Você está na página 1de 54

Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanza a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta
da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


-■■-:-- Responderemos propóe aos seus leitores:
— aborda questóes da atualidade
~ ~ "" ": controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
i dissipem e a vivencia católica se fortaleca no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
--■ este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xlhi MARgo 2002 477
"Refulge o Misterio da Cruz"

"Deus e o sentido da vida" por R. L Cifuentes

Quem fo¡ o Bispo J. J. Strossmayer (t 1905)?

Quem sao os Veihos-Católicos?

"Por que nao sou católico"

O Isla

"Deus: Idéias certas. Idéias erradas" porM.


Shevack e J. Bemporad

"O enigma da Esfinge. A sexuaiidade" por Antonio


Moser
PERGUNTE E RESPONDEREMOS MARCO 2002
Mensal N°477

Diretor Responsável
SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB "Refulge o Misterio da Cruz" 49
Autor e Redator de toda a materia
Ser ou nao ser?
publicada neste periódico
"Deus e o sentido da vida" por R. L.
Diretor-Administrador: Cifu entes 50

D. Hildebrando P. Martins OSB Muito explorado:


Quem foi o Bispo J. J.
Administracáo e Distribuicáo:
Strossmayer (t 1905)? 58
Edicóes "Lumen Christi"
Rasgada a veste de Cristo:
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501
Quem sao os Velhos-Católicos? 62
Tel.: (0XX21) 2291-7122 Ramal 327
Fax (0XX21) 2263-5679 Dezoito razóes
"Por que nao sou católico" 64
Endereco para Correspondencia:
Muito em foco:
Ed. "Lumen Christi"
O Isla 75
Caixa Postal 2666
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Quem é Deus?
"Deus: Idéias certas. Idéias erradas" por
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO M. Shevack e J. Bemporad : 87
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Tema de atualidade:
na INTERNET: http://www.osb.org.br "O enigma da Esfinge. A sexualidade" por
e-mail: lumenchr¡sti@bol.com.br Antonio Moser 92

IMPRESSAO

CRÁnCA MASQUES SABA1M COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

"A Fé que move o Brasil" (VEJA). - "Jesús quería fundar urna nova Igreja?" (GALILEU). -
Aínda o terceíro segredo de Fátíma. - "A Expressáo Popular do Sagrado" (P. Bonfatti). -
Globalízacáo e Economía Política (M. Schoyaans).-Bem-aventurado Casal.- Respos-
tas a um ateu. - "A Igreja sabe coisas que nao diz aos fiéis" (GALILEU).

PARA RENOVACAO OU NOVA ASSINATURA (ANO 2002,


DEFEVEREIROADEZEMBRO): R$ 35,00.
NÚMERO AVULSO R$ 3,50.
O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar, em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.

2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, agencia 0435-9 na C/C 31.304-1


do Mosteiro de S. Bento/RJ ou BANCO BRADESCO, agencia 2579-8 na C/C 4453-9
das Edicóes Lumen Christi, enviando em seguida por carta ou fax comprovante do
depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderezado ás EDICÓES "LUMEN


CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ
Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"
Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro - RJ
"REFULGE O MISTERIO DA CRUZ"
(Liturgia da Semana Santa)

O mes de marco é bem marcado por um paradoxo: sao trinta días


de morte á velha criatura, que culminam na ressurreicáo de um novo
homem, o segundo Adáo.

A Liturgia designa esse paradoxo com as palavras: "Refulge o mis


terio da Cruz".

Misterio da Cruz... Por qué? - Porque, aos olhos do historiador,


prescindindo da fé, o patíbulo da ignominia, destinado aos escravos, se
tornou o símbolo de urna Boa-Nova que transformou a historia. Hoje a
cruz é trazida sobre o peito de muitos jovens, homens e mulheres, com
certa ufanía; ela serve para identificar a pessoa. Este é um dos tatos
mais misteriosos de toda a historia da humanidade..., fato que certamen-
te revela urna mensagem ou um modo de ver diferente. Na verdade, a
cruz significa que a morte nao é morte, mas é passagem para a vida
plena na comunháo com o Eterno; significa também que os precursores
da morte (doencas, sofrimentos, incómodos diversos...) perderam seu
sinal negativo para adquirir um valor positivo, visto que Deus quis assu-
mi-los, passando por eles para formar a nova criatura. A sentenca da
justica ("No dia em que comeres do fruto proibido, morreras", Gn 2, 17)
nao foi cancelada; os filhos de Adáo morrem, mas tal sentenga foi ultra-
passada; a justica nao é a última palavra, porque se Ihe segué a miseri
cordia daquele "que primeiro nos amou" (Uo 4, 19).

Vé-se, pois, que a reviravolta na estima da cruz é a expressio da


revolucáo do pensamento suscitada pela Páscoa de Cristo.

Urna tal revolucáo nao pode ser contemplada apenas com o inte
lecto. Ela exige urna resposta prática ou urna nova conduta de vida da
parte daqueles que a reconhecem. Que nova conduta de vida será essa?
- Nem todo cristáo pode fazer coisas revolucionarias. A maioria se vé
obrigada a limitar-se ao cotidiano e rotineiro. Pois bem; a todo cristáo
incumbe o dever de fazer extraordinariamente bem as coisas ordinarias.
É precisamente isto que o Santo Padre assinala em sua homilía de Bea-
tificacáo de um casal italiano, que como casal (esposo e esposa) foi de
clarado "Bem-aventurado" aos 21/10/01. A santidade; á qual todos os
cristáos sao chamados, pode-se resumir neste programa: fazer extraor
dinariamente bem as coisas ordinarias.
Seja esta a resposta do povo de Deus ao misterio da Cruz, que
refulgirá mais urna vez a 31/03 pf. Com efeito; todo cristáo há de ser um
pequeño misterio ou paradoxo, porque, vivendo no tempo, se orienta pelos
valores eternos, cuja posse Ihe é de antemáo outorgada por Aquele que
venceu a morte e transfigurou a dor humana.

E.B.

49
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLIII - N2 477 - Margo de 2002

Ser ou nao ser?

"DEUS E O SENTIDO DA VIDA"1


por Rafael Cifuentes

Em síntese: O autor trata das questoes fundamentáis: quem sou


eu? De onde venho? Para onde vou? Que haverá depois da morte? Na
base de raciocinios e de testemunhos de ateus, mostra que a vida na
térra nao tem sentido se nao há um Além que dé ao homem as respostas
exigidas por seus anseios naturais. A seguir, póe em relevo a figura de
Jesús Cristo que, na qualidade de Deus feito homem, veio revelar o pla
no do Pai a respeito dos homens: cada qual tem urna vocagáo ou um
chamado a realizar na térra para usufruir da felicidade de Deus no Além.
Quem aceita esta proposigáo pela fé (que nao deve ser fé cega, mas sim
baseada em auténticas credenciais), goza desde o presente de alegría e
coragem, de modo que, mesmo com o passar dos anos, conserva sua
perene juventude.
* * *

D. Rafael Cifuentes é Bispo Auxiliar da arquidiocese do Rio de Ja


neiro, encarregado da Pastoral da Familia e da Juventude. Publicou mais
um de seus livros, versando este sobre o sentido da vida, questao que se
impoe a todo ser humano. Importante é notar que o autor responde a tal
interrogacáo nao só com os artigos da fé católica, mas com a Filosofía e
0 testemunho de ateus. A obra é de grande valor e merece ser atenta
mente analisada.

1. O Problema: vale ou nao vale a pena viver?

Em todos os tempos o homem vem perguntando a si mesmo: quem


sou eu? De onde venho? Para onde vou? Que haverá depois da morte?

Duas respostas podem ser dadas a tais perguntas:

1 Deus e o Sentido da Vida, edigáo própria, Rio de Janeiro 2001, 130 x 210 mm,
388 pp. Pedidos sejam enderegados á Caixa Postal 1362, 20001-970 Rio (RJ).

50
"DEUS E O SENTIDO DA VIDA"

1) Venho do acaso e caminho para o vacuo ou o Nada.

2) Sou criatura de um Ser Superior, que me fez sequioso de vida e


me promete o gozo de sua felicidade após a morte.

O autor se detém longamente sobre a primeira das duas respos-


tas, enfatizando que, se nao há algo após a morte, a vida presente deixa
o ser humano frustrado ou é "urna brincadeira de mau gosto"; o homem
se torna um absurdo, pois a natureza Ihe deu aspiracóes á Vida, á Verda-
de, ao Amor, as quais ela nao satisfaz; tudo o que se encontra neste
mundo é pequeño demais para preencher os anseios naturais da pessoa
humana. É o que confessam os próprios ateus, citados por D. Rafael á p. 30:
Jean-Paul Sartre compara a vida humana a umjogo de rugby, ao
qual os homens assistem sem Ihe compreender as regras: "Vi alguns
adultos se golpearem uns aos outros e derrubando-se para fazerpassar
urna bola de couro entre dois paus. Recapitulando o que vi, nao Ihe al-
cancei o sentido, parecendo-me tudo urna piada" (Sartre, Prólogo El
Extranjero de Camus A., Rio de Janeiro 1959, p. 32).

Albert Camus: "Em certas horas de lucidez, compreendo que esta


vida, esta palhagada sem sentido, torna estúpido tudo o que rodela o
homem" (citado por Sartre, loe. cit, p. 28).

Albert Camus: "Compreendei que, para nos, tanto na vida como


na morte nao há patria nem paz. Porque nao se pode chamar de patria a
esta térra espessa, privada de luz, onde iremos servir de alimento a ani
máis cegos" (Le Mal Entendu, París Gallimard N.R.F. 1961, p. 93).

Jean Cau, discípulo de Sartre: "Se Deus nao existe, nao te vejo
somente perdido, meu amigo, meu irmáo, meu semelhante e meu próxi
mo. Se Deus nao existe, tu éspara mim como excremento. Náopassas,
oh homem, de um monteo de excremento talante" (La pitié de Dleu,
Mayenne, Gallimard (NRI) 1961, p. 121).

O autor compara a vida do ateu a um navio fantasma:

"Quando pensó nesse tipo depessoas me vem á mente a imagem


de um barco que navega sem rumo. Imaginemos um transatlántico mo
derno sulcando o mar a grande velocidade e com absoluta precisáo. Mas...
sem destino. Dentro do pequeño mundo da embarcagáo tudo é lógico e
inteligente; as engrenagens, émbolos e bielas transmitem as hélices do
barco o potente movimento dos motores que se submetem dócilmente as
ordens do comandante, assim como os marinheiros e empregados de
bordo se entregam com dedicagáo as tarefas que Ihes sao atribuidas. O
sistema alimentar, o conforto proporcionado pelos mais modernos recur
sos, as relagóes sociais, o amor, o jogo, os desportos e divertimentos
distraem admiravelmente os passageiros. Parece um pequeño paraíso.

51
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

Do casco para dentro, o regime de vida é ideal; no entanto, objetivamente,


vistas as coisas do lado de tora, tudo é absolutamente irracional. Porque
nenhum dos navegantes sabe para que está ali e qual é o porto de che-
gada. Quanto mais inteligente e divertido for o seu género de vida, tanto
mais irracional será. Precisamente porque essa existencia prazerosa -
essa lógica alienante - é o que ihe faz olvidar sua conduta ilógica, assim
como o paranoico se autoconvence e se acalma com "argumentos inteli
gentes", mascarando e ocultando a sua loucura. Urna verdadeira loucu-
ra: um día qualquer, sem se saber qual, os motores hao de parar por falta
de combustível e todos seráo engolidos pelas ondas do océano. Este o
seu destino derradeiro. O único que cabe dentro de sua inteligente
irracionalidade" (pp. 68s).

Examinemos agora a segunda resposta.

2. A coragem de ultrapassar a si mesmo

Quem nao se conforma com "o absurdo da vida", afirma haver urna
resposta no Além. Existe o Absoluto, o Infinito, que acolherá o homem
quando deixar este mundo. Observa D. Rafael á p. 39:

"Hoje... se reconhece amplamente, em conseqüéncia de urna serie


de sólidas investigagóes, que é conatural ao homem a tendencia para
Deus. Tem sido constatado ñas experiencias clínicas, a ponto de ser aceito
como principio indiscutível, que o pensamento de Deus - a fé religiosa
em geral- atua como poderoso remedio em face da inseguranga da vida,
das frustragóes existenciais ou da iniludível presenga da morte.

Um exemplo: Jung - o mais eminente discípulo de Freud - princi


pal mentor da Escola Psicanalítica de Zürich, diz que 'Deus é a necessi-
dade mais forte e efetiva do homem, o fator mais poderoso e decisivo da
alma individual; quando falta, aparece a angustia, mal du siécle. Mais de
60% dos meus pacientes sofriam precisamente dessa angustia que pro
cede da ausencia de Deus"(cf. Frehervon Gebsatel, V. La compreensión
del hombre desde una perspectiva cristiana, Madrid 1966, p. 101).

Nao somente os psicólogos, mas também entre os dentistas há


quem reconhega a presenca de Deus no ¡menso universo. Tal é o caso
de Albert Einstein:

'Todo profundo pesquisador da natureza deve conceber urna es


pecie de sentimento religioso, pois nao pode admitir que seja ele o pri-
meiro a perceber os extraordinariamente belos conjuntos de seres que
contempla. No universo, incompreensível como é, manifestase urna In
teligencia superior ilimitada. A opiniáo corrente de que eu sou ateu ba-
seia-se num grande erro. Quem a quisesse depreender das minhas teo
rías científicas, nao tería compreendido o meu pensamento" (citado por
Cintra, J., Deus e os dentistas, Ed. Quadrante, Sao Paulo 1990, pp. 46s).

52
"DEUS E O SENTIDO DA VIDA"

Einstein é citado aínda as pp. 43,49, 54-56 da obra de D. Rafael.

Se assim é, pergunta-se: por que tantas pessoas nao créem em


Deus?

O autor responde apontando motivos intelectuais e motivos vitáis.

1) Motivos ¡ntelectuais: "No campo intelectual nao poucos dos


nossos contemporáneos absorveram em escolas e universidades um tipo
de formagáo científica que pregava a religiáo como 'coisa do passado'.

O iluminismo racionalista do século XIX introduziu-se no século XX


através do positivismo de Augusto Comte (só é acreditável - afirmava - o
que sepossa apreenderpor urna experiencia sensível); do evolucionismo
materialista de Darwin (a existencia atual das especies - sustentava - é
regida por leis evolutivas mecanicistas); do pansexualismo de Freud (o
comportamento humano -pontificava - é fundamentalmente urna conse-
qüéncia derivada do instinto sexual); e de tantos outros que, de urna
maneira ou de outra, ignoravam Deus ao tentar explicar a razáo de ser do
universo e do homem. Até tal ponto que permitiram a Nietzche dizer: 'Deus
morreu'"... (p. 54).

Continua D. Rafael á p. 53:

"Hoye o panorama é bem diverso.

Um estudo feito a nivel científico por revista que nao guarda afini-
dade com o Cristianismo, declara que 'o século XIX, herdeiro do
racionalismo iluminista, deu lugar a longa noite contemporánea de
ceticismo e trouxe o eclipse das esperangas de que o materialismo e as
ciencias poderiam resolver tudo. A ciencia e a ideología materialista es-
táo em franco descrédito. A autoridade atéia, que tanto trabalhou para
destronar sua adversaria religiosa, comega a perder terreno em seusprópri-
os dominios. Apesar de Copérnico (e Galileu), Darwin, Freud e Marx -edo
cogumelo atómico - Deus está de volta' (revista VEJA, 19/12/1979, p. 85)".

Além do cientificismo, o orgulho se opóe á fé, como se depreende


dos testemunhos seguintes:

"A capacidade que tem o orgulho para distorcer a verdade científi


ca rala, as vezes, as fronteiras do inacreditável. Alguns exemplos poderi
am indicar-nos, como amostras significativas, esta realidade.

Berthelot, que se destacou em química, um dos mais notorios mili


tantes do ateísmo no século XIX, escreve: 'Para que a ciencia nao se
fragmente em especialidades é mister que haja pelo menos um cerebro
capaz de alcangá-la no seu conjunto. Este cerebro creio ter sido eu; re-
ceio ser o último'. Evidentemente um homem com tamanho orgulho nao
podia aceitar que aiguém Ihe mostrasse urna verdade que nao partisse

53
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

do seu cerebro. Outro dos mais famosos detratores do cristianismo, Renán,


dizia de si próprio ser 'o Júpiter olímpico que julga tudo e nao é julgado
porninguém". Ainda um outro incrédulo famoso, contemporáneo de Renán,
Taine, escrevia: 'Tive da minha razáo urna estima muito alta para crer em
outra autoridade diferente da minha; só de mim quis receber a regra de
meus costumes e a diregáo do meu pensamento; o orguiho e o amor da
liberdade haviam-me emancipado'" (ver Cifuentes p. 58).

2) Motivos vitáis: O ateu nao ó ateu porque tenha a evidencia de


que Deus nao existe, já que a nao existencia de Deus nao pode ser pro-
vada, ao passo que a existencia de Deus é demonstrável pela razáo...

"O ateu é ateu geralmente por motivos pessoais da mais variada


especie...: porque Ihe parece que a fé nao satisfaz as demandas da sua
consciéncia; ou julga que ela delimita e restringe a sua liberdade intelec
tual, ou fere a sua autosuficiencia racional; ou porque está negativamen
te impressionado pela falta de autenticidade e de ética de alguns cristáos
'oficiáis'; ou porque ficou influenciado por urna falsa ótica histórica que
apresenta a Igreja como cruel (a Inquisigáo), ou anticientífica (Galileu);
ou porque Ihe custa aceitar os preceitos moráis sobre o amor, o sexo, o
matrimonio e a familia; ou porque ficou hipersensibilizado por um aconte-
cimento doloroso - separagáo, injustiga, doenga, morte... - que segundo
a sua opiniáo era incompatível com a infinita bondade de Deus e assim
por diante..." (p. 63).

