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CRITICA CULT Eneida Maria de Souza Copyright © 2002 by Editora UFMG 2007 - 1" reimpressao Este livro ou parte dele nite pode ser reproduride por qualquer meio sem autorizagao esenta do Editor, $729 Souza, Eneida Maria de Critica cult / Eneida Maria de Souza ~ Belo Honizonce: Editors UFMG, 2002 169 p,- (Htumanitas) SBN: 85-7041 x 1. Litentura erica 2, Ensaios 3. Literitura waa L Titulo (1. Série cpp : 809 cou :82.09 Catalogagao na publicago: Pivisho de Planejamentoe Dinulgagao da Biblixeca Uaiversitiria - UFMG Editoragio de Ana Maria de Moraes Projeto Grafico Gloria Campos (Manga Marcelo Belico sobre desenhos de Tom Tiemey, Carmem Miranda paper dolis in full color, New York, Dover Publications, 1982, p. 1-2 Produgio Grafica ren de Marilac Santos Revisio de Provas Claudia Pereira Maria clo Carmo Leite Ribeiro Fom: Eduardo Ferreira EDITORA UFMG. Av. Antonio Carlos, 6027 - Ala direka da Biblioteca Central - ‘Térreo ~ Campus Pampulha 31270.901 Belo Horizoate/MG - Tel: (31) 3499-4650 Fax: (31) 3499-4768 sew editorg.ufng br editoratufmg.br UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor: Ronaldo Tadéu Pena Vice-reitora: Heloisa Maria Murgel Starling CONSELHO EDITORIAL Tirulares, Wander Melo Miranda (presidente), Juarez Rocha Guimaraes, Marcio Gomes Soares, Maria das Gragas Santa Barbara, Maria Helena Damasceno Silva Megale, Paulo Sérgio Lacerda Beirio, Silvana Coser Carlos Antonio Leite Brandio, SALIDADES DE LEVI-STRAU: © ESPACO NOMADE DO SABER O-DISCURSO CRITICO BRASILEIRO iS O mal-estar da dependéncia ¢ a alegria antrapokigic 4? Vanguarda © Subslesenvolvimento 38 ACTEORIA EM CRISE 63 NAO-LUGAR DA LITERATURA MADAME BOVARY SOMOS NOS us Badia alsin PAISAGENS POS-UTOPICAS. 129 Profetizar americanames si a2 Brasia € uma estrela espatifada 134 JETTOS 10 BRASIL 139, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS. Copyrighted material ALGUMAS PALAYRAS Estes textos, escritos na década de 1990, representam uma vertente de minha pesquis: a critica literaria e a sua vinculagao 4 critica cultural e A comparada, Por revelarem a necessidade de uma discu: ampla no Ambito dos estudos literarios no Brasil, acredito estar contribuindo para a continuidade de um debate teérico que nao se circunscreva ao espacgo académico, mas atinja outras dreas das ciéncias humanas. Os preconceitos de ordem teérica académica, voltada para a reflexio sobre literatura ‘do mais quanto a insercao de pardmetros de andlise que suplantam a abordagem literaria e alcancam_interpretagde: polo cultural constituem um entrave para o avango de qui que merecem ser examinadas. Diante de posicdes criticas que vinculadas a0 estoes defendem o estatuto do literério e a necessidade de preservé-lo a todo custo, coloca- uma abordagem que nao s6 valoriza o discurso literirio, mas o considera na sua dimensao histérica e contextual. Conceder ao estético autonomia e superioridade em relagao aos demais textos é outra corrente, mais preocupada com esquecer que a nocio de valor é construida por regras sociais € por critérios de julgamento que nao se limitam a verdade de um 86 discurso. Areflexao contida nos ensaios aqui reunidos pretende também iniciar um didlogo com a critica latino-americana, através de consideragdes teéricas e da discussao de conceitos que, ou sao comuns ao imaginario teérico do continente, ou se distinguem na Jo especifica, ao tomarem como base discrepancias sua formulaga: de ordem historica. Discute-se ainda o velho preconceito quanto as idéias produzidas nos paises hegemOnicos ¢ a sua recepeao nos paises periféricos, tanto em relagao as teorias curopcias, com maior incidéncia em décadas anteriores, quanto as americanas do norte, de época mais recente, principalmente se essas teor versam sobre a América Latina. Trata-se de um problema de adaptagio € de transculturagio, provocado pela necessidade de iS se conceber um solo comum onde as idéias possam germinar, impondo-se uma temporalidade homogénea ¢ um lugar propicio a recepgao dessus idéias. O descompasso sempre foi motivo de diferenciagdo entre culturas, considerando-se que é sempre mais facil optarmos por uma defesa do semelhante e do mesmo do que do diferente e do outro. A alteridade constitui um dos inimigos invisiveis do pensamento conservador e€ acomodado, pois a mera constatagdo de sua existéncia j4 provoca um sentimento de repulsa e de fechamento entre aqueles que recusam 0 didlogo. Enfrentar 0 desconhecido, seja através do Ambito tedrico ou ideolgico, desconfiar de certezas estabelecidas, so os perigos que possibilitam o avanco do pensamento critico e a abertura para © Novo, Mesmo que este esteja j4 marcado pela sua ex: us Stuart Hall é citado por Alberto Moreiras em seu recente livro, A exaustdo da diferenca, a propésito da reagio e do impacto causados pelos estudos culturais, situacdo considerada por Hall como saudavel e instigante, mas sujeita a deslizes e a perigos “perigo populista” aponta- do por Moreiras: “A explosio dos estudos culturais, justamente de interpretago, como é 0 caso do com outras formas de teoria critica na academia, representa um momento de perigo extraordinariamente grande.” (Cultural, p. 273) Mas, usando novamente uma expressdo de Hall, “os perigos nfio sao lugares dos quais se deve fugir, mas lugares na direcao dos quais devemos it’. (p. 273)! A sensagao de perigo iminente experimentado na pritica de toda teoria ¢ no seu aprendizado denota a obsessio sempre crescente pelo dificil em detrimento do facil, pelo incerto € precdrio como formas constituintes de um saber em processo, A ousadia revelada no rompimento de barreiras disciplinares, de valores estabelecidos, das leituras consagradas do literdrio ¢ das fronteiras do lugar-comum é um dos desafios enfrentados pelos te6ricos como signo © marca de um determinado tempo. A vida da critica se alimenta de um movimento intermindvel de interrogacao, por se negar a seguir & risca um método fixo ou idéias congeladas, como assim se expressa J. Hills Miller. Ao to- mar a desconstrucao de Derrida como priati ameri analitica, 0 critico ano