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III Workshop Desafios e Perspectivas da Inclusão Digital na Sociedade da Informação:

Elementos para uma Estratégia Abrangente


Brasília, 14/15 de dezembro de 2009
Anais do Evento

Mário Brandão
Presidente da Associação Brasileira de Centro de Inclusão Digital (ABCID)
Participação da Iniciativa Privada na Inclusão Digital
Resumo: O trabalho ilustra com exemplos de cooperação a convergência
entre os modelos de telecentro e de lanhouse, objeto da apresentação neste
Workshop de Marcelo Caio. O caso das lanhouses em Manaus é tomado como
exemplo. O governo não teve condições de atender as exigências de
cadastramento que ele mesmo determina, o que abriu espaço para as
lanhouses trabalharem em parceria com o poder público e as empresas, para
cadastramento, postagem de classificados, venda de passagens aéreas, vendas
de eletrodomésticos, etc. O modelo pode ser replicado em outros estados\
municípios. São mencionados dados da pesquisa do CGI.br, o CDI Lan,
iniciativa que credencia espaços que concordam com um código de conduta
para fins de emancipação digital e cidadania, e a Conexão Cultura, ação da TV
Cultura que agrega conteúdo cultural educacional aos projetos de lanhouses e
de qualquer outra iniciativa de acesso.

Meu nome é Mário Brandão, sou diretor-presidente e um dos fundadores da


ABCID, que é uma associação de lanhouses, cibercafés, centros de inclusão
pagos, de lojas de conveniência digital e várias outras denominações a rodo
[que] a gente tem pelo Brasil. Eu vou jogar mais uns 10 bilhetes na loto de
final ano, dos 85 milhões, pra ver se eu consigo contratar toda essa turma que
falou antes de mim, porque eu me sinto meio esvaziado. Esses centros, eles
foram me mostrar a realidade que a gente tem hoje no país, mas para não
fugir da pauta eu vou tentar consumir quatro minutos na minha apresentação.
Já foi falado sobre algumas boas iniciativas pelo Marcelo do que acontece em
Sergipe, do que acontece na Bahia, um pouco do que acontece no Maranhão. A
gente tem várias iniciativas no Norte e Nordeste, Sul e Sudeste, algumas em
Brasília muito bacanas. A gente está com o representante de Brasília ali no
fundo, que está em negociação com a Secretaria da Educação do GDF, eles
estão com uma certa dificuldade agora porque o Governo deu uma paralisada,
mas uma das coisas que me deu mais alegria esse final de semana, dia doze
agora, é que a gente fez a apresentação no Pará das métricas e resultados do
Norte, e a ABCID é uma associação nacional que tem núcleos regionais em
cada um dos estados, e a apresentação dos resultados do Amazonas me
surpreendeu muito positivamente, porque em quatro meses aconteceu toda
uma evolução que a gente não acreditava que pudesse acontecer tão rápido,
mas aconteceu.

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Vou ter que pular algumas coisas, mas Manaus, e Amazonas como um todo,
não é diferente do resto do Brasil. São dezenas de centenas de milhares de
lanhouses. Eles tinham um problema crítico na capilaridade do atendimento de
serviços de governança, no atendimento de coisas do governo em específico.
Eles instituíram o passe eletrônico, que era meia-passagem para o estudante,
para o idoso poder pagar meia-passagem de ônibus, que é como prezava a lei,
só que os pontos de atendimento do poder público eram extremamente
restritos para a quantidade de pessoas que há em Manaus.

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Como Manaus tem uma população de dois milhões de habitantes, com os


pontos de presença da Prefeitura eles simplesmente não conseguiam dar vazão
à quantidade de gente que precisava cadastrar, atualizar e vender os passes.
Esses mesmos problemas acontecem em vários estados de diversas maneiras
por conta da estrutura do governo e, uma das coisas que deixou eles muito
preocupados, é que no meio desse ano a quantidade de filas de pessoas que
precisava ter acesso a esse ticket nos postos das prefeituras era tão grande
que formavam filas que davam voltas no quarteirão. A ponto de a insatisfação
dos estudantes e idosos ser tão grande que eles invadiram o Sindicato das
Transportadoras, e chegou ao ponto dessa invasão virar notícia em jornal, ser
um problema cotidiano para o governo, isso em 2009.