Escreve D. Rafael:

"Lembro-me da conversa que tive certa vez com um estudante de


Medicina. É táo significativo que poderia parecer forjado se nao fosse
rigorosamente verdadeiro. Dizia-me que tinha serias dúvidas sobre a Di-
vindade de Jesús Cristo. - 'Mas por qué?' - 'Por urna razáo histórica: li
num livro de religióes comparadas que Cristo se inspirou na doutrina de
Maomé'. - 'Mas vocé nao sabe que Maomé viveu no século Vil depois de
Cristo...?'. Olhou-me por um longo tempo e depois, cheio de vergonha,
disse-me que na realidade estava tentando justificarse... Talvez tivesse
confundido Maomé com Buda.... Que últimamente estava numa situagáo
muito difícil... Nao conseguía 'safarse' de urna desquitada, que nao se
separava dele nem de dia nem de noite.... Naquele momento comegou a
solugar...

Evidentemente nao era também este um problema intelectual, mas


emocional. A apelagáo histórica ou científica era só um biombo para ocultar
urna razáo mais visceral" (p. 63).

A propósito vale a pena citar o filósofo Arthur Schopenhauer:

"Na grande massa das pessoas comuns o pensamento nao é um es-


pelho desinteressado da verdade, mas é um reflexo das paixóes, dos inte-

54
"DEUS E O SENTIDO DA VIDA"

resses e dos afetos" (citado por Leonel Franca, Por que existem homens
que nao créem em Deus, Ed. Mundo Cultural, Sao Paulo 1979, p. 189).

Os obstáculos á fé podem ser superados, como atestam tantas


pessoas inteligentes, cultas e religiosas. Existe, portante, urna resposta
para o homem que tem sede de eternidade (expressáo esta muito repe
tida por D. Rafael).

Pergunta-se agora: como se concretiza essa caminhada do homem


para o Eterno e Absoluto?

O autor do livro passa a falar de Jesús Cristo.

3. Jesús Cristo

Muito a propósito D. Rafael transcreve urna passagem do livro Je


sús Mestre de Nazaré, da autoría de Aleksandr Míen, sacerdote russo
ortodoxo:

"Os anais do mundo inteiro contém muitos fatos inexplicáveis, mas


pode-se dizer com seguranga que o acontecimento mais incrfvel da his
toria da humanidade é a vida dojudeu Jesús de Nazaré e o misterio que
coroou esta vida. Nao erra quem considera que este misterio vai além
dos limites em que se move o conhecimento humano. Mas também exis
tem na ressurreigao de Cristo fatos tangíveis que nao estáo lora do hori
zonte profissional do historiador. No momento mesmo em que a Igreja
recém-nascida parecía moña para sempre, quando o edificio construido
por Jesús se reduzira a míseros escombros e seus própríos discípulos havi-
am perdido a fé, precisamente naquela hora tudo se revirou de repente. Urna
alegría exultante tomou o lugar do desespero e da desconfianza, e aquetas
mesmas pessoas que tinham acabado de abandonar e renegar o Mestre,
num instante comegaram a proclamar com coragem a sua Vitoria.

Deve ter acontecido algo extraordinario, algo sem o qual o cristia


nismo hoje nao existiría" (pp. 202s).

A transformacao dos Apostólos aqui mencionada se deve ao fato de


que eles viram realmente o Senhor ressuscitado. Nao estavam alucinados
nem sonhavam com o retorno de Jesús; por isto custaram a crer que era o
Mestre que Ihes aparecía. Muito significativo é o caso de Tomé, que pediu
provas da ressurreicáo para dizer-lhe "Creío" (Jo 20, 24-29). Comenta Sao
Gregorio Magno: "A incredulidade de Tomó foi mais provéitosa para a nossa
fé que a fé dos discípulos que acreditaram" (in Evangelia, homilía 26).

O papel de Jesús Cristo é marcante para todo homem que pensa:

"A humanidade se move dentro das coordenadas dos sentidos e


da razáo. Cristo rompe essas fronteiras. Abre horizontes de eternidade.
A sabedoria terrena nos ajuda a descobriros caminhos de nosso planeta

55
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

ou de nosso universo. Jesús nao se detém ai. Traslada-nos a outras pers


pectivas. Como Filho de Deus, fala-nos de nosso destino eterno, que
marca o verdadeiro sentido de nossa existencia temporal. É assim que
entendemos que Ele aparega no cenário da historia como personagem
inigualável e insubstitufvel" (pp. 209s).

4. A alegría de viver

Quem toma consciéncia de que a vida tem sentido, cria em seu


íntimo disposicóes de coragem e alegría para viver. Acontece, porém,
que muitos daqueles que professam a fé em Deus sao incoerentes:

"O mais dramático da situagáo atual... é que a maioria das pessoas


vai arrastando a vida da maneira mais gostosa, vai escondendo a cabega
em térra como o avestruz, atordoando-se com a diversáo ou com o traba-
Iho, embriagándose com a bebida, o sexo ou a droga, metalizando e
endurecendo a sensibilidade com o dinheiro... e depois nao deixa de ira
urna Missa de sétimo dia de um párente ou amigo falecido, ou de ter urna
lembranga saudosa de Deus pelo Natal, ou talvez ensaie urna oragáo de
vez em quando... especialmente nos momentos de apeno...

É assim que se vai vivendo, arrastando essa fé lánguida até que,


de repente, aparece um descalabro económico, a doenga que ateta a
máe, o cónjuge ou o filho, a morte de um ser querido..., e a fraca estrutura
desaba, tica desconsolada, a frustragáo domina, entra em depressáo... E
a crise existencial aparece com toda a sua tremenda virulencia...

Essa fé do 'mais ou menos', aletargada, essa fé de manutengáo,


incoerente, nada resolve.

Repetiremos martelarmente: To be or not to be. That's the


question - ser ou nao ser cristáo, esta é a questáo. Nao podemos viver
de incoeréncias; por isto dizemos que vivera fépela metade é tanto como
viver a vida pela metade' (p. 291).

O sentido da vida se torna ainda mais significativo quando se toma


consciéncia de que Deus tem um designio para cada criatura humana,
designio que Ele torna conhecido mediante urna vocacáo ou chamado.
Cada ser humano reflete um pensamento de Deus. Alias Ele nao somen-
te chama, mas também concede a sua graca ou o seu auxilio para que
cada qual chegue devidamente á plena realizacáo de si mesmo.

Importa á criatura responder livremente, com toda a responsabili-


dade. Essa responsabilidade pode exigir renuncias, impondo a supera-
cáo de tendencias cegas e primarias. Nada há de mais próximo da
irresponsabilidade do que pautar a vida pelo gosto e pelo prazer.

A renuncia nao impede o cristáo de ter alegría: esta é o síntoma


mais preciso de um íntimo ajustamento pessoal. Se a dor é o sinal - o

56
"DEUS E O SENTIDO DA VIDA"

censor - de um estado patológico, a alegría é o indicador de um estado


de plenitude vital.

D. Rafael termina seu livro dissertando longamente sobre a neces-


sária "perene juventude" do cristáo:

"Ajuventude nao é urna época da vida, é um estado da alma. Mas,


se um estado da alma evidentemente nao se pode cronometrar na esfera
do relógio ou ñas páginas do calendario nem se avallar com um
eletrocardiograma, qual será a medida adequada para dimensioná-lo?...

Sem dúvida diríamos que esta medida depende da atitude mental que
em cada ser humano suscita a perspectiva do futuro: é jovem aquele que
espera muito do futuro; que sabe projetarante seus olhos grandes horizon
tes existenciais; que é capaz de utilizar o passado e o presente como um
trampolim para o futuro. É velho um homem de futuro débil, apagado, cujo
campo visual está limitado pelas mesquinhas pretensóes do utilitario e do
¡mediato; é um homem decepcionado da vida; o passado nao representa
para ele algo que o empurra para a frente, mas algo que o amarra a um
saudosismo melancólico; o futuro nao o magnetiza, mas o deixa apreensivo.

O jovem vive de esperangas. O velho perde a sua vida ñas lem-


brangas...

A juventude se define pelo otimismo e o pessimismo configura a


velhice"(p. 351).

Mais adiante o autor volta á temática:

"A juventude tem espirito esportivo... O cristáo sempre tem futuro;


sempre corre ñas olimpíadas da vida para poder subir no podium da
realizagáo eterna; nao se contenta com o presente, sente-se removido
pelo desejo de entrar na possessáo do Amor Eterno; ouve continuamen
te em seus ouvidos estes apelos: 'Corre sem desanimar!', 'Progride sem
pre!', 'Naomegas esforgos!', 'Vale apena!', 'Adiante', 'Para a frente!', 'Mais,
mais e mais!', que acendem, encorajam e animam. É o síndrome do ver-
dadeiro atleta que lateja no peito de cada um de nos.

Quem está impregnado do otimismo cristáo, nao se impressiona


com os aparentes fracassos e demoras, sabe esperar, sabe aguardar a
sua realizagáo eterna, que com a passagem do tempo já está sendo
construida de alguma maneira nesta vida temporal. Está convencido de
que nosso Pai chama os seus filhos com forga do alto. Quer-nos dar o
abrago definitivo, estreitando-nos paternalmente no seu amor, na sua
beleza, na sua infinita alegría e isto suscita na alma um clamor de espe-
ranga, apesar das contrariedades" (p. 366).

Em suma, o livro de D. Rafael merece ser lido mesmo por aqueles


que tém fé.

57
Muito explorado:

QUEM FOI O BISPO J. J. STROSSMAYER (t 1905)?

Em síntese: Está circulando na Internet o texto de um discurso


atribuido ao Bispo J. J. Strossmayer, que, durante o Concilio do Vaticano
I (1870), se opós á definigáo da infalibilidade papal. O texto contesta nao
sonriente este artigo de fé, mas também a própria validade do Papado. -
A leitura atenta de tal texto leva a conclusáo de que é urna pega espuria
ou falsificada, redigida no estilo dos panfletos que atacan) lejanamente
a fé católica. O Bispo Strossmayer era contrario á definigáo da infalibilidade
pontificia nao porque negasse a sua veracidade, mas porque julgava que a
definigáo criaría mais um obstáculo á re-uniáo dos cristáos separados. O
seu nome foi explorado por um certo Religioso apóstata, José Agustín de
Escudero, que atríbuiu a Strossmayer dizeres de grande agressividade utili
zados pelos adversarios da Igreja. Os protestantes no Brasil deram a tal
discurso urna versáo própria aínda mais hostil propagada pela internet.
* * *

Está sendo divulgado pela internet um texto de discurso atribuido


ao Bispo Josip Juraj Strossmayer (1815-1905), que, numa das sessóes
do Concilio do Vaticano I (1870), se manifestou contrario á definicáo da
infalibilidade do Sumo Pontífice em materia de Fé e de Moral. O texto
aparece entrecortado por protestos e vaias, como se houvesse sido gra
vado; além do qué, impugna nao só a infalibilidade papal, mas também o
próprio Papado, usando o linguajar dos panfletos protestantes que ata-
cam a fé da Igreja.

Atendendo ao pedido de pessoas interessadas, proporemos, a se


guir, a realidade histórica e urna análise do texto propagado pela internet.

1. Os fatos históricos

O Concilio do Vaticano I se reuniu em 1870, numa época minada


por tendencias a criar Igrejas Nacionais, independentes da Santa Sé, e
pelo liberalismo filosófico, que relativizava a verdade. Estava, pois, na
pauta do Concilio definir o papel do sucessor de Pedro, eixo da unidade
da Igreja tanto em materia doutrinária quanto no plano disciplinar. Seria
solenemente declarado pelos padres conciliares o primado do Sumo
Pontífice como também a sua infalibilidade em questóes de Fé e de Mo
ral1, evitando-se assim o esfacelamento da Igreja2.

1 Nótese: infalibilidade nao é impecabilidade.


2 Sobre o Concilio do Vaticano I ver PR 464/2001, pp. 14ss.

58
QUEM FOI O BISPO J. J. STROSSMAYER (t 1905)? 11

Revelou-se contraria a tal definicáo urna minoría de conciliares,


entre os quais o Bispo de Djakovo (Eslovénia oriental) Mons. Josip Juraj
Strossmayer.

Quem era esse prelado?

Nasceu em 1815 na cidade de Osijek, em familia de origem alema


afeita á cultura eslava. Fez seus estudos em Viena e Budapest. Ordena
do presbítero, foi nomeado Bispo de Djakovo em 1850. Muito se interes-
sou pela cultura eslava e trabaihou intensamente para aproximar da Santa
Sé os cristáos orientáis separados de Roma. Em 1867 fundou em Zagreb a
Academia lugoslava de Ciencias e Artes, e em 1874 criou a Academia Croata.

Durante o Concilio do Vaticano I (1870) interveio algumas vezes,


pronunciando-se em duas ocasióes sobre a Doutrina Católica e proferin-
do tres discursos sobre a Infalibilidade Pontificia. Mons. Strossmayer era
contrario á definicáo desta nao porque negasse a assisténcia do Espirito
Santo ao Papa em materia de Fé e Moral, mas porque julgava que a
definicáo criaría mais um obstáculo á volta dos crístáos orientáis ao seio
da Igreja. Aos 13 de julho de 1870 retirou-se da assembléia conciliar, de
modo que nao Ihe estava presente no dia em que a definicáo foi solene-
mente promulgada. Terminado o Concilio, Mons. Strossmayer deu sua
adesáo á definicáo, publicando-a em sua diocese juntamente com as
outras decisóes da assembléia.

Todavía o nome de Strossmayer foi explorado dolosamente. Com


efeíto, pouco depois de encerrado o Concilio apareceu em Florenca urna
brochura intitulada Papa e Vangelo, da un vescovo del concilio vaticano
{Papa e Evangelho, por um bispo do Concilio do Vaticano); tal bispo seria
Strossmayer, quando na verdade o opúsculo tinha por autor um Religio
so apóstata chamado José Agustín de Escudero. Este autor se valia do
discurso de Strossmayer proferido aos 2/6/1870, modifícando-o e trans-
formando-o em panfleto contra o Papa. Tal obra causou surpresa e
celeuma, que tiveram fim quando o próprio falsario se revelou como tal.

Após o Concilio, Strossmayer manteve bom relacionamento com


os Papas Pió IX e Leáo XIII, sempre muito interessado em promover a
uniáo dos cristáos. Em 1880 o Papa Leáo XIII publicou a encíclica Gran
de Munus referente aos Santos Cirilo e Motódio, apostólos dos povos
eslavos. Profundamente grato, em 1881 Strossmayer chefiou urna dele-
gacáo das na95es eslavas, que foi a Roma agradecer ao Pontífice o im
portante documento.

Os discursos de Mons. Strossmayer durante o Concilio só se en-


contram em latim e em língua croata, de modo que a figura deste bispo
passou á posteridade um tanto descaracterizada pela divulgacáo da bro
chura de Escudeiro, sem que o grande público possa conhecer devida-

59
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

mente as obras e cartas (escritas sonriente em língua croata) desse pas


tor, benemérito por seu empenho ecuménico. Faleceu em 1905.

Analisemos agora brevemente a versáo brasileira do discurso atri


buido por Escudero a Mons. Strossmayer.

2. O texto da Internet

Quem le tal texto, nao pode deixar de notar as semelhancas de


estilo do mesmo com os panfletos protestantes; o autor respectivo repete
freqüentemente "nao encontrei na Biblia, embora muito tenha procura
do...". O católico sabe que a Biblia há de ser lida no contexto daTradicáo
oral, que Ihe é anterior e a acompanha sempre.

O texto impugna o próprio Papado - coisa que Mons. Strossmayer


nao fez.

Tencionando apresentar erros cometidos pelos Papas no decorrer


dos séculos, o autor do panfleto revela nao conhecer exatamente o que
afirma. Assim

a) "Adriano II em 872 declarou válido o casamento civil; entretanto


Pió Vil em 1823 condenou-o".

Ora a instituigáo do casamento civil é obra da Revolucáo Francesa


de 1789. Até essa data nunca se pensou em casamento nao religioso.
Por conseguinte a alegacáo ácima ó falsa.

b) "Honorio aderiu ao Monoteísmo".

Todos os cristáos aderem ao monoteísmo (culto de um só Deus). O


que o autor quer dizer é que o Papa Honorio aderiu ao Monotelitismo
(doutrina que afirmava haver urna só vontade, divina, em Jesús Cristo).
Na verdade, aconteceu o seguinte: a heresia monotelitista teve origem
em Constantinopla por obra do Patriarca Sergio. Em Roma o Papa
Honorio, mal informado a respeito (no Oriente falava-se grego, ao passo
que no Ocidente latim), nao quis tomar parte na controversia dos teólo
gos; julgava que a discussáo a respeito de urna ou duas vontades em
Cristo era mero litigio de palavras, como estava nos hábitos dos bizantinos.
Honorio aceitava haver urna só vontade em Cristo no sentido de que o
querer humano de Jesús se conformava sempre com o querer divino.
Esta posicáo pouco definida do Papa Honorio valeu-lhe censuras, mas
nao o configura como herege.

c) "O Papa Marcelino entrou no templo de Vesta e ofereceu incensó á


deusa do paganismo. Foi, portanto, idólatra ou, pior aínda, foi apóstata!"