se posiciona também de maneira inquieta diante do texto a ser lido, em virtude da impossibilidade de se chegar a uma interpretacio definiti A desconstrucao tenta resistir As tendéncias totalizantes e totalité- rias da critica. Tenta resistir as suas proprias tendéncias de repou em algum sentido de dominagao sobre a obra. Resiste a tudo is em nome de uma gaia inquietude da interpretagao, que vai além do niilismo, sempre em movimento, um ir além que nos faz permane- cer no mesmo lugar, assim como o parasita esta fora da porta mas também ja esta sempre dentro, como o mais sinistro © inquietante estranho dos héspede: sO concei- Mas 0 vicio teérico persiste, que € 0 de pensar que os tos ou nao se adaptam a cultura hospedeira ou, por desconheci- mento dos mesmos, eles servem a contento para toda resposta as nossas indagacdes. Outro risco a que a critica esta sujeita consiste na essencializacdo e na descontextualizacao das nogGes teéricas, a0 serem transformadas, num simples toque de magica, em chave analitica para toda e qualquer situagio discursiva. Toma-se neces- sdrio proceder a0 deslocamento dos lugares de enunciagao fixa, de produgio de saberes, assim como dos contradiscursos que, ao se colocarem numa posicio extrema e radical, revestem-se Se os pe- rigos da globalizacao se concentram, do ponto de vista cultural, na indefinicio e na eliminacdo de diferencas, 0 contra-ataque pés-colonialista — uma outra forma de nomear os discursos do Terceiro Mundo — nao deverd se afirmar como defesa renca. Levada a extremos, essa diferenca pode se converter numa ideologia ultrapassada que se concentra na busca do auténtico, do outro lado da moeda que, a rigor, se apresenta como parte integrante de uma dupla articulacao, ainda nao afeita a binari mos ou 4 instauracao de um polo tinico de atuacao. E preciso contar com a formulacao de um /Jocus de enunciacio migrante, na medida em que a identidade ja se reveste como hibrida, ao falar e responder a partir de dois ou mais lugares, nado conduzindo, portanto, a sinteses, fuses ou identidades estiveis. de carater fundamentalista, diferencial e essencialista da dife- Por serem estes ensaios, textos apresentados em congressos e similares ou discusses produzidas em cursos de pés-graduagao, com a interlocucdo sempre ativa dos alunos, eles so contami- nados pela marca do contingente e da precariedade temporal. Este € 0 principio ao qual nos prendemos, como recusa aos estere6- tipos te6ricos e ao espaco tranquilo reservado as verdades € ao carater finito da interpretacdo. Os artigos conservam ainda uma qualidade que suponho dominar todas as incertezas: 0 convite a reflexdo € a constante busca de uma voz critica que nao se deixa levar por uma diccdo piegas ou pela angélica unanimidade do coro dos contentes. 13 NOTAS * MOREIRAS. 4 exaustdo da diferenca. A politica dos estudos culturais latino- americanos, p. 308 2 MILLER. O critico como hospedeiro, p. 49, M4 OSLNROS DE CABECERA DACRIICA O “IV Encontro Nacional de Professores de Literatura”, rea- lizado em novembro de 1977, na PUC do Rio de Janeiro, teve como programa principal o balango da produgio universitaria da década de 1970, reunindo trabalhos dos mestres em literatura propiciou a divulga¢ao de diferentes linhas de pesquisa dese- nvolvidas no meio universitério, bem como a discussao dos problemas da critica diante do emprego excessivo de teorias e métodos de anilise literaria. Destacavam-se, nessa programagao, os trabalhos realizados por mestres formados na USP, divididos entre a abordagem socioldgica da literatura, a sistematizagio de um pensamento critico brasileiro e a recuperacao de fontes primarias, através do estabelecimento de edicdes criticas; na PUC do Rio de Janeiro, teses pautadas pelo enfoque estruturalista de natureza antro- poldgica, psicanalitica e sociolégica, e de reflexdes filos6ficas ligadas 4 desconstrucdo, de Jacques Derrida, e A crise do saber, de Michel Foucault; na UFRJ, trabalhos te6ricos marcados por des e na PUC/RGS, pesquisas sobre a revisio da critica brasileira e da literatura gaticha, com tendéncias metodolégicas centradas na relacao entre literatura ¢ histéria, sem contudo se prenderem a métodos especificos de abordagem critica. No acirrado debate ai desenvolvido, péde-se avaliar as miltiplas vertentes da critica literaria como resultado da atividade universitaria, que no momento retomava com grande forca as rédeas desse saber. Entre jovens mestres e seus orientadores, discutia-se ainda o lugar de producao de um novo conhecimento, causado pela proliferacio de cursos de pés-graduacio no Bras Um dos t6picos mais debatidos foi a qualidade do ensino n: universidades, ao lado da defesa de uma linguagem menos hermética, verificada sobretudo na apresentagio de alguns resumos de teses. O artigo da jornalista Norma Couri, publicado no Jornal do Brasil 4 época do evento, com o titulo irénico de “Esses jovens mestres e suas teses maravilhosas (quem as entende?)”, apresentava, na abertura, o abismo entre escritor € critica, motivado pela acusagao de estar a producao universitaria distanciando-se do publico, pela sofisticagao de sua linguagem. Escritores presentes ao Encontro, cuja obra era alvo de analise, como Autran Dourado, manifestaram-se de maneira favoravel diante das recentes conquistas da critica universitaria, apontando, principalmente, o deslocamento da critica de rodapé, realizada pela imprensa, para o espaco universitario, Ressalto, desse artigo, o depoimento do escritor mineiro, que sempre compartilhou das mudangas conceituais e metodolégicas trazidas pelo discurso estruturalista: Ora, ora, a discussio do fazer literirio deslocou-se da imprensa para as universidades € no vejo por que reclamam tanto da linguagem preciosa ou hermética. Nao pode ser de outro jeito, sao analises que, tanto quanto as médicas, se pretendem cientificas. Acontece, na verdade, um certo porre, um pileque de terminologias misturadas ao estruturalismo. E que € afinal o estruturalismo? Chama-se a tudo de estruturalismo, na tentativa de deprecié-lo.! A atitude demonstrada pela midia e por um grupo de