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Eles fizeram um mutirão e habilitaram postos de saúde, mobilizaram toda


estrutura pública para poder fazer com que aqueles pontos de presença da
Prefeitura [fossem habilitados], e aí multiplicaram por quatro. Passaram a ser
não sei quantos pontos e a Prefeitura conseguiu, mobilizando toda estrutura
pública, cadastrar 19 mil pessoas em três semanas; e eles estavam
desesperados, porque eram 200 mil pessoas que eles precisavam cadastrar.
Faltando duas semanas para o término do cadastramento eles procuraram a
associação [ABCID] local, e a associação disse o seguinte: “nós podemos
mobilizar as lanhouses para fazer esse cadastramento para o Estado, para o
Município”, porque em específico em Manaus se tem uma malha de
comunicação fluvial e é especialmente difícil você se locomover dentro do
Amazonas. Então às vezes aqui uma distância de 50 km para quem está em
Brasília pode não ser muita coisa, mas 50 km para quem tem que pegar um
barquinho a motor é muita coisa.

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RECADASTRAMENTO

O fato é que em 10 dias 80 lanhouses se reuniram e conseguiram cadastrar


180 mil pessoas, e a partir desse movimento em que o estado passou a utilizar
a malha das lanhouses para poder habilitar esses espaços para agir em prol do
estado, um monte de coisa começou a acontecer.

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Todo usuário, todo estudante da rede pública e todo idoso teve que fazer um
cadastramento na Secretaria de Transporte para poder se habilitar para pagar
meia-passagem na rede de transporte público. Eles começaram a fazer todo
um material de divulgação, comunicando a população que a meia-passagem
não era o único serviço de e-Gov que eles poderiam fazer pelas lanhouses, e
eles começaram a comunicar para a população que se eles quisessem fazer um
simulado da Companhia de Trânsito, se eles quisessem fazer qualquer serviço
de e-Gov prestado pelo município ou pelo estado, eles poderiam usar a
lanhouse para isso.
E começou a haver uma mobilização tão bacana. Como conseqüência, eles
foram procurados pelo jornal local [e isso fez] com que as lanhouses fossem
pontos de presença de classificados, eles passaram a ser pontos de distribuição
de jornais e revistas, a partir daí. Eles fizeram uma parceria com uma entidade
educacional que tem cursos on-line, começaram a vender passagens aéreas, e
todos os operadores começaram, a partir do momento que o Estado validou
essa iniciativa das lans e a entendeu como a iniciativa benéfica para a
sociedade, a iniciativa privada, a utilizar de maneira mais positiva as lanhouses
para fazer mecanismos de inversão.

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A Gol procurou as lanhouses para vender passagens aéreas on-line. A Bemol


passou a operar com as lanhouses; a Bemol é como se fosse um Ponto Frio,
uma Loja Americanas, que passou a vender eletrodomésticos de baixo custo,
parcelados, com carnezinho, nas lanhouses. Agora uma das que mais gostei é
que esses centros de formação passaram a usar as lanhouses como centros de
educação, onde as lanhouses passaram a ser ativas na captação de estudantes
que queriam aprender a fazer paginas na Web, aprender a fazer uma série de
coisas e tornar-se mais assistivos ao acesso da Internet, ao acesso a cursos,
ao acesso de uma serie de conteúdos.