Que há de verídico nisso? - Segundo o Liber Pontificalis, do


sáculo VI, o Papa Marcelino teria oferecido um sacrificio de incensó, mas
haveria expiado sua culpa morrendo mártir por decapitagáo; por conse-

60
QUEM FOI O BISPO J, J. STROSSMAYER (t 1905)? 13

guinte ter-se-á retratado. Tal relato é posto em dúvida por S. Agostinho;


com efeito, o bispo donatista Potiliano afirmou que Marcelino fora traidor
- alegacáo que Agostinho contestou enérgicamente.

d) "Clemente XIV aboliu a Companhia de Jesús, permitida por Pau


lo III, e Pió Vil a restabeleceu".

As potencias européias fizeram pressáo sobre o Papa para que


extinguisse a Companhia de Jesús, já que os jesuítas exerciam grande
influencia na vida pública. A Companhia, porém, subsistiu na Prússia e
na Rússia, nacoes nao afetadas pela onda anti-jesuíta. Passada esta,
compreende-se que o Papa Pió Vil tenha restaurado a Companhia.

Outras imprecisóes poderiam ainda ser apontadas no panfleto da


Internet. Contudo o que até aqui foi dito, já demonstra a tendencia agres-
siva do mesmo, ainda que nao tenha sólido fundamento histórico.

Em conclusáo, observamos que nao é dessa maneira - polémica,


cega e preconceituosa - que se prega o Evangelho. A Biblia ensina outro
procedimento...

SURPREENDENTE!

O boletim Oecuménisme Informations publicado pelo Conselho


de Igrejas Cristas na Franca, edicáo de dezembro 2001, p. 6, traz surpre-
endente noticia:

Um inquérito realizado em Viena no ano de 1999 demonstrou que


tem crescido o número de pessoas crentes ñas cidades de mais de um
milháo de habitantes da Europa Ocidental. Ocorre urna renovacáo do
senso religioso, contrariamente as predicóes dos observadores. Com efei
to; entre 1990 e 1999 em Bruxelas, a porcentagem de crentes subiu de
48 a 59%; em Lisboa, passou de 51 a 82%; em Viena, de 62 a 64%. Em
Bruxelas o número de católicos que participam da Missa dominical pas
sou de 17 a 29%. A única excecáo (difícil de explicar) é Paris, onde, entre
os crentes, houve baixa de 55 a 48%.

Comenta o boletim: "Estes dados contradizem á previsáo de que a


laicizacáo é o prego da modemizacao". Verifica-se que o homem, apesar
do conforto que a vida moderna oferece {especialmente ñas grandes ci
dades), nao se contenta apenas com os valores materiais, mas experi
menta dentro de si um continuo apelo a bens maiores, particularmente á
oracáo ou ao encontró com um Tu que seja a resposta cabal aos seus anseios.

Aos fiéis cristáos importa atender a essa procura do Infinito, que


em muitos de nossos semelhantes ainda é vaga e indefinida, ajudando-
os a descobrir a verdadeira face de Deus.

61
Rasgada a veste de Cristo:

QUEM SAO OS VELHOS-CATÓLICOS?

Em síntese: Sao ditos "Velhos-Católicos" os cristáos que nao acei-


taram a definigáo da infalibilidade papa! promulgada pelo Concilio do
Vaticano I. Separaram-se da Igreja inspirados por um historiador da épo
ca, o Pe. Joáo José Inácio von Dóllinger. Este mesmo nao aderiu ao
cisma. Os Velhos-Católicos se associaram aos jansenistas' de Utrecht e
constituem hoje em dia urna pequeña facgáo de cristáos.
* * *

A quarta sessáo do Concilio do Vaticano I (1870) definiu a infalibi


lidade do Papa e seu primado de jurisdigáo sobre a Igreja inteira. O texto
proposto á discussáo dos conciliares foi debatido de margo a julho. A
assembléia se dividiu em dois campos: a grande maioria julgava a defini
gáo oportuna e necessária (eram apoiados por fiéis franceses ditos
"ultramontanos", pois ultrapassavam a cordilheira dos Alpes para aderir a
Roma); os demais eram contrarios á definigáo; destes, poucos se opunham
ao dogma como tal; outros negavam apenas a oportunidade de o proclamar,
por causa das reagoes que isto poderia provocar. Entre os adversarios da
definigáo cita-se o Bispo Strossmayer, já apresentado neste fascículo.

O sacerdote bávaro (alemáo) Joáo José Inácio von Dóllinger nao


participou do Concilio. Era favorável a criar Igrejas nacionais autocéfalas
- tese esta que ele propagou através de seus escritos publicados sob os
nomes de Janus, Quirinus e em seu próprio nome.

Após a definigáo da infalibilidade (18/07/1870), continuou a mani-


festar-se hostil ao Papado, que ele julgava desnecessário. A sua posigáo
professada publicamente valeu-lhe a excomunháo da parte do arcebispo
de Munique em 1871 - censura esta que em 1872 atingiu outros profes-
sores de Faculdades alemas, por se terem agregado a Dóllinger. Aos
poucos, esses adeptos do mestre, á revelia do próprio mestre, resolve-
ram fundar urna Igreja própria, cujo chefe era o professor Joáo Frederico
von Schulte, de Praga. A partir de 1872 foram sendo criadas paróquias
de "Velhos-Católicos". Esta designagáo se deve ao fato seguinte: quan-
do o arcebispo de Munique voltou de Roma, após o Concilio, convidou
Inácio von Dóllinger "a trabalhar para a Santa Igreja"; este respondeu
secamente: "Sim, para a antiga Igreja!" - "Há urna só Igreja, replicou o
arcebispo, nao existe nova nem antiga Igreja!" - "Mas fizeram urna nova!",
retrucou o professor. Por conseguinte Dóllinger pertencia á velha Igreja;

1 Jansenistas sao hereges do sáculo XVIII, que aínda subsistem em pequeñas co


munidades, tendo sua sede central em Utrecht (Holanda).

62
QUEM SAO OS VELHOS-CATÓLICOS? 115

resolveram também pedir um Bispo para si em 1872 na pessoa do pro-


fessor de Teología Joseph Hubert Reinkens, que foi receber a ordenacáo
episcopal das máos do arcebispo jansenista de Utrecht na Holanda.

Em Pentecostés de 1874 um Sínodo em Bonn aprovou a constitui-


cáo eclesiástica tracada por Schulte: cada povo tem sua Igreja nacional
autónoma, as Igrejas nacionais estáo ligadas entre si pela "Conferencia"
dos seus Bispos. A autoridade suprema é o Sínodo, do qual fazem parte
todos os eclesiásticos e os deputados dos leigos de cada paróquia; o
Sínodo promulga leis e examina a administracáo. Na paróquia a autori
dade suprema toca á assembléia dos fiéis, que elege o seu pároco; a
este assiste o Conselho Paroquial.

Os Velhos-Católicos aos poucos foram sendo penetrados por te


ses protestantes, que Ihes pareciam corresponder á disciplina da Igreja
dos oito primeiros séculos (donde o nome de Velhos-Católicos); rejeita-
ram, portanto, além do primado do Papa, o celibato sacerdotal, a confis-
sáo auricular, as indulgencias, o culto aos Santos, as procissóes e pere-
grinacóes, a Imaculada Conceicáo de Maria. Introduziram a língua alema
na Liturgia da Missa. Estas inovacóes causaram descontentamente den
tro da própria comunháo cismática; dos Velhos-Católicos faziam-se Neo-
Protestantes. O próprio Inácio von Dóllinger abandonou publicamente a
faecáo que ele inspirara.

Alias, a figura de Dóllinger ficou sendo misteriosa. Ele nao teria


levado suas idéias a tais conseqüéncias práticas; nao quería o cisma
formal. Ao Nuncio Apostólico Mons. Ruffo Scilla, que tentou reconciliá-lo
com a Igreja Católica, respondeu Dóllinger: "Nao quero fazer parte de
urna sociedade cismática. Estou ¡solado... Persisto em considerar-me
membro da grande Igreja Católica". Conservou-se sempre fiel aos votos
do seu sacerdocio; absteve-se de celebrar a S. Missa após a excomunháo.
Sempre levou vida muito modesta, de severa sobriedade e muito traba-
Iho. Parece que no fim da vida sentía saudades da Igreja de sua juventu-
de. Desaconselhou mesmo a um de seus discípulos, Biennerhasset, que
o seguísse no caminho tomado após o Vaticano I. O fato é que morreu
em 1890 sem se ter reconciliado com a Igreja.
Em 1889 os Velhos-Católícos e os jansenistas se aliaram na chama
da "Uniáo de Utrecht". As tendencias liberáis se fizeram sentir muito especi
almente na Suíca, onde os Velhos-Católicos sao chamado "Igreja Crista
Católica", dirigida por leigos e nao por clérigos, como na Alemanha, porque
as razóes de oposicáo ao Vaticano I eram mais políticas do que teológicas.
A comunháo dos Velhos-Católicos agregaram-se outros movimen-
tos cismáticos de fundo nacionalista; assim a Igreja Nacional lugoslava,
criada após a primeira guerra mundial (1914-18) e a Igreja Nacional Po
lonesa, que teve origem entre os poloneses dos Estados Unidos e pas-
sou posteriormente para a Europa.

63
Dezoito razóes

"POR QUE NAO SOU CATÓLICO'

Em sin tese: Os adventistas do sétimo día levantan) dezoito


objegóes contra o Catolicismo, baseadas em falta de conhecimento da
historia do Cristianismo e preconceitos que nao resistem a urna análise
criteriosa.

Um leitor enviou á Redacáo de PR urna lista de dezoito razdes


pelas quais alguém nao se pode tornar católico. Trata-se de objegóes
mal fundamentadas e preconceituosas, as quais nao ó difícil responder,
como se verá abaixo.

Nao há dúvida, a polémica religiosa nao é desejável. Mas também


é certo que nao se pode deixar de atender ao povo de Deus quando este
pede resposta a ataques dirigidos contra a sua fé. Eis por que passamos
a analisar as razóes alegadas pelos irmáos adventistas.

1) "Nao sou católico, porque Jesús disse: 'Examinai as Escrituras


porque vos cuidáis témelas a vida eterna, e sao elas que de Mim testificam'
(Jo 5. 39). Se é pelas Escrituras e pelos ensinos de Jesús que alcanga-
mos a salvagáo, exclui-se que o seja pelo Catecismo Romano".

Em resposta observamos:

a) Nao há oposicáo entre as Escrituras e o Catecismo. Este é um


compendio da doutrina contida ñas Escrituras, redigido com fins didáticos
ou a fim de facilitar a iniciacáo ñas verdades da fé.

b) O estudo do Catecismo leva á leitura do texto bíblico, pois o cita


freqüentemente e mostra o valor da Palavra de Deus.

c) Toda denominacáo protestante tem seu manual de doutrina e


seus livros usuais, que ajudam a assimilar e praticar a mensagem bíbli
ca. Os reformadores protestantes redigiram seus Credos ou suas profis-
sóes de fé, tencionando assim exprimir a doutrina das Escrituras; tenha-
se em vista, entre outras, a Confessio Augustana de Lutero.

2) "Nao sou católico romano, porque, sendo a religiáo crista funda


da por Jesús Cristo, durante uns 200 anos divulgada sem modificagóes
nem acréscimos, surgiram de lápara cá novas doutrinas, falsificagóes de
toda a sorte de cerimónias estranhas ao Novo Testamento que foram

64
"POR QUE NAO SOU CATÓLICO" 17

discutidas em concilios e aprovadas por homens, nascendo daí a Igreja


Católica Romana. 'Mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram
e serviram mais á criatura do que ao Criador, que é bendito eternamente'
(Rm 1,25)".

Em resposta observamos que a objecáo é assaz vaga:

Por que em 200 ou aproximadamente em 200 comecaram as ino-


vatjóes do Cristianismo? Quem Ihes deu inicio? Que modificares e fal-
sificacóes foram essas?

Pode-se compreender que, no decorrer dos tempos, os cristaos


tenham deduzido, da doutrina apregoada por Jesús e pelos Apostólos,
conclusóes contidas ñas premissas do Novo Testamento; essas conclu-
sóes referiam-se, por exemplo, á divindade do Logos, negada pelo
arianismo e definida no Concilio de Nicéia I em 325; referiam-se ao mis
terio da Encarnacáo e foram promulgadas pelos Concilios de Éfeso (431)
e de Calcedonia (451), que afirmaram haver em Jesús urna só Pessoa
(um só eu) divina e duas naturezas (a humana e a divina)... Era necessá-
rio que os cristaos procurassem guardar a pureza da doutrina revelada
no tocante a estas e outras grandes verdades da fé. Estas estavam conti
das no Novo Testamento sob forma de sementé, que aos poucos foi
homogéneamente desabrochando suas virtualidades.

Também se compreende que a Liturgia se tenha desenvolvido, pois


é a oracáo do povo de Deus expressa mediante os elementos culturáis
desse povo.

De resto, pode-se redargüir: no século XVI a doutrina dos cristaos


ocidentais e orientáis foi drásticamente modificada pela reforma protes
tante, que inovou o Credo apregoado até entáo. As modificacóes
introduzidas pelo protestantismo foram auténticos desvíos; tenha-se em
vista, por exemplo, a recusa da presenca real de Jesús Cristo na S. Eu
caristía, que os escritos do Novo Testamento professam com grande én-
fase; ver Jo 6, 24-58; Mt 26, 26-28 e paralelos. Tenha-se em vista outros-
sím a tentativa adventista de definir a data do advento ou da segunda
vinda de Cristo, data que o Senhor Jesús recusou peremptoriamente re
velar; cf. Me 13, 32; At 1, 7. Tal tentativa foi frustrada pelo desenrolar
mesmo dos acontecimentos.

3) "Nao sou católico porque, ao examinar as Escrituras, nunca en-


contrei o 'Oficio da Missa'. Nao encontreiporque o 'Oficio da Missa' foi
composto pelo Papa Gregorio I uns 600 anos após Cristo".

Em resposta perguntamos: que é esse "Oficio da Missa"? - Deve-


se tratar da Liturgia Eucarística, que nao é senáo a execucáo da ordem

65
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

do Senhor Jesús: "Fazei isto em memoria de mim" (Le 22, 19; 1Cor 11,
23-25). A Missa é a celebracáo da Ceia do Senhor e a perpetuacao da
sua morte e ressurreicáo. Ela tem sua origem nos escritos do Novo Tes
tamento e nao em 600. Já em 56 Sao Paulo, escrevendo a 1 Corintios,
dava instrucóes relativas á Ceia do Senhor ou estruturava desde entáo o
"Oficio da Missa". O Papa Sao Gregorio Magno (t 604) continuou a obra
normativa do Apostólo.

Alias, é de notar que o "Oficio da Missa" existe nao só entre os


católicos ocidentais, mas também entre os cristaos ortodoxos orientáis,
que desenvolverán! sua Liturgia própria. Somente a partir do século XVI
existem correntes de cristaos que negam o valor da S. Missa.

4) "Nao sou católico romano porque nao encontrei urna passagem


no Novo Testamento apresentando algum dos apostólos num altar
incensando imagens. Pois o culto de imagens foi decretado pelo 2- Con
cilio de Nicéia (787 depois de Cristo)".

Respondemos:

A objecáo é clássica. A Lei de Moisés proibia fazer imagens para


adorá-las (cf. Ex 20, 4-6). Ocorre, porém, que o próprio Deus mandou
confeccionar querubins no templo de Salomáo (1Rs 6, 23-30). Urna vez
passado o perigo da idolatría e depois que Cristo nos apareceu como a
imagem viva do Pai {cf. Cl 1, 15), os cristaos nao hesitaram em pintar e
esculpir imagens tanto para fins didáticos e catequéticos como para aju-
dar a mente a se elevar a Deus, passando do visível ao Invisível. Os
antigos cemitérios cristaos (catacumbas) atestam esse costume, que se
protraiu até o século Vil. Nesta época, por influencia de judeus e
maometanos, desencadeou-se a controversia iconoclasta (quebra de
imagens); os cristaos ortodoxos lutaram corajosamente para defender
seus icones. O Concilio de Nicéia II em 787 apenas confirmou o costume
antigo: as imagens podem ser veneradas, nao adoradas,... e veneradas
nao por serem gesso ou madeira, mas porque representam o Senhor
Jesús e seus Santos. O culto das imagens é relativo as pessoas que elas
recordam.

Também neste particular o protestantismo está ¡solado, contra toda


a Tradicao ocidental e oriental. Incensar urna imagem (cerimónia muito
freqüente entre os ortodoxos orientáis) significa reverenciar o Santo por
ela representado.

5) "Nao sou católico romano porque nao encontrei um trecho no


Novo Testamento que tale ter ocorrído na Igreja Primitiva alguma procis-
sáo eucarística. Nao encontrei, porque comegou após 1360 anos depois
de Cristo".

66
"POR QUE NAO SOU CATÓLICO" 19

- A resposta corneará por lembrar que as procissóes tém funda


mento bíblico; a Arca da Alianca do Senhor foi processionalmente trans
portada por Davi para Jerusalém (2Sm6,12-17). Ora, se a Arca da Alian
ca mereceu um cortejo tao solene da parte dos israelitas, muito mais a
Eucaristía deve ser estimada e celebrada publicamente pelos cristáos.

Alias, a data de 1360 é falha. As procissóes eucarísticas tiveram


inicio no sáculo XIII, com a finalidade de proclamar solenemente a real
presenga de Jesús na Hostia consagrada.

6) "Nao sou católico romano porque nao encontrei um texto sequer


em que a Biblia recomendé o uso do Rosario. A razáo que encontrei, é
que apareceu com Pedro Eremita em 1090 depois de Cristo".

