Você está na página 1de 50

Escrito por Maura C.

Parvatis
Iniciado no fim de 2009.
Re-escrito em 01 de fevereiro de 2010.
Estréia 01 de junho de 2010.
''A rua nada mais é do que a própria vida
que esses garotos ainda não estão prontos
para viver''.
01 X 01
Capítulo Um: Brenda e Betina.

♫ Medulla – O Novo.

''Em Cubatão existe em um condomínio, o


Presidente Bernardes, ele fora idealizado na
década de 1972 e é nele que eu vivo desde
sempre...''. A menina parou para refletir sobre
o que acabara de escrever.
Talvez aquele não fosse o início ideal para
seu trabalho de férias: Faça um diário de
seus seis últimos meses com detalhes,
narrado em primeira pessoa de preferência.
Ela franziu os lábios e decidiu que com
aquele início 'ela' não iria começar, não
mesmo, também revirou os olhos para seu
pensamento e largou a caneta esferográfica
para destacar a folha do bloco que usava
para rascunhos, dobrá-la delicadamente ao
meio e guardá-la na pasta destinada aos
rascunhos – ela não costumava jogar nada
que escrevia no lixo, cada mínimo papel era
guardado com cuidado, se um dia sua
memória falhasse, ela teria seus diários e
papéis antigos para fazê-la reviver o passado;
e também não amassava-os quando irritava-
se com a falta de fluidez de sua imaginação,
naquele momento Brenda Joana Thomás
estava começando a irritar-se consigo mesma
por ainda não ter conseguido botar o melhor
de si naquele trabalho de Redação. Poderia
escrever qualquer coisa, mas Brenda não era
qualquer uma. Ela destacava-se no meio de
uma multidão por sua beleza ainda infantil e
quando vista mais de perto por suas atitudes,
que na sua opinião em dignas de admiração:
não colar nas provas e sim passá-la ou pedir
emprestado as respostas do colega-gênio, já
que quem era o colega-gênio era ela e com
mais uma infinidade de argumentos, ela
afirmava:
– Alcançar a perfeição nos estudos e vida é
algo trabalhoso... – comentou com alguma
graça.
E ela tinha uma reputação a zelar e tirar 20
no trabalho de férias não era nada ainda na
escalada que a menina que agora diziam ser
adolescente pretendia para si e para suas
pernas curtas e magras. Alcançar a perfeição,
era o que Brenda idealizava para si e o que a
tornava tão única e igual a todos por manter
em seu íntimo sentimentos que nasceriam
em breve, mas que naquele momento
estavam adormecidos profundamente e que
ficariam lá enquanto sua primeira decepção
com a vida não ocorresse.
A menina de 14 anos concedeu a si alguns
minutos de descanso.
Deixou sua escrivaninha atulhada de papéis
que ela retirara de uma outra pasta, eram
cartas que ela decidira ler para poder
escrever com detalhes o primeiro dia do ano
que passara, se não estava enganada, ao
lado de seus amigos. E era neles que estava
pensando enquanto debruçava-se na grade
da sacada de seu quarto, o apartamento no
décimo andar do bloco III daquele condomínio
que ela conhecia cada centímetro e o
principal cenário de tudo o que vivia – já que
pouco saía deste, sair para quê?, se apenas
concedia-se este luxo quando na presença
dos amigos em que estava pensando, no total
eram sete, seus sete amigos que quando não
ao seu lado a vida voltava a ser tediosa e
sem graça.
O bloco onde morava era famoso, mesmo
não possuindo muitas qualidades que o
fizesse melhor que os outros dois blocos de
apartamentos, sua única qualidade sendo
possuir um apartamento por andar, o que
para Brenda era terrível, viver isolada em um
andar apenas seu, sem o contato com os
outros condôminos era uma tortura. Mas já
havia acostumado-se, desde pequena era só
ela em seu andar apenas seu que tornava-se
movimentado, com o entra e saí pela porta
da lavanderia ou pela porta principal de
adolescentes nos períodos de férias ou nos
feriadões em que os paulistanos desciam a
serra.
Brenda que atendia por Baby B. com um
sorriso simpático olhava, ainda mais
debruçada, chegando a seus pés ficarem
alguns centímetros no ar, para o grande
jardim e praça, os bancos entre os canteiros,
os pequenos arbustos, os postes baixo de luz
- que tinham frequentemente suas lâmpadas
quebradas pelos garotos - e uma babá que
passeava com uma criancinha de 3, 4 anos
de idade. Olhou para os dois grandes blocos
que tinha como vista todas as manhãs em
que parava em frente a porta de vidro para
admirá-los com paixão e certa nostalgia, um
pouco de raiva e ansiedade.
Ela ofegou enquanto ria com sua afirmação:
se ela tivesse criado-se num dos outros
blocos do antigo Presidente Bernardes, com
certeza, não seria a radical adolescente que
estava tornando-se.
Ser a única adolescente num bloco
habitado por casais idosos podres de rico era
cheio de ''poréns'' e um deles era, este não
sendo em relação aos seus vizinhos: se seu
pai não tivesse morrido e se a mãe dele, sua
avó não tivesse enviado-lhe aquela carta em
2 de Janeiro daquele mesmo ano ela poderia
ter superado muita coisa: como a falta de
amigos em Cubatão e a dependência que
tinha dos sete outros garotos, que como ela,
tinham alguma ligação muito forte com
aquela cidade.
E a forte ligação de Brenda, da pequena,
doce e triste menina,com sua cidade natal,
era o atestado de óbito, a carta da avó e a
lacuna que estava sendo jogada do décimo
andar dentro de um envelope de velho
envelope de papel pardo. A menina admirou
a queda do envelope, pesado em
sentimentos, que caiu num dos canteiros
atrás de um banco de cimento pintado de
branco, um dos muitos que ladeavam os
prédios.
Brenda conteu uma gargalhada de prazer
quando viu o envelope cair dentro de um
pequeno arbusto... Lembrando-se depois
daquele pequeno espetáculo que devia,
rapidamente, descer e recolhê-lo para picotar
as lembranças, aquela sendo a primeira vez
que fazia algo daquele gênero. O novo possuí
uma sensação diferente, nunca provada pela
perfeita Brenda, era até mesmo perigoso
visto pelos olhos grandes e escuros da
meninas.
Ela soltou um risinho baixo para depois
sentir uma mistura de sensações estranhas.
Jogou-se para trás, caindo sentada na
varanda de seu quarto, a sensação de quase
tombar para a frente e voar para a morte foi
alucinante, o suor frio que ensopou sua nuca
em segundos foi motivo para uma piada:
''A grade de proteção precisa voltar já para
cá...'', informou.
Fisicamente você a imagine com as
seguintes características: uma menina que de
tão magra, sem peito, sem bunda, sem
gorduras era confundida com uma menininha
de 11, 12; os cabelos longos, ralos e lisos
chegavam-lhe a cintura e mesmo quando não
penteados pareciam perfeitos; lábios finos e
traços esculpidos com minúcia. Brenda
amava a todos seus colegas de colégio e
curso, e não odiava nenhum deles, amava a
primavera e o verão pro morar em Cubatão,
conhecia a todos no Presidente Bernardes e
era amiga de todos eles mesmo só
considerando ter sete amigos; ela era
considerada uma lambisgóia por algumas das
meninas mais novas ou mesmo mais velhas
por ser considerada a mais legal sem fazer
nada para ser considerada a mais legal. E ela,
Brenda, nada fazia para mudar as impressões
que as pessoas tinham com relação a si por
não carregar na maquiagem como Felipa ou
provocar na roupa como Vanessa ou mesmo
deixar as unhas crescer e pintá-las de
vermelho como Betina. Ela estava em um
patamar diferente das amigas, as outras
buscavam qualquer coisa, já Brenda buscava
a perfeição que o pai não havia sido capaz de
alcançar.

