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Folha de S.Paulo - Aldo Pereira: Cadê a omelete?<br> - 22/03/2010 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2203201009.

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São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

ALDO PEREIRA

O dito "não se pode fazer omelete


sem quebrar os ovos" agrada a
comunistas como pictórica metáfora
de "os fins justificam os meios"

FOI O que retrucou George Orwell (Eric Arthur Blair,


1903-1950) ao comunista que lhe recitou "Não se pode fazer
omelete sem quebrar os ovos". Não foi Lênin (Vladimir Iliich
Ulianov, 1870-1924) que em suposta citação teria dado fama
a esse aforismo: o provérbio não é russo nem aparece em
documentos leninistas. Mas agrada a comunistas como
pictórica metáfora de "os fins justificam os meios".
Muitos ditadores comunistas o têm citado quando pretextam
ameaças externas e conspirações "reacionárias" para asfixiar
liberdades e mascarar a inépcia de seus burocratas e teóricos
na condução da economia.
Já o quadro de Cuba é um tanto esfumado e matizado. Muita
gente sincera aplaudiu a revolução heroica liderada por Fidel
Castro Ruz (1926-) e Ernesto Guevara de la Serna
(1928-1967), o Che. Até o fim de 1958, Cuba era uma
autocracia cruel e corrupta liderada pelo general Fulgencio
Batista y Zaldívar (1901-1973), ex-ditador (1934-1940) e
ex-presidente (1940-1944; 1952-1959). O número de
torturados, massacrados ou executados por Batista pode ter
passado de 20 mil.
Até o governo americano, que apoiara Batista, acenou
alguma conciliação. Fidel visitou os Estados Unidos,
discursou no Congresso e passou horas com o então
vice-presidente Richard Milhous Nixon (1913-1994), a quem
assegurou não ser militante nem simpatizante do comunismo.
Como para provar, nomeara presidente o ex-juiz liberal
Manuel Urrutia Lleó (1901-1981).
Mas Fidel pareceu converter-se logo ao fervoroso credo
comunista de Che, de quem tantos veteranos admiravam a
audácia, a bravura e o rigor disciplinar. Durante a campanha
revolucionária, Che executara pessoalmente companheiros
que julgasse vacilantes ou suspeitos. Cita um deles no diário

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que escreveu em Sierra Maestra, certo Eutimio Guerra, a


quem matou com uma bala calibre 32 cravada "no lado
direito de seu cérebro". Também nessa época executou
pessoalmente Aristidio de tal, guerrilheiro desiludido que
sonhava ser outra vez lavrador.
Temeria Fidel a convicção intransigente de Che? A revolução
russa de 1917 fizera primeiro-ministro Aleksandr
Feodorovich Kerenski (1881-1970), líder dos mencheviques,
ala parlamentarista do Partido Social Democrático. Mas
subsequente movimento armado promovido por Lênin, líder
dos bolcheviques (radicais do PSD), forçou Kerenski a fugir
para a França. Teria visto Fidel em Che o que Lênin fora
para Kerenski?
Conjecturas.
Mas fato é que a linha "menchevista" proclamada por Fidel
cedeu rapidamente à linha "bolchevista" de Che.
Em protesto, Urrutia e seu primeiro-ministro renunciaram.
Assumiram, respectivamente, Osvaldo Dorticós Torrado
(1919-1983) e o próprio Fidel. Expurgo e intimidação
silenciaram revolucionários recalcitrantes, como Huber
Matos Benítez (1918-), que cumpriria 20 anos de prisão.
Bem antes, já nos primeiros meses do governo
revolucionário, estalavam ovos na infame fortaleza La
Cabaña, comandada por Che. Ali, um "tribunal" de
guerrilheiros condenaria a fuzilamento no "paredón"
centenas de prisioneiros ligados ao regime deposto. Che
presidia uma "junta de apelação" que invariavelmente
confirmava todas as sentenças no mesmo dia.
Na conversão de Fidel ao comunismo decerto deve ter
pesado o antagonismo dos Estados Unidos. O presidente John
Fitzgerald Kennedy (1917-1963) autorizou apoio material à
malograda tentativa de invasão de Cuba por
contrarrevolucionários cubanos em abril de 1961, além de
malsucedidas tentativas de assassinar Fidel. (Ironicamente,
este continua mais ou menos vivo, 47 anos depois de uma
bala assassina ter explodido o crânio de Kennedy.) Aliar-se à
União Soviética pode haver parecido a Fidel lógica opção
salvadora da revolução.
Mas cadê a omelete? No caso cubano, o fracasso econômico
advindo do inepto monopólio estatal da produção é debitado
ao boicote americano (apesar de este ter sido compensado
durante anos por subsídios soviéticos e, a partir da década de
1990, por ajuda e investimentos europeus, sobretudo
espanhóis). Ilustram a repressão fuzilamentos nunca
protestados por Lula, que na visita do mês passado a Cuba
repreendeu o dissidente Orlando Tamayo Zapata por este
haver morrido em greve de fome na prisão.
Já o povo não passa fome. Nos agravamentos episódicos da
penúria crônica, cartões de racionamento garantem a cada
um o direito de comprar, todo mês, provisões que incluem
três quilos de arroz, 700 gramas de feijão e, se quiser
omelete, quatro ovos.

ALDO PEREIRA, 77, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha.

aldopereira.argumento@uol.com.br

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal.


Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos
problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do
pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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