- Respondemos que o rosario, em grande parte, nao é mais do


que a recitacáo de preces bíblicas: Pai Nosso (Mt 6, 9-12) e a primeira
parte da Ave-Maria (Le 1, 29.42). Aos poucos foi-se organizando essa
maneira de utilizar a Biblia para orar, fazendo que a mente do orante se
ocupe com as grandes verdades da Redengao enquanto os labios profe-
rem as palavras da oragáo.

A organizagáo do ritual e do modo de orar corresponde a urna ne-


cessidade humana. Cada denominagáo protestante possui seus Hinári-
os e livros de oragáo. Tenha-se em vista especialmente o Book of
Common Prayer (Livro de Oragáo Comum) promulgado pelo rei Eduar
do VI em 1549 e revisto em 1552.

7) "Nao sou católico romano porque nao encontrei na Biblia Sagra


da um mandamento que proibia o casamento dos ministros da religiáo. A
razáo por que nao encontrei, é que foi proibido pelo Papa Gregorio Vil
em 1074 depois de Cristo. A Biblia diz que o Bispo deve ser marido de
urna só mulher (1 Timoteo 3, 2)".

Os irmáos protestantes, que tanto léem a Biblia, nao parecem co-


nhecer o texto de 1Cor 7, 25-35, em que Sao Paulo recomenda a vida
una ou indivisa (celibatária) como a condigáo mais favorável para servir a
Deus: "Quem nao tem esposa, cuida das coisas do Senhor e do modo de
agradar ao Senhor. Quem tem esposa, cuida das coisas do mundo e do
modo de agradar á esposa, e fica dividido" (1Cor 7, 32-34). Na base
dessa intuigáo os ministros do culto cristáo foram abragando espontáne
amente o celibato. Os Concilios e os Papas sancionaram o costume,
tornando-o lei da Igreja, muito consentánea com o pensamento do Apos
tólo.

O Papa Gregorio Vil nao fez senáo reafirmar quanto as leis da


Igreja prescreviam.

67
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

O texto de 1Tm 3, 2 deve ser entendido dentro do seu contexto


histórico: em 63 (?) o Apostólo escrevia a urna comunidade em que só
havia adultos convertidos; dentre esses adultos S. Paulo quer que sejam
ordenados aqueles homens que só tenham urna esposa, e nao viúvos
casados de novo. Os dizeres do Apostólos, em vez de incitarem ao casa
mento dos clérigos, impoem urna certa restrigáo: dois casamentos su-
cessivos, ainda que legítimos, excluiriam da ordenacao o candidato.

8) "Nao sou católico romano, porque nao existe a palavra purgato


rio na Biblia, mas foi confirmado pelo Concilio de Trento em 1563 depois
de Cristo, ou seja, antes disso nenhuma alma ia ao purgatorio, pois ainda
nao havia sido criado pelo Papa!".

Respondemos que a crenca na existencia do purgatorio nunca foi


criada por um Concilio, pois é crenca que já os judeus antes de Cristo
professavam. Com efeito, é atestada pelo livro 29 dos Macabeus, cap.
12, vv. 39-45. Verdade é que a Biblia dos protestantes nao contém esse
livro,... e nao o contém porque Lutero o retirou do catálogo escriturístico.
Sim; os dois livros dos Macabeus foram controvertidos pelos cristáos nos
primeiros séculos, pois os judeus da Palestina nao os reconheciam, ao
contrario do que faziam os judeus de Alexandria. Prevaleceu na Igreja o
canon alexandrino, de modo que, após a fase de hesitacáo, em 393 o
Concilio regional de Hipona promulgava o canon bíblico incluindo os dois
livros dos Macabeus. Assim por toda a Idade Media nao se punha em
dúvida a canonicidade de 1/2Mc. No século XVI, porém, Lutero houve
por bem adotar o catálogo dos judeus da Palestina, retirando da Biblia
conseqüentemente os 1/2Mc.

Mas mesmo os ¡rmáos que nao reconhecem a canonicidade de 1/


2Mc, podem tomar consciéncia de que a crenga na existencia do purga
torio é algo de pré-cristáo, professado pelo povo de Deus do Antigo Tes
tamento. A Igreja nao criou o purgatorio.

De resto, este artigo de fé é muito lógico. Com efeito; todo pecado,


mesmo depois de absolvido, deixa resquicios de si na alma do pecador;
a absolvicáo perdoa a culpa, mas nao apaga as más tendencias alimen
tadas pelo pecado. Ora o cristáo é chamado a ver Deus face-a-face (1Cor
13,12); todavía na presenca de Deus nao pode subsistir a mínima som
bra de pecado; por isto, se o cristáo nao extingue as raízes do pecado
nesta vida terrestre, deverá fazé-lo na vida postuma, nao mediante fogo,
mas através de um amor a Deus mais forte e puro, apto a apagar qual-
quer escoria de amor desregrado. Rezar pelas almas do purgatorio é
pedir a Deus que fortaleca o amor existente nessas almas, tornando-o
capaz de extirpar qualquer tendencia desordenada, para que possam,
sem demora, gozar da visáo da Beleza Infinita face-a-face.

68
'POR QUE NAO SOU CATÓLICO" 21

9) "Nao sou católico romano, pois o Novo Testamento nao apre-


senta ministros aspergindo agua benta em caixao de morto nem cobran
do por isso. Essa prática foi criada pela Igreja Católica Romana no ano
1000 depois de Cristo'.

- A agua benta é um sacramental, que lembra o Batismo; aspergi-


la sobre um cadáver significa pedir a Deus que receba quanto antes a
respectiva alma no regaco da visáo beatífica. Esse tipo de oragáo tem o
nome próprio de "sufragio (voto, anseio) em favor dos mortos"; seja en
tendido á luz do que foi dito em resposta á oitava objecáo.

Quanto as esportulas do culto sagrado, vém a ser a maneira como


os fiéis colaboram com a Igreja no plano material. Nao devem constituir
condicáo absoluta para a prestacáo de servicos religiosos. Hoje em dia a
Igreja preconiza o dízimo em lugar das esportulas, a fim de separar clara
mente dinheiro e culto divino. Os protestantes cobram o dízimo com mui-
ta eloqüéncia.

10) "Nao sou católico romano porque nao encontré! na Palavra de


Deus que se deva orar e render culto aos santos e aos anjos. Isso foi
criado pela Igreja Católica no ano 788 depois de Cristo e o culto das
imagens foi decretado pelo 2g Concilio de Nicéia em 787 depois de Cris
to, Apoc 22: 8 e 9".

Nao resta dúvida, existe um só Mediador entre Deus e os homens:


Jesús Cristo. Acontece, porém, que Ele quer comunicar sua acáo media
dora aos fiéis. A prova disto é que os irmáos na Térra pedem aos seus
semelhantes que orem por eles ou exercam a funcáo de mediadores;
Sao Paulo mesmo solicitava aos fiéis que rezassem por ele; cf. Ef 6, 19;
Cl 4, 3. O Senhor nos fez responsáveis pela salvacáo uns dos outros, e
essa responsabilidade é posta em prática mediante a oragáo (e a acáo
apostólica). A comunháo que assim nos une e que é devida ao fato de
que somos membros de um só Corpo, cuja Cabeca é Cristo, nao é dis-
solvida pela morte; os justos no céu "torcem" pelos irmáos que ainda
lutam na térra; Deus Ihes dá a conhecer nossas necessidades e permite
assim que intercedam por nos.

Esta crenca também pertence ao patrimonio religioso do Antigo


Testamento. Em 2Macabeus 15, 12-16 lé-se que o profeta Jeremías já
falecido orava por seus irmáos na Térra: "Este é o amigo dos seus ir
máos, aquele que muito ora pelo povo e por toda a cidade santa, Jeremías,
o profeta de Deus".

Infelizmente Lutero retirou este lívro da Biblia Sagrada.

É de notar que os justos no além nao estáo adormecidos, mas


69
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

conservam toda a lucidez de espirito para poderem ajudar-nos na procu


ra do premio celeste.

Por conseguinte é certo que nao foi em 788 que comecou a invoca-
cao dos Santos na Igreja. Ela brota do coracáo do fiel Qá do fiel judeu),
que sabe existir entre nos urna santa comunháo, que nos faz solidarios
para além da morte.

11) "Nao sou católico romano porque nao encontrei na Biblia outro
intercessor entre Deus e o homem fora de Jesús Cristo: 1 Timoteo 2:5.
Portanto se torna impossível que 'Santa María'possa rogar por nos peca
dores. Só Jesús roga, intercede, media por nos".

- A resposta a esta objecáo já foi formulada no item anterior. Seja


aqui registrado o papel muito significativo que Jesús atribuiu a María
Santíssima quando a constituiu Máe dos Homens ao entregar-lhe Joáo
como seu filho; cf. Jo 19,25-27. Na qualidade de Máe, Maria nao pode
deixar de ser especial intercessora em favor da humanidade a ela confi
ada. Note-se, alias, que o primeiro milagre de Jesús foi realizado em
Cana por intercessáo de Maria Ssma.; cf. Jo 2, 1-11. Na comunhao dos
Santos a Virgem Maria ocupa urna posicáo muito particular.

12) "Nao sou católico romano porque nao encontró na Biblia Sa


grada a 'Confissáo auricular'. A razáo é que essa modalidade de confis-
sáo foi estabelecida como doutrína pelo Concilio de Latráo em 1215 de-
pois Cristo".

- A confissáo auricular tem seu fundamento no Evangelho mesmo.


Com efeito; na noite do primeiro dia da semana (domingo de Páscoa),
Jesús apareceu aos seus discípulos, soprou-lhes na face e disse: "Recebei
o Espirito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-áo
perdoados; aqueles aos quais os retiverdes, ser-lhes-áo retidos" (Jo 20,
19-23). Jesús assim confiou aos seus ministros a faculdade de perdoar
os pecados alheios nao porque sejam mais santos, mas porque recebem
especial carisma do Espirito Santo. O Senhor admite também que o seu
ministro nao possa absolver o penitente por falta de disposicoes (propó
sito firme de evitar as ocasióes de pecado) da parte deste. Ora, para que
o ministro possa exercer o ministerio de absolver ou nao absolver, deve
conhecer a situacáo íntima do penitente - o que só pode ocorrer median
te urna confissáo secreta ou auricular. A Igreja compreendeu todo o al
cance das palavras do Senhor e póe em prática o sacramento da Recon-
ciliacáo, incluindo a confissáo secreta dos pecados ao Bispo ou ao
presbítero. Tal historia se acha delineada em PR 473/2001, pp. 460-472.

O Concilio de Latráo IV apenas confirmou a prática, preceituando


a confissáo dos pecados ao menos urna vez por ano.

70
"POR QUE NAO SOU CATÓLICO" 23

13) "Nao sou católico romano porque nao encontrei na Biblia a


'Transubstanciagáo', doutrina da Hostia transformada no corpo de Cristo.
Esta inovagáo também foi criada no Concilio de Latráo no ano 1215 de-
pois de Cristo".

- É estranho que um assíduo leitor da Biblia nao tenha encontrado


ai a doutrina da conversáo do pao e do vinho no Corpo e no Sangue de
Cristo. Na verdade, nada há de mais claro do que esta doutrina expressa
em Mt26,26-28; Me 14,22-25; Le 22,19s; 1Cor 11,23-25: entregando o
pao aos discípulos, disse o Senhor: "Isto é meu corpo" e, entregando o
vinho, disse: "Isto é meu sangue". Além do qué, em Jo 6, 51-58 Jesús
promete dar sua carne e o seu sangue como alimento espiritual; ver es
pecialmente Jo 6, 51: "O pao que eu darei, é a minha carne para a vida
do mundo".

Por conseguinte a doutrina da conversáo eucarística está no Evan-


gelho. A teología medieval apenas criou o vocábulo técnico
"transubstanciagáo" para designar a mensagem bíblica.

14) "Nao sou católico romano porque a Biblia diz que, se alguém
tirar ou acrescentar alguma palavra das Escrituras, Deus fará vir sobre
ele as pragas escritas nesse Livro, 'e Deus tirará a sua parte da árvore da
vida e da Cidade Santa' (Ap 22, 18-19; Deut4:2, 12 e 32)".

- Antes do mais, urna observacáo se impoe: quando Sao Joáo es-


creveu o Apocalipse, ainda nao existia a colecáo dos livros sagrados
encadernada num só volume; o Apostólo apenas tinha em vista o
Apocalipse, que ele declarava intocável.

Os citados textos do Deuteronómio proíbem qualquer alteracáo da


Leí de Deus.

A objecáo está incompleta. Ela insinúa que a Igreja Católica acres-


centou á Biblia os sete livros deuterocanónicos ou controvertidos nos
primeiros séculos, até 393, como dito atrás; seriam os livros de Tobías,
Judite, Baruque, Eclesiástico, Sabedoria, 1/2 Macabeus. Ora em PR 432/
1998, pp. 194ss sao reproduzidos os textos de Concilios e Papas que
proclamam a canonicidade desses sete livros desde o século IV. Foi Lu-
tero quem no século XVI retirou esses escritos do Livro Sagrado. Apesar
disto, as edicóes protestantes da Biblia incluíam esses escritos em apén
dice até o século XIX.

15) "Nao sou católico romano porque disse Jesús em Apocalipse:


'Sai déla, povo meu, para que nao sejas participante dos seus pecados e
nao tomes parte das suas pragas' (Apoc 3:13 a 17)".

- Observamos, antes do mais, que a citacáo é falha; o texto trans


crito se encontra em Ap 18, 4. - A exortacáo para sair... refere-se a

71
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

Babilonia, imagem da Roma paga e perseguidora dos cristaos; nada tem


a ver com a Igreja Católica, á qual o autor do Apocalipse pertencia. Nao
se pode interpretar um texto bíblico isoladamente do seu contexto.

16) "Nao sou católico romano porque nao encontrei na Biblia ne-
nhum relato de Batismo de criangas, e o próprio Jesús, nosso exemplo
em todas as coisas, foi balizado com cerca de 30 anos (Lucas 3:21 a 23)
- Nao encontró na Biblia o Batismo por aspersáo, pois Jesús foibatizado
ñas aguas do rio Jordáo (Mateus 3,13a 17)".

- A Escritura nao refere explícitamente o Batismo de criangas. To


davía narra que varios personagens pagaos professaram a fé crista e se
fizeram batizar "com toda a sua casa"; assim o centuriáo romano Cornélio
(At 10,1s, 24. 44. 47s), a negociante Lidia de Filipos (At 16,14s), o car-
cereiro de Filipos (At 16, 31-33), Crispo de Corinto (At 18, 8), a familia de
Estéfanas (1Cor 1,16). A expressáo "casa" (domus, em latim, oikos, em
grego) tinha sentido ampio e enfático na antigüidade; designava o chefe
da familia com todos os seus domésticos, inclusive as criangas (que ge-
ralmente nao faltavam). Indiretamente, pois, as Escrituras propóem o
Batismo de criangas.

Ademáis Orígenes de Alexandria (t 250) e S. Agostinho (t 430) ates-


tam que "o costume de batizar criangas é tradigao recebida dos Apostólos".

Jesús só foi batizado aos 30 anos, porque somente com 30 anos


Ele proclamou e instituiu o Batismo.

Quanto á imersáo na agua, nem sempre era (e é) possível praticá-


la, por falta de rio ou por motivos de saúde...; donde a prática da aspersáo: a
agua corre sobre a pele do catecúmero, significando a purificagao interior.

17) "Nao sou católico romano porque esta igreja está repleta de
doutrinas pagas, como a doutrina da imortalidade da alma e a vida pós-
morte, ao passo que a Biblia afirma que a alma é mortal (Ezequiel 18:2 e
20) e 'que após a morte nao há nenhuma consciéncia ou existencia (Ecles
9:5, 6, 10; Jó 7, 8 a 10)".

- Para negar a imortalidade da alma, o autor da objegáo se apoia


em textos do Antigo Testamento apenas. Na verdade, os judeus origina
riamente julgavam que, após a morte do homem, subsistía um núcleo de
sua personalidade chamado refaím adormecido e inconsciente. Ezequiel
chega a dizer que a alma morre para significar nao a destruigáo da alma,
mas sim a punigáo que ocorre ao pecador endurecido no seu pecado.

Essas concepgóes judaicas primitivas foram cedendo á nogáo de


imortalidade da alma consciente no além; assim no século I a.C. o livro
da Sabedoria, em seus capítulos 2 a 5, professa tal doutrina, que o Novo

72
"POR QUE NAO SOU CATÓLICO" 25

Testamento ensina claramente. Basta citar as palavras de Jesús ao bom


ladráo prometendo-lhe o paraíso após a morte (cf. Le 23, 43); os dizeres
de Sao Paulo em Fl 1, 23: "O meu desejo é partir e ir estar com Cristo,
pois isso me é muito melhor". Ademáis o Apocalipse apresenta a Liturgia,
celeste celebrada pelos mártires e justos, "que lavaram suas vestes no
sangue do Cordeiro" (Ap 7,14). Os justos no céu acompanham a vida de
seus irmáos na térra e bradam ao Senhor: "Até quando... tardarás a fazer
justica, vingando o nosso sangue contra os habitantes da térra?" (Ap 6,10).

Por conseguinte, é falso dizer que a alma humana é mortal ou que


no além se encontra adormecida e inconsciente.

18) "Nao sou católico romano porque nao encontrei na Biblia ne-
nhuma passagem que mande santificar o Domingo como dia de Descan
so Semanal. Na realidade o Domingo foi instituido pelo Imperador Cons
tantino romano, pagáo, na data de 7 de margo de 321 depois de Cristo,
-esse decreto dominical pagáo foi aceito e confirmado pela Igreja Católica
Romana no ano de 364 d.C. Ao contrario disto, mais de 140 passagens
bíblicas falam do Sábado como o dia de repouso de Deus, deixado para
o nosso repouso semanal. Veja Éxodo 20: 8 a 11; Isaías 58, 13, 14; 66:
22e23;Atos 13:14, 43, 44; 16:13; 17:2; Apoc 14:12".

