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1
Os princípios são universais entitativos, que segundo a definição aristotélica, são
aquelas entidades que têm o ser noutros e se predicam destes outros: id quod
habet esse in multis et de multis.
2
Poder-se-ia dizer ainda, a partir desta afirmação luliana, que o nosso conhecimento
depende de Deus porque Ele é o que faz tanto as coisas como os nossos
pensamentos. De fato, os Princípios, que são princípios de toda a realidade,
também o são de Deus. Não esqueçamos, porém, que quando os consideramos em
Deus são infinitos e cada um deles se identifica com o Ser de Deus. Lúlio então os
denominará Dignidades.
2
acontece é que o ato de ser diz-se de muitas maneiras e por isso nos
sairão diferentes lógicas, mas sempre as poderemos unificar.
Por outro lado, se os Princípios lulianos são princípios das formas
físicas e lógicas também serão do conhecimento prático, isto é, daquele
conhecimento que tem como finalidade a conduta. Por isso essa questão
dos Princípios tem relação também com a interculturalidade.
Não obstante, o ato das formas pensadas não é o ato das formas
físicas. Nos entes individuais do mundo físico, além das formas
determinadas que os atualizam, encontramos as indeterminadas, que
estão em potência3. Por isso esses entes estão em movimento. Além
disso, estão imersos na matéria. Ao contrário, as formas pensadas não
têm movimento nem matéria. Por isso, nunca chegaremos a acessar o
mundo da realidade física a partir dos pensamentos, porque nos
pensamentos não há nem movimento nem matéria. Por este motivo, a
articulação das formas pensadas nunca nos revelará como se estrutura a
realidade física, porque as conexões e diferenças dos entes individuais
físicos não são iguais às conexões e diferenças das formas pensadas. Isso
já vira o Estagirita, e sugeriu diferentes alternativas, mas acabou
montando todas as categorias dos entes a partir da predicação lógica4.
O universo luliano é um conjunto de atos imersos uns nos outros.
Tudo está em movimento, mas uns movimentos sustentam os outros. Uns
atos sustentam os outros e tudo fica sustentado pela atividade divina 5.
Este é o cosmos luliano6.
3
O ser das substâncias e o das formas são atos, por isso não podemos reduzir o ato
ao ser da forma. Cf. GARAY, Jesús de, [1987], p. 106: “El acto no se reduce al ser de
la forma, porque el movimiento es también – de un modo particularmente
privilegiado – acto; y el movimiento es siempre otro, mientras que la forma es
siempre la misma.” “El acto de la forma no se ha de buscar en la mismidad de la
idea ni en sus determinaciones siempre idénticas. Así pues, la forma es acto, pero
el acto no se reduce a forma, sino que también es acto el movimiento.”
4
Cf. GARAY, Jesús de, [1987], p. 10: “Así pues, la substancia es la primera de las
categorías, las cuales son en tanto que son substancias. Pero la distinción
categorial es una distinción que se establece desde el lenguaje y la estructura
predicativa: según las categorías la realidad se nos muestra agrupada y clasificada
en unos géneros.”
5
No Brasil há a capoeira, uma dança de origem africana que também é uma luta,
mas principalmente é uma dança e é dançada ao som de uma música. Aqueles que
a dançam necessitam possuir dois hábitos, o da luta e o da dança, e expressam-nos
em um único movimento. São dois hábitos, um sustentado pelo outro, mas se os
dançarinos não tivessem a preparação física da luta não a poderiam dançar. Temos
aqui um exemplo de um ato sustentado por outro.
6
Considerar a realidade como um conjunto de atos imersos em outros permite-lhe
também dar à realidade um caráter copulativo, abrindo-lhe desta maneira uma
porta para a predicação, e até pôr a realidade como fundamento da atribuição
lógica. A lógica luliana tem uma pretensão legítima de verdade sobre a realidade.
3
Lúlio constrói toda uma teoria sobre o ato que é a sua conhecida
teoria dos correlativos. Com a sua ajuda estuda tanto os entes materiais,
compostos de matéria e forma, como os espirituais, compostos de ato e
potência, sendo esta última o ato dos entes que estão em potência. Isso
lhe permite unificar os entes que são compostos de matéria e espírito,
como é o caso do ser humano. Também explica com a teoria correlativa
como os entes da natureza, que se movem, continuam sendo o que são
mesmo que não o sejam plenamente7.
