana! Que diabo estão vocês a fazer aí em baixo? - gritou o tio Alberto.
Estendeu a mão e ajudou cada um deles a sair. Finalmente, os quatro pequenos e o Tim
estavam outra vez no escritório. O calor que vinha do fogão confortava-os!

- Rapazes, que quer dizer isto? - perguntou a tia Clara. Ela estava pálida e
contrariada. - Vim ao escritório limpar o pó e quando passei por este sítio o tapete
pareceu-me ceder. Quando o levantei, apareceu esta abertura e também reparei num
buraco sobre o fogão! Depois descobri que todos vocês tinham desaparecido e fui chamar
o vosso tio. Que aconteceu, e onde vai dar esta abertura?

David tirou da camisola as folhas e entregou-as à Zé. Esta estendeu-as ao pai.

- Serão estas as folhas que perdeu? - perguntou ela.

O pai agarrou-as como se valessem mais do que cem vezes o seu peso em ouro.

- Sim, sim! São as folhas! Todas três! Graças a Deus! Levei quatro anos a
aperfeiçoá-las e contêm o coração da minha fórmula secreta! Zé, onde as encontraste?

- É uma história muito comprida - disse a Zé. - Conta tu, Júlio. Eu sinto-me
cansada. Júlio começou a contar a história. Não omitiu nada. Contou como a Zé
encontrara o Sr. Roland a examinar tudo no escritório, como ela tinha ficado com a
certeza que o Sr. Roland não queria o cão em casa, por dar sinal das suas acções
durante a noite; como a Zé o vira falar com os dois artistas, ainda que ele dissesse não os
conhecer. Enquanto a história prosseguia, o tio Alberto e a tia Clara tornavam-se cada
vez mais admirados. Nem podiam acreditar! Mas como prova real, ali estavam os papéis.
Era extraordinário! O tio Alberto apertava os papéis contra si, como se fosse uma
jóia preciosa. Não queria largá-los, nem por um momento. A Zé contou como o Tim os
ajudara contra os dois homens.

- Está a ver, apesar de o pai ter feito com que o pobre Tim vivesse ao frio, longe de
nós, foi realmente ele quem nos salvou, a nós e aos seus papéis - disse ela, fincando no
pai os seus luzidios olhos azuis.

O pai estava atrapalhado. Sentia-se muito culpado por ter castigado a Zé e o Tim.
Tinham tido razão sobre o Sr. Roland, e ele enganara-se.

- Coitadinha da Zé! - disse o tio Alberto. - Pobre Tim! Lamento imenso o que fiz.

A Zé não gostava de afligir ninguém que reconhecesse os seus erros. Sorriu para o
pai.

- Não tem importância - disse ela. - Mas não acha que se eu fui castigada sem
motivo o Sr. Roland também deve ser castigado com a maior severidade? Bem o merece!

- E será, certamente - prometeu o pai. - Está na cama, constipado, como sabem.


Espero que não tenha ouvido nada disto, pois poderia tentar fugir.

- Não é possível - afirmou a Zé. - Estamos bloqueados pela neve. O pai podia
telefonar á polícia e combinar com eles virem até aqui, logo que a neve o permita. E eu
penso que os dois outros homens tentarão explorar a passagem secreta, o mais depressa
possível, para levarem outra vez os papéis. Não acha que podemos apanhá-los
quando eles aqui chegarem?

- Muito bem! - disse o tio Alberto, embora a tia Clara fizesse cara de quem não
queria mais acontecimentos extraordinários! - Agora escutem: - parecem todos gelados e
também devem estar com fome, pois já é hora do almoço. Vão para a sala de estar e
sentem-se perto do fogão. A Joana vai tirar a sopa. Depois falaremos no que havemos
de fazer.

Claro que ninguém chamou o Sr. Roland. Ele continuava deitado e tossia de vez
em quando. A Zé subira as escadas e fechara à chave o quarto do preceptor, com muito
cuidado para ele não dar por isso. Depois do almoço todos se sentiram mais quentes e
reconfortados.

- Vou telefonar à polícia - disse o tio Alberto. - E esta noite vamos deixar o Tim
dentro do escritório para fazer um bom acolhimento aos artistas... se eles cá vierem!

O Sr. Roland ficou muito contrariado ao encontrar a porta do quarto fechada à


chave, naquela tarde, quando se preparava para ir até ao rés-do-chão. Começou às
pancadas, indignado.

A Zé riu-se e foi lá acima.

- Que aconteceu, Sr. Roland? - perguntou ela com delicadeza.


- És tu, Maria José? - perguntou o preceptor. - Vê se consegues perceber o que
aconteceu a esta fechadura. Não consigo abrir a porta.

A Zé, que tinha a chave no bolso, respondeu com vivacidade.

- Vou ver se encontro a chave. Na fechadura não está.

O Sr. Roland estava intrigado. Não podia perceber como desaparecera a chave.
Ele não adivinhava o que todos sabiam agora a seu respeito. O tio Alberto riu-se quando
a Zé lhe contou o que se passara.