- Mais urna vez o autor das objecóes privilegia o Antigo Testamen


to em detrimento do Novo. Com efeito, a Lei de Deus manda observar
todo sétimo dia como dia de repouso dedicado ao Senhor. Os cristáos
cumprem exatamente essa norma; diferem, porém, dos judeus (e dos
adventistas) pelo fato de come9arem a semana na segunda-feira e a
terminarem no dia seguinte ao sábado judaico.

E por que houve esse deslocamento do sétimo dia ou do sábado?


- Porque Jesús ressuscitou como novo Adáo no dia seguinte ao sábado
ou no primeiro dia da semana judaica; Ele re-criou o ser humano. Os
cristáos compreenderam logo que deveriam reverenciar tal dia como o
Dia do Senhor por excelencia, celebrando entáo a Eucaristía ou a Pás-
coa do Senhor. É o que atestam certos textos do Novo Testamento:

1 Cor 16,2: "No primeiro dia da semana, cada um de vos ponha de


lado o que conseguir poupar; deste modo nao se esperará a minha che-
gada para se fazerem as coletas" - O Apostólo se refere á assembléia
litúrgica realizada "no primeiro dia da semana".

At 20,7: "No primeiro dia da semana, estando nos reunidos para a


fragáo do pao, Paulo entretinha-se com eles".

Em Ap 20, 10 está dito que esse primeiro dia da semana era a


kyriaké heméra, o Dia do Senhor, a dominica dies (em latim) ou a
dominga (no portugués arcaico).

73
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

O que importa, nao é a palavra sábado como tal, mas o seu signi
ficado de 1- dia dedicado ao repouso e ao culto do Senhor. Para o cris-
táo, celebrar o sábado judaico é, de certo modo, ignorar a Páscoa ou o
fundamento da fé crista.

Seja lícito acrescentar:

Nao sou protestante (nem adventista do 1- dia) porque, por mais


que tenha procurado, nao encontrei na Biblia passagem alguma que re
comendé escrever panfletos injuriosos e caluniadores contra os irmáos
católicos a fim de propagar o Evangelho. - Ao contrario, só encontrei na
Biblia textos que mandam amar a todos os homens, inclusive aos ¡nimi-
gos (Mt 5, 43-48). Também encontrei na Biblia a noticia de que Jesús
Cristo é a Verdade (Jo 14, 6) e Satanás é o pai da mentira (Jo 8, 44s).
Quem se afasta dessas normas, nao é evangélico.

APÉNDICE
Os adventistas costumam dizer que o Papa é a Besta do Apocalipse
(13, 18), porque as letras do título VICARIUS FILII DEI perfazem o total
666. Tal exegese é falsa, pois Sao Joáo e seus leitores ¡mediatos nao
conheciam o latim. Mas, usando a mesma tática, pode-se dizer que a
grande mestra dos adventistas é a Besta, como se vé abaixo:

ELLEN GOULD WHITE

50 50 5 50 500 10 1 =666

Em suma, eis alguns dados que podem servir aos fiéis católicos
quando agressivamente interpelados por seus irmáos.

IGREJA E EVOLUCIONISMO

A Redagáo de PR recebeu a seguinte pergunta: Qual a posicáo da


Igreja Católica face ao evolucionismo?

Em resposta dizemos que a fé católica aceita o evolucionismo para


os seres infra-humanos. O principio de vida dos vegetáis e dos animáis
racionáis é material; por conseguinte pode ter tido origem na materia
preexistente.

No tocante ao homem, porém, é preciso distinguir entre corpo e


alma. O corpo humano pode ter origem no primata primitivo (nao nos
simios atuais, que já sao muito especializados). A alma humana, nao
sendo material, mas espiritual, nao pode provir da materia. Foi criada
diretamente por Deus para os primeiros pais, e é criada para qualquer
ser humano posterior, mesmo que tenha origem por clonagem (desde
que se trate de verdadeiro ser humano, pois nao há auténtico homem
sem alma humana espiritual e ¡mortal).

74
Muito em foco

O ISLA

Em síntese: O Isla foi fundado por Maomé (Muhammad = o Louva-


do) no ano da hegira (= éxodo), ou seja, em 622. O "Profeta" fundiu ele
mentos do judaismo, do Cristianismo e da religiáo árabe num estrito
monoteísmo, que professa como síntese de seu Credo: "Allah é Deus e
Maomé é seu enviado". Os maometanos também apregoam a total sub-
missáo a vontade de Deus (= islam; donde o vocábulo muslim = mugul-
mano); acreditam na ressurreigáo final dos mortos, nojuízo de Deus e na
retribuigáo postuma (o paraíso concebido em termos materíais, e o infer
no para os incrédulos ou idólatras especialmente). O seu livro sagrado é
o Coráo, tido como intocável Palavra de Deus. Entre as práticas religio
sas do Isla, contam-se: a oragáo cinco vezes por dia; ojejum do mes do
Ramada; a peregrinagáo a Meca ao menos urna vez na vida; a esmola
em favor dos pobres. A vida moral do Isla cultiva a honestidade, mas é
tolerante em relagáo á poligamia e sujeita a mulher e os filhos a severas
restrigóes. O Isla é religiáo teocrática, isto é, tende a formar Estados ba-
seados ñas linhas-mestras do Coráo, devendo o Chefe de Estado ser
mugulmano; os cidadáos nao mugulmanos sofrem limitagóes em seus
direitos civis e religiosos.

Os fiéis católicos reconhecem os valores positivos do Isla e fazem


votos para que a revelagáo feita por Deus ao Patriarca Abraáo se torne
plenamente clara aos olhos dos filhos de Agar ou dos agarenos.
* * *

Desde setembro 2001 o Isla tem estado muito em foco, suscitando


varias questóes: admite a "guerra santa"? Como trata as mulheres? Que
é o Ramada?

Urna das características do Islamismo é a de ser "Religiáo e Esta


do" {al-lslam din wadawla) ao mesmo tempo; esta concepcáo restaura o
ideal da teocracia, vigente, alias, em países como o Irá e o Paquistáo.

Com isencáo de ánimos, procuraremos, a seguir, expor a origem e


os principáis artigos da fé islámica ou muculmana.

Examinaremos os traeos próprios do fundador e da mensagem do


Islamismo.

1. O fundo de cena

O Isla teve origem na península arábica no século Vil d.C. A popu-

75
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

lacáo desta regiáo estava dividida em tribos setentrionais e tribos meridi-


onais, postas em continua luta entre si. Dedicavam-se principalmente ao
pastoreio de animáis, á agricultura e ao comercio feito mediante caravanas.

Os árabes da época, principalmente os piedosos (hanif), conserva-


vam a nocáo do antigo Deus Supremo, El, como os demais povos semitas,
mas, em grande maioria, tinham também suas cren9as animísticas; nu-
triam especial veneracáo por pedras, como a Pedra Negra de Meca (tai-
vez de origem meteórica). Praticavam peregrinajes aos lugares de sua
devocáo. Além disto, admitiam urna multidáo de espirites {ginn, gul...),
que eles temiam e veneravam, e dos quais alguns iam sendo cultuados
como deuses e deusas. Assim o politeísmo ia-se desenvolvendo. Verda-
de é que na mesma península arábica viviam também cristáos (na maio
ria, nestorianos e monofisitas, isto é, separados da Igreja Católica por
suas concepcóes a respeito de Cristo) e principalmente judeus; estas
duas correntes religiosas exerciam sua influencia sobre a populacao ára
be, de modo que a religiáo desta tendía a certo ecleticismo.

É sobre este paño de fundo que aparece a figura de Maomé.


2. O Fundador

Maomé (5707-632), ou seja, Muhammad-ibn-Abbalag-ibn-Muttalib,


o "Louvado", nasceu na cidade de Meca, da familia dos Hassenitas
(Hashim), pertencente ao clá setentrional dos Banu Muttlib e á tribo dos
Coraítas. Desde cedo, viu-se pobre e órfáo de pai e máe, de modo que
se pos a trabalhar como condutor de caravanas no deserto; assim visítou
o Sul da península arábica (Yemen), a Mesopotámia, a Siria e a Palesti
na. Em suas viagens, encontrou muitos israelitas e cristáos, que Ihe de-
ram a ouvir narracóes bíblicas, especialmente passagens apócrifas refe
rentes ao Novo Testamento (por exemplo, o Protoevangelho de Tiago,
que trata da Virgem María). Parece, porém, que Maomé nunca teve um
contato mais detido com os Evangelhos canónicos.

Provavelmente com 25 anos de idade, esposou a sua própria pa-


troa, a rica viúva Hadidja, de quem teve alguns filhos e quatro filhas;
entre estas, Fátima, que esposou Ali, o primo de Maomé.

Em 610-611, Maomé, com trinta anos de idade, teve urna experien


cia religiosa, convertendo-se do politeísmo animista ao monoteísmo; pas-
sou a professar a absoluta unicidade de Deus, El, sob a forma árabe de
Allah. Apresentou-se como profeta {nabi) e enviado (rasul) e pregava,
juntamente com o monoteísmo, o abandono á vontade de Deus (islam;
donde se origina o termo muslim, mugulmano), a ressurreicáo dos mor-
tos e o juízo de Deus sobre os homens. Impugnou outrossim a idolatría
existente na Arabia e o comercio religioso correlativo.

76
O ISLA 29

Dizendo-se legado de Deus, que recompensa os bons, castiga os


maus e faz triunfar os seus profetas apesar da obstinacáo dos fmpios,
Maomé conseguiu reunir alguns poucos fiéis, mas foi rejeitado pela mai-
oria dos ricos moradores de Meca, que eram dados ao politeísmo e o
perseguiam. O profeta teve entáo que fugir, deixando familiares e ami
gos, em troca de um convite dos habitantes de Yathríb, rivais dos de
Meca, em 622. Segundo a tradicáo, este éxodo {hijra, hegira) ocorreu em
16/07/622 d.C; tal data assinala o inicio da era muculmana. A cidade de
Yathrib mudou de nome, passando a chamar-se Medina (al-Madinat
annabi, a cidade do Profeta).

Frente as hostilidades que Ihe vinham dos israelitas, Maomé rei-


vindicou para si e os seus seguidores o patrocinio do Patriarca Abraáo
(pai de Ismael por meio de Agar); Abraáo foi apresentado como o funda
dor da Kaaba, o santuario de Meca que encerra a "Pedra Negra"; doravante
os maometanos deveriam rezar voltados (qibla) para Meca e nao mais
para Jerusalém.

Tendo-se fortalecido, Maomé atacou as caravanas de Meca, preju-


dicando o seu comercio. Após represalias mutuas, finalmente conseguiu
entrar em Meca no ano de 629. A Vitoria de Maomé foi tida como triunfo
nao apenas de seus homens, mas também de seu Deus ou de suas
crencas religiosas; o Profeta eliminou os ídolos da cidade, aproximada
mente 360, conforme a tradicáo. Fundou assim o primeiro Estado islámico.

No ano décimo da hegira, Maomé realizou a "peregrinacáo do


Adeus" a Meca, que ficou sendo modelo para todas as peregrinagóes
muculmanas. Tendo voltado a Medina, morreu ali pouco depois (08/06/
632). Mediante a religiáo, deixava unificadas entre si as tribos árabes da
península.

O livro sagrado dos maometanos é

3. O Coráo

Maomé nao escreveu os seus ditames1, mas os discípulos o fize-


ram a partir de 650; donde se originou o Coráo (Quran = recitacáo), que
consta de 114 capítulos ou Suras e 6.236 versículos ou avat. Para os
muculmanos, tal livro é a própria Palavra de Deus, reproducáo fiel de um
original gravado em tábuas existentes desde toda a eternidade. Gozando
de autoridade máxima, ensina aos seus leitores como se devem relacio
nar com Deus, com os correligionarios e com os demais homens. É real
mente um Código de Moral que, partindo dos dez mandamentos, chega
a prescricóes minuciosas relativas a rubricas litúrgicas, proibicóes ali
mentares, transacóes comerciáis, convivio familiar, direito penal e em-

1 Maomé dizia ter recebido o Coráo por revelacáo do arcanjo Gabriel.

77
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

preendimentos bélicos. Assim o Coráo é, ao mesmo tempo, para os


maometanos a "Biblia", a Constituigáo, o Direito Civil, o Direito Penal, o
Livro das Rubricas litúrgicas, o Código de Moral... As enancas muculma-
nas esforgam-se por aprendé-lo de cor ñas aulas de religiáo; conformar
se ao Coráo significa unir-se á vontade de Deus; conscientes disto, mui-
tos mugulmanos trazem urna miniatura do Livro Sagrado pendente do
pescogo sobre o coragáo. - É claro que o texto do Coráo precisa de ser
constantemente aprofundado; por isto grandes mestres e escolas atra-
vés dos séculos se dedicaram e dedicam ao estudo do mesmo.

Escrito em língua árabe simples e clara, o Coráo nao pode ser


oficialmente traduzido para outro idioma; por isto todo mugulmano nao
árabe é convidado a aprender o árabe a fim de poder recitar o Coráo e
tomar parte no culto (visto que em toda parte as oracóes oficiáis mucul-
manas sao proferidas em árabe). Os fiéis mais devotos costumam repetir
algumas passagens privilegiadas como é a Sura I, a Fatiha (de certo
modo, o Pai-Nosso mugulmano):

"No nome de Deus, o Benfeitor misericordioso.


Louvor a Deus, Senhor dos mundos,
Benfeitor misericordioso,
Soberano do Dia do Jufzo,
Nos Te adoramos, de Ti imploramos ajuda!
Dirige-nos pela via reta,
A vida daqueles a quem deste os teus beneficios,
Que nao sao objeto da tua ira,
E que nao se desviaram".

No Islamismo nada se pensa ou se decide sem recorrer ao texto do


Coráo e ao exemplo do Profeta, que deixou um "modelo perfeito" aos
seus seguidores. Em conseqüéncia, o texto escrito e a tradigáo viva
(Sunna) derivada de Maomé sao as duas fontes de orientagáo do Isla; os
propósitos, os atos e os silencios do Profeta tém valor normativo para as
geragóes posteriores.

4. O Credo

O Isla professa seus artigos de fé derivados do Coráo, aos quais é


preciso aderir com a inteligencia, o coragáo e as obras. Diz urna senten-
ga da Sunna: "A fé {imán) consiste em crer em Deus, nos seus anjos, nos
seus livros, nos seus enviados e no juízo final, assim como na
predestinagáo, que acarreta o bem e o mal".

Percorramos esses artigos:

1) Deus é único, podendo ser designado através de seus 99 "Belos


Nomes", que correspondem aos seus atributos. "Benfeitor Misericordio-

78
O ISLA 3^

so, Rei, Santíssimo, Salva9áo, Pacificador, Preservador, Poderoso, Ma


jestoso, Criador, Renovador, Formador...". O conceito de Deus é expres-
so mediante duas seccoes típicas do Coráo: a do Trono e a da Luz:

"Deus - nao há outra Divindade fora dele - é o Vívente, o


Subsistente. Nem soñolencia nem sonó jamáis o acometen). A Ele per-
tence o que está nos céus e o que está na térra. Quem intercede junto a
Ele se nao por permissáo dele? Ele conhece o que está ñas máos dos
homens e através deles, ao passo que estes só percebem do seu saber
aquilo que Ele permite. O teu trono se estende sobre os céus e sobre a
térra. Para conservá-lo, Ele nao é obrigado a dobrar-se. Ele é o Augusto,
0 Imenso" (Coráo 2, 255).

"Deus é a Luz dos céus e da térra. A sua luz é semelhante a um


nicho onde se encontra urna lucerna. A lucerna está dentro de um recipi
ente de vidro. Este se assemelha a um astro cintilante. A lucerna é acesa
gragas a urna árvore bendita, urna oliveira nem oriental nem ocidental,
cujo óleo resplandecería mesmo que nenhum fogo o tocasse. Luz sobre
Luz, Deus derrama a sua Luz, dirige quem Ele quer" (Coráo 24, 35).

2) Os anjos sao, antes do maís, os puros adoradores de Deus e os


seus mensageiros junto aos homens; também exercem a funcáo de
"registrar" as acoes dos homens e de "interrogá-los" na hora da morte.

O demonio também existe; feito de "fogo", recusou prostrar-se di


ante de Adáo por ordem de Deus (Coráo 7,12); desde entáo, Satanás, á
frente das suas tropas demoníacas, odeia o género humano e tenta, de
todo modo, desviá-lo de Deus.

O Coráo admite ainda os djinn, espirites intermediarios entre anjos


e demonios, aos quais Maomé também teria sido enviado.

3) Existem quatro livros sagrados, mediante os quais Deus quis


sucessivamente transmitir a sua mensagem: a) a Tora (Pentateuco ou a
Lei de Moisés); b) os Salmos (oracóes reveladas, mas nao obrigatórias);
c) o Evangelho (no singular); e d) o Coráo. Este ab-roga e torna inúteis os
livros anteriores.

Os muculmanos mais ortodoxos afirmam que a Tora e o Evange


lho, como se encontram atualmente ñas máos dos israelitas e dos cris-
táos, nao correspondem aos textos origináis de que fala o Coráo; foram
"falsificados",1 por isto carecem de todo interesse para um muculmano.