4
também. Não há dúvida alguma de que a ciência luliana é uma nova
maneira de acessar a realidade. É preciso acessar a realidade a partir
dela mesma e não do mundo lógico do pensamento. Lúlio sabe que as
propriedades lógicas, ―universal e singular são propriedades das coisas
pensadas, isto é, são propriedades lógicas―, se baseiam em propriedades
reais, e não o contrário.
Dirá também que a maior ou menor universalidade dos conceitos se
baseia em uma propriedade real, em um ato. Segundo a maior ou menor
contração do ato que constituir a coisa, obter-se-á uma maior ou menor
universalidade do seu conceito. Por exemplo, o ato de “substantivar”,
considerado no “animal” e no “homem”, é mais comum em “animal” do
que em “homem”. O “ato de sentir”, por exemplo, encontra-se nas
substâncias, nos animais e no homem, mas é mais comum na substância,
menos no animal e ainda menos no homem, mesmo que não deixe de ser
a atividade comum que têm estes dois extremos, ―substância e homem―.
Lúlio, por este motivo, pensa que nos silogismos o ato de sentir pode ser
termo de comparação. De fato, Lúlio sempre constrói os silogismos com
termos médios que são verdadeiros meios reais entre as coisas assinaladas
pelos extremos dos silogismos. Ele diz que busca um termo natural, real,
primitivo, interno e necessário às coisas etc., e o acha no ato10.
A lógica aristotélica não funciona assim. A maior ou menor
universalidade dos termos depende da posição que o conceito tem na
proposição mental. Assim, se o termo está na posição de predicado será
sempre universal se a proposição for negativa e sempre particular se a
proposição for afirmativa, isto é, a universalidade do termo depende de
uma propriedade lógica, da posição no pensamento.
O sujeito último da predicação, em Lúlio, é, pois, a atividade de um
ente individual existente, e por isso chega ao fundamento das coisas,
porque são os atos que constituem as coisas. Por este motivo, a
predicação da lógica real luliana comporta uma maior necessidade que a
da lógica aristotélica, cuja predicação tem apenas a necessidade que têm
os sujeitos pensados.
A lógica luliana com que constrói a Arte é no fundo uma nova
maneira de argumentar a partir da realidade ativa dos entes. Como
analisa e integra os atos, isto é, os seus movimentos, pode demonstrar
que muitas das contradições que descobre nos entes não são, de fato,
isso. Por este motivo, definiu uma nova falácia, a falácia da contradição,
5
que emprega, junto com os silogismos contraditórios, como instrumento
para ultrapassar essas contradições aparentes. Isso lhe permitirá dizer em
muitas ocasiões, ―aos averroístas e aos infiéis―, que “não estamos em
contradição, e sim em equivocação”.
11
Cf. BÉRUBÉ, Camille, [1964]. p. 157, nota (2): “Ad argumenta contra intellectionem
singularium, quae fiunt super librum primum, patet quod nunc numquam
intelligitur; unde perfectissima scientia nunc nobis possibilis est de specie
specialissima, ibi status”. Das imagens podemos tirar conceitos da individualização,
mas serão sempre conceitos universais.
12
Cf. LLULL, Ramon, Liber de modo natvrali intelligendi ,[1978], p. 189: Intellectus
humanus per se habet naturam intelligendi, cum intelligere sit suus actus. Potentia
autem visiva per se habet naturam uidendi pari ratione. Et quia istae duae
potentiae sunt coniunctae, oritur naturaliter communis actus, per quem intellectus
attingit obiectum coloratum, mouendo potentiam uisiuam ad obiectum uisibilie. Et
de hoc experientiam habemus; et contra hoc non est dare instantiam.
13
De fato, a universalidade aristotélica é uma propriedade que o nosso entendimento
confere às coisas quando as pensa. Ao pensá-las, vê que o que se pensou também
se poderia predicar de muitas outras, e forma uma relação entre o pensado e
muitos outros. Isto é a universalidade aristotélica. Embora se fundamente nas
6
universalidade luliana, porém, baseia-se na comunidade de um ato
compartilhado por vários entes, é uma propriedade real, baseada em uma
primeira intenção da mente14.