conser- vadores era de repulsa pelo enfoque universitario que, com lin- guagem especifica e discurso especulativo, rompia com a natureza experimental dos artigos jornalisticos. A polémica iria se acirrar nos 2nos seguintes, evidenciando a distancia entre a producio universitaria e a do jornal. A critica literaria dessa época, interes- sada sobretudo em construir cientificamente seu objeto e obrigada a cumprir as exigéncias académicas dos trabalhos de tese, convive de forma contraditéria com a exceléncia de sua produgao e a dificuldade de tornd-la acessivel 4 comunidade. Nos anos 1980, a situagao comecara a se reverter, com as mudangas processadas na critica literaria como um todo, inspiradas por varias razoes de ordem cultural e pela transformacao verificada no interior de sua propria linguagem. n outro artigo de Norma Couri relativo ao evento, “A hora de criticar os que criticam (ou deveriam)”,’ relata-se 0 centraponto. 16 de vozes produzido no debate entre os antigos defensores da ‘dtedra, avessos 4 democratizacao do direito de titulagao docente, e os que defendiam a criagdo dos cursos de pos-graduagdo como fator de melhoria do ensino e da pesquisa no Pais. Affonso Romano de Sant’Anna e Silviano Santiago, organizadores do Encontro € representantes da nova geracao de protessores das universidades brasileiras, encontravam-se entre os clefensores da segunda posigao. Com grande experiéncia de estudo e docéncia no exterior, aliada a uma abertura proporcionada pelas mudangas significativas na sociedade brasileira dos anos 1960 para ca, esses professores da PUC mantinham uma relacdo menos hierarquica com os alunos, fator imprescindivel para o avanco democratico na transmissao de saberes. Nao resta dtivida de que a geracao atual desconhece 0 aprendizado solitério e autodidata de muitos de nossos antigos professores, cujo conhecimento era produto de uma maturacio lenta e interiorizada. Essa posic’o acarretou, na grande maioria dos defensores da catedra, atitudes académicas voltadas para a elitizacao da cultura e de sua transmissao, assim como preconceitos relativos 4 titulacao “em massa” que se processava nos recém-criados cursos de pés-gradua¢ ‘do. Dentre esses tltimos, merece destaque a participacdo, no Encontro, de José Guilherme Merquior, pela sua inquietacio frente as novas terminologias ¢ 4s esquizofrenias tedricas dos jovens mestres, Repetia, nessa ocasidio, o mesmo gesto que o fez atacar, em 1974, a “moda estruturalista”, em artigo estampado no Jornal do Brasil, intitulado “O estruturalismo dos pobres”, cujo teor eli- tista j4 se anuncia desde o titulo. O estruturalismo europeu nao combinava com a sua recepcao verificada no Terceiro Mundo, e © critico nao se conformava com o fato de o intelectual tupiniquim se valer de terminologia e pensamentos estrangeiros — principal- mente franceses — por ser essa linguagem privilégio de poucos O artigo tem ainda cartas marcadas: a tinica universidade que nao teria sido atingida pelo apelo sedutor do estruturalis USP, é eleita como a “mais sedimentada, a mais amadurecida das nossas instituicdes do génerc A maturidade seria o melhor antidoto para os devaneios de uma intelectualidade adolescent , inteiramente seduzida pelo aceno das idéias importadas. O texto de Merquior, ao denunciar jondrio que estava por tris da moda estruturalista pretendia dar uma ligdo de moral para os “pobres” intelectuais. Ins o carater r brasileii irge ainda contra o emprego de termos mal tradu- zidos, como € 0 caso de escritura, que tanta polémica suscitou, v aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. quanto a natureza de sua produgao. A proliferagao de outros meios de divulgacao do saber, como as revistas culturais, os jornais e a televisdo ira acarretar transformagdes no discurso ¢ tico. Uma vez sensivel aos temas mais gerais e munido de diccao mista, esse discurso tera condi¢des de estabelecer a ponte entre a academia ¢ a esfera publica, através dos intimeros meios de comunicacgao de massa. Muda-se portanto 0 enfoque: se antes a critica de rodapé cedia lugar & universitaria, criando-se um abismo entre a academia e a midia, hoje o discurso critico se nutre dos meios de comunicagao de massa, através da apropriacao dos procedimentos e da diccio enunciativa. A elitizacao cultural nao mais se sustenta diante do apelo democratico dos discursos, razio pela qual a literatura deixa de se impor como texto aut6nomo e independente — se é que algum dia ela assim pdde ser vista. A posicao da literatura no Ambito dos estudos culturais € um tema oportuno para se refletir sobre o estatuto do discurso critico literério frente ao avanco dos estudos culturais na contempora- neidade. O que se tem hoje é a mudanga do foco na critica aos empréstimos: 0 eurocentrismo imputado aos estudos estruturais pelo americanismo dos estudos culturais. A predominancia do cultural frente ao literario constitui, para muitos, uma ameaca critica literaria, abalada pela auséncia de perfil e indefinicao de fronteiras. No entender de muitos pesquisadores, a avalanche te6rica suplanta a énfase na literatura, ficando o debate universi- tario entregue a quest6es filos6ficas, hist6ricas e antropoldgicas, em prejuizo para a discussio do literario. A responsabilidade pela pretensa confusao gerada pelos estudos culturais reeai, segundo o senso comum, nas varias pa- lavras de ordem do momento: a multiplicidade de perspectivas te6ricas, 0 pluralismo, o multiculturalismo, © pés-colonialismo, a relativizacao do lugar da literatura e de seu valor como pratica intersubjetiva, ao lado de um determinante maior, a contextuali- zacao. Se antes a teoria de base estruturalista “universalizava” o enfoque critico, por uma abordagem indiferenciada dos discur- sos quanto as diversidades contextuais e as especificidades de cada um, 0 que atualmente se condena nesta pratica é a dose excessiva de contextualizacao. Reforga-se, muitas vezes, a voz autoral do sujeito, exigindo-se a retomada do carater mimético e representativo das manifestagdes artisticas: o politicamente correto, como é de todos conhecido, moraliza o