1 Esta alegagáo nao se sustenta, pois a tradicáo dos manuscritos bíblicos do Antigo
e do Novo Testamento é suficientemente rica e significativa para se poder acompa-
nhar a historia do texto sagrado e reconstituir o seu teor original sempre que surja
alguma dúvida. Ver Curso Bíblico por Correspondencia, 1- Etapa, Módulo 3, Caixa
Postal 1362-20001 Rio (FU).

79
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

Este encontra no Coráo aquilo que, dos livros anteriores, Ihe é necessá-
rio reter. Também é em funcáo do que afirma o Coráo que os israelitas e
os cristáos sao conhecidos e julgados.

4) Os enviados de Deus distinguem-se em Profetas Maiores e Pro


fetas Menores.

Os Maiores sao: Abraáo, o amigo de Deus, fundados do monoteísmo


primitivo; Moisés, o interlocutor de Deus, legislador para os filhos de Isra
el; Jesús, o Filho de María, que procede da "Palavra" e do "Espirito" de
Deus, mestre dos cristáos; por fim, Maomé, o mais perfeito e mais justo
dos Profetas, enviado a todos os seres humanos "para aperfeicoar a sua
religiáo" (Coráo 5, 3).

Os Profetas Menores pertencem tanto á tradicáo bíblica (Adáo, Noé,


Isaque, Ismael, Lote, Jaco, José, Aaráo, Davi, Salomáo, Elias, Eliseu, Jó,
Joáo Batista...) quanto á árabe (Hub, Salih, Shu'ayh...). Reproduzem a
mesma aventura do Profeta, que clama no deserto para transmitir ao
povo a mensagem do monoteísmo fundamental.

Os muculmanos assinalam a Jesús um lugar de relevo entre os


Profetas: nasceu de Máe Virgem, dizem eles, por efeito da Palavra Cria
dora de Deus, como Adáo. Foi um taumaturgo eminente, que chegou a
ressuscitar mortos. Contraditado pelos israelitas, foi condenado á morte
de Cruz, mas salvo por Deus; voltará á térra como "sinal da hora". - Os
maometanos acusam os cristáos de atribuir honras divinas a Jesús, pois
negam o misterio da SS. Trindade (Coráo 4, 171; 5, 73); também negam
que os israelitas o tenham crucificado (4, 157). No Coráo encontra-se
esta exortacáo aos cristáos: "Ó gente da Escritura, nao sejais exagera
dos na vossa religiáo. Dizei somente a verdade em relacáo a Deus. Je
sús, filho de Maria, é apenas o enviado de Deus... Crede em Deus e nos
seus enviados e nao digáis 'Tres'. Deixai de fazé-lo" (4, 171).

Quanto a Maria, é tida como escolhida entre todas as mulheres,


purificada desde o nascimento e consagrada a Deus; foi virgem e máe,
pois gerou um filho sem a cooperacáo do varáo.

5) O juízo final. No fim dos tempos haverá a ressurreicáo dos mor


tos; todos seráo julgados e receberáo a justa sancáo - o paraíso ou o
inferno.

Para a maioria dos muculmanos, ou seja, para os que conserva-


ram a fé, é certo que bastará apenas a fé para salvá-los e que, por isto, o
inferno para eles terá fim logo que hajam expiado os seus pecados; en-
traráo entáo no paraíso.

O paraíso é concebido como jardins banhados por nachos; os ho-


mens teráo "esposas purificadas" (Coráo 2, 25); todos gozaráo de bens

80
O ISLA 33

que satisfaráo plenamente as suas necessidades corporais e espirituais.


Todavía raramente seráo chamados a ver a Deus, pois isto é urna graca
toda especial.

O inferno consta de fogo ardente para sempre, devido aos incrédu


los ou aqueles que tiverem colocado ídolos ao lado de Deus.

6) Embora o Coráo afirme que "Deus dirige quem quer ser dirigido"
(74, 31), toda a tradigáo muculmana exalta tanto a vontade de Deus que
disto se segué a predestinacáo ou um designio previo de Deus; este
predetermina o homem para o paraíso ou para o inferno. Diz o Coráo:
"Aquele que o quer, tome a via que leva ao Senhor; mas vos nao o haveis
de querer, se Deus nao o quiser" (76, 29s).

O Isla contemporáneo tende a incutir a liberdade do ser humano e


a necessidade de se esforcar em prol da salvacáo. Mas, de outro lado,
incita sempre a submeter-se aos misteriosos decretos de Deus como o
fez Abraáo.

Existe, pois, urna questáo aberta neste particular. Como afirmar


simultáneamente a soberania absoluta de Deus e a liberdade do homem?

5. As cinco pilastras do culto

Segundo urna tradicáo, Maomé respondeu a um anjo que o visita-


va: "O Islamismo consiste em testemunhar que nao há outro Deus além
de Alian e que Maomé é o seu enviado, em recitar a oracáo ritual, em
pagar o imposto ritual, em jejuar durante o mes de Ramada e em peregri
nar á Casa de Deus desde que isto seja possível".

Examinemos cada qual destas "cinco pilastras":

1) A profissáo de fé (shahadá) na unicidade de Deus (Allah) e na


missáo de Maomé resume o essencial do Credo; faz de todo homem um
verdadeiro muculmano desde que proferida com os labios e o coracáo;
recomenda-se especialmente que os devotos a pronunciem nos últimos
momentos com o dedo indicador voltado para os céus, a fim de confirmar
a fé dos moribundos na hora decisiva.

2) A oracáo ritual (sa/af) há de ser recitada cinco vezes por dia: na


aurora, ao meio-dia, no meio da tarde, ao pór-do-sol e no comeco da
noite. Exige-se pureza do corpo e das vestes do orante assim como do
local de oracáo; daí as varias ablugóes (de pés e máos) que costumam
os muculmanos fazer antes de rezar. A oracáo consta de fórmulas sim
ples, acompanhadas de gestos e prostracoes. Na sexta-feira ao meio-
dia, o rito é mais solene, pois se realiza na mesquita central da cidade,
após urna homilía, a fím de testemunhar a unídade da "comunidade mu-
5 u I m a n a".

81
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

3) A esmola legal (zakat), destinada a purificar o uso dos bens des-


te mundo, consiste em transferir para a caixa comum um décimo dos
proventos anuais de cada fiel; tal dinheiro destina-se aos pobres e ne-
cessitados (Coráo 9, 60). Nos modernos Estados muculmanos, este es-
mola se acha incluida no montante dos impostos que cada cidadao deve
pagar. É praticada espontáneamente, máxime no fim do mes de Ramada
e por ocasiáo das festas litúrgicas.

4) O jejum (sivam) do mes de Ramada exige que todo fiel se abste-


nha de todo alimento, bebida e relacionamento sexual desde a aurora
até o pór-do-sol, para honrar a Deus, sentir fome, disciplinar o corpo e
aprender a padecer com os infelizes. Durante a noite ocorrem a refeicáo,
as festas, as oracóes e meditacóes suplementares, que fazem do mes
de Ramada um período de mais estrita observancia religiosa.

5) A peregrinado (hajt) a Meca (Arabia) é prescrita urna vez na


vida a todos aqueles que a possam efetuar. Os fiéis veneram a Caaba
(Santuario que encerra a Pedra Negra), girando sete vezes em torno déla;
recitam as oracoes prescritas; váo a Arafat, colina que dista 21 km de
Meca, a fim de rezar em pé e invocar a Misericordia Divina; voltam a
Meca, passando por Muzdalifa e Mina, onde degolam urna ovelha em
memoria do que terá feito outrora Abraáo naquele lugar... A peregrinacáo
é sempre ocasiáo de afervoramento para quem a pratica.

A peregrinacáo é efetuada no dia 10 do último mes do ano litúrgico


muculmano, ano de meses lunares (e, por isto, onze dias mais breve do
que o solar). A hegira (hijra = migracáo) é o ponto de partida deste calen
dario, cujas festas litúrgicas sao movéis em relagáo ao calendario
gregoriano, habitual no Ocidente.

6. Vida moral e familiar

O muculmano, atento á vontade de Deus, procura cumprir tudo


que a sua fé Ihe impóe. Assim, por exemplo, deve abster-se de alimentos
proibidos: carne de porco ou de animal nao imolado ritualmente, san-
gue..., vinho, álcool.

No plano moral Maomé deixou nove preceitos:

"O meu Senhor me ordenou nove coisas: ser sincero na vida parti
cular e em público, ser moderado na riqueza e na pobreza, justo na cóle
ra e na satisfagáo, perdoar a quem me oprime, reatar as relagóes com
quem as rompe comigo, dará quem me priva de algo, fazerdo meu silen
cio urna meditagáo, dos meus discursos urna deificagáo, do meu olhar
urna consideragáo a fim de aprender dos acontecimentos e das coisas
que me caem sob os olhos".

82
O ISLA 35

Na vida de familia, o Coráo é tolerante em materia de contracepgáo,


mas rigoroso na rejeigáo do aborto. Permite ao homem ter até quatro
muiheres por motivos legítimos (seja, porém, justo para com elas dentro
dos limites do possível; cf. Coráo 4, 3); ao marido é lícito despedir a es
posa sem dar explicacoes a quem quer que seja (nem a um juiz). A mu-
Iher, em geral, ocupa posicáo inferior no lar e na sociedade; os filhos sao
mais ligados ao pai do que á máe.

Varios códigos jurídicos muculmanos tém procurado, nos últimos


tempos, remediar a estes costumes, obtendo ora mais, ora menos éxito.

7. A espiritualidade do Isla

Existem dois tipos de vivencia islámica:

1) Há quem queira fazer prevalecer os direitos de Deus na vida


pública, recorrendo ao poder do Estado. Este entáo se torna tutor da
prática religiosa, que pode redundar em certo "legalismo" oficial frió e
quase farisaico. Esta tendencia a associar política e religiáo é assegura-
da por tres Organizares internacionais do Isla: 1) o Congresso do Mun
do Muculmano, fundado em 1926, com sede em Karachi (Paquistáo); 2)
a Liga do Mundo Muculmano, criada em 1962, com sede em Meca, e
estritamente ligada ao Governo da Arabia Saudita; 3) a Organizagáo da
Conferencia Islámica, fundada em Rabat (1969), com sede em Gedda,
congregando 44 Estados.

Os países de populacáo muculmana em nossos dias adotam ora


mais, ora menos rígidamente a uniáo da religiáo e do Estado. Todos os
países árabes (com excecáo do Líbano e da Siria) tém o Isla como reli
giáo do Estado; exigem que o chefe do Governo seja muculmano e que
as leis islámicas sejam a fonte inspiradora da vida social. Embora o Isla
nao tenha clero, em todos os países maometanos existem os "homens
da religiáo", que fazem as vezes de um clero pago pelo Estado para tra
tar da observancia da religiáo no respectivo país. Os cidadáos sao iden
tificados e tratados de acordó com a sua confissáo religiosa - o que quer
dizer que os cristaos e os judeus sao considerados cidadáos especiáis,
que nao podem ter acesso as funcóes govemamentais.

2) Todavía há também um Isla místico, que se preocupa com o


aprofundamento do misterio de Deus e tende a crescente amor do Cria
dor. Nao se afasta do Coráo, mas procura seguir as suas básicas inspira-
cóes religiosas. Alguns místicos muculmanos chegaram até a certo
monismo, professando a absorgáo e o desaparecimento do fiel em Deus.
Entre os principáis vultos da mística árabe, está Al-Ghazali (1059-1111),
que fez escola dentro da ortodoxia, apregoando a ascese como via para
chegar á uniáo com Deus e á paz da alma.

83
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

8. O Isla e suas variedades hoje

Os muculmanos continuam até hoje a referir-se ao Coráo e á tradi-


cáo profética; professam o mesmo Credo, realizam o mesmo culto..., mas
apresentam variadas formas de existencia. A religiáo muculmana nao
está organizada em torno de um líder único, como o Papa dos católicos,
o que dá muitas características específicas, locáis, regionais ou nacio-
nais aos movimentos religiosos.

A primeira grande divisáo é a de Sunitas e Sciitas. Os primeiros


seguem a Tradicáo (Sunna), como veio através dos primeiros califas (=
sucessores do mensageiro de Deus). Os Sciitas, aos quais se acrescen-
tam os harigitas, sao um ramo tido como dissidente, porque segué o
califa Ali (665-660), primo de Maomé, ao qual se opunha outro párente
do profeta, chamado Muawija, Governador da Siria.

Os Sunitas representam 85% dos muculmanos atuais, ao passo


que os Sciitas e outros dissidentes 15%.

De modo geral, entre os maometanos encontra-se um ampio leque


de atitudes perante os desafios do mundo contemporáneo: há os que
querem conciliar sua fé com os costumes da sociedade moderna no to
cante aos direitos da muiher e dos fiihos e no tocante ao direito penal (o
Coráo estipula a lei do taliáo e outras punicóes drásticas). Há igualmente
os Fundamentalistas ou "Irmáos muculmanos", que nao aceitam outra
Constituicáo que nao o Coráo e querem retornar ao Isla dos tempos de
Maomé em Medina (tém sua expressáo no Irá de Khomeyni).

Além do mais, as culturas regionais imprimem suas características


aos muculmanos, de modo que se distinguem os maometanos árabes
dos nao árabes (africanos, turcos, soviéticos, indianos, indonesianos...).

9. Conclusáo

O Isla resulta de um amalgama de Judaismo, Cristianismo e antiga


religiáo árabe; serviu a Maomé para unificar a populacáo da península
árabe e transmitir a seu povo a tempera forte das conquistas políticas
mediante a Guerra Santa (quem morre em guerra de conquista, tem as-
segurada a salvacáo eterna, segundo o Coráo)1. Conserva traeos das

1 A guerra santa (que hoje em día já nao ocorre como outrora) era outrora movida
pelo califa: antes de comegar a atacar com as armas, este intimava a populacáo do
territorio agredido a que adotasse o Isla; caso, porém, se tratasse de territorio de
judeus ou de cristáos (adeptos de urna das religióes do Livro, a Biblia), o califa os
exortava a que se pusessem sob a protegió do Isla e pagassem impostos as autori
dades mugulmanas; deveriam usar roupa diferente dos trajes mugulmanos e ficari-
amproibidos de andará cávalo. Desde que aceitassem tais condigóes, os judeus e
os cristáos eram tolerados pelo governo mugulmano, podendo dedicarse livremente

84
O ISLA 37

suas origens pré-cristás como a prática da poligamia, que ofende a pró-


pria lei natural ou a instituicáo natural do matrimonio.

Apesar de julgarem os cristáos extravagantes e exagerados, os


maometanos dedicam-lhes especial amizade, de acordó com os seguin-
tes dizeres do Coráo:

"Verás que aqueles que sao mais vizinhos e amigos dos que cré-
em, sao os que dizem: 'Somos cristáos'. Entre estes, encontram-se sa
cerdotes e monges, que sao pessoas que nao se incham de orgutho"
(Coráo 5, 82).

Possa o Espirito Santo agir no coracáo daqueles que se dizem


filhos de Abraáo, para que mais e mais cheguem ao conhecimento da
verdade revelada!

EM COMPLEMENTO

No jornal ÚLTIMO SEGUNDO da Internet, colhemos as informa-


cóes seguintes:

Quem sao os árabes?

Árabes sao originalmente os habitantes da península arábica.


Maomé (570-632) era um homem árabe que morava em Meca (ainda
hoje a cidade mais importante da Arabia Saudita). Ele disse ter recebido
urna revelacáo sobre a qual fundou urna religiáo. Ao morrer, Maomé ti-
nha conquistado por adesáo ou pela forca toda a regiáo da Arabia Saudita
atual. Os árabes que se tinham convertido á sua religiáo conquistaram
militarmente urna serie de regióes vizinhas. Suas populacóes se mistura-
ram com o conquistador e adotaram língua e cultura árabes. Por isso,
sao chamados países árabes.

Arabia, lémen, Orna, Emirados Árabes Unidos (Abu-Dabi, Dhubai),


Kwait, Qatar, Bahrein, Jordania, Iraque, Siria, Líbano, Egito e todos os
países do norte da África (Libia, Tunísia, Argelia e Marrocos), mais dois
países da África negra, Sudáo (onde os árabes estáo apenas no norte) e
Somalia, sao países árabes. Essa definicáo mistura um conceito étnico
original com outro lingüístico-cultural, mais ampio e tardio...

Um exemplo disso: os árabes do lémen sao diferentes dos egipci


os, pois sao compostos da mistura dos árabes do século 7 depois de

a prática das suas crengas religiosas. A existencia de numerosas comunidades ju


daicas e cristas em territorios muguímanos durante séculos a fío (tenha-se em vista
a península ibérica) atesta que tal tolerancia realmente se exerceu, apesar dos ex-
cessos de governos, funcionarios e cidadáos fanáticos; a historia mostra quejudeus
e cristáos puderam mesmo ascender a altos cargos da magistratura mugulmana.

85
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

Cristo (época da conquista) com os habitantes tradicionais da regiáo.


Mas todos os países árabes falam árabe, com variacóes de sotaque e
dialeto entre os países, mas diferencas que nao impedem dois árabes
cultos de países táo longínquos quanto Iraque e Marrocos de conversa-
rem em árabe culto.

Parte dessa permanencia da língua se deve ao fato de a religiáo


muculmana ser até hoje obrigatoriamente ensinada e praticada em ára
be antigo (o mesmo que aconteceu com as línguas latinas até a Idade
Media, quando os habitantes dos diferentes países ainda falavam entre
si em latim). Mas nem todos os árabes sao muculmanos. Pode-se dizer
que hoje em dia o islamismo é maioria no conjunto dos países árabes,
mas nem em todos eles é a forca hegemónica: no Líbano, até a década
de 1970, os cristáos eram maioria (deixaram de ser, por causa do cresci-
mento dos muculmanos); na Siria, até hoje, a Igreja Ortodoxa Siria tem
urna presenca marcante no universo religioso. Os cristáos que fundaram
o Líbano moderno sao árabes (como sao árabes de religiáo crista boa parte
dos ¡migrantes sirios ou libaneses que vieram para o Brasil no comeco do
século 20, gente como os Maluf, Cury, Mafuz, Ymes entre muitos outros).