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O Russo me perguntou uma coisa que o Marcelo acabou de falar, que era o
seguinte: “Ok, adorei a apresentação do Marcelo, mas eu não entendi direito
onde entra a hibridez ou onde entra o modelo misto entre lanhouses e
cibercafés na apresentação desse modelo”. Acho que talvez por conta do
tempo, ele não teve condição de falar, mas a graça da coisa é o seguinte:
quando você pega um passe Internet e faz com que o estado dê condição à
galera de baixa renda não pagar na lanhouse, aí o estado paga para que a
pessoa que não tem condição acesse o mesmo mecanismo que pode ser
credenciado pelos telecentros. Então, não há uma exclusividade de uma dessas
iniciativas por conta das lanhouses. A grande jogada é que, por exemplo, o
que a Secom fez, fazendo com que esses espaços habilitem usuários, por
exemplo, um cara que tem uma loja de material de construção e o cara quer
regularizar o negócio dele, ele não precisa ir na prefeitura, ele pode ir na
lanhouse que está ali do lado e a prefeitura vai pagar a lanhouse pelo
licenciamento daquele espaço. E todos os mecanismos de inversão que nós
estamos propondo ou que nós estamos procurando podem ser habilitados em
lanhouses e em telecentros, porque na prática a idéia é que o usuário lá na
ponta não pague, e no caso da pessoa que efetivamente não tenha condição o
estado pague por ela.
Na nossa cabeça universalização é uma meta, mas o estado tem que não
oferecer gratuidade indistintamente, o estado tem obrigação de oferecer

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gratuidade a quem não tem condição de pagar. Uma coisa que a gente está
lutando no Rio, as matrículas em escolas públicas são feitas pela Internet, mas
o estado não quer saber onde está sendo feito. Então, todo mundo que é
classe A e B faz isso em casa, mas C, D e E faz isso na lanhouse e ele paga
para fazer isso. A idéia é que ao invés do cara ir na lanhouse pagar, tirar do
bolso dele para fazer um serviço público, o estado pague para a lanhouse por
cada matrícula que ele fizer. A idéia é que ao invés do estado pagar ou montar
um laboratório, alguma coisa nesse sentido, ou como estratégia complementar
em municípios onde você não tem oportunidades, como o Marcelo falou, você
habilitar as lanhouses, mas “ah, não é o acesso ideal”, ok que não seja, mas
vamos fazê-lo ser. Vamos criar métricas e estruturas para que a gente consiga
que o estado pague nesses estados, nesses municípios. Por exemplo, no
Maranhão há 50 municípios que não tem telecentro, biblioteca, não tem nada,
só tem lanhouse. Então, que nesses 50 municípios a prefeitura pague para que
o estudante que não tenha condição e que está na rede pública, que é
hiposuficiente, possa ter acesso à tecnologia da informação através de
lanhouses.
[sem apoio de slide do PP, o palestrante acessa na Internet dados da pesquisa
do CGI. Br, em 2008. < http://www.cgi.br/>]
O que a gente prega é o seguinte: não é a situação ideal, mas a gente está
perdendo muito tempo não entendendo que o ótimo é inimigo do bom. Eu só
queria consolidar isso aqui. Isso aqui é uma pesquisa de 2008 em que várias
pessoas falaram em CGI. CGI é Comitê Gestor da Internet e é o organismo
responsável pelo registro de todos os domínios, toda vez que alguém faz
registro de .com.br ou .net.br ou outra coisa .br é feito no CGI. E o CGI há
quatro ou cinco anos tem feito um trabalho muito bacana de metrificar lá na
outra ponta como as pessoas têm utilizado as ferramentas que disponibilizam
TICs. Dados extremamente batidos, mas uns que me chamam mais a atenção
são esses de renda familiar e classe social, e principalmente a inversão entre
centro público de acesso pago e em casa. São esses dois primeiros que são
lanhouse e residência. Quem ganha até um salário mínimo, 82% das pessoas
acessam lanhouse contra 7% das pessoas que ganham até um salário mínimo
e acessam de casa. E aqui há outro ponto: quem ganha acima de 10 salários
mínimos, só 15% acessam em lanhouses e 87% das pessoas acessam de casa.
Essa inversão, aí você tem aqui 3, 4, 5% dos telecentros, simplifica pra gente
de que essa percepção de que lanhouse é caro, lanhouse é excludente, na
prática não se aplica. Na teoria é ótimo dizer, o coitado não tem dinheiro pra
comer. Tem, ele tem condição, porque do momento que ele entende que
tecnologia é fundamental para o desenvolvimento pessoal dele, para ele R$
1,00 na lanhouse é o melhor dinheiro que ele poderia gastar. Porque aquilo lá
é um momento de informação para ele, e na prática, se fosse uma ferramenta
de exclusão, a gente não tinha hoje basicamente 80% dos acessos da classe D
e E sendo feitas hoje exclusivamente pelas lanhouses, e acho que toda
discussão já deveria ter transpassado aquela temática de que é concorrente,
porque não é. É complementar, e mais todas as estruturas que a gente
pretende promover que beneficiam as lanhouses, beneficiam o principal