texto, banaliza 20 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. e da forca inventiva de toda teoria nos alerta para a intima relagdo entre o artistico ¢ © cultural no lugar da exclusio de um pelo outro. O nao-lugar da literatura corresponde exatamente a impos- sibilidade de serem concebidas instancias dotadas de valor in- trinseco ou de carter essencialista. Por transitar entre discursos e funcionar como referéncia constante para a construgao de objetos tedricos de outras disciplinas, o discurso ficcional esta cada mais vivo e presente. Resta saber de qual literatura estamos falando e de quais discursos a ela ja se integraram. Sem um hicido diadlogo sobre a relagao que atualmente se pratica entre os meios de comunicacao de massa, a industria cultural e uma economia de mercado, torna-se impossivel delimitar qualquer lugar especifico conferido aos discursos, sejam eles literirios, cientificos, religiosos ou politicos. Se a nossa linguagem critica passa no momento por uma crise de identidade, é um bom sinal de que nao foi o nosso ouvido que entortou NOTAS URI. Jornal do Brasil, 11 nov. 1977. 2° Caderno, p. 1 2 COURL Jomal do Brasil, 12 nov. 1977. 28 Caderno, p. 5 SMERQUIOR. Jornal do Brasil, 27 jan. 1974, 2° Caderno, p. 5. *SARLO. Cenas da vida pos-moderna ° BERNHEIMER (Ed.). Comparative literature in the age of multiculturalism. “Ibidem. p. 45 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. © paralelo que se estabelece com a obra anterior de Lévi- Strauss ¢ a public 10 do ultimo livro de fotos diz respeito ao diferente enfoque assumido pelo antropdlogo na anilise das estruturas do espirito humano, ao detectar o seu carater universal © permanente. A anterior preocupagao em sistematizar 0 mate- rial coletado cede lugar & exposi¢ao fragmentada € seletiva das faces € corpos pintados dos indios, de paisagens representativas dos lugares visitados pela expedigao cientifica. A assinatura do autor € reforgada pelo retrato do anirop6logo quando jovem, em companhia da macaca Lucinda, simbolo dos tépicos: “desde que F como postura habitual, agarrar-se a uma de minhas pernas”. Os flashes da viagem ao Brasil de antes exprimem, em branco e preto, a revelagio dos negativos referentes aos costumes e 2 vitalidade de uma civilizagdo. Recuperadas com a ajuda desse trabalho do etndélogo, as fotos registram nao s6 o passado de Lévi-Strauss, como o de um pais. A lembranca de Lucinda agar- rada a uma de suas pernas reforca a ligacdo entre o sujeito e o objeto, nao mais sob a forma distanciada e fria do método, mas como prova da interacdo entre passado e presente, revitalizados pela magia da memoria. ara a viver em minha companhia, Lucinda havia escolhido, No livro A oleira ciumenta, © pesquisador ira se expressar a respeito dos limites do método estruturalista, ao apontar a impos- sibilidade de se ater as particularidades da vida psiquica: Serei acusado de reduzir a vida psiquica a um jogo de absragdes, de substituir a alma humana, com suas febres, por uma formula asséptica. Nao nego as pulsdes, as emocdes, o fervilhar da afetividade, mas nao concedo a essas forcas torrenciais uma primazia: elas irrompem num censirio ja construido, arquitetado por imposigdes mentais.* Ao se deter na andlise dos mitos indigenas para melhor com- preender sua organi 10 social, Lévi-Strauss nao se preocupa em determinar, a priori, como na abordagem formalista de Propp ou na “concepcio barthesiana de narrativa”, um modelo universal, mas busca verificar que as leis que regem os mitos sao as mesmas que regem 0 pensamento. Embora se oponha a generalidade da estrutura enquanto dotada de elementos semelhantes e arque- tipicos, a intengao primeira da andlise antropolégica consiste na aceitagio dos esquemas mentais como marca da universalidade da estrutura. A interpretacao textual passa a ser efetuada por meio de 28 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. conjungao entre estruturalismo e poética da diferenga, por sua obra se inscrever como avessa 4 “verdade socialmente instituid a ilusao simetis ca da representagao ideologica. A preferéncia por textos transgressores da ordem social vigente e rotulados como de ruptura motivava assim o julgamento das obras de arte literaria. utidas segundo critérios ligados a diferenca, deveriam cumprir as exigéncias do julgamento critico. Ao lado de critérios intrinsecos, baseados na estruturagao € organizacao do enunciado, exigia-se um grau de reflexao que a obra era obrigada a oferecer. Determinada vertente da critica estruturalista ainda se apegava a modelos maniqueistas para a compreensao da literatura, sendo que o direcionamento da leitura impedia considerar outros textos que fugiam desses padroes. O olhar da critica, voltado tanto para a tradicao cultural quanto para os momentos de ruptura (estes representados pelos movimentos de vanguarda), se agucou no Brasil nos meados dos anos 1970, quando a poetica das vanguardas comeca a perder terreno para outro tipo de tendéncia artistico-cultural As restrigdes que poderia apontar no trabalho de anilise textual realizado na fase estruturalista resultam das transformacoes sofridas pelo proprio discurso critico ao longo desses tiltimos anos. As limitagdes referentes 4 antropologia lévi-straussiana decorrem igualmente da revisdo tedrica pela qual passa esse saber nos dias atuais. A indagagao em torno de categorias e principios que nortearam grande parte da epistemologia estruturalista é tribu- taria de uma nova postura diante dos discursos da ciéncia. Essa reflexao proporciona a abertura para se compreender com mais clareza os limites interpretativos, bem como as razOes que motivaram a escolha de determinado percurso te6rico. Estas, ao serem dis Dentre as modificagdes ai processadas, cabe lembrar que crise do estruturalismo coloca em xeque a crise da epistemologia como fundamento universal do conhecimento. Nas palavras de Italo Moriconi, no livro A provoca¢do pos-moderna, o movimento € assim interpretado: Visto com os olhos de hoje, o estruturalismo parece haver esgotado, a levado ao extremo, a possibilidade de que 2 a e objetivista