Quem sao os muculmanos?

Todos os que tém a fé ou temor na vontade de Deus (Alá). Em


árabe se diz muslim (como no inglés). Em turco a palavra virou mussulman
(se vocé falar em voz alta verá que é quase só urna diferenca de pronun
cia). Fo¡ do turco que a palavra chegou ao portugués atual, muculmano.
Em árabe quer dizer a pessoa que teme o Senhor ou sua vontade. Nem
todo muculmano é árabe e nem todo árabe é muculmano.

DOIS JULGAMENTOS SOBRE O HOMEM?

Pergunta-se: JUÍZO FINAL... As pessoas, logo depois de morrer, já


sao julgadas. No juízo final seráo de novo julgadas?

Em resposta, comecamos por observar que o julgamento de Deus


sobre o homem nao se faz como num tribunal deste mundo. Cada qual já
vai com a sua sentenca lavrada pelo próprio individuo ao optar por Deus
ou contra Deus no fim da sua caminhada terrestre. O Senhor respeita a
escolha da criatura. Sendo assim, o juízo particular consiste na manifes-
tacáo, á alma do(a) falecido(a), dos valores e desvalores de sua vida; há
de vé-los como Deus os vé. - Quanto ao juízo final ou universal, será a
manifestacáo de toda a trama da historia com o papel desempenhado
por cada pessoa; os misterios (desastres, silencios de Deus...) seráo
postos ás claras. Cada ser humano verá entáo o verdadeiro sentido da
historia e a responsabilidade de cada um nesse embate.

86
Quem é Deus?

"DEUS: IDÉIAS CERTAS. IDEIAS ERRADAS"


por M. Shevack e J. Bemporad

Em síntese: O livro procura dissipar falsas concepgóes relativas a


Deus e propóe urna nogáo de Deus até certo ponto aceitável, mas nao
raro confusa, tendendo ao panteísmo e ao relativismo. Nao há ai urna
palavra sobre a Ssma. Trindade e Jesús Cristo, pois Bemporad é rabino
judeu e Shevack um escritor de formagáo religiosa assaz deficiente.
* * *

A Editora Santuario de Aparecida publicou um livro de título suges


tivo: "Deus. Idéias certas. Idéias erradas"1, redigido por dois autores:
Michael Shevack, publicitario premiado em propaganda, que se tem de
dicado a temas religiosos, e o rabino Jack Bemporad, doutor em Teología
pelo Hebrew Unión College e líder mundialmente conhecido no diálogo
entre crencas diferentes.

A intencáo dos autores é esclarecer o conceito de Deus, refutando


nocoes infantis ou supersticiosas que deformam a verdadeira face de
Deus. Escrevem em linguagem um tanto humorística e, por vezes, confu
sa, cedendo a tendencias de pensamento nao cristáo.

Ñas páginas subseqüentes será examinado o conteúdo do livro;


após o qué, proporemos algumas reflexóes sobre o mesmo.

1. O Problema

A obra se abre expondo ao leitor um problema muito real: como


entender Deus? Na mente de grande número de pessoas tal questáo
nao tem resposta clara; o conceito de Deus é mesclado de superstigóes,
crendices, antropomorfismos e infantilidades. Isto leva freqüentemente
os adultos a renegar a religiáo que Ihes foi transmitida na infancia, caindo
no ateísmo. Todavía muito a propósito observam os autores:

"Ateus raramente rejeitam Deus, ou seja, um Deus digno de confi-


anga. Freqüentemente eles rejeitam alguma idéia errada de pensar Deus.
Alguma idéia táo ridicula que nao merece confianga. Alguma idéia que
causa tanta culpa pessoal que é melhor descartá-la...

Para eles, e de fato para todos nos, a questáo nao é se há ou


poderla haver um Deus, mas que tipo de deus é Deus?" (p. 11).

1 Deus: Idéias certas. Idéias erradas, por Michael Shevack e Jack Bemporad. Ed.
Santuario, Aparecida, 2000, 125 x 187 mm, 124 pp.

87
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

Observam ainda os autores que se faz urgente a necessidade de


esclarecer a pergunta, pois se registra um surto religioso muito significa
tivo em nossos dias:

"Nos dias de hoje essa pergunta é mais importante do que nunca...


A afinidade religiosa está crescendo. O comparecimento á igreja e á si
nagoga está alcangando o maior nivel de todos os tempos.

As pessoas que abandonaran! sua fé por revolta estáo retornando


em multidóes. Elas seráo forgadas, mais urna vez, a enfrentar algumas
das maneiras erradas de pensar no que as afastou. Seráo submetidas a
situagóes embaragosas ao terem de ensinar essas maneiras para os seus
filhos"(p. 13).

Os autores, portanto, firmam o propósito de acudir em sua obra a


tal lacuna.

2. Idéias Erradas

O livro propóe dez caricaturas de Deus ocorrentes no grande públi


co ora com mais freqüéncia, ora mais escassamente: 1) Deus Recepcio-
nista; 2) Deus Fada-Madrinha; 3) Deus Carrasco; 4) Deus Chefe Mafioso;
5) Deus General; 6) Deus Lixeiro; 7) Deus Machio; 8) Deus Candidato
Político; 9) Deus Máe Natureza; 10) Deus Apresentador.

Essas imagens podem reduzir-se a cinco:

1) Deus Servidor do homem, tapa-buraco, ao qual se recorre ñas


horas difíceis e que é deixado de lado nos momentos tranquilos. Tem-se
assim a religiáo antropocéntrica, "socorrista", que acusa Deus de nem
sempre atender aos projetos dos seus clientes.

2) Deus vingativo, que amedranta e ameaca constantemente, a


tal ponto que muitos, após certa idade, preferem nao crer a professar tal
conceito. Eis o que se lé á p. 25:

"PROCURASE:
Divindade dominadora para pessoa submissa
Deve gostar de dor e escravidáo. É bom que
Pregue o sofrimento humano em busca da satisfagáo.
Técnicas de humilhagáo seráo benvindas.
Nao é necessário ter senso de humor.
Candidatos, escrevam para a Caixa Postal D. E. U. S."

3) Deus bonacháo, também dito "Lixeiro". É o deus que está sem


pre perdoando sem exigir a conversio do pecador. Este atira seu lixo
(pecados) em Deus e se dá por tranquilo, dispensado de exercer suas
responsabilidades.

88
"DEUS: IDÉIAS CERTAS. IDÉIAS ERRADAS"

4) Deus Máe Natureza. Esta é urna concepgáo de fundo panteísta:


Deus, o mundo e o homem seriam urna única realidade em evolucáo.
Recentemente tal concepcáo tem sido renovada por filósofos ecologis
tas, que tendem a divinizar a Máe Térra (também dita Gaia, a partir de gé
= térra em grego).

5) Deus Apresentador. "De todas as nossas maneiras erradas de


pensar Deus, esta é, de longe, a mais estúpida...

Vocé vai casarse? Vaiparticipar de um barmitzvah? De urna con-


firmacáo? De um balizado? De urna circuncisáo? Deus, o Apresentador,
é o maior almofadinha da festa.

Nao faz a menor diferenga a última vez que vocé entrou em urna
igreja ou sinagoga. Nao importa qual foi a última vez que vocé rezou. Ou
até mesmo se vocé tem té. Porque Deus, o Apresentador, pode ser con
tratado por qualquer um para qualquer ocasiáo. Ele é um Deus de Alu-
guelf" (pp. 53s).

Tal é o caso dos que utilizam a religiáo para se promover na políti


ca, na carreira profissional ou em outra instancia, Deus é ornamento do
discurso do candidato.

Os autores concluem esta parte de seu livro com as seguintes pa-


lavras:

"Deus nunca poderá ser modelado como urna estatua para satisfa-
zerás nossas próprias necessidades intelectuais e ainda continua sendo
Deus... Entáo quais sao as maneiras inteligentes de pensar Deus? Será
que existe alguma?" (p. 64).

3. Idéias Certas

Os autores propóem dez concepcóes sobre Deus que eles julgam


corretas:

1) Deus é o.Comeco; 2) Deus é Vida; 3) Deus é o Criador; 4) Deus


é o Criador dos Criadores; 5) Deus tem um Plano; 6) Deus é Pessoal; 7)
Deus é Real; 8) Deus é satisfacao; 9) Deus é Eterno; 10) Deus é Tudo.

Com outras palavras estas afirmacoes querem dizer que Deus é


Único (monoteísmo), Eterno, Criador do mundo e do homem (que, por
sua vez, é tido como criador), Providente, Fiel, Amor, Justo, Misericordi
oso; Ele sabe perdoar.

Tais dizeres sao plenamente aceitáveis. Todavía o leitor nao pode


deixar de ficar um tanto perplexo diante da conclusáo que Shevack e
Bemporad formulam á p. 117:

89
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

"Se esse Comego que é Vida, que é Criador e o Criador dos Cria
dores, que tem um Plano, é táo Pessoal como Real, que traz Satisfagáo e
que é Eterno, ainda parece um pouco complicado, vamos simplificá-lo.
Com a maior, menor palavra de todas: Tudo.

Deus é Tudo. É tudo o que existe. Nada além disso. Deus é isso. O
Total. A Grande Soma. Ou, se vocé quiser ser mais extravagante, a
Mónada Infinita, como um filósofo o apelidou.

Deus é tudo. Como é simples! Mas deixe-se envolver por 'Tudo', e


vocé pode querer voltar a cortar Deus em pedacinhos. Afinal de contas,
pedacinhos sao muito mais facéis de digerir".

Pergunta-se: afinal os autores sao monoteístas ou panteístas (iden


tificando entre si a Divindade, o mundo e o homem)?

Passemos a urna reflexáo final.

4. Refletindo...

Sao quatro as observacóes que nos ocorrem:

4.1. Linguagem imprecisa

Shevack e Bemporad pretendem professar um só Deus Criador;


distinto do mundo, mas usam linguagem táo imprecisa que, por vezes,
parecem panteístas, concebendo Deus como um grande Todo quantitati-
vo. Eis alguns espécimens desse modo de falar:

"A Consciéncia de Deus se manifesta de maneiras diferentes em


diferentes pontos da escala evolutiva. As pedras parecem nao ter consci
éncia porque estáo cravadas na térra. As plantas parecem um pouco
mais conscientes porque estáo um pouco ácima. Os animáis comegam a
manifestar os rudimentos da verdadeira consciéncia. E os humanos, pelo
menos atualmente, parecem o padráo terrestre máximo...

Toda criagáo parece parte de urna grande hierarquia social da cons


ciéncia, comegando e evoluindo em diregáo ao Maior Consciente de To
dos - Deus" (pp. 118s).

"Se Deus é o 'Tudo que é Único', entáo a criagáo é 'tudo o que está
se tornando único'. Nao importa se foi criado por Deus ou pelo homem,
toda criagáo é parte de um Centro de Reciclagem Espiritual simples, po-
rém gigantesco, que nada mais é do que a Esséncia do próprio Deus.
Todas as pegas se encaixam como um quebra-cabega, pois elas vém de
um único quebra-cabega: o misterio de Deus" (p. 120).

Como se vé, a falta de clareza de linguagem prejudica decisiva


mente a tese dos autores.

90
"DEUS: IDÉIAS CERTAS. IDÉIAS ERRADAS" 43

4.2. Relativismo

Os autores permanecem no plano filosófico, de modo que só falam


de Deus enquanto atingível pela razáo. Daí o relativismo no tocante aos
Credos religiosos:

"As revelagóes religiosas geralmente nao acontecen} em massa,


mas apenas para pessoas 'escoihidas' que entáo levam a mensagem de
Deus aos outros; Jesús, Moisés, Buda, personagens escolhidos de espirito
suficientemente desenvolvido para receber a revelagáo de Deus" (p. 101).

"Deus quer perfeigáo, mas nao o nosso conceito de perfeigáo. Ele


nao se importa se o islamismo predomina. Ou o judaismo. Ou o cristianismo.
Ou o zoroastrismo. É o Deus de todos. Quer perfeigáo para todos" (p. 88).
O relativismo ou as semiverdades nao sao condizentes com o
acume da inteligencia humana e, menos ainda, com a limpidez da fé
crista.

4.3. O Deus Revelado

As "idéias certas" sobre Deus propostas pelos autores do livro ofe-


recem um conceito ainda pálido de quem é Deus. Na verdade, esta con-
cepcáo incluí o misterio da Santíssima Trindade revelada pelo Verbo En
carnado. Deus é Amor, sim,... mas "o Amor que primeiro nos amou" (cf.
Uo 4, 19) e nos amou entregando-se aos pecadores para salvá-los do
imperio do pecado e da morte. Ai está o auténtico "quebra-cabeca" ou o
misterio de Deus, que jamáis a Filosofía chegou a atingir.

4.4. A Analogía

Para ter idéias claras a respeito de Deus, deve-se recorrer ao con


ceito de analogía. Esta ensina que em Deus existem (ou que Deus é)
todas as perfeicóes encontradas ñas criaturas, mas de modo eminente.
Assim Deus é Amor, mas nao de modo finito como é o amor das criatu
ras; Deus é Bondade, mas nao limitadamente como sao as criaturas;
Deus é Sabedoria, nao porém finitamente como sao as criaturas.

Para falarcorretamente de Deus, afirmamos e negamos... Afirma


mos haver nele todas as perfeicóes visíveis ñas criaturas; ele é a Fonte
da qual se deriva todo bem. Negamos, porém, o modo limitado como tais
perfeicóes se realizam nos seres criados.

É o ser absoluto, infinito, ¡ndependente que constituí a esséncia


mesma da Dívindade e a torna transcendente aos olhos humanos. Em
suma, dir-se-á com Sao Paulo: "O que o olho nao viu, o que o ouvido nao
ouviu, o que o coracáo humano jamáis percebeu, eis o que Deus prepa-
rou para aqueles que o amam" (1Cor 2, 9).

91
Tema da atualidade:

'O ENIGMA DA ESFINGE. A SEXUALIDADE"


por Antonio Moser

Em síntese: O autor aborda a temática da sexualidade sob sete


aspectos. É fiel á doutrina da Igreja no tocante a pontos hoje controverti
dos. Procura compreender os que abusam da sexualidade; explana "os
mecanismos que comandam a vida humana, e a partir desta compreen-
sáo procura viabilizar a harmonía" (p. 39). Estas palavras dáo o tom ao
livro inteiro, prestándose, por vezes, a mal entendidos. A intengáo do
autor é reta, mas o seu linguajar carece da clareza necessária na consi-
deragáo de tal temática.
* * #

Freí Antonio Moser é conhecido frade franciscano, autor de varias


obras referentes á Teología Moral. Ofereceu recentemente ao público um
trabalho de grande envergadura sobre a sexualidade1, livro este que tem
suscitado candente interesse. É, pois, oportuno dizer urna palavra a res-
peito.

1. A obra como tal

A quarta capa do livro expóe o propósito do autor:

"A partir de meados do século passado foram feitas ao menos tres


grandes revolugóes no campo da sexualidade: a revolugáo dos intelectu-
ais, a revolugáo das élites e a revolugáo das massas. Pouco sobrou do
antigo e sólido edificio dos 'bons costumes'. Constatou-se verdadeira rup
tura entre aquilo que a Moral Crista ensinava e aquilo que os fiéis pen-
sam epraticam. Langando luz sobre as varias faces da esfinge, este livro
abre novos caminhos para urna compreensáo profunda e atual da sexua
lidade".

O leitor perguntará logo: que novos caminhos propoe Antonio


Moser?

É fiel á doutrina da Igreja no tocante á masturbacáo e ao


homossexualismo, tidos como comportamentos aberrantes. Mas o autor
procura explicar o que vai no íntimo de cada pessoa que cede a aberra-

1 O Enigma da Esfinge. A sexualidade. Editora Vozes, Petrópolis 2001, 130x210mm,


287pp.

92
"O ENIGMA DA ESFINGE. A SEXUALIDADE" 45

coes sexuais, dando por vezes a impressáo de que o pecado nao é peca
do. Ás pp. 38s encontra-se um texto que exprime claramente a linha dou-
trinária do autor:

"Entram em agáo os hormónios. Enquanto os ovarios produzem


estrogénio e progesterona, os testículos produzem a testosterona... A
dimensáo hormonal da sexualidade tem papel muito importante no equi
librio da pessoa ao longo de toda a sua vida; um desequilibrio hormonal
pode, eventualmente, ser um dos responsáveis por desequilibrios
comportamentais. Este é um dos aspectos que nao podem ser negligen-
ciados ñas avaiiagóes éticas. A partir daíjá se percebe que a missáo da
Ética consiste muito menos em emitirjuizos categóricos e muito mais em
entender os complexos mecanismos que comandam a vida humana, e a
partir desta compreensáo viabilizar a harmonía".

Estes dizeres sao ambiguos. Sugerem a questáo: que harmonía a


Ética procura viabilizar sem julgar categóricamente? - É esta ambigüida-
de que deixa o leitor insatisfeito. Freí Moser desenvolve grande erudicáo
no decorrer da sua obra. Considera a temática através de sete chaves: 1)
a chave da ¡ntuicáo contida nos mitos; 2) a das ciencias; 3) a da Teología;
4) a da Ética; 5) a da experiencia da Igreja; 6) a da experiencia pastoral e
7) a da surpreendente configuragáo afetiva das pessoas homossexuais.
Depois de percorrer as 287 páginas do livro, o leitor poderá indagar: afi-
nal que deseja o autor propor como tese sua?

