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REABILITAÇÃO NA ANEMIA FALCIFORME

Dr Marcelo Benedet Tournier

Médico Fisiatra, formado na Universidade Federal de Santa Catarina, com


especialização em Medicina Física e Reabilitação pela AACD – Associação de
Assistência à Criança Deficiente – São Paulo / SP

1. INTRODUÇÃO

O QUE É FISIATRIA?

Fisiatria, ou medicina física e reabilitação, é uma especialidade médica que se


incumbe em tratar as incapacidades causadas pelas mais diversas doenças.
Devido a sua ampla formação em avaliação funcional do indivíduo, o fisiatra
procura “enxergar o todo”, ao invés de se preocupar apenas em um órgão ou
estrutura específica do seu paciente.

A importância e a necessidade do fisiatra nos tratamentos à população iniciou


principalmente após a descoberta do primeiro antibiótico, a penicilina, por
Alexander Flemming, contemporâneo a Segunda Grande Guerra. Foi graças a
ela que muitos soldados feridos no campo de batalha puderam voltar para casa
e muitos ferimentos e mutilações graves, como as amputações de membros
por explosões, tiveram seus sobreviventes. Como conseqüência disto, o
número de incapazes para o trabalho na sociedade começou a crescer
exponencialmente a cada ano e iniciou a demanda por alguém que pudesse
cuidar destes pacientes, dar um tratamento adequado a cada deficiência e
devolvê-los à sociedade..

Muito comumente, há a confusão do fisiatra com o fisioterapeuta na população


leiga. Enquanto este é um profissional que é parte importante da equipe de
reabilitação, responsável pelas terapias motoras ao paciente, o fisiatra é um
médico, com pós-graduação ou especialização na área da reabilitação e tem a
função de avaliar e detectar todas as incapacidades do indivíduo e traçar um
plano individualizado de reabilitação ao mesmo.

O QUE A FISIATRIA TRATA?

A princípio, existem 3 grandes grupos de incapacidades: Alterações Motoras


(fraquezas, paralisias, contraturas, atrofias...), Cognitivas (demência,
problemas associados a deficiência mental) e Dor (de qualquer tipo e origem).

Os meios de tratamento para cada uma destas condições pode ser


farmacológico (medicamentoso – através de medicações prescritas ou
procedimentos, como injeções ou infiltrações) ou “não-farmacológico” – sendo
este o grande diferencial do seu tratamento, usando de exercícios terapêuticos,
meios físicos (calor, frio, eletroterapia), manipulação vertebral e muscular e
orientações ao paciente e aos cuidadores.
Algumas das condições tratadas pelo fisiatra são:
Lombalgia Malformações Esclerose Múltipla
congênitas
Lesões causadas pelo Reabilitação após Lesão medular
esporte (amador ou fraturas ou lesões (paraplegia/tetraplegia)
profissional) ligamentares / luxações
Seqüelas de Derrame Amputações de Reabilitação cardíaca
ou Traumatismo membros
Craniano
Reabilitação no Câncer Lesões de nervos Vertigens posturais e
periféricos cervicogênicas
Cervicalgias e dores de Artrites e artroses em Tendinites
cabeça tensionais geral
LER / DORT – lesões Distrofias musculares Dor crônica
por esforço repetitivo

A abordagem do paciente reabilitacional é individualizada e procura ver o


paciente dentro de um conjunto, que compreende ele, sua casa, seus
cuidadores e suas necessidades. Ela busca sempre os cuidados preventivos,
para evitar a piora dos pacientes e prioriza medidas conservadoras – ou seja o
que for menos lesivo possível para o bem-estar do indivíduo.

Quanto ao time de reabilitação, este pode compreender vários profissionais,


como médicos de outras especialidades, fisioterapeutas, terapeutas
ocupacionais, hidroterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, pedagogos,
assistentes sociais, nutricionistas, educadores físicos, enfermagem, arte-
terapeutas e músico-terapeutas, todos trabalhando em conjunto e cada um
acompanhando a evolução de cada profissional (sempre que possível em
reuniões de equipe), para trazer ao indivíduo a melhor forma de tratamento
possível.