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calcanhar de Aquiles dos telecentros, que é a questão da sustentabilidade, e
quando a gente conseguir montar esse sistema híbrido, em que a gente
consiga fazer com que o Estado valide essa iniciativa...
Aqui a gente tem esse gráfico, e quando chega aqui, classe A, classe D e E, a
gente vê que todas essas iniciativas e todos os esforços dos estados estão no
“laranjinha” [cor no gráfico], que é o telecentro, estão no “vermelhinho” [cor
no gráfico], que é o acesso residencial, mas o “azul” [cor no gráfico], que é da
classe D e E, não tem um nada de ação proativa do poder público que seja
centralizada, que seja estruturada para fazer com que efetivamente C, D e E
tenham melhores condições de acesso. Eu não vou aqui discutir com ninguém
que lanhouse não é ideal, que lanhouse não é um espaço perfeito, não é. Ok! A
minha pergunta é: pode ser? Podemos aproveitar essa capilaridade e fazer. Eu
estou muito ansioso porque eu não sei até que ponto eu posso falar, mas em
março, quando voltarem as aulas em Natal, a gente está lutando muito por um
projeto muito bacana que a gente está conseguindo com a Prefeitura, que
aloque 10% de todos os seus professores, dos 13 mil professores da rede
pública de Natal, 1.300 vão ser alocados em lanhouses a partir do ano que
vem. Então vai ser o passe Internet com acompanhamento de um professor da
rede pública, que durante o horário de acesso vai acompanhar os estudantes e
tirar as dúvidas na lanhouse. É uma evolução do modelo a distância, e a gente
já está tentando que no Rio de Janeiro a gente tenha uma versão ainda
melhorada, que seja um controle unificado por cartão com identificação
biométrica dos estudantes, e que a gente possa ter não só acompanhamento
dos professores mas também uma metrificação do que eles estão fazendo
naqueles espaços, o que eles acessaram, como eles usaram aquele tempo e
várias outras coisas a gente tem trabalhado para que a lanhouse seja cada vez
mais um espaço inclusor, mas também um espaço de educação, um espaço de
construção de cidadania.
Não posso deixar de falar que além de presidente da ABCID eu também sou
coordenador do CDI LAN, que é uma iniciativa do CDI, que é o Comitê para a
Democratização da Informática, que está completando 15 anos agora em
março. Eu tenho tido muita satisfação de conseguir ver portas se abrindo e
pessoas se dando, cada vez mais, conta de uma realidade. Nós temos as
lanhouses em todos os cantos do Brasil. Não adianta mais negar ou tentar
lutar contra. A questão é: precisamos ter um tratamento diferente. Enquanto o
tratamento for criminalizatório o resultado vai continuar sendo ruim. Ou a
gente passa a ter uma postura de inclusão das próprias lanhouses, porque são
30 milhões de pessoas hoje que dependem desse acesso. Agora não é o fato
de ser 30 milhões de pessoas que me preocupa. Falar de percentual é uma
coisa meio abstrata, mas o fato é que se a gente passar isso para os números
que são cruzados do IBOPE com o que foi produzido pela FGV, eu consigo
chegar a: 11 milhões e 500 mil da classe A acessando a Internet de casa, 9
milhões e 600 mil da classe B acessam Internet de casa e da lanhouse, e são
14 milhões da classe D e E que acessam a lanhouse. São 10 milhões de
pessoas da classe C, então agir sobre as lanhouses é agir sobre 25 milhões de
pessoas da classe C, D e E. Então é uma necessidade, uma imposição face a

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esses números que não são nossos, são números do CGI, são números
captados junto ao PNAD que comprovam isso.

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