Os predicáveis lulianos são reais, porque não são os aristotélicos,
que não têm uma correspondência real na realidade. Aos predicados
lulianos corresponde na realidade uma atividade comum, devida à
atividade permanente dos Primeiros Princípios, que persiste inclusive se
forem destruídos todos os indivíduos ou todas as espécies15.
Finalmente, Lúlio define os entes também pela sua atividade, pelo
ato próprio de cada substância. Se queremos definir o homem, vemos
nele o ato de sentir, o ato da vida sensitiva, mas esta é comum a todos os
animais. No homem, o ato de sentir se contrai em um sentir mais
específico, que no fundo é a sua última diferença em relação aos animais.
As últimas diferenças que definem as coisas são também atos. Qual é a do
homem? Lúlio o define como “o animal que humaniza”. O homem é um
ser que humaniza a si mesmo, o seu entorno, a sua comunidade, a sua
nação, todo o mundo16.
Já encontramos aqui o caminho luliano que nos permitirá acessar a
prática da boa interculturalidade. Uma interculturalidade que
corresponda à verdadeira definição do homem.
7
A unidade do homem
8
“própria” ―, que nunca se interrompe e tem lugar, como diz Lúlio,
“durante todo o tempo em que o homem é homem”, cresce, ou se
intensifica, no seu ser. Esta é uma teoria muito importante no
pensamento luliano, que permite explicar também, como veremos a
seguir, que o acesso do homem à maturidade é algo que está vinculado ao
bom exercício da sua atividade.
Lúlio distingue em cada uma das substâncias os atos próprios dos
apropriados. Explica que os primeiros têm os seus objetos no interior
(dedins), enquanto os dos atos apropriados estão no exterior, mas
esclarece que sempre “os objetos exteriores são tidos nos interiores”21.
Por exemplo, a atividade intelectual externa, ― que também chama de
apropriada ―, isto é, o conhecer, querer e lembrar os outros sujeitos que
não são ele mesmo, realiza-se sob o amparo da atividade primitiva ou
substancial da alma, ― a “atividade própria” ―, e, ao mesmo tempo, tem
como finalidade essa atividade própria (dedins), ou seja, a atividade
própria se alimenta da apropriada (externa). Isto explica duas coisas: A
atividade de cada ente construir o próprio ente, e podermos definir os
entes pela sua atividade.
Ou seja, toda a atividade humana, se for bem orientada, pode ser
construtora do homem. Além disso, a unidade da alma faz o ato de
conhecer não ser um ato isolado do entendimento, mas que também
participem nele a vontade e a memória. Lúlio junta essas três atividades
de tal maneira que para conhecer adequadamente diz que é preciso amar
e lembrar o que conhecemos; de outro jeito não chegaremos a conhecer
bem.
Em Lúlio, pois, a atividade que vai aperfeiçoando a alma humana é
lembrar, conhecer e amar. O quê? A si mesmo e os entes de fora, mas
sempre a atividade de dentro amparará a de fora, sem esta última não
cresceria a de dentro.
Estas explicações servem tanto para as atividades cognoscitivas
teóricas como para as práticas, ou seja, as destinadas à ação construtiva,
social ou física, externa. Se a atividade própria se alimenta da apropriada
e os objetos externos são tidos nos internos, é óbvio que ao conhecer o
mundo externo obtemos simultaneamente um conhecimento de nós
mesmos.
Por exemplo, quando conhecemos a verdade dum ente, percebemos
ao mesmo tempo que estamos conhecendo esse ente, isto é, conhecemos
que estamos fazendo algo. Ora, quando conhecemos condutas ou
comportamentos humanos, virtuosos ou viciosos, percebemos também
como é esse nosso ato de conhecer, amar ou lembrar esse
21
Cf. LLULL, Ramon, [1950], Llibre d’ànima racional, p. 206. “Ànima ha los obgects de
fores en los obgects de dins.”
9
comportamento, e nos damos conta de que temos hábitos bons ou ruins.