volte a exercer influéncia hegemon as humanidades. A base de ta ilusdo foi a epistemologia fundada na nitida separaeao entre 6 sujeito ¢ 6 objeto € modelada na geometria (cantesianismo} ou na fisica newtoniana (kantismo).? ilusdo cien- ‘a sobre aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. (FSCO NOMADE DO SABER Minas do lar Minas sem mar, Minas do lazer sem mar, Silviano Santiago Ao se pensar a literatura comparada nos dias atuais, um pri- meiro ponto a ser destacado refere-se 4 experiéncia humanista e interdisciplinar de nossas Faculdades de Filosofia e Letras, cujo espaco do saber se concentrava literalmente no mesmo prédio, onde se respirava o mesmo ar nos corredores e se folheavam livros nas bibliotecas comuns. Por essa razao é que se torna compreensivel a afirmativa de Antonio Candido, pronunciada no 1’ Congresso da Abralic, em Porto Alegre: Ha mais de quarenta anos eu disse que “estudar literatura brasileira € estudar literatura comparada’, porque a nossa produgio foi sempre vinculada aos exemplos extemos que insensivelmente os estudiosos efetuavam as suas anilises ou elaboravam os seus juizos tomando-os como critérios de validade. Dai ter havido uma espécie de comparativismo difuso e espontineo na filigrana do trabalho cri- tico desde o tempo do romantismo, quando os brasileiros afirmavam que a sua literatura era diferente da de Portugal. O ensaista reforga a existéncia de uma voca¢ao comparativista espontanea e informal, coextensiva a atividade critica no Brasil, levando-se em conta a necessidade de se pensar nacionalmente a literatura pelo viés — e apesar — do olhar estrangeiro. Torna-se importante valorizar essas primeiras reflexoes sobre o estudo de literatura comparada no Pais para se perceber 0 avanco atingido nos dias atuais. Estudar literatura passou a ter um enfoque mais amplo e cultural, gragas 4 abertura politica iniciada no final dos anos 1970, o interesse pela pesquisa de temas ligados as minorias, assim como 0 retorno de quest6es voltadas para a dependéncia cultural. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. podendo ser interpretado como imagem em movimento na qual a rede metaférica é produtora de redes conceituais repensar a propria tradi¢ao cultural brasileira de forma a colocd- Procura-se ainda la em posigio particularizada frente A tradicdo estrangeira: nem narcisica, nem edipiana. O olhar univoco em diregdo a uma determinada wradi¢do carece de malicia; a visto excludente de wadigdes tedricas revitaliza a gasta polémica das “idéias fora do lugar”. Na auséncia deliberada de um porto seguro para essas idéias, o importante € enfatizar o descentramento de lugares de origem, supostamente produtores de saber. De maneira curiosa, 0 verbo comparar vai sofrendo, ao longo do tempo, modificagdes que tendem a abalar as posigoes universalistas — principalmente ditadas pela cultura européia — e das limitagdes de ordem nacionalista — ligadas 4 um pensamento redutor. Quanto ao aspecto metodoldgico, nossa formacio sempre se guiou pelos estudos literérios de ordem textual, pela valor: zacao do carter intrinseco e imanente da literatura, gracas as experiéncias com a estilistica, a fenomenologia, o estruturalismo © a semiologia. Essa pritica, voltada para o exame particular do texto, para os detalhes de construcdo e as minticias de efeitos de linguagem, continua a ser um de nossos grandes trunfos. Com a retomada de pesquisas inseridas num projeto mais abrangente e em perspectiva — em que se diminui 0 valor da profundidade analitica € se concentra no olhar horizontal e em superficie —, ampliam-se os horizontes da leitura textual, atingindo-se dimensdes de natureza cultural. A abordagem intercultural revitalizada pela pesquisa compara- tivista encontra na pritica tadut6ria, inaugurada pelos ensaistas e poetas paulistas, uma das formas mais convincentes para que sejam redimensionadas essas relacoes. A tradicao das literaturas nacionais se enriquece diante da possibilidade de tair modelos e de repensar origens. Cresce igualmente o fascinio pelo “lar nacional”, pela discussao de temas e conceitos vinculados a historia e a literatura, & memoria cultural, @ preservacao e conserva¢ao do patrimonio. Este, pelo fato de virtualmente nos pertencer, permanece sintomaticamente menos conhecido e mais relegado a um segundo plano. A revisio dos conceitos de regional, pos- regional, local, global e de outras categorias que garantem a relacao entre culturas, constitui um dos tragos marcantes da preocupa¢ao da critica hoje. al aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 0 DISCURSO CRITICO BRESILEIRO A discussio a respeito do problema da dependéncia cul- tural frente aos pais hegeménicos teve, nos anos 1950, trata mento mais s leiros, embora tenham sido preservados alguns em décadas stematizado por parte dos intelectuais bra principios defendidos anteriores, O estreito lago entre moderniza do ¢ trans- culturacio — uma das articulagées tedricas a serem operadas neste ferentes pontos de vista quanto ao tema da dependéncia, levando-se em conta ora o descompasso entre as texto — conduz a di idéias importadas ea sua atualizagao nos paises periféricos, ora a do do atraso como ardil para a aquisiclo dos empréstimos Jo remete para a definigao do critico uruguaio Angel Rama, que, nos meados da década de 1970, propos o estudo da transferéncia ou da tansitividade cultural a partir do desafio apresentado pelas narrativas neo- regionalistas latino-americanas (Arguedas, Guimaraes Rosa, Garcia Marques, Juan Rulfo). Explora e discute g we universalidade e identidade nacional, modernizagio © projeto aceita culturais. O conceito de transculturat relagdes en- politico de homogeneizagao social, assim como a constituigao de discursos contraculturais em sociedades neocoloniais, margi- nalizadas ¢ dependentes.' Segundo Mabel Moraha, mesmo que © conceito de Angel Rama sobre a transculturacao se volte para a area da literatura, a sua formulagao e desenvolvimento se projetam além da t lidade narrativa, justamente a partir do momento em que a sé literaria é entendida como discutso e praxis cultural, como resposta critico-simbolica € projeto ideologico ante modernizadora”.