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MOONEY, P.R. O escdndalo das sementes; 0 dominio na Produgao de alimentos, ‘So Paulo, Nobel, 1987. 146p. O livro de Pat Roy Mooney chega ao Brasil oito anos apés sua publicagéio no Ca- nadé, apresentando uma abordagem ampla ¢ instigante sobre os problemas decorrentes do patenteamento de variedades, tanto nos pafses economicamente desenvolvidos como nos do chamado Terceiro Mundo. O mérito do Livro est em estabelecer as inter-relag6es entre o interesse econémi- co dos grandes grupos industriais, a Revolugo Verde ¢ os pacotes tecnolégicos dela decorrentes, bem como a tentativa de implantago de legislagéo varietal restritiva no maior ntimero possivel de paises. Neste aspecto, o livro menciona, no prefacio de autoria do Prof. Adilson Dias Pas- choal, os esforgos para o estabelecimento, no Brasil, da chamada “Lei de Protegdo 208s Cultivares” e 0 posicionamento de diversas entidades de classe, dentre elas varias asso- ciagdes de engenheiros-agrénomos, sobre o problema. As informagées so interessan- tes, tanto para aqueles que defendem, como para os que condenam a adogdo deste tipo de legislagao no Pafs. Para aqueles que ndo sio geneticistas, o livro apresenta o grave problema da ero- sho genética de forma clara e precisa, enfatizando a import4ncia dos Centros de Vavilov (ou Centros de Origem das Culturas) para a manutengio e aperfeigoamento dos programas de melhoramento vegetal em todo o mundo. O autor chama a atengdo para o fato de que, com excegiio de uma pequena 4rea junto ao Mediterraneo, os paises industrializados est4o fora dos centros de diversidade genética, Em outras palavras, os pafses tropicais ¢ subtropicais dispSem de maior patriménio genético, material este que est4 desaparecendo pelo desmatamento, pastoreio excessivo, destruigéo de reservas naturais de vida vegetal ¢ animal, e, também, pelas alteracdes das relagdes de producdo no meio rural. O agricultor de subsisténcia, ao longo dos séculos, selecionou variedades que, por sua resisténcia ¢ adaptagéo ao meio ambiente, sio preciosas fontes de germoplasma Para programas de melhoramento, Entretanto, estas variedades, embora oferecendo menor risco, néo podem competir com as novas variedades em produtividade. E quan- do € 0 capitalismo introduzido no meio rural, a produtividae, via “modernizagéo” da agricultura, é crucial 4 permanéncia do agricultor na atividade. As novas variedades, muitas vezes hfbridas, apresentam maior uniformidade fenotfpica, que aumenta a vul- nerabilidade das culturas e, conseqiientemente, torna o agricultor mais dependente dos insumos produzidos pela inddstria agroqufmica. A sobrevivéncia do agricultor, ao nivel de subsisténcia, é cada vez mais precéria, Pois 0 sistema econémico implantado exige um determinado nivel de eficiéncia econd- mica, que implica na adogdo de pacotes tecnolégicos. Entretanto, manter e reservar as variedades oriundas do trabalho do camponés de subsistncia é essencial A seguranga do abastecimento de alimentos em nivel global. Neste aspecto, ao Preconizar a manutengao das variedades tradicionais pelos agricultores, 0 autor néo menciona os aspectos eco- némicos envolvidos na proposta, notadamente em pases do Terceiro Mundo, cujo setor Cad. Dif. Tecnol., Brasflia, 4(1):111-115, jan/abr. 1987 113 agricola € nitidamente capitalista. Entretanto, é um aspecto de grande importdncia ¢ que mereceria uma andlise mais aprofundada, A utilizago das tecnologias alternativas, o desenvolvimento de técnicas culturais adaptadas aos pequenos e médios agricultores, a implementagdo, pelo governo, de polf- ticas especfficas de crédito ¢ comercializagdo, bem como a maior conscientizagéo da sociedade dos perigos decorrentes da utilizacio intensiva de produtos qu{micos, podem levar a uma mudanga no enfoque dos programas de melhoramento, favorecendo, por exemplo, a criagio de hibridos apomiticos ¢ a preservagio de muitas variedades tradi- cionais, Entretanto, como foi dito, este € um aspecto a ser melhor analisado em outros trabalhos. A import4ncia da eliminagao de variedades do cultivo e mesmo o desaparecimento de espécies silvestres pela destruigéo de seu habitat séo contestados por aqueles que consideram as redes de coleta e armazenagem como uma solugio I6gica para o proble- ma. A seguranga e mesmo a viabilidade econdmica de tais medidas