Ao conhecer um roubo, exemplifica Lúlio, se o acharmos deleitoso e
gostarmos dele, percebemos que estamos desejando incorretamente algo
sensível e imaginável que é deleitável, mas que em si mesmo não é
inteligível nem amável. O nosso conhecimento, neste caso, está
despossuído, portanto, por mor de um hábito vicioso, da sua plenitude. É
assim que nos elevamos até o conhecimento dos hábitos, bons ou ruins22.
Lúlio, pois, pensa que quando fazemos o mal, percebemos que o
fazemos. Creio que isto é muito importante e já nos dá alguma
orientação para a prática da boa interculturalidade.
A unidade do homem, segundo Lúlio, é completa. É um resultado da
conexão de uma série de atos de todas as potências, sustentada pelo ato
de ser homem.
Não obstante, apenas quando essa atividade anímica e corporal se
realiza segundo a finalidade natural de cada potência, isto é, quando o
entendimento conhece a verdade, a vontade conhece o bem e a memória
lembra do bem amado e do mal repudiado, ou, com outras palavras,
quando as ações são propriamente humanas ou, segundo a sua definição
de homem, quando somos humanos, então chegaremos a conhecer
corretamente o nosso entorno e tornaremos possível a nossa engrenagem
no mundo, obtendo como um resultado, e unicamente neste caso, o
crescimento no próprio ser.
1
Somente o homem que vive em paz poderá levar a paz às
instituições, à ação social e às relações entre os povos através das suas
produções sociais, científicas, artísticas, técnicas e estéticas.
A boa interculturalidade
O Direito
23
Cf. LLULL, Ramon, [2000], p359: “Fructus arboris imperialis est pax gentium, ut in
pace esse possint, Deu metiam recolere, intelligere et amare, honorare et ei
servire, quoniam gentes, quae sunt in guerra et inuicem in laboribus, non sunt in
dispositione, quod Deum multum possint amare, honorare et seruire, nec sibi ipsis
nec etiam aliis caritatem habere.” I p. 360: “ Idcirco fructus principis, qui talibus
qui talibus fructus habet respondere, est infirmus quando se inclinat ad specialia
contra generalia et publica, sicut princeps malus, qui plus diligit suam utilitatem
quam utilitatem sui populi; quaoniam propter infirmitatem fructus principis sunt
fructus populi infirmi.”
24
Cf. PIÑA Homs, Roman, [1984], p. 63-64.
1
(Esta comunicação não tem por objetivo resumir toda a teoria social
e política de Lúlio, ― isto é o que farão os outros congressistas à medida
que forem se desenvolvendo os três blocos do Congresso ―, e sim apenas
apresentar o vínculo que une a teoria do conhecimento luliana com as
noções originais do que seria uma boa interculturalidade. Por isso, depois
de explicar como a perspectiva do ato penetra toda a teoria do
conhecimento da Arte luliana, vimos a definição do homem e da sua
finalidade, e agora estamos vendo como também é a atividade que
explica as leis, os costumes e os valores que o homem pode adquirir
“durante o tempo que é homem”25.)
Os costumes
25
Vegeu la nota 15.
26
Cf. LLULL, Ramon, Liber de modo natvrali intelligendi, p. 204: “Dum sic considerat
intellectus, ascendit et quaerit: De quo est habitus iustitiae? E considerat, quod est
de similitudinibus principiorum innatorum, ex quibus uniuersum ests contitutum, ut
puta bonitas, magnitudo, duratio, potestas etc. collectis ab istis principiis per
intellectum, uoluntatem et memoriam, ut intellectus habeat iustum intelligere et
uoluntas amare et memória recordare, ut tendant ad finem, ad quem sunt, et iuste
regulare potentias inferiores possint.”
27
Llull, Ramon,[1986], p. 182.
1
Direito Natural. Por mais antigos que sejam, os maus costumes, isto é, os
que vão contra a justiça e a liberdade de fazer o bem e evitar o mal, têm
de ser combatidos. O povo que os admite age contra si mesmo28.