*
Era sexta-feira e Betina fazia algo que
odiava: apagar o quadro-negro. E enquanto o
fazia, o mais rapidamente possível, xingava o
professor de Química com os nomes mais
cabeludos que seus amigos garotos haviam
ensinado-lhe. Terminou, largou o apagador,
bateu o pó de giz na parte traseira da calça e
correu para a frente da mesa do professor,
onde estava parado duas outras garotas,
todas lançando olhares de tensão, esperança
ou mesmo de ''Se pá me f*di esse
bimestre...'' para o professor - um dos mais
antigos do colégio, que finalizava de somar as
notas. Por pedido da própria Betina ele iria
falar as notas do trio de uma vez.
– E aí, fessor? – perguntou ela quando o
professor depositou a caneta vermelha ao
lado do diário de notas, a garota sabia que
aquela caneta vermelha não fora usada
especialmente para ela - não naquele
bimestre.
O professor suspirou e então sorriu
brincalhão para as três:
– Preparadas?
– Nããão – guinchou uma das garotas.
– Sim?
– Mete bala – murmurou com a voz
arrastada Betina.
– Certo... Michelle? – Esta era garota que
respondeu ''Sim?'' e respondeu agora com
um: – Eu! – confiantemente. O professor
olhou para a garota de cabelos escuros e
ondulados por trás dos óculos e depois para o
diário de notas, anunciando – 34,6. – e
desejando: – Boas-férias de julho.
Michelle sorriu abertamente, olhando para
as colegas, Betina limitou-se a lançar-lhe um
olhar de desdém enquanto a garota morena
sorria alegremente, mostrando aquele sorriso
metálico que estava usando há dois anos.
– Rafaela, hum, Rafaela... – repetiu o
professor olhando do diário de notas para os
olhos arregalados da garota negra: – O seu
caso é... sério? – comentou o professor
pensativo.
– O meu!? – exclamou a garota surpresa.
– Sim, o seu. 9,7, menina. O mínimo era
15... Está na corda bamba. – O professor
limitou-se a olhá-la com pena fingida
enquanto esta começava a gemer baixinho,
sendo amparada por Michelle que a levou
para o fundo da classe.
O professor olhou para as garotas que
afastavam-se da mesa esquecendo-se por um
minuto da presença de Betina – esta
precisando dar quatro 'soquinhos' na mesa
para relembrá-lo de que estava lá.
– Mete bala, fessor – pediu Betina
escorregando para o centro, sentindo-se livre
por não ter ao seu lado aquelas duas. O
professor sorriu e então começou:
– Sei que você é amiga de Rafaela... – A
garota não entendeu aonde o professor
pretendia chegar. – talvez você possa ajudá-
la a fazer minha recuperação...
– O senhor pirou? – sussurrou, depois
sorrindo.
– Não.
– Não, sei! – debochou.
– Prefere que ela fique as duas semanas de
férias tendo aulas comigo...?
– Oh, fessor, o problema é dela... – disse
num sussurro enquanto suas sobrancelhas
finas contraíam-se. – Ela é que vai repetir no
colégio, não eu! – exclamou.
– Quanto egoísmo – afirmou com frieza o
professor.
– Quanto egoísmo?! – Ficou boquiaberto de
indignação.
– Sim.
Betina fechou a cara para o professor. Este
a olhou por cima dos óculos posicionado na
ponta do nariz:
– Eu só quero saber minhas notas –
relembrou com secura a garota.
– Está de férias.
Os lábios de Betina que estava apertados
tremeram de prazer.
– Parabéns.
– Obrigada – sorriu a garota, sem se
despedir do professor, caminhou até a
carteira onde estava sua mochila, a recolheu
e saiu do laboratório de Química, sem olhar
pra trás para Rafaela que choramingava,
antes baixinho, agora audível para os poucos
alunos que passavam pelo corredor claro e
especialmente sujo naquela manhã.
Não estava sendo egoísta, ajudaria
qualquer um que precisava de si, menos
Rafaela.
''Quanto egoísmo...'', se lembrou da frase
enquanto descia o primeiro lance de escadas.
Ao pisar o último degrau e se preparar para
descer a outra escada, ela parou e pensou:
''Talvez eu esteja sendo mesmo isso... Mas
ela está na corda bamba calçando sapatos de
solado vermelho e eu uso tênis, ela roubou-
me um namorado, meus amigos e a
confiança de metade do colégio em que
estudo desde o Pré I e eu estou roubando-lhe
as férias de julho...''.
Betina Rafaelli não era má por opção.
Toda a revolta e raiva que sentia do mundo,
seu apelido até era Raimunda, fora
implantada dentro dela pelas próprias
pessoas que questionavam-se o porquê dela
ser daquela maneira.
Uma vez na vida seu orgulho ferido tinha
que falar mais alto e naquele último dia de
aulas ele se pronunciara. Revidando tudo o
de mal que Rafaela Cardoso fizera para si
durante os três últimos anos.
Lembrou-se enquanto descia a outra
escada da mensagem que enviara para uma
amiga moradora de Cubatão: ''Todo Carnaval
tem seu fim como toda as amizades e como
todas as novas Betina que nascem de mim
quando alguém me fere, ela terá o troco em
breve, sim, ela terá o troco... Quero vê-la
sofrer um pouco, um terço do que eu sofri
quando ela fora egoísta demais. Sim, eu
também sinto saudades''.
'Ela' em questão não era a colega de classe
que perderia suas férias em Jurerê
Internacional, era uma outra garota que
também usava sapatos de solado vermelho e
que receberia o troco nas férias que
iniciavam-se naquela manhã.
A garota de cabelos longos e pintados de
um roxo desbotado, a raiz negra estava
aparente sorriu imaginando as maldades que
aprontaria para sua ex-melhor amiga. Os
cabelos eram sua única característica
marcante, no resto: e quero dizer, corpo e
traços, ela era tão igual às outras garotas do
colégio: as que não tinham namorados e
eram a chacota da turma ou mesmo as mais
lindas, populares e namoradas dos mais
lindos e populares.
Quando pulou o último degrau e saiu pelo
portão azul torceu seu nariz pequeno de
felicidade.
''Enfim, férias...'', sorriu com os olhos
bonitos. E todo seu conjunto, as sobrancelhas
desenhadas, a pele branca sem espinhas ou
manchas, nada fora do lugar e fora ao mesmo
tempo pareceu lindo para ela, até mesmo as
cicatrizes na barriga, tudo pareceu lindo e
perfeito pois ela estaria em Cubatão nas
próximas semanas e ela seria feliz, a ''garota
raiva do mundo'' desceria a serra naquela
mesma tarde para voltar para sua Cubatão
que já conhecera muitas Betina. E que não se
surpreenderia se conhecessem a nova ela
que havia gerado nos últimos meses.
Não percebera que havia parado ao lado do
portão, olhando para o nada enquanto sorria
idiotamente imaginando-se em Cubatão, não
se lembrando 'Dela' e dos planos malévolos,
não se lembrando que não mostraria mais
suas curvas adolescentes, não mais e até
mesmo esquecendo-se de que encontraria-se
com 'Ele'. Tinha apenas uma certeza, voltaria
para Brenda, sua única razão para ainda
desejar continuar a sorrir e passar de
propósito entre um grupinho de meninas da
oitava série sentadas na escada para ter seu
nome citado mais algumas vezes.
Por Brenda ela continuava a usar jeans
velho, coturnos surrados, camiseta pedindo
lavagem e a aquela sensação de
sufocamento que só elas sentiam, agora
acrescentando a Bett além da fama de má, o
egoísmo.
*