2. SOBRE A ANEMIA FALCIFORME

É a doença genética mais prevalente do Brasil, segundo diversos estudos já


feitos por aqui. Trata-se de uma mutação genética da hemoglobina, molécula
importantíssima que fica dentro dos glóbulos vermelhos do sangue, que tem
por função carregar o oxigênio até os tecidos do corpo. Esta mutação, na
África – país de origem – permitiu aos povos aborígenes sobreviverem a
Malária, pois esta não ataca os glóbulos vermelhos de quem tem Anemia
Falciforme.
Trata-se de uma doença com grandes chances morbidade e incapacidade.
Portanto, a intervenção do fisiatra e da equipe de reabilitação nestes indivíduos
é de suma importância para contribuir com sua qualidade de vida.
3. PRINCIPAIS MANIFESTAÇÕES DA ANEMIA FALCIFORME (AF):

ANEMIA

Responsável geralmente pelas queixas de fraqueza e desânimo, causando


baixa resistência física ao esforço, é uma causa freqüente de internações.
As crises anêmicas são causadas principalmente por fadiga excessiva ou
frio/calor extremos ou até mesmo desidratação.

A intervenção reabilitacional pode ajudar? Através de um plano de


exercícios e atividades, diferenciado a cada pessoa portadora, priorizam-se
exercícios de conservação de energia, afim de aumentar o condicionamento
físico e diminuir a fadiga com os esforços. Para isto, são orientados pais e
educadores físicos sobre a importância de fazer exercício físico, assim como
seus limites ao paciente. Beber bastante água também é fundamental, assim
como evitar atividades durante o sol muito intenso ou calor excessivo. A dieta
também deve ser rica em líquidos e em alimentos com ácido fólico, como
espinafre e bife de fígado, assim como os cereais enriquecidos.

DOR

Outra causa freqüente de internações, mais comumente é causada pelo


entupimento dos vasos sanguíneos pelas células falciformes. Com muita
freqüência, é mal-manejada – com medicamentos em excesso, ou pouca
medicação, ou medicações inadequadas à dor. É sempre importante lembrar
que a Síndrome Torácica Aguda – caracterizada por uma dor torácica intensa,
ansiedade e “chiado” respiratório (sibilância) é uma emergência médica,
devendo de pronto ser tratada em ambiente hospitalar.

A intervenção reabilitacional pode ajudar? Através de um manejo


farmacológico adequado para a dor crônica, a qualidade de vida dos pacientes
melhora muito, permitindo a eles fazerem atividades que antes eram
prejudicadas ou impossibilitadas pela dor. Além disso, muitas dores que os
pacientes com AF referem podem não ter relação com o entupimento da
circulação, como as dores musculoesqueléticas, que necessitam de um
tratamento diferenciado pelo fisiatra.

DERRAME

Podem ser divididos em francos – que manifestam sintomas assim que iniciam,
ou silenciosos (que manifestam mais tardiamente suas conseqüências).

Os derrames francos são 5 vezes mais raros que os silenciosos.


Caracterizados geralmente por uma paralisia que envolve um dos lados do
corpo, seguida de uma rigidez (espasticidade). Pode também ocorrer
dificuldades na deglutição de líquidos e alimentos, aumentando o risco de
aspiração pelos pulmões de secreções e pneumonia, assim como dificuldades
na fala e comunicação e na memória/atenção e concentração.
A intervenção reabilitacional pode ajudar? A Reabilitação destes
pacientes se inicia na fase hospitalar do problema, o mais precoce possível,
prevenindo deformidades causadas pelo mau posicionamento no leito e
ensinando os cuidadores sobre as complicações que ocorreram com o
derrame. Seguindo após a alta hospitalar, é traçado um plano de reabilitação
ao paciente, onde a avaliação fisiátrica vai mostrar quais são as deficiências
apresentadas e quais cuidados e terapias serão mais benéficas ao paciente.
O tratamento pode envolver órteses (aparelhos que sustentam os membros
paralisados, permitindo a marcha, por exemplo), auxiliares de marcha (muletas,
andadores e bengalas, quando necessários), terapias de estimulação motora,
mental e da fala, assim como medicações para o tratamento da rigidez
espástica.
A Reabilitação no derrame envolve toda uma equipe, onde fisioterapia, terapia
ocupacional e hidroterapia fazem os cuidados motores e funcionais; a
fonoaudiologia cuida das alterações de fala, comunicação e dificuldades em
deglutir; psicoterapia faz a estimulação cognitiva das funções mentais
prejudicadas e lida com a depressão reativa – condição muito comum frente às
novas deficiências com as quais o paciente precisará lidar.