A liberdade
O diálogo inter-religioso
1
Gostaria de lembrar aqui um pequeno trabalho escrito por Lúlio em
1309, em que, comentando a harmonia que deve existir entre a fé e a
razão, diz que “não se deve querer renunciar a uma fé em favor de outra,
mas é possível sim renunciar a uma fé por uma melhor compreensão” 31,
isto é, não devemos abandonar a fé que vivemos, a não ser que estejamos
convencidos da maior verdade de outra fé. Lúlio estava convencido desta
posição que quando pregava nas sinagogas e nas mesquitas começava o
diálogo dizendo que se o conseguissem convencer da verdade do judaísmo
e do islamismo com muito gosto se converteria a estas religiões. Não
eram as suas palavras um procedimento retórico ou uma tática para
persuadir, mas se originavam exclusivamente da sua adesão ao Lógos.
Vemos aqui, bem explicada, a finalidade que, segundo Lúlio, tem o
diálogo inter-religioso: Acessar a possibilidade de mudar de religião.
Para realizar essa mudança é fundamental, já vimos isso antes, a
capacidade que o homem tem de perceber os seus hábitos, afirmada por
Lúlio constantemente32. Também de perceber que se encontra no erro.
No começo da sua carreira de escritor, no ano de 1274, Lúlio explicava ao
seu filho isso mesmo com estas palavras: “Muitos judeus e sarracenos
estão sob a senhoria dos cristãos e não têm nenhum conhecimento da fé
católica. Os cristãos deveriam permitir que se mostrasse, mesmo com
ajuda da força, essa fé a alguns filhos dos infiéis, para que assim tivessem
conhecimento dela, e por este conhecimento tivessem consciência de se
acharem no erro, pela qual consciência seria possível a sua conversão e a
conversão de outros”33.
Temos aqui um compêndio que explica a verdadeira postura de
Lúlio diante do problema: Muitos judeus e maometanos, que não tinham
nenhuma notícia da fé cristã, estavam cativos nas terras reconquistadas
pelos cristãos. Lúlio, constatando este fato, diz que se pode obrigá-los a
ouvirem explicações sobre a doutrina cristã a fim de perceberem que se
acham no erro, isto é, admite a força tão-somente para propiciar o
ensino, o diálogo, não para vencer as mentes com violência. Diz isso
claramente: Tendo ganho a consciência de que se acham no erro, é
possível converterem-se, e mesmo converterem eles mesmos a outros.
Notem a expressão que usa: “é possível converterem-se”.
Em resumo, é falso que no final da sua vida Lúlio tenha optado pela
força para converter os maometanos ao cristianismo. O que queria era
que as pessoas livremente se convertessem, mas aqui já tocamos noutra
31
Cf. LLULL, Ramon, [1721], vol. 4, XII, p. 2: “quia nolunt dimittere credere pro
credere, sed credere pro intelligere”.
32
Ver a nota nº. 26.
33
Cf. LLULL, Ramon, [1274], p. 154.
1
questão muito importante, que é a do respeito que Lúlio tinha pela
consciência das pessoas.
Os povos
34
Cf. LLULL, Ramon, [1954], p. 104-105.
1
de uma sociedade de nações35, mas viu também a necessidade de que
houvesse um poder que garantisse a paz. O papa teria na nova sociedade
de nações esse poder supremo de arbitragem, mas teria de permanecer à
margem das questões que afetassem a estrutura do poder civil.
A arbitragem do papado se realizaria da seguinte maneira (no
Blanquerna): “Uma vez ao ano, o papa reuniria todas as potestades em
algum lugar determinado, e, em forma de capítulo, tratar-se-ia da
amizade e corrigir-se-iam uns aos outros”. “Todas as potestades” quer
dizer as supremas autoridades de todas as nações, sem distinção de
religião. Com isso, diferencia-se totalmente de Pierre Dubois, que queria
que se reunissem apenas as autoridades eclesiásticas cristãs. Com a sua
fórmula, Lúlio não quer substituir o poder imperial pelo pontifício, e sim
chegar a um entendimento universal com uma estrutura mínima.