* O conceito pode, contudo, ser ampliado pai a abordagem das relacdes culturais de modo mais abrangente, nao se detendo apenas nas questdes de ordem moderna e nos problemas vinculados a politica. Do Modernismo Brasileiro de 1922 ao periodo contemporineo, as definigoes ¢ redefinigoes do modemo passaram pelas diferentes aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Antonio Candido € um dos teGricos mais sensiveis ao sentimento de dualidade que caracteriza a mentalidade do intelectual vivendo num pais periférico. Desde a sua reflexdo presente na Formacdo da literatura brasileira (1959) até os mais recentes estudos, persiste a discussao em torno da identidade dialética da cultura brasileira, condenada a oscilar entre 0 loc: 1, o mesmo € 0 outro, a civiliza¢ © primitivi ico. Paulo Eduardo Arantes em texto esclarecedor, Sentimento da dialética (1992), analisa a posi¢ao de Antonio Candido e a de Roberto Schwarz quanto A resoluco dessa oscilacio por parte dos movimentos literdrios e dos autores representativos da historiografia nacional. A discussao retoma, em parte, o dilema dos efeitos da transculturacao, que se manifesta ora através da “dialética positiva” — Oswald de Andrade ¢ a poética “pau-brasil”, 0 tropicalismo dos anos 1960 — ora pela “dialética negativa” — Machado de Assis e al e o univers oe mo, o moderno € o ar a ligdo do descompasso entre a modemizacao capitulista e a experiéncia brasileira.’ As posigdes de Candido e de Schwarz se distinguem quanto a valorizacao das vanguardas no processo de descolonizagio nacional, ou, usando a expressio de Candido, de “desrecalque localista”, na medida em que Schwarz considera a “poesia pau-brasil” oswaldiana como representacao literaria centrada no mito progressista-conservador.” Nas discuss sobre dependéncia cultural, retomadas em grande escala nas décadas de 1960 e 1970, a formulacio de Paulo Emilio Salles Gomes — 0 mal-estar da sociedade brasileira diante do processo de modemizacto — respondia pelo movi- mento simultineo de identificacado e de dissolucao do outro e do mesmo. O entrelacamento paradoxal dessas categorias dialéticas provoca o sentimento permanente cle inadequacao de quem esta condenado a oscilar entre dois niveis de cultura, em virtude de nos- sa sina de pais periférico: "Nao somos europeus nem americanos do norte, mas destituidos de cultura original, nada nos é€ estrangeiro, pois tudo 0 &. A penosa construcao de nés mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o nao ser e o ser outro."!" a brasileira causados A inadequagao e o mal-estar na cultui pelo confronto entre a recepcao e a atualizacio dos empréstimos is estrangeiros constituem, inegavelmente, um dos pontos cruci da problematica transcultural. “As idéias fora do lugar” (1977), con- ceito cunhado por Roberto Schwarz a partir da leitu de Machado de Assis, se baseia na ideologia sociolégica marxista, a obr 49 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. de modo a nao privilegiar um dos interlocutores. Desconstréi a idéia da anterioridade ou da posterioridade na produgao dos saberes, por acreditar que estes participam de um contexto historico comum, embora dotados de particularidades distintas. A identidade pretendida pelo critico iri resultar da tensao e do encontro de vozes intercultur, Se, no Modernismo, a metafora econdmica foi transplantada para o discurso literirio — a poesia “pau-brasil”, de Oswald de Andrade (1925), torna-se poesia de exportacao — esta resposta ao dominio colonial traduzia o desejo de libertagio do verso brasileiro pelo crédito conferido aos valores nacionais. A devoracio critica operada pela antropofagia oswaldiana teve como alvo ultrapassar os limites regionais pela internacionalizagao da poesia e da cultura brasileiras, através de um didlogo menos hostil e mais paritirio com a cultura européia. Nao é sem razdio que entre os ritos populares, o carnaval tenha sido motivo de destaque, por representar a alegria, o ritual, “a danca da raga” e as inversoes sociais, interpretados pelo viés do humor. A saida modernista para a questio da transculturagio ainda se guiava pela necessidade de devorar o que de bom oferecia a cultura estrangeira, sendo o europeu, 0 Outro, o inimigo visado para ser deglutido. A relacao binaria estabelecida entre o Brasil e outras culturas restringia- se bi ponto central de onde as idéias saiam. Limitados se tornavam, portanto, os intercambios intemacionaii ocasionando a ocidentalizagio da cultura, pela estreita dependéncia existente entre o Pais e a Europa. camente & europ Ao se desvincular 0 conceito de exterior do que é proprio do estrangeiro, e incorpord-lo aos elementos que representavam oO estranho para a cultura branca, como o indio e o negro, conse- gue-se ampliar a rela interior/exterior. Nesse sentido, a antropofagia oswaldiana desloca e embaralha os p6los traci- cionalmente conhecidos como externos € internos, na busca ce uma identidade que nao se circunscreve a esséncia do nativo, mas a necessidade de crid-la, sem a imitacdo do modelo estrangeiro Roberto Corréa dos Santos, em comentario ao texto de Silviano ‘do entre ‘io do modernista para a nova colonizagao do Pais. Articulando o par de opo-sicgdes de forma a reinseri-lo numa relagio complementar e nao de ruptura, o ensaista, na esteira de Santiago, lanca um novo olhar sobre 0 projeto modernist: aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Macunaima — proprio das regioes quentes € predisposto ao “exer- io da preguica” — ou dos habitantes das regioes temperadas, mais propensos seriedade, ao wabalho € & moral. Intuicao e razio constituem, basicamente, a formula dessa equacao, sem que 0 conceito de nacionalidade, presente em Mactunaima, seja entendido apenas do ponto de vista da intuicao e do “interior” que nos informa. O conflito entre a racionalidade iluminista que marcou a proposta nacionalista de Mario de Andrade, nos tlti- mos anos de vida, e 0 impulso wansgressor e combativo da anguarda dos anos 1920, responde pelo diilogo mantido com