DERRAMES SILENCIOSOS

São muito mais comuns que os descritos acima, mas são muito mais difíceis de
diagnosticar. Geralmente, os primeiros sintomas nas crianças são perda de
desempenho escolar, assim como sinais de declínio das faculdades mentais
nos adultos e idosos (muito confundido com demência).

A intervenção reabilitacional pode ajudar? A avaliação preventiva nestes


casos é fundamental para que se trate o paciente assim que os primeiros
sintomas aparecem. Nas crianças, a avaliação dos cadernos da escola, assim
como relatórios dos professores é muito importante nisto. Outro exame,
chamado Doppler transcraniano, que mede a velocidade da circulação do
sangue no cérebro, é muito importante para a detecção de qualquer derrame
silencioso.

NECROSE DA CABEÇA DO FÊMUR

É causado pelo entupimento das artérias que nutrem a cabeça femoral,


causando morte (necrose) do osso no local onde ele se encaixa com o quadril.
Quando ocorre na infância e adolescência, provoca defeito na cartilagem de
crescimento ósseo, com deformação do osso do quadril e, por conseguinte,
entortamento das pernas. A manifestação mais comum nos adultos é dor e
dificuldades progressivas na deambulação.

A intervenção reabilitacional pode ajudar? Através do tratamento


adequado a cada paciente, medicações analgésicas e fisioterapia com plano
específico, a morbidade da condição diminúi muito. Em alguns casos, é
indicado o auxiliar de marcha (como bengala), para diminuição da dor ao andar
ou até mesmo para “poupar” a junta doente do quadril e prevenir problemas
futuros. Nos casos mais severos, indicam-se cirurgias de realinhamento do
osso do fêmur ou a troca da cabeça femoral doente por uma prótese.
COMPLICAÇÕES PULMONARES

Estas, também em decorrência do entupimento da vasculatura pulmonar, vão


aumentando com a idade do paciente, podendo causar diminuição da
capacidade respiratória e uma limitação funcional importante ao portador.

A intervenção reabilitacional pode ajudar? Principalmente através do


trabalho de prevenção, há uma melhora grande da reserva pulmonar do
paciente. Atividades físicas adequadas e fisioterapia respiratória com
exercícios de estimulação ventilatória e fortalecimento dos músculos que
auxiliam a respiração melhoram e muito a qualidade de vida destes doentes. A
piscina pode ser benéfica também, mas deve ser indicada apenas após a
função pulmonar ser totalmente avaliada por um especialista, pois a pressão da
água na caixa torácica submersa pode ser maléfica em indivíduos com um
comprometimento pulmonar avançado.

DISFUNÇÃO SEXUAL

Tem início na infância, com as crises de priapismo – ereções com duração


prolongada e em geral muito dolorosas para a criança. Esta é causada pelo
entupimento dos vasos penianos e vai causando lentamente a sua destruição
com o passar dos anos, podendo levar à impotência sexual pela disfunção
erétil.

A intervenção reabilitacional pode ajudar? Cada caso depende de uma


avaliação individual de um especialista em disfunção sexual, assim como a
orientação do casal para que técnicas complementares mantenham a
sexualidade destes de maneira saudável. Em alguns casos mais graves, a
cirurgia para a colocação de uma prótese peniana pode ser indicada. Esta é
colocada no interior do pênis impotente, para que simule artificialmente a sua
ereção.

CONCLUSÃO

A abordagem em equipe é essencial para tratar qualquer complicação em


portadores de Anemia Falciforme. O papel do fisiatra como médico reabilitador
nesta equipe é fundamental para detectar prontamente as complicações
existentes e tratá-las, sempre que possível, assim como prevenir as possíveis
complicações futuras e proporcionar uma vida com o máximo de qualidade a
todos os portadores desta doença.

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