Admite que cada nação pode ter os seus costumes e que o melhor
seria as pessoas os conhecerem todos e escolhessem os melhores. Na
Doutrina Pueril recomenda ao seu filho: “Mais sábio mercador serias tu,
filho, se andasses por várias terras e elegesses os melhores costumes que
encontrasses”36. Reconhece, pois, que cada povo tem os seus bons
costumes, que deveriam ser conhecidos por todos a fim de facilitar a
escolha dos melhores, “porque todos os homens são livres para eleger os
bons costumes”, diz ao seu filho37.
Quando livremente trocamos um costume por outro melhor,
fazemos um bem, mas ganhamos também o mérito que nos dá a liberdade
bem empregada, de tal jeito que o bem que alcançamos é maior que o
bem que nos proporciona o novo costume adquirido38.
Esta é a filosofia luliana. Sem dúvida alguma, expressa uma cultura.
Com essa mudança de costumes, Lúlio quer nos dizer que as tradições
filosóficas das várias culturas são expressões complementares da mente
humana e expressam atitudes e modos de pensar que podem se permutar.
Somos, pois, capazes de moldar e transformar o que recebemos do
exterior, e se as escolhas forem bem feitas podem persistir até os dias de
hoje. Assim umas culturas ajudariam as outras, e por isso as culturas
deveriam se levar em conta em qualquer diálogo a nível mundial.
35
Cf. PIÑA HOMS, Roman, [1984, p. 71].
36
Cf. LLULL, Ramon, [1986], p. 182.
37
Cf. LLULL, Ramon, [1986], p. 181.
38
Cf. LLULL, Ramon, [2000], p. 348: “Et quoniam homo libertatem habet ad faciendum
bonum et euitandum malum, si bonum faciat et malum euitet, habet meritum,
ratione cuius maius bonum assequitur, quam bonum quod fecit. Et si faciat malum et
euitet bonum, habet culpam, ratione cuius consequitur maius malum et perdit maius
bonum, quam bonum quod facere noluit.”
1
Os valores
39
Apenas o ordenamento de valores que constrói a pessoa virtuosa coincidirá com o
ordenamento ontológico e natural do cosmos, como dizem Aristóteles e Lúlio. Este
último o experimentara também na sua própria carne. Para este tema, cf. “Ars
Generalis ultima” de Ramon Llull: Presupuestos metafísicos y éticos, JAULENT, Esteve,
Pesquisa apresentada no XII Congresso Internacional de Filosofia Medieval, organizado
pela SIEPM - Société Internationale pour l’Étude de la Philosophie Mediévale, em
Palermo, nos dias 17 a 22 de setembro de 2007. Está no prelo.
1
O papel da Igreja e do Estado
1
conhecimento dela, e por este conhecimento tivessem consciência de se
acharem no erro, pela qual consciência seria possível a sua conversão e a
conversão de outros”. E continua: “Dai que os prelados ou os príncipes
que não gostam desse procedimento por medo de que os judeus e os
sarracenos fujam para outras terras, ama mais os bens deste mundo que a
honra de Deus e a salvação do seu próximo” 43, ou seja, recrimina aqueles
príncipes e prelados que não tentam converter os infiéis por medo de,
uma vez convertidos, se acharem livres e voltem às suas terras.
Lembremos aqui que tanto os judeus quanto os maometanos eram
frequentemente bastante úteis aos cristãos. O desejo que Lúlio tinha de
facilitar aos outros a possibilidade da conversão fazia que sugerisse
procedimentos contrários à legislação vigente sobre os prisioneiros.
Vimos também a mesma mania, quase vinte anos depois, ao
tratarmos do tema do respeito à consciência do outro. No Tractatus de
modo convertendi infideles sugere que se dê a liberdade aos prisioneiros
que não querem se converter. Lúlio não só criticava a pândega e os vícios
das autoridades eclesiásticas e civis, mas também, repetimos, continuava
sugerindo procedimentos que iam contra a ordenação civil, militar e
eclesiástica da sua época. Apenas as suas “razões necessárias”, resultado
dos Princípios da sua Arte, quando forem implantados em todas as
pessoas e em todos os níveis da sociedade poderão ordenar em paz a
convivência entre os homens.
Esteve Jaulent
Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência
“Raimundo Lúlio” (Ramon Llull)
43
LLULL, Ramon, [1986], p. 154-5.
1
BIBLIOGRAFIA
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