os principios modemos internacionais. Lucida ¢ dramaticamente, 0 escritor modemista ass fronto entre lazer e labor, intuigao e razao, nacional e universal, periferia e metrépole, através de respostas que ora tendiam para © “nacionalismo pragmiatico” (Gilda de Mello ¢ Souza), ora para 0 universalismo iluminista. Ao se posicionar contra Macunaima, Mario de Andrade refletia 0 outro lado do processo racionalista da modernizagao e os efeitos, “avant la lettre”, globalizantes da transculturagao. A favor de Macunaima, sonha com um lugar ut6- umiu oO con- pico, longe dos compromissos inadiiveis, do livro de ponto e da vida citadina, uma forma de romper com a ilusio de progresso, motivada pela modemizacio social. Em 1933, ao responder a um questionario de uma editora americana, o intelectual manifesta pe- ‘Meu maior © desejo de se afastar da civilizacao e morarna Amazonia, r. tindo o destino ficcional do heréi sem nenhum carater: sinal de espiritualidade é odiar 0 trabalho, tal como ele é concebido, tas’ racdes chamadas ‘ semanal e de tantas horas didrias, nas civil O exercicio da preguiga, que eu cantei no Macunaima, é uma das 1% minhas maiores preocupacoes.” A resisténcia a cultura do trabalho e a ideologia crista, imposta pelo colonizador 4 época das descobertas do Novo Mundo, e opcao pelo “exercicio da pregui¢ , longe de constituirem uma saida para os “males” da civilizagao, reforcam o estatuto ambiguo da proposta de Mario de Andrade e de outros modernistas (Comparar, por exemplo, Oswald de Andrade e a concepgao utépica do “matriarcado de Pinclorama’.). E inegavel que a obra mais importante do Modernismo brasileiro é Macunaima, por refletir entre outras quest6es, o impasse entre a cultura do lazer e a do trabalho, assim como a devora' cultura indigena e da européia de indole nativ 0 antropofigica d Se a resposta para esse conflito aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ou se os préprios materiais técnicos e cenograficos pudessem esconder a fome que esta enraizada na prépria incivilizagao”. Uma estética que se impée igualmente pela violéncia revolucio- , a servico da verdade ¢ das causas importantes que marcam © panorama politico ¢ artistico da época: nari. A fome latina, por isto, nao € somente um sintoma alarmante: é 0 nervo de sua propria sociedade. Ai reside a trigica originalidade do a Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade € nossa Cine fome e nossa maior miséria 6 que esta fome, sendo sentida, nao & compreendida. [...] Sabemos ni € tristes, estes filmes gritados ¢ desesperados onde nem sempre a razo falou mais alto — que a fome nao seri curada pelos planeja- mentos de gabinete e que os remendos do tecnicolor n’io escondem, mais agravam seus tumores. Assim, somente uma cultura da fome, minando suas proprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: lacgdo cultural da fome — que fizemos estes filmes feios © a mais nobre ma a violénc Se a resposta se detiver no programa cultural modernizante do Estado, instaurado na década de 1930 no Brasil, com a ajuda dos mais importantes intelectuais modernistas, o outro lado da moeda transculturadora reflete ndo s6 0 descompasso entre ideais literérios e nacionalizagao estatal, como também a abertura dos: paises periféricos para a universalizagao cultural, marcada pela moderniza da complexidade conceitual que estrutura todo este raciocinio permite, portanto, o desdobramento infinito de posigdes pds- modernistas, responsiveis pelo encaminhamento da discussao em tomo da transculturacio. jo indiferenciada ¢ homogeneizadora. A consciéncia NOTAS | MORANA. Ideologia de kr transculturaci6n, p. 137-145. Cf. também o livro de ORTIZ (Contrapunteo cubano del tabaco y del azticar) no qual o conceito fol pela primeira vez utilizado, na drea da antropologia 2 MORANA. Ideologia de la transculturaci6n, p. 139. 5 MIGNOLO. Espacios geogrificos y localizaciones epistemolégicas © la ratio entre la localizacion geogrifica y la subalternizacion de conocimientos. Cino- nes & contextos, p. 94 * CANDIDO, Literatura € subdesenvolvimento, p. 140-162 * SANTIAGO. Revista Gragoaid, p. 34. © tbidem. p. 37. GOMES. ios de Semi6tica. Belo Horizonte, p. 123. ol aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. o valor intrinseco da obra literaria como construg: gem e a sua diferenca relativa ao ciscurso coloquial receberam tratamento mais sofisticado ao longo do tempo. Esses parametros analiticos foram relidos posteriormente através de varias teorias, tais como as da recepgao € do efeito, veiculadas pelos alemaes Jauss e Wolfgang Iser nos meados dos anos 1960. 10 de lingua- ‘tr zido pelo estruturalismo a partir dos ‘es saussurianas Com © boom te anos 1950, as cién e elegem o paradigma linguistico como articulador dos outros discursos, realizando-se, nas varias areas de saber, 0 trinsito s humanas retomam as | interdisciplinar para a construcio de diferentes objetos de estudo. A antropologia de Lévi ‘lise de Lacan, a leitura ‘trauss, a psic: sintomal de Althusser, para citar apenas algumas tendéncias, critica literfria francesa ira contribuem para o didlogo que : manter com outros campos clo conhecimento, Embora a maioria dos criticos respondesse pela fidelidade ao objeto da literatura eA descri € linguistica do literirio — em substi 10 semiol6gic 1 — o intercimbio cisciplinar entre eles, Roland Barthes ponsiveis pela abertura do texto literirio A anilise psicanalitica ¢ semiolégic a ampliag’ao do conceito de texto, pela introdugao da categoria da intertextualidade, de origem bakhtiniana, Tedricos da comunicagao de massa, com boa accitacio no meio académico brasileiro, contribuitam, através da abordagem semiologica, para a expansao do objeto de estudo da teoria, ndo mais confinado as obras consagradas pelo cinone ou inserido no réulo literdrio, Marcada ou nao pels parcerias discursivas, « teoria litertria soube pelo menos preservar um espaco de saber consolidado, com suas regras, correntes, procedimentos analiticos, autores & métodos. A reagao contemporanea assumida pela critica literaria frente aos estudos culturais nao se restringe