- Agora não poderá fugir - disse.

Nessa noite todos se deitaram cedo e o Tim ficou no escritório, de guarda ao


buraco. O Sr. Roland estava cada vez mais zangado e intrigado por não conseguir abrir a
porta. Gritou pelo dono da casa, mas só a Zé lhe respondia. Não conseguia perceber. Por
sua vez a Zé continuava a divertir-se. Fez o Tim ladrar mesmo ao pé da porta do quarto.
Isto também o intrigou, pois supunha que a Zé não estava com o cão havia três dias.

Várias ideias lhe atravessaram o cérebro. Teria aquela pequena endiabrada


fechado os pais e a Joana, tal como acontecera com ele? Não conseguia imaginar o que
realmente se passava.

Ao meio da noite, o Tim acordou toda a gente, ladrando como doido. O tio Alberto e
os pequenos apressaram-se a descer as escadas, seguidos pela tia Clara e pela Joana.
Encontraram um lindo espectáculo!

Wilson e Smith estavam no escritório, encolhidos atrás do sofá, apavorados com o


Tim, que ladrava sem parar. O Tim estava junto do buraco do chão e por isso os homens
não podiam voltar a fugir por ali.

Manhoso Tim! Esperara em silêncio enquanto os homens saíram pela abertura e


começaram a examinar o escritório, tentando perceber onde estavam; então o Tim saltara
para junto do buraco, para o guardar, evitando que os homens fugissem.

- Boa-noite Sr. Wilson. Boa-noite Sr. Smith - disse a Zé, cheia de cortesia. - Vêm
visitar o nosso preceptor Sr. Roland?

- Então é aqui que ele vive? - disse, admirado, Wilson. - Eras tu que estavas hoje
na passagem?

- Era sim, eu e os meus primos - disse a Zé. - Vieram procurar os papéis que
roubaram ao meu pai?

Os dois homens ficaram silenciosos. Sabiam que estavam apanhados. Wilson


falou, depois de alguns momentos.

- Onde está Roland?

- Tio Alberto, devemos levar estes homens ao Sr. Roland? - perguntou Júlio,
fazendo um sinal à Zé. - Mesmo no meio da noite, estou convencido que vão ficar
contentes de se verem de novo.
- Está bem - concordou o tio, percebendo logo o que pensava fazer o sobrinho. -
Leva-os lá acima. Tim, tu também os acompanhas.

Os homens seguiram o Júlio, com o Tim sempre muito próximo. A Zé também os


seguiu, rindo. Entregou a chave a Júlio. Este abriu a porta e os homens entraram,
enquanto Júlio acendia a luz. O Sr. Roland estava acordado e soltou uma exclamação de
completa surpresa quando viu os seus amigos. Antes que eles tivessem tempo de dizer
uma palavra, Júlio fechou novamente a porta à chave.

- Um lindo grupinho de prisioneiros - disse ele. - Vamos deixar o Tim junto à porta,
para os guardar. É impossível sair pela janela e de qualquer maneira estamos
bloqueados pela neve.

Voltaram todos para a cama, mas, depois de tantas aventuras, os pequenos não
conseguiam adormecer. A Ana e a Zé cochichavam uma com a outra; David e Júlio
faziam o mesmo. Havia tanto em que falar!

No dia seguinte houve uma surpresa para todos! Chegou a polícia! A neve não os
detivera e com o auxílio de esquis tinham conseguido chegar até ali, para prender os três
ladrões.

- Não poderemos levar os homens antes que a neve se derreta - disse o polícia-
chefe, ao dono da casa. - Mas vamos pôr-lhes algemas para não tentarem outras
tropelias. Conservem a porta fechada e o cão de guarda. Não haverá novidade.
Trouxemos alimentos para dois ou três dias.

A neve derreteu-se dois dias mais tarde e os polícias levaram o Sr. Roland e os
outros dois. Os pequenos viram-nos sair.

- Nestas férias não haverá mais lições! - disse Ana, com alegria.

- Nem o Tim voltará para o canil - disse a Zé.

- Tu tinhas razão e nós estávamos enganados, Zé - disse Júlio. - Tu andavas com


mau génio, não andavas? Mas ainda bem que andavas assim!

- Ela tem mau génio, não tem? - disse David dando de repente um abraço à prima.
- Mas eu gosto muito dela mesmo quando fica zangada; não gostas Júlio? Ó Zé, já
tivemos contigo aventuras maravilhosas! Estou a pensar se ainda teremos mais!

E tiveram. não há dúvidas sobre isso!

FIM

Data da Digitalização

Amadora, Junho de 2002 - ENID BLYTON


Série Os Cinco - 2
Editorial Notícias
Digitalização e Arranjo: Fátima Vieira Agostinho Costa
Tradução de: FERNANDO TELES DE CASTRO
Editorial Notícias - Enid Blyton - Nova Aventura dos Cinco

Publicado em 1978
2

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