Brenda nunca fora em São Paulo, nunca


subira a serra, sempre ficava no nível do mar
mesmo; conhecia uma dúzia de cidades do
litoral paulista, mas a sua preferida era
Cubatão por ser a sua Cubatão. Já Betina
gostava do Guarujá por ser onde seus avós
maternos morarem, durante as férias em
julho em Cubatão ela sempre conseguia
induzir a mãe de Brenda a levá-las até a casa
de seus avós. Brenda não gostava muito da
cidade, mas achava-a linda quando ia com
sua amiga até ela e ficava metade de suas
férias por lá, seus outros amigos paulistanos
até acabavam juntando-se a elas e
transformando o Guarujá em quase uma
Cubatão.
Sandra Thomás estava lembrando-se da
última vez que levara as meninas até a casa
dos 'vovôs', enquanto verificava a
correspondência que Agemiro, o zelador do
bloco III, havia acabado de subir para ela,
entre as contas, faturas dos cartões de
crédito, cartas do colégio de Brenda e malas-
postais havia um cartão postal com uma
paisagem urbana e convidativa, a legenda no
canto inferior direito informando ser Curitiba,
a capital do Paraná, Sandra virou o cartão e
leu a curta mensagem de sua cunhada.
O semblante de Sandra modificou-se ao fim
da leitura, ela engoliu as palavras, na maioria
palavrões que desejava soltar, em resposta
ao cartão-postal mas controlou-se quando viu
que Brenda entrava na sala de estar:
– Mãe... – falou.
Sandra colocou o cartão entre as
cobranças, erguendo os olhos para a filha
voltando a sua face simpática:
– Sim?
– Estou descendo, quero ir dar uma voltinha
pelo condomínio,... posso?
– É claro que pode, filha...
– Então..., já estou indo...
Sandra assentiu, a menina virou-se e seguiu
em direção a porta pelo hall, quando sua mão
magra pousou na maçaneta, a voz de sua
mãe a chamou pedindo que esperasse, elas
desceriam juntas.
Ficaram em silêncio dentro do elevador que
descia em direção ao hall do bloco III.
Sandra perguntou a filha sobre a última vez
que ela e Betina foram ao Guarujá,
interessando-se em saber o que de bom
fizeram pela cidade.
– Foi na semana do Carnaval... Ficamos
indo naquelas bailes que a avó organiza pelo
bairro... – disse Brenda, rindo ao se lembrar.
– Vocês pretendem ir nessas férias até lá,
passar uns dias? – quis saber.
Brenda olhou para a mãe e fez que sim e
depois deu com os ombros dizendo: –
Depende da Betina.
Diziam que elas eram parecidas, mãe e
filha, só que Sandra era alta, tinhas os
cabelos castanhos volumosos e claros, como
os olhos, os seus sendo verdes e naquele
momento escondidos por um par de óculos
de sol, ela também estava um pouco acima
do peso - costumava afogar suas mágoas em
pratos e pratos de comida italiana. Mesmo
assim continuava bonita, mesmo, com o
passar dos anos. Tivera apenas uma filha,
Brenda e ficara viúva há 2 anos.
Elas iria até a sala do zelador do bloco I,
Sandra era uma das síndicas do Presidente
Bernardes, 'a casca grossa' como era
conhecida entre os adolescentes veranistas,
por não aprovar banhos nas piscinas de
madrugada.
A saída da mãe para tratar de assuntos do
condomínio coincidiu com a de Brenda que
neutralizava o nervosismo em sair logo
daquele elevador e recuperar o envelope. A
garota agora pensando no que faria pra
despistar a mãe e recuperar o envelope.
''Missão impossível?'', pensou, tentando se
convencer de que não.
Mãe e filha saíram do elevador
cumprimentaram um vizinho idoso e
continuaram o caminho.
– Quem te ligou hoje pela manhã?
A menina que olhava para o lado
respondeu, tentando parecer desinteressada:
– A Betina mandou-me uma mensagem.
– Os Rafaelli desceram hoje a tarde, se não
me engano...
– Você não está enganada... – sorriu Brenda
olhando para a mãe que não avistou o gesto.
– Maria Fernanda Radi telefonou-me ontem,
irá reservar o salão do nosso prédio para
daqui duas semana. – disse agora olhando
para a filha.
– Ah, o aniversário do Caio.
– 15 anos, certo?
– É. Mas nem parece, não acha?
– É. Ele aparenta ter mais idade.
Quando passaram pela porta aberta do
prédio Brenda parou, sua mãe continuando a
andar, a menina olhou para a direita e para o
terceiro ou quarto banco onde o envelope
deveria estar atrás dentro de um dos
arbustos, ela trincou os dentes e pensou no
que faria, coçou a cabeça e então olhou para
a mãe gritando:
– Espere-me...
Sandra parou, virando-se:
– Parou pra quê?
A menina iria dizer: ''Sei lá...'', mas pensou
bem: – Vai ter praia hoje – E indicou com o
queixo o céu azul.
A mãe abaixou um pouco os óculos escuros
e olhou para o céu: – É, está fazendo uma
manhã linda.
''Lindas manhãs precisam fazer durante a
estadia deles por aqui...'', pensou Brenda
enquanto olhava para o céu, seus olhos
cerrando-se quando o sol que estava
escondido por nuvens deu o ar da graça.
– Filha... – Sandra cutucou o ombro
esquerdo da menina.
Brenda abaixou os olhos, fechando-os até
que sua visão voltasse a se adequar a luz
natural para poder olhar para a mãe: – Sim?
– Você se lembra dela? – Brenda olhou da
mãe para a direção em que esta olhava e
para a pessoa em questão.
Uma garota alta e de cabelos longos como
os seus, só que castanhos claros e com
mechas californianas, havia saído do bloco II
e estava começando a caminhar entre o
grande jardim a 50 metros delas. É claro que
Brenda não se recordava de quem seria a
garota, nunca havia conhecido uma aspirante
a modelo no Presidente Bernardes, a
distância também dificultava o
reconhecimento:
– Quem é ela? A senhora a conhece? –
perguntou para a mãe, subitamente
interessando-se.
– Larissa Wilmer – disse com certo respeito
Sandra, pelo menos foi o que notou Brenda.
Subitamente as sobrancelhas da menina
juntaram-se e sua boca foi escancarando-se:
– Lari... – sibilou sem voz.
– Ela está diferente, não acha?
– Virou uma...
– girafa – completou Sandra com escárnio.
Brenda censurou a mãe com um olhar.
– Ela virou uma Felipa – corrigiu a menina.
A mulher olhou para a filha não entendendo
a comparação, apenas dizendo: – Eu preciso
trabalhar... Vai comigo ou... – sorriu – irá se
reapresentar a Lari?
Brenda fechou a boca antes de terminar: –
Vou com a se... – Lembrou-se do envelope. E
usou a chegada da antiga colega de
condomínio como desculpa para recuperá-lo.
– Seria legal eu ir vê-la, não acha?
– Acho – sorriu Sandra com orgulho. –
Então... – Acenou para a filha e a deixou
parada quando esta comentou:
– Vou sem querer encontrá-la no caminho
enquanto também caminho... Tchau, mãe.
A menina acenou e deu as costas para a
mãe enquanto caminhava como se voltasse
para seu prédio. Sandra antes de entrar no
bloco I, olhou para trás e sorriu com certo
alívio ao ver que a filha havia dobrado para a
esquerda e não seguido em linha reta. A volta
de Larissa Wilmer, da famosa ex-melhor
amiga de sua filha poderia ser muito saudável
para que esta voltasse a ter amigos, além
daqueles que apenas passavam temporadas
na vida de Brenda.
*