s4o contestadas por Pat Roy Mooney. De acordo com o autor, nem os Estados Unidos, nem o Canadé estio atendendo suas préprias necessidades de coleta e armazenagem. Na drea socialista, a avaliagdo da situagéio é mais dificil, e as informagées indicam apenas a presenga de ex- tensas colegbes na Riissia e na Tchecoslov4quia, Também as grandes firmas possuem colegées genéticas préprias ~ por exemplo, a United Brands (ex-United Fruit) detém armazenados aproximadamente 2/3 do germoplasma de banana do mundo, Geneticistas canadenses alegam que a Maple Leaf Mills e a Campbell Soup of Canada dispdem de material valioso, no compartilhado com as entidades piiblicas de pesquisa. De modo geral, entretanto, fica clara a situagéo precdria dos grandes armazéns de sementes, a sua vulnerabilidade a erros humanos e técnicos, 0 custo elevado de im- plantagdo destas unidades, notadamente nos paises mais pobres. Também fica evidente © risco subjacente de confiar a preservagao de recursos genéticos as grandes empresas, pois quem controlar os bancos de germoplasma, controlard, via patenteamento de se- mentes, a produgio de alimentos. Assim, empresas ou nagdes mais bem equipadas para manter estes recursos dete- rao um poder econdmico e politico sem precedentes na histéria mundial. O fato bésico, de maior relevancia para o Brasil, 6 a dificuldade em preservar o patriménio genético através do estabelecimento de redes de coleta ¢ armazéns adequados. Preservagao do meio ambiente, incentivo 4 manutengfo de variedades tradicionais pelos pequenos ¢ médios agricultores séo as sugestées apresentadas pelo autor. O fato de que 90% do material genético do mundo, armazenado a longo prazo, est4 na América do Norte & um elemento a ser considerado quando da elaboragao de polfticas nacionais usando o melhoramento vegetal e a preservagdo do nosso patrim6nio genético. No que se refere aos efeitos da legislagéo de protegao aos melhoristas, foi obser- vado que, nos pafses onde esta legislagdo est4 em vigor, as grandes empresas, notada- mente as inddstrias petroquimicas, assumiram um papel chave na produgdo e comercia- lizagiio das sementes. A necessidade de uniformidade fenotipica, necessdria 4 operacio- nalizagdo da lei dos cultivares, levou a eliminagdo de grande nimero de variedades, Cad. Dif. Tecnol., Brasflia, 4(1):114-115, jan./abr. 1987 114 com a conseqtiente eroséo genética e o aumento da dependéncia dos agricultores dos produtos agroindustriais. Como as empresas que hoje controlam o mercado de sementes sio inddstrias qui- micas, transnacionais, a expansio da legislago que permite o patenteamento das varie- dades no maior mimero possivel de pafses permitiria a estas empresas ampliar signi, ficativamente seu mercado, pois as informagées disponiveis jA confirmaram a lucrativi- dade do mercado de sementes na Europa e América do Norte, desde que protegido por Jegislagao especial. Sumarizando, a presenga dos grandes conglomerados, com base na industria qui- mica, os efeitos de mudangas tecnoldgicas no setor agricola, notadamente nos paises do Terceiro Mundo, a interdependéncia entre os pafses no que se refere a material genéti- co, 0 papel das empresas privadas e das entidades Pliblicas na politica de melhoramento vegetal so discutidos de forma bastante didética, Proporcionando material valioso para a reflexdo ¢ o debate, que, naturalmente, surgirao quando for novamente discutida a adesfo ou nao do Brasil a acordos internacionais que impliquem na adogdo de legisla- ¢4o sobre patentes na criagdo de seres vivos, Plantas ou animais. Manter, preservar ¢ desenvolver seu potencial genético, estimular a pesquisa ofi- cial, definir 0 papel das empresas privadas no que tange A produgio de sementes sio desafios que o Pafs dever4 enfrentar para ingressar na era da biotecnologia em condi- gbes de garantir sua independéncia tecnol6gica e capacidade competitiva, nos mercados agricolas internacionais. Sem divida, o livro em quest4o proporciona elementos bas- tante interessantes, capazes de estimular o debate sobre a conservagio dos recursos ge- néticos e as implicagGes da adogdo da legislag4o varietal restritiva (ou lei do patentea- mento de variedades). Helofsa Helena Tartarotti Assessora Parlamentar do Senado Cad. Dif. Tecnol., Brasflia, 4(1):111-115, jan/abr. 1987 115

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