Muito significativo é o texto seguinte:

"Quando se fala da vida urbana, nao se pensa mais somente no


espago físico, pois aquilo que conta é a mentalidade. Na cultura rural,
pré-industrial, predominavam alguns padróes de comportamento que váo
sendo substituidos por outros no mundo urbano. Para compreender esta
passagem, basta pensar no impacto causado pela ascensáo social da
mulher e pela quebra da unidade religiosa. Aquele contexto favorecía a
existencia de paradigmas mais rígidos e mais determinados, onde havia
mais certezas do que incertezas. Ademáis o destino das pessoas, de
alguma forma, já eslava tragado ao nascer, seja no que se refere ao gé
nero, se/a no que se refere á profissáo. No universo urbano atual passa-
se justamente o contrario: só sobrevive quem é capaz de romper com os
esquemas tradicionais. Daí a inseguranga generalizada em todos os sen
tidos, também no das determinagóes moráis" (p. 87).

Trata-se aqui da constatacáo de um fato real,... fato real que mere


cería um juízo da parte do autor. É fato ¡ncontornável?... fato que derruba
a clássica Ética, relativizando todas as normas de comportamento dita-
das pela própria leí natural?

93
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

Pode-se crer que a obra de Freí Moser teria lucrado em clareza se


o autor tivesse recorrido a urna distincáo necessária: distincáo entre a
acáo e o agente.

Acáo: existem atos que, por si mesmos, sao desregrados ou, em


linguagem técnica, "intrínsecamente maus". Assim a masturbacáo cons
ciente e voluntaria e a prática do homossexualismo sao, em si mesmos,
atos pecaminosos em qualquer época e contexto da historia.

Agente: Pode acontecer em nossos dias que muitas pessoas nao


percebem o mal objetivo ou como tal, já que os meios de comunicacáo
social dáo ampia margem a confusóes e o ambiente da vida moderna
leva a crer que o erro pode estar certo. Tais pessoas assim mal orienta
das talvez pratiquem atos pecaminosos sem advertencia ao pecado ou
de consciéncia tranquila. Em nossos dias também a psicología das pro
fundidades leva a ver que muitos individuos sao impelidos ao mal por
desequilibrios orgánicos - verificacáo esta que os antígos ignoravam.
Em conseqüéncia, um ato objetivamente mau pode ser subjetivamente
inculpado, dadas as condicóes fisiológicas de quem o comete.

Frei Antonio Moser dá tanta énfase a esse aspecto subjetivo do


agente que parece empalidecer o lado objetivo do ato mau. A Ética cris
ta, baseada na lei natural, continua a afirmar os mesmos e perenes prin
cipios: tudo o que é contrario á natureza, é contrario á lei de Deus. A
doutrina fica sendo a mesma e pode ser atingida por quem aceite refletir
um pouco, mesmo em meio á confusáo hoje reinante no público a propó
sito de moralidade.

Admiramos a capacidade, de Frei Moser, de aprofundar o assunto


em pauta, mas eremos que o fez de modo unilateral, procurando, antes
do mais, "viabilizar a harmonía" ou nao proferir juízos categóricos.

2. Dois aspectos particulares

Merecem realce certas observacóes do autor concernentes á


masturbacáo e ao feminismo.

2.1. Masturbacáo

No intuito de compreender tal comportamento, o autor enumera


nove causas do mesmo:

"A masturbacáo nao é apenas um fenómeno objetivo, mas carrega


consigo toda a historia afetiva e sexual da pessoa... Eis algumas das
faces mais comuns expressas pela masturbacáo na adolescencia:

1) Lúdica: conjuga-se com a descoberta prazerosa do próprio cor-


po e da sua sensibilidade...

94
"O ENIGMA DA ESFINGE. A SEXUALIDADE" 47

2) Descarga de tensáo biológica: fenómeno encontrado sobretu-


do no que se poderia denominar de adolescencia aguda...

3) Carencia afetiva: ... trata-se de um certo protesto e busca de


compensagáo oculta de um profundo desejo negado: o desejo de ser
amado.

4) Situacáo penosa:... podemos lembrar a tensáo sentida diante


de urna prova de vestibular, a tensáo sentida diante da busca de um
primeiro emprego, ou mesmo da primeira auto-afirmagáo diante de urna
primeira briga ou um primeiro 'fracasso' amoroso.

5) Solucáo provisoria:... é a busca de um alivio, ainda que passa-


geiro, em meio aos tormentos de urna situacáo conflitiva de caráter pes-
soal, interpessoal ou social.

6) Alivio na solidáo: ... a masturbagáo se apresenta como urna


especie de ponte lancada sobre o mundo. Ainda que seja urna ponte
imaginaria, para o inconsciente ela se apresenta como sendo ponte real.

7) Complexo de inferioridade: ... a masturbagáo, neste caso, se


apresenta como urna especie de auto-afirmagáo. Num grau um pouco
abaixo encontra-se a necessidade de por em andamento mecanismos
de compensacáo por eventuais fracassos.

8) Sentimento de culpabilidade: a presenca de sentimentos de


culpa na masturbagáo vem assinalada desde os primeiros estudos mais
serios sobre o problema...

A masturbagáo parece carregar consigo a sensagáo de urna espe


cie de 'condenagáo' previa.

9) Indicador de fracasso profissional ou vocacional:... normal


mente, muito mais do que causas, a masturbagáo é síntoma de... Aquí,
no caso profissional e vocacional estaríamos diante de um revelador de
urna desestruturagáo mais seria da personalidade" (pp. 188-190).

Frei Moser nota que outros autores apresentam outro leque de com-
preensáo da masturbagáo de adolescentes.

2.2. Feminismo

As pp. 91-99 o autor trata do "Rosto feminino. Redescoberta da


ternura". Enfatiza o papel da mulher na sociedade civil e na Igreja, che-
gando a fazer certa apología da Teología Feminista. Esta, muito cultivada
na Europa e nos Estados Unidos, cedeu a concepgóes paganizantes; ver
PR 349/1991, pp. 242ss. Na América Latina as teólogas sao menos con
tundentes e mais afinadas com a causa dos pobres, apoiando-se nos

95
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 477/2002

pressupostos da Teología da Libertado. Frei Moser assim entende tal


Teologia:

"A Teologia Feminista quer desentranhar a mulher forte que se es


conde por tras da mulher submissa. Inspirada em María, esta maneira de
pensar a Teologia ressalta o 'sim', mas também a capacidade de a mu
lher dizer 'nao'. Ademáis ela busca urna nova racionalidade que integre o
cotidiano, a prática e o corpo, e que favorega um novo olhar sobre a
sexualidade e o prazer. É um posicionamento político que vai ajudar na
transformagáo das estruturas sexistas e marginalizadoras ainda presen
tes em nossas igrejas e na sociedade. Tratase portanto de um novo
paradigma, mais integral, mais dialético, mais relaciona!" (p. 98).

A Teologia "na ótica da mulher" poderá apresentar enfoques pró-


prios e descobrir facetas novas ñas eternas verdades da fé. A verdade,
por[em, como tal nao tem género; proferida por quem quer que seja, é
um ¡menso valor.

O autor procura mais adiante assumir urna posicáo de equilibrio,


proclamando a complementariedade do masculino e do feminino:

"Um dos novos rostos da sexualidade que emerge com forga ñas
pesquisas e na vida concreta é exatamente o rosto da ternura, concen
trada, embora nao de maneira exclusiva, na mulher. Nao haverá integragáo
nem do varáo nem da sociedade sem que o feminino assuma seu lugar.
Pois, se todos percebem estar vivendo num mundo, sob muitos aspec
tos, cruel, perpassado por todo tipo de violencias, é justamente porque
se trata de um mundo construido pelos e para os homens-varóes. Os
projetos divinos... sao sempre projetos confiados á humanidade, enquanto
esta conjuga masculinidade e feminilidade" (p. 198).

Em suma, o livro de Frei Moser tem páginas muito interessantes e


belas. Descortina aspectos novos da temática, embora use sempre um
linguajar de pesada erudicáo mesclada com um tanto de poesía Ooga
com os símbolos de Atenas, Corínto e Delfos, além de considerar a sexu
alidade como urna esfinge misteriosa). Seria para desejar que assumis-
se posicoes mais claras e definidas, pois nos termos atuais deixa confu
sos muitos leitores.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

IRMÁO(Á), APROFUNDE A SUA FÉ!


A Escola "Mater Ecclesiae" oferece o seu 199 Curso por Corres
pondencia, versando este sobre os Sacramentos: Sacramentos em geral
e em particular. Os sacramentos sao os cañáis da graca que acompanham
toda a vida do cristáo na térra. Pedidos pelo teleFax 0 XX 21-2242-4552.

96
PUBLICACÓES DO MOSTEIRO DA SANTA CRUZ:
(Á VENDA NA LUMEN CHRISTI)

A REGRA DE SAO BENTO APLICADA Á VIDA DE SEUS OBLATOS E OBLATAS - Ivone L. Faria.
Visa á aplicacáo da Regra de Sao Bento na vida cotidiana de todos os cristáos e cristas,
como ideal de construcáo de um mundo novo e de urna humanidade nova, tendo em vista a
implantacáo do Reino de Deus, que é o Reino de Paz, e Justica, Esperanca e Fraternidade,
"nada antepondo ao amor de Cristo". 224 págs R$ 19,00.

A ESCUTA DOS PAÍS DO DESERTO HOJE - D. Lucien Regnault. Santo Antáo e os primeiros
eremitas egipcios dirigiram aos seus discípulos palavras de sabedoria das quais muitas
foram conservadas Agrupamos aqui estas palavras acompanhadas de urna breve explica-
cáo acentuando seu valor e alcance atuais. 164 págs R$ 17,00.

OS VOTOS NA RB • Ir. Lidia Tavares de Lemos, OSB. Este pequeño subsidio será de grande
utilidade para a Formacáo Permanente e como preparacáo á profissáo temporaria. O estudo
aqui contido está baseado na Regra de Sao Bento, ñas Constituicóes das monjas da Con-
gregacáo Beneditina do Brasil e no Direito Canónico. 62 págs R$ 4,00.

ENCONTRÓ COM A RB - Estudo dirigido - Abade Joaquim Zamith, OSB, Ir. Monica Casta-
nheira, OSB. Dedicado aos noviciados dos mosteiros que seguem a Regra de Sao Bento,
este livro pode servir de guia também a quem desejar conhecer melhor a espiritualidade
beneditina. Os autores colocaram sua grande experiencia de vida monástica e formadores a
servico de todos os beneditinos, de fato ou "ex corde". 224 págs R$ 19,00.

OS OBLATOS SECULARES NA FAMÍLIA BENEDITINA - D. Jean Guilmard, OSB - 2a ed. O que é


um oblato beneditino? Explicacáo clara e sucinta para quem deseja seguir a espiritualidade
beneditina, como leigo. 68 págs R$8,00.

LECTIO DIVINA, ONTEM E HOJE - Guigo Cartuxo, Enzo Bianchi, Giorgio Giurisato, Albert
Vinnel • 2a ed. Um livro de leitura obrigatória para tornar sua lectio divina urna escola de
oracáo e de vida, agora enriquecido com o artigo do Pe. Vinnel. 160 págs R$ 14,50.

DUAS LEITURAS DA VIDA DE SAO BENTO - D.A. De Vogüé, OSB, D.A. Grün, OSB - 2a ed. A. De
Vogüé e A. Grün conduzem o leitor a um conhecimento mais profundo da extraordinaria
personalidade de Sao Bento. Novos horizontes se abrem: um renovado encontró consigo
mesmo e a descoberta da atualidade de Bento como modelo e estímulo para seu próprio
caminho espiritual. 112 págs R$ 16,00.

TRATADO SOBRE A ORACÁO - Tertuliano, S. Cipriano, Orígenes - 2a ed. Tres grandes mes-
tres da espiritualidade crista dos primeiros séculos comentam magistralmente o Pai-nosso.
216 págs R$ 19,00.
LIVRO DA VIDA MONÁSTICA CAMINHO DO EVANGELHO • Pe. Roger Visseaux. Ao introduzir o
leitor nos caminhos da oracáo, o autor conduz poüco a pouco ao "monaquismo interior e secre
to", recinto de silencio e oracáo, onde corre a agua viva da graca. As "comunidades de vida", os cristáos
inseridos no mundo e as familias encontram aqui um valioso subsidio. 236 págs R$ 19,00.

VIVENDO COM A CONTRADICÁO - Esther de Waal. É possível em meio as ¡numeras contra-


dicóes do dia-a-dia, viver a procura de Deus e encontrá-lo? A autora, reunindo sua própria
experiencia beneditina, indica-nos o caminho. 166 págs R$ 16,00.

A REGRA DE SAO BENTO. 1a reimpressáo.Traducáo de D. Basilio Penido, OSB. Em apéndice:


Síntese Doutrinal da Regra de Sao Bento. Para quem deseja um apoio em seu caminho espiri
tual, um método que permita ligar a busca de intimidade com Deus, a relacáo com os irmáos e
as irmás e o compromisso de testemunhar o Reino de Deus no mundo de hoje, a Regra
Beneditina oferece elementos fundamentáis. Formato de bolso. 236 págs R$ 10,00.

A REGRA DE SAO BENTO - 2a ed. - bilingüe. Traducáo de D. Joáo E. Enout, OSB. Formato de
bolso. 346 págs R$ 13,00.
- ESCRITOS MONÁSTICOS DE SAO JERÓNIMO - De forma pitoresca, S. Jerónimo
apresenta Hilariáo e Maleo, dois personagens do monaquisino antigo; e aínda seus
conselhos de pai espiritual á virgem Eustóquia. 150 págs R$ 11,00.
- VIDA DE SANTO HONORATO E DOS PADRES DO JURA - Santo Honorato, fundador
do movimento monástico de Lérins, tem aqui um sermáo panegírico, proferido por Hilario,
seu discípulo e sucessor, no primeiro aniversario de seu falecimento. Um monge e sa
cerdote descreve os primeiros sete anos da historia do mosteiro do Condato e a vida dos
tres pais do Jura, de modo preciso e concreto. 122 págs RS 9,00.
- SAO BENTO - VIR ECCLESIAE - D. JOÁO E. ENOUT, OSB - O saudoso D. Joáo
Enout, em um fascículo de 100 páginas, mostra a profunda sintonia de Sao Bentocom
a Igreja, característica de toda a familia beneditina. 100 págs RS 6,00.
- O PEREGRINO RUSSO - Como é possível rezar sempre no espirito, em todas as oca-
sióes? Esta pergunta levou o peregrino a descobrir a "oracáo de Jesús", compreendendo
claramente o que significa "orar sem cessar". 2a ed. 26 págs R$2,50.
- CONCORDANCIA DA REGRA DE S. BENTO - Dom De Vogüé, OSB R$ 10,00.
- ATÉ O FIM DO CAMINHO - Um contó de Simone Conduché que poderá levar muitos
casáis a se reencontrarem. 10 págs R$1,20.

Á VENDA NA LUMEN CHRISTI:


- UM MONGE QUE SE IMPÓS A SEU TEMPO - pequeña Introducáo com antología á vida
e obra de SAO BERNARDO DE CLARAVAL. - Pe. Luis Alberto Rúas Santos O. Cist.
Musa e Edícóes Lumen Christí. 2001.200 pp R$ 26,00.
- ORACÁO E TRABALHO - Organízacáo: Mosteiro Nossa Senhora da Paz. e llustra-
cóes: Claudio Pastro. "Este livro pretende evocar Deus nos ambientes detrabalho. Suas
oracóes nos proporciona rao momentos de louvor, alegría e graca. De coracáo aberto,
poderemos, entáo, refletir sobre nosso relacionamento com os companheiros de jorna
da". Saga Editora e Mosteiro Nossa Senhora da Paz. 2001.160 pp R$ 19,00.
- O EFÉMERO E O ETERNO - poemas de sóror mínima.
Trecho da apresentacáo de Irma Eugenia Teixeira O.S.B.: "Com muita alegría, queremos
partilhar com os irmáos e as irmás um dos nossos preciosos tesouros de familia: as
poesías de Ir. Inés, esta coluna de nossa comunidade..."
Mosteiro da Virgem- Petrópolís - RJ. 2001. 170 pp R$ 19,00.
- A ALEGRÍA QUE VEM DA TRAPA, novo lancamento Lumen Christí. - Dom Bernardo
Bonowitz, OCSO, prior do Mosteiro Trapista de Campo do Tenente, Paraná, compilou
em lívro, 31 das homilías que proferíu em seu mosteiro nos anos em que ele vive no Brasil.
No livro vamos encontrar mensagens poéticas, profundas, e sobretudo alegres, acom-
panhando datas importantes da liturgia, que váo inspirar nossa caminhada e nos propor
cionar a paz do Senhor!
O livro, com 146 páginas, é finamente apresentado e teve a ¡lustracáo da capa e o
prefacio preparados por Claudio Pastro, um dos maiores artistas sacros da atuali-
dade RS 16,00.
Pedidos pelo Reembolso Postal

RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE PR.


RENOVACÁOOU NOVA ASSINATURA (ANODE2002-DÉFEVEREIROADEZEMBRO):.. R$ 35,00.
NÚMERO AVULSO R$ 3,50.
PERGUNTE E RESPONDEREMOS ANO: 2000 e2001:
Encadernado em percalina, 590 págs., com índice.
(Número limitado de exemplares) R$ 70,00 cada.

Você também pode gostar