O carro já havia sido carregado com tudo o


que a pequena família de quarto pessoas,
incluindo um cachorro idoso, precisariam
durante as semanas de recesso que
passariam no litoral. Todos já estavam
prontos, incluindo o cachorro idoso que
dormia em seu lugar no sofá de três lugares,
menos a adolescente da casa, Betina
terminava de fechar uma mala e levá-la para
a garagem - seu quarto ficando no andar
térreo e voltar correndo para o cômodo, ela já
estava pronta, a camiseta do uniforme
escolar fora trocada por uma bata de alças
finas e a mochila fora esvaziada dando lugar
aos cosméticos da cômoda e da pia do
banheiro, o almoço da garota seria em uma
parada na estrada, avisara sua mãe que já
estava em pé a porta chamando-a:
– Precisamos ir...
– Precisam nada... – disse fechando a
mochila enquanto sentava-se em sua cadeira
de girar em frente ao computador, como
sentiu os olhos da mãe sobre si, virou-se e
pediu com a voz fininha: – 2 minutinhos, por...
favor.
– Heloísa.... – A voz ressonante soou como
um congo salvando Betina do primeiro round.
Um homem gordo de 50 e poucos anos
parou ao lado da senhora de 40 e pouco e de
corpo de 35, um pouco resfolegante, seu
buço muito usado como o colarinho de sua
camisa polo.
– Vou ir encher o tanque... – anunciou.
– Agora?! – berrou. – Estamos em cima da
hora, Altino....
O pai de Betina não se pronunciou, ele não
respondia Heloísa por piedade, os ataques de
nervos da esposa eram justificáveis, a idade...
a menopausa...
Betina aproveitou a oportunidade.
– Prepare um almoço pra menina, eu irei
demorar... Vou no posto da avenida...
Heloísa voltou a berrar: – Você sempre
deixa tudo pra última hora, sempre-sempre,
Altino...
Iremos pegar um engarrafamento
quilométrico, sabia?
– É claro que eu sei, por isso estou levando
duas garrafas de cafeína sem açúçar...
– Boa, pai... – Aplaudiu Betina que estava
fitando de braços cruzados os pais, Altino
sorriu pra única filha e depois para a esposa:
– Daqui meia hora na garagem... – E virou-
se com um suspiro, Heloísa não deixando
barato, seguindo nos calcanhares:
– Vou com você.
E as vozes dos únicos pais que Betina
conheceu na vida e que eram melhores dos
que desejava demoraram pra sumir, o
problema de morar no térreo de sua casa era
de que a garagem era muito próxima e as
discussões de seus pais eram sua música
todos os dias pela manhã quando Altino saía
para o trabalho, enquanto Betina pensava o
carro saiu da garagem fazendo barulho e
quatro janelas começaram a piscar em sua
tela, fazendo barulho, ela não notando-as até
que uma voz a chamou:
Ela pulou assustada, a voz que era um
pouco rouca, juvenil e ao mesmo tempo velha
dizia apenas uma frase cheia de palavrões,
tendo como uma música de banda pós-punk
de fundo.
A garota atendeu: – Fala, caralho... – sorriu
Betina.
– Tá dormindo? – gritou em resposta Carmo,
o dono da voz.
– Só se for acordada – respondeu, notando
as janelas a piscar para seu coração começar
a pular.
– Estou online com o Peri, nos responda –
exigiu Carmo.
– Você está ao meu ouvido, quer esperar
minhas respostas...?
Ela segurou o celular com uma mãe e com
a outra abriu as janelas que correspondiam a
Peri, Vanessa e uma mensagem offline, Liz,
Luise e uma de Caio.
– Prefiro. Estou na casa do Peri, queremos
conversar via Skype.
– É?
Carmo respondeu, ela não entendendo pois
estava lendo o que Peri digitara boquiaberta.
Ele a chamou no Skype.
– Atende... – falou Carmo.
– Eu não acredito... – sibilou a garota.
– ATENDE, CARALHO, ATENDE... – berrou o
garoto do outro lado ainda gargalhando,
Betina guinchou enquanto afastava o celular
de seu ouvido, desligando-o
imediatadamente e largando o aparelho
descuidadosamente em cima da mesa e
atendendo Peri via Skype, enquanto
aproximava o microfone.
– E aí? – Peri, um garoto de óculos, sorriu
para ele.
– Oi... – disse sem interesse falando muito
afastada do microfone.
Um garoto de rosto magro e olhar alucinado
sorriu enquanto mostrava dedo para ela.
– O que foi aquilo... – Tentou não notar o
sinal de Carmo – que você me escreveu? –
perguntou com hesitação.
– O que me falaram – respondeu Peri. – Vai
pro inferno, Carmo – chiou enquanto afastava
a mão do amigo de sua frente.
Betina rangeu os dentes, apenas
respondendo quando encontrou os olhos de
Peri na tela:
– Foi Ela que disse aquilo...?
– Nããão, foi eu – exclamou Carmo.
– Cala a boca – gritou Betina.
– Foi – respondeu Peri olhando de canto
para o amigo que havia se levantado –, quem
mais poderia ter dito?
– Ninguém – respondeu com amargura.
Betina abaixou os olhos, fitando seu
aparelho de celular.
– Tudo bem? – perguntou Peri apertando os
lábios.
– Vou pra Cubatão hoje.
A voz de Betina chegou fraca para os
amigos, Carmo que estava parado de pé
olhou para a garota de cabeça baixa na tela,
ele adoraria ter feito uma piada mas aquele
não era o momento para um palavrão, sua
mão direita passou pelo moicano
cuidadosamente penteado para trás.
– Vai ser foda essas férias – informou mais
para si mesmo.
– Amanhã eu tô descendo – disse Peri.
Betina ergueu os olhos e sorriu para o
primo paterno de Brenda, o Pedrinho ou
mesmo Peri Thomás que aceitou o sorriso
amarelo de Betina como sendo o mais lindo
que a garota era capaz de conceder ao pobre
garoto geek que ele era.
– Vai ser legal... nós... cinco? – Ela sorriu.
– O Carmo não conta – retificou Peri.
– É, havia me esquecido... – Voltou a sorrir.
– Quase sempre o novo não é bom –
comentou Peri. Betina abrindo os lábios num
trejeito seu de desdém.
– Que Cubatão vá pro inferno – exclamou
Carmo.
A frase sendo transmitida para Betina que
gargalhou com prazer antes de anunciar:
– Vou desligar.
– Tá.
Ela acenou, Peri também, ela não vendo
pois já havia fechado a tela para ler as
mensagens de Caio, que como as de Vanessa
foram mandadas quando ela estava offline:
'E aí, Betina.
Tudo bem?
Estou em Juquihé, no sábado estarei em
Cubatão.
Quero te dizer algo antes que digam
primeiro: não acredite no que minha irmã
disser, tá?
Você a conhece, como eu, ela não é
merecedora de crédito, não acha?
A gente se vê no Presidente Bernardes.
Beijos, até lá.'
Apertou a tecla Esc e passou para a curta
mensagem de Vanessa:
'Precisamos nos falar olhos nos olhos e não
por mensagens instantâneas.
Não irei pra Cubatão por não querer.'
Betina fechou sem ler o que Luise e Liz,
duas garotas de Cubatão, diziam. Ela já havia
lido mais do que desejava para aqueles
poucos minutos em on. Desligou o
computador e levantou-se da cadeira com um
certo alívio por saber que ficaria longe
daquele maldito Skype que unia seu grupo e
daquele programa de envio de mensagens
instantâneas que só haviam trazido-lhe
desgosto, novidades e babados e e tudo o
que Ela dizia e que ela desejava não saber...
''O que ele dissera sobre o novo são ser
bom...''.
– Peri, maldito... – gemeu.
Betina queria ter tempo para se trancar em
seu banheiro e chorar algumas lágrimas
antigas, como ela queria ter tempo, colocou a
mochila nos ombros e saiu de seu quarto,
batendo a porta ao passar, antes de correr
para a garagem, ela verificou a portas e
algumas janelas e quando ouviu a buzina do
carro, correu desesperadamente para a
garagem e para o carro que esperava-a do
outro lado do portão aberto, para o carro que
a levaria para Cubatão, sentou-se no banco
traseiro no momento em que uma senhora
aparecia ao lado de sua porta e pedia que ela
abaixasse o vidro:
– Júlia..., que você está fazendo aqui?! –
gritou enquanto acionava o botão automático
e o vidro descia.
– Eu irei cuidar de sua casa durante suas
férias – informou a mãe de João, Júlia Amparo,
um de seus amigos.
– Você não vai pra Cubatão, não?
– Não.
– E o Jão?
– Ele sim.
Betina fez que sim enquanto ficava
boquiaberta, suspeitando com os olhos para a
novidade, uma perguntinha saltitando em sua
mente: ''Por qual motivo ela, Júlia Amparo,
iria deixar seu apartamento no centro da
cidade para se dirigir para o Belém e ainda
sorrir e ainda mais, por qual outro motivo ela
iria deixar de passar suas férias em Cubatão
para cuidar da casa dela, no Belémzinho,
hein, hein?''.
– E o tio vai descer com o Jão? – perguntou
a garota.
– Oh, sim, o André descerá a serra com o
João amanhã pela manhã – sorriu.
Betina assentiu enquanto disfarçadamente
arqueava as sobrancelhas, cheia de
suspeitas.
– Então vamos? – perguntou o patriarca do
pequeno clã Rafaelli.
– Boa-viagem – desejou Júlia Amparo dando
alguns passos para trás e começando a
acenar.
Betina acenou e sorriu sem emoção,
enquanto sua mãe gritava recomendações
para a mãe de João, um garoto de poucos
sorrisos, muitas cicatrizes e com uma
namorada embaixo do braço,
que é seu skate. Ananda sua namorada vinha
logo atrás, sempre fotografando-o.
– Tchau, Júlia – gritou Betina antes do carro
partir e sua mãe gritar:
– Cuide das minhas plantas!!!
A garota revirou os olhos para a mãe e sua
preocupação com suas plantinhas enquanto
prendia os cabelos maltratados fazendo um
coque capenga. O poodle idoso descansava
negligentemente ao lado da garota que o
olhou com certa compaixão mesmo nunca
tendo amor ao animalzinho que sempre
tentara conquistá-la e que só agora, velho e
cansado, havia conseguido o amor da garota
que também estava sentindo-se velha e
cansada.
– Eu estava pensando... – começou ela,
empurrando sua mochila sem cuidado para
seus pés. Seus pais a olharam, ele pelo
espelho retrovisor, ela virando o pescoço.
Betina gostou da atenção: – em vocês
deixarem-me no Guarujá na casa dos vovôs...
– Porque?
– Enjoou de Cubatão? – Riu-se Altino.
– É..., quase isso... – sorriu.
– Quer isso mesmo?
– Quero.
– Betina... – Sua mãe começou desconfiada
–, você fez alguma coisa no condomínio que
nós não sabemos...
– Não, mãe! Não é nada desse tipo... Eu
apenas quero ir ficar mais algum tempo com
meus avós, que mal tem nisso?
– Nenhum – afirmou Altino.
– Nenhum – repetiu Betina. –, viu?
O poodle bocejou, Betina pousando sua
mão na cabecinha do cachorro ocupando-se
em afagá-la.
– O Guarujá ainda é uma novidade em sua
vida, não acha, filha?
– Talvez, papai.
A única novidade mesmo naquele momento
na vida de Betina era o de que Felipa, a irmã
de Caio, um moleque podre de rico e dono de
um coração podre em sentimentos anunciara
guerra pública a ela e ela não iria querer
chegar ao famoso Presidente Bernardes
naquele estado, sentindo-se velha e cansada,
como o poodle, o Guarujá poderia ser ainda
uma novidade em sua vida para seus pais,
mas para ela aquela cidade era a única capaz
de renascer consigo.
*
Cobra Starship feat Leighton Meester –
Good Girls Go Bad.

Brenda certificou-se de que a mãe havia


entrado em um dos prédios para continuar
seu caminho em direção ao arbusto e não a
Lari W., como Sandra imaginava. A menina
seguiu lentamente, com a cabeça baixa
fitando o detalhe em paetês em sua camiseta
branca, o volume do celular último modelo no
bolso esquerdo de seu jeans fez com que
uma lâmpada se acendesse no alto de sua
cabeça, ela o pegou e com rapidez digitou o
número que sabia de cor, já o digitara muitas
vezes há muitos anos atrás.
O celular chamou três vezes, na quarta a
chamada caiu.
Brenda olhou para a tela e pressionando os
lábios olhou para a direção em que Lari W.
devia estar, ela estava sentada num banco,
olhando para a direita enquanto seus dedos
brincavam com uma mecha. Brenda discou
novamente e seguiu em direção ao arbusto,
com o celular próximo ao ouvido esquerdo ela
curvou-se e com os olhos arregalados ela
tentou encontrar o envelope entre as
folhagens, entrando dentro do arbusto,
melhor dizendo, visualizando metade do
envelope caído detrás do arbusto, ela saiu
chiando por ter sido arranhada pelos galhos.
O celular ainda chamava quando Brenda
subiu no canteiro sem olhar para os lados foi
para trás do arbusto e abaixou-se, pegando o
envelope que estava como vira da última vez,
soltando o ar pela boca com alívio:
– Alô, quem é? – perguntou uma voz de
mulher adulta do outro lado da linha.
A menina ficou sem fala por poucos
segundos, ela pestanejou enquanto com uma
careta ela dizia:
– Esse número pertence a Larissa Wilmer?
– Sim – respondeu grosseiramente a
mulher.
– E ela estaria para atender-me? –
perguntou com educação.
A mulher percebendo que falava com uma
jovem de modos, amansou a voz: – Ela saiu...
quero dizer, ela viajou... Foi para Cubatão,
para a casa da mãe...
O queixo de Brenda quis cair, ela fechando
a boca ao terminar de falar: – Ahhh....
– Ela vive esquecendo o celular em casa...
Brenda apenas assentiu.
– Você desejaria o número do fixo da casa
dela em Cubatão?
– Eu? Ãn... Não, não será preciso, eu possuo
esse número...., também – arrematou.
– Ah, que bom que Lari passou o número de
Cubatão, ela não costuma fazer isso com
seus amigos aqui de Santos...
Brenda deu uma risadinha sem graça,
despedindo-se: – Irei telefonar para ela. Até
logo, obrigada.
A menina encerrou a chamada antes de
ouvir o adeus da madrasta de Lari W.,
Doralice. As sobrancelhas de Brenda
contraíram-se, como seus lábios que
começaram a tremer enquanto ela tentava
controlar a risada prazerosa que desejava
dar. Seus olhos rapidamente percorreram o
grande jardim e praça que separava os dois
primeiros blocos do Presidente Bernardes e o
terceiro bloco, aqueles 110 metros que antes
eram tão curtos para ela quando o assunto
era Lari W., sua ex-melhor amiga que estava
parada a saída do bloco II, encostada na
porta de vidro, de braços cruzados, a olhar
para a garota em pé no canteiro em frente ao
bloco III.
''Será que ela está me reconhecendo?'',
indagou-se Brenda.
O celular seguro em sua mão direita
pareceu escorregar, suas mãos suaram e
tornaram-se frias, ela estava com uma
sensação engraçada na barriga, sentia frio e
aquilo era apenas sentido na presença de
uma pessoa e agora na presença dela.
Brenda passou o celular pra mão esquerda
que segurava o envelope e com a direita,
agora livre, ela acenou para Lari W., que
demorou pra esboçar uma reação, o
descruzar dos braços bastou para Brenda
sorrir e sussurrar:
– Ela me reconheceu...
E quem não reconheceria, Brenda não
mudara nada, continuava a mesma de 2 anos
atrás, a mesma garota ingênua e que fazia-se
de boba para não notar toda a falsidade que
perseguia-a.
A garota de 1 m e 73 de altura de jeans
caro e justo, salientando suas poucas curvas,
a blusa de modelo desafiador, de gola
futurista e com muito tecido além das
sandálias de dedo em tom de pele era um
conjunto estranho sendo arrematado pela
pele branca mas bronzeada além das mechas
californianas que a transformavam numa
garota única. Felipa Radi com certeza se
estivesse naquele momento, enquanto Lari
W. caminhava, ou mesmo desfilava em
direção a Brenda já teria arrancado seu
sapato de salto caríssimo e arremessado na
garota com raiva por Santos ter conseguido
transformar uma garota boazinha numa má.
*

A viagem dos Rafaelli decorria da melhor


maneira possível, Betina dormia
espaçosamente no banco traseiro, o poodle
em cima de sua barriga, além de estar com
um cinto de segurança enrolado a sua canela
direita. Seus pais imaginavam que a garota
estava fingindo dormir pois quando tinha
fones nos ouvidos, ela costumava fechar os
olhos para viajar nas letras das músicas e em
suas traduções ruins das canções em inglês.
O carro havia parado num posto, Altino
tentou acordá-la com sua voz 'baixinha', não
conseguindo. O casal deixando a garota por
lá, a mãe voltando minutos depois, seu
trabalho d despertar já sendo feito pelo
poodle que lambia o rosto da garota:
– Seu... veadinho... – sorriu a garota ainda
com os olhos fechados.
– Filha... – chamou Heloísa sentando-se no
banco do carona: – Vamos comer algo,
Betina?
A garota sonolenta sentou-se, o cinto que
prendia-a dificultando seus movimentos, com
paciência, ela o tirou de lá para poder saltar
pela porta da direita.
– Em que quilômetro estamos? – quis saber,
sua mãe não respondendo-lhe pois não havia
a ouvido.
Estavam num estacionamento a céu aberto,
um posto de gasolina à esquerda e uma filial
da rede McDonald's à direita.
– O pneu furou... – informou Heloísa para a
filha.
– É sério?
– Sim.
– Que azar, hein? – debochou.
– Mas ele já foi trocado.
– Cortou meu barato – sorriu a garota.
Heloísa censurou a filha que pouco se
importou pois olhou para a pequena loja de
conveniências no posto de gasolina:
– Posso ir até lá? – perguntou para a mãe.
– Fazer...?
Betina pensou: – Comprar umas revistinhas,
ué?! Não posso?! Eu tenho dinheiro, tá!
Tenho um cartão de crédito... – relembrou
cruzando os braços.
– Vai... – grunhiu a mãe.
– E a senhora vai pro Mc?!
Heloísa assentiu: – E o que você vai querer?
– O de sempre, ora!
– Certo. Não demore! – exclamou quando
Betina virou-se e caminhando com certa
rapidez dirigiu-se a loja.
A loja era pequena, mas tinha portas
automáticas que abriram-se quando a garota
de cabelos roxo aproximou-se, ela entrou e
foi fitada de cima a baixo pela caixa do
estabelecimento, Betina parou ao lado da
prateleira de revistas, lendo seus nomes e
capas enquanto assoviava a introdução de
Pacience do Guns 'n' Roses, poucos sabiam
imitar o assovio de Axl Rose com perfeição,
Betina era uma delas e ela adorava ser
perfeita pelo menos naquilo. Com descaso ela
pegou duas, quatro, seis, sete e adentrou
ainda mais na loja.
Havia uma pequena sessão de cosméticos e
uma prateleira de tinturas para cabelo, com
as revistas apertadas num abraço ela fitou as
marcas e as cores que a loja disponibilizava.
''Credo, aqui só tem loiro...'', e ainda
assoviando ela deu as costas para aquela
seção, indo perambular pelas outras.
Quando Betina enfim terminou suas
compras de férias na primeira loja de
conveniências que encontrou seu saldo foi
motivo para olhares desconfiados da caixa.
Ela, uma jovem de cabelos escuros presos
num coque bem feito, fitava a cliente
enquanto passava os produtos. Betina
sustentava um olhar simpático para a outra,
esperando que esta a lançasse um olhar feio
para revidá-lo com alguma ironia, o máximo
que a caixa fez foi perguntar:
– Descendo para o Litoral?
– É, Guarujá, depois Cubatão.
A lanchonete estava cheia, muito cheia,
constatou Betina ao entrar pela porta e
encostar as costas na mesma diante do
aglomerado de pessoas que a assustou, a
grande lotação da lanchonete na primeira
sexta-feira de férias não era motivo pra
surpresas já que cinco entre quatro carros
paravam ali para entupirem as crianças
paulistanas com comidas gordurosas.
Sua mãe esperava-a sentada numa mesa
de quatro lugares próximos aos banheiros:
– Só encontrei lugar aqui... – desculpou-se
Heloísa.
– Não está fedendo ainda... – comentou a
garota sentando-se em frente a mãe –
qualquer coisa já estamos com um pé lá
dentro – gargalhou baixinho.
Heloísa não achou graça.
Betina passou a sacola para a mãe para
fitar sua bandeja. A adolescente olhou para
todas as mesas ocupadas próximas a si e
sorriu ao perceber que a sua era a única que
continha salada, uma torta de maçã e outra
de banana, além de um grande copo de Coca-
Cola.
– Beeetiiinaa... – chamou sua mãe baixinho,
o tom de sua voz era irado.
A garota que sorria para sua bandeja
ergueu os olhos para a mãe que havia
retirado de dentro da sacola plástica uma
caixa de tintura.
– Vai fazer o que com isso? – apontou com o
queixo para a caixa de tamanho médio.
– Pintar meus cabelos – disse normalmente.
– Outra vez?
– É – respondeu Betina enquanto puxava o
copo de refrigerante para si e enfiava o
canudo no mesmo para começar a bebê-lo.
– Eu... não... te... entendo, filha – afirmou a
mãe enquanto devolvia a sacola a caixa de
tintura. Betina olhou para a mãe, esta não
encarando a filha por muito tempo. – Eu não
te entendo, Betina – voltou a afirmar.
A garota engoliu com muita rapidez o
refrigerante, quando falou sua voz saiu rouca,
falha:
– E quem disse que eu quero ser entendida,
mamãe? Sabe... – revirou os olhos, arqueando
a sobrancelha esquerda e dando com os
ombros ao mesmo tempo: –, eu não ainda
não quero que a senhora ou o papai
entendam-me, não agora, talvez amanhã...
– Talvez amanhã? – repetiu com secura
Heloísa Rafaelli. – Talvez... você queira ser
compreendida, apenas não quer é dar o braço
a torcer...
Num gesto que surpreendeu Heloísa, Betina
empertigou-se na cadeira, largando o copo de
suco ela esticou o braço direito:
– Eu não quero ser entendida – falou
rapidamente. – Quero apenas voltar a ter
cabelos louros para equiparar-me às pessoas
normais,... mãe.
Guns 'n' Roses voltou a tocar, dessa vez, a
voz rouca de Betina deu vida a canção que
antes assoviara na loja de conveniências.
Por que as coisas não voltavam a ser como
antes?
Por que as pessoas não voltavam ser como
eram antes de tragédias coletivas?
Por que as pessoas não continuavam a
serem aquelas mesmas que dividiram barras
de cereais com Betina durante as últimas
férias. O porquê de elas não voltarem era tão
óbvio, ele estava até mesmo marcado na pele
da própria Betina que naquele momento
afirmou em silêncio:
''Eles não voltaram, pois, dessa vez
ninguém voltará para Cubatão...''.
Eles poderiam retomar a viagem em
direção ao... Guarujá, apenas Altino parecia
animado para o retorno às rodovias. Heloísa
não queria que a filha voltasse a ser loura. E
Betina também não queria, mas havia feito
uma escolha enquanto passeava pelos
corredores da loja de conveniências.
*

Brenda sorriu duas, cinco, seis vezes,


sempre fechando seus melhores sorrisos com
a diminuição da distância entre ela e a garota
magra que caminhava elegantemente até
ela. Brenda após acenar para Lari W. saltara
do canteiro para o chão e caminhou indo em
direção a porta de seu bloco, ficando lá,
parada, controlando uma tremedeira
enquanto Lari W. aproximava-se mais.
A menos de dois metros, quando Brenda
conseguia distinguir os antigos traços, os
mais marcantes de Larissa, que ainda
permaneciam naquele rosto magro e de pele
limpa, ela disse:
– Você está diferente... – falou debilmente.
Lari W. parou e sorriu com certa timidez,
colocando a franja para trás das orelhas, seu
antigo trejeito:
– E você está como sempre, hein?
– É – ela concordou – eu continuo a mesma.
– Quando você chegou?
– De madrugada – disse estralando os
dedos da mão direita.
– Vai 'apenas' passar férias?
– Uhum.
Lari W. tomou a dianteira nas perguntas,
começando a pedir novidades sobre seus
antigos amigos e colegas e amigos de
Brenda, esta apenas podendo afirmar que
eles estavam bem e que nos últimos meses
pouco falara com quase todos, com exceção
de Betina e Peri que pareciam ser os únicos
que ainda lembravam-se que ela existia por
lá.
A menina parou abruptamente de falar ao
perceber que falara demais.
Ela fitou a ex-amiga com seus olhos escuros
e subitamente, Lari W. gargalhou, Brenda
assustou-se, a garota magricela abaixou-se,
colocando as mãos nos joelhos e gargalhando
ainda mais.
Brenda aproximou-se, com um sorriso meio
formado no rosto, pedindo com os olhos
explicações. Lari W. ergueu-se, ainda rindo,
com as mãos na boca para esconder os
dentes que ainda devia odiar.
– Qual foi a graça?! – gritou Brenda
sorrindo.
– Você continua a mesma Brenda que eu
deixei aqui– disse abaixando as mãos. Seu
sorriso permanecendo em seu rosto por mais
alguns segundos até que morreu.
– É, eu continuo a mesma – voltou a dizer
Brenda sem emoção.
– Eu queria está voltando para ficar –
confidenciou.
– Seria legal você voltar...
– Não diga que o Presidente Bernardes está
sentindo falta de mim? – Ela sorriu triste.
– Talvez... Eu senti sua falta.
– Pelo menos alguém – exalou.
Lari W. dissera que gostara da blusa da
menina. Brenda dizendo o mesmo sobre a da
garota e sobre suas sandálias. Lari, como
Brenda preferia chamar, perguntou se João
ainda namorava a azeda Ananda e se
Vanessa ainda tinha tendências
homossexuais, gostando de saber que sim.
Peri, o estranho primo de Brenda, agora fazia
parte do grupinho, sua família trocara
Americana por Cubatão desde o último verão
e Carmo agora era odiado por todos os
condôminos, com exceção de Sandra
Thomás, que não acreditava que um garoto
como ele era capaz de arranhar carros de
vizinhos ditos como chatos.
– E as meninas? – perguntou Lari.
– Quais?
– Liz... Luise... Carina... – disse os nomes
lentamente.
– Eu não falo com elas.
– Você falava antes da minha 'partida'... – A
garota fez aspas no ar.
– Elas... são suas amigas, Lari – sorriu
Brenda.
– E suas também.
– Minhas não – sussurrou.
– Pensei que você tivesse mudado... – disse
olhando para a gola de sua blusa.
– Eu, mudado...?
– Você continua a dependente dos garotos
da capital e eu... – Ela hesitou, seus olhos
subitamente brilharam, enquanto erguia o
rosto lentamente ela sorriu – mudei muito...
– Percebo.
– Esperava que você tivesse mudado
também. Sei que não é tão fácil mudar,
mas... você nem tentou.
Lari mordeu a própria língua, uma mania
adquirida em Santos.
– Minha mãe – disse Brenda que olhou por
cima do ombro.
Lari W. Com as pontas dos dedos secou
umas lágrimas enquanto olhava para trás e
dizia com a voz um pouco sumida:
– Aquele, acho que, é o novo vizinho...
– Novo vizinho? – espantou-se a menina.
– É... O apartamento do casal Silas foi
vendido...
– Quando isso ocorreu...?
Brenda sem perceber seus gestos
aproximou-se de Lari, parando ao lado da
garota alta, não notando a grande diferença
de estatura, também não estava interessada
em resmungar seu tamanho. Como Lari, ela
estava 'interessada' no homem, de gorduras
salientes para seus 1 m e 69 de altura que
seguia a alta e também cheia de gorduras
salientes que era a síndica e mãe de Brenda.
O homem não trazia nada em mãos, apenas
uma mochila pendurada no ombro direito,
notando esse fato, Brenda percebeu que ele
era jovem, menos de 30, pois usava
bermuda, tênis e uma camisa polo, que era
arrematado por uma barba ainda rala, óculos
de grau e um cabelo castanho que precisva
urgentemente ser cortado.
''Deve ser o filho...'', pensou a menina.
Sandra e o rapaz passaram pelas garotas,
ele olhando-as e apenas acenando com a
cabeça, a senhora dizendo:
– Olá, meninas, olá...
As garotas sorriram e disseram qualquer
coisa, esperando que os dois entrassem no
prédio para virarem-se, ainda conseguindo
vê-los entrando no segundo elevador que
esperava moradores parado no térreo.
Lari mordia o lábio enquanto pensava
consigo mesmo, ao contrário do que Brenda
imaginou, não com relação ao novo vizinho.
– Venderam o apartamento, ufa... – brincou
Brenda.
– Enfim – sibilou a garota.
Brenda virou-se, olhando para o segundo
bloco a alguns metros de distância.
– As coisas estão mudando – disse Lari.
– Um novo morador – falou Brenda com um
sorriso estúpido, sorriso fingido, como se a
chegada de um novo condômino ao
Presidente Bernardes fosse modificar algo na
vida dela e dos garotos da capital.
– Se você pedisse que eu ficasse, eu ficaria
– revelou Lari.
Brenda não olhou para a garota: – Fique,
Lari W.
Elas não se abraçaram, quando Brenda
cansou de fitar o bloco II virou-se e sugeriu
um abraço, Lari W. Continuava a mesma, ela
não negou-se a abraçar 'a filha única'.
Brenda ou Baby B., ao contrário do que
imaginavam tinha consciência de que
daquela vez ninguém voltaria para Cubatão e
o retorno da segunda garota mais bonita do
Presidente Bernardes viera no momento certo
na vida da menina que odiava ser chamada
de adolescente por saber que com a chegada
daquela fase ela seria apresentada as
desilusões, falsidades que a perfeição em que
ela trabalhava seria dissolvida.
– Luise, Carina, Cris e até Liz ainda dizer
falta da garota de cabelos longos – informou
Lari W.
As garotas sentaram-se num banco,
próximo a entrada do bloco III, com vista para
quase todo o condomínio, Lari W. olhava para
a entrada de seu prédio e por muito tempo
elas ficaram apenas sentadas, em silêncio, a
presença e a respiração uma da outra
bastando para saciar as saudades de quase 3
anos de separação.
– Santos é terra de ninguém, como São
Paulo... Se fosse você que tivesse ido para lá,
voltaria e ninguém iria reconhecê-la por
aqui...
Brenda olhou para a garota com interesse,
esperou que ela continuasse. Mas Lari não
disse mais nada.
– Felipa.
Lari também já avistara a garota tão alta e
magra como ela própria, de cabelos que
chegavam a cintura, longos, lisos e louros –
perfeitos, que parecia deslizar, dos pés ao
pescoço vestindo, calçando o que de melhor
as lojas poderiam oferecê-la, Brenda sentiu-
se escorregar no banco, Lari apenas
empertigou-se mais e sua mão direita sem
querer desarrumou seus fios que nunca
desarrumavam-se.
Felipa sorria, dentes lindos, e continuou
sorrindo mesmo quando parou em frente as
outras garotas e retirando os óculos de
etiqueta de R$ 1,000 acima, exclamou:
– Brenda, estava morrendo de saudades...
Se mentia, nem mesmo ela saberia, Brenda
apenas levantou-se e com saudades
verdadeira abraçou o cabide que exalava
Dior, não fechando os olhos de satisfação,
pois um garoto ofuscado caminhava em sua
direção, Felipa também não fechou os olhos,
encarar Lari W. com seus olhos azuis e
perceber que ela brilhava mais que si, fez que
com seus belos olhos brilhassem de ódio.

Você também pode gostar