aos seus representantes brasileiros, mas se evidencia igualmente entre os europeus € os proprios norte-americanos. Os seus representantes mani- festam-se inconformados nao apenas com a “perigosa” diluigao do objeto de anilise, mas também com a presumida auséncia de rigor te6rico € sistematizagio metodologica. Essa situacao teria sido motivada pelas teorias da multiplicidade, da desconstrucao e da descontinuidade pos-estruturalista de Deleuze e Guattari. Derrida e Foucault, referéncias importantes para a releitura das quest6es culturais processada pelos americanos. Mas a grande vila aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. de uma e a sexual da outra? Ou por que nao fazer 0 mesmo com a famigeracla Tony Morison € a hoje desconhecidat Carolina Maria de Jesus? Nao seria dificil descobrir um metro comum; ante o receio de acusagdes de elitismo, que comunidade académica protest Na hipotese de se ter, na critica contemporanea, posicdes contrarias & teoria, o que resultaria no “vale-tudo” ¢ na perda de ctitérios de valorizacao dos objetos em anilise, cabe ao pesqui- sador se munir de categorias que propiciem a identificagao do 1gdo das associacdes feitas. Pelo fato de samento Como condigio para que todo intelectual se posicione diante do objeto de estudo, cairia por terra a tentativa de conhecimento da literatura e de seus inimeros avatares, A preocupacao do critico é pelo resgate da pritica teorica como forma de controle do “armazém de secos e molhados” em que se transformou a operacao interdisciplinar. objeto © a particular nao existir a pritica do per Sem concordar com o que Costa Lima propoe, principalmente quanto ao clima do “vale-tudo” e da preméncia em delimitar o campo da teoria literaria como saida para 0 caos, acredito na necessidade de serem consider; das posicdes tedri cionem como articuladoras das proposi¢des de andlise e como elementos dignos de operar o distanciamento critico. Nesse sentido, deverao ser respeitadas as pluralidades interpretativas, levando-se em conta o inumerivel conjunto de novos objetos até pouco tempo desconsiderados pela critica, como os estudos das minorias, dos textos paraliterdrios, da correspondéncia, do memorialismo, e assim por diante. as que fun- No artigo introdutorio A coletanea Histérias de literature Heidrun Olinto descreve, com extrema precisao, a tendénc das novas teorias alemas frente &s teorias culturais desenvolvidas nos Estados Unidos, principalmente a partir do advento das idéias curopéias apds os acontecimentos do pés-guerra, Reconhecendo a “fraca heranga filosdfica” que caracteri iva, nat Epoca, 0 espaco académico ameri ano, a ensaisia constata que, na atualiclade, ha a proliferacao de perspectivas interdisciplinares e a tendéncia a pri- vilegiar “molduras te6ricas flexiveis abrangentes”. Essa tendéncia, uibutiria da teoria da multiplicidade, foi em parte insturada pelo livro de Deleuze e Guauari, Mille plateaux, de 1980, no qual se constr6i a imagem do rizoma, responsivel por uma “visio par: digmatica do pensamento atual”, ao serem postulados espagos de dimensdes € direcoes multiplas € aleatorias.” 69 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. plural das tendéncias criticas. Se a sociologia atua como disciplina que dialoga com a teoria construtivista de Schmidt, a filosofia, com os principios teéricos de Luiz Costa Lima e a semiologia, com is posigdes de Leyla Perrone-Moisés e de Antoine Compagnon, outros campos de saber poderio continuar a manter o diélogo com os estudos literdrios ¢ cultur: verdade se define pela exclusividade € singularidade desta ou daquela disciplina. . O perigo € acreditar que a Se as fronteiras disciplinares nao mais se sustentam em termos absolutos, a defesa de posigdes radicais sO iraé comprovar a dificuldade de se conviver com os lugares indefinidos do proprio saber contemporineo. O conceito de indefinicao, longe de sig- nificar a circulagao cadtica e irracional do conhecimento, aponta a necessidade de se pensar na terceira alternativa fornecida por Richard Rorty e por Jonathan Culler, ao postularem a substituigao da matriz disciplinar por um novo género e uma nova teoria. A interdisciplinaridade, de vila da historia poderia receber tratamento mais condizente com sua forca de aglutinacao de diferencas e de pulverizacao dos limites fechados dos campos teGricos. Infelizmente, toma-se tarefa impossivel conservar, na atualidade, posigdes radicais contra os desmandos da teoria e o descontrole dos paradigmas de referéncia. O mundo mudou, nos tltimos dez anos, de forma assustadora (para o bem ou para o mal), € por que motivo as concepcoes artisticas, teGricas e politicas nao deveriam. também trocar 0 caminho tranquilizador do reconhecimento pelo do saber sempre em proceso? Enfrentar esse desafio é uma das as de continuar a mover o debate teGrico, para que este nao se transforme em consenso de grupos ou na apatia académica, provocada por um certo tipo de mal-estar, que nao incita a curio- sidade, mas, ao contrario, alimenta o conservadorismo. NOTAS \ APPIAH. Geists stories, p. 57. * COMPAGNON. O deménio da teoria: literatura e senso comum, p. 282. + LIMA. O comparativismo hoje, p. 81-84. * OLINTO. Interesses © paixOes: historias de literatura, p. 33 * MOISES. A critica literiiria hoje, p. 86. © Cf. ELUS, Literature lost: social agendas p. 201 * LIMA. O comparativismo hoje, p. 83. ind the corruption of humanities, 3 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. do brasileiro, o que o distinguiria da tendéncia a especializacio encontrada nos franceses, pela sua capacidade de fornecer con- ceitos nitidos ¢ equacoes inteligiveis.* Com e: exemplos, retirados da tese de doutorado em Hist6ria Social de Thais Pimentel, intitulada De viagens e de narrativas — viajantes brasileiros no além-mar (1913-1957), pretendo discorrer sobre 9 nao-lugar da literatura diante dos estudos culturais, com base no preconceito existente na relacdo entre 0 conceito de literatura e o de cl social. A partir do estabelecimento de lugares institucionais e simb6licos do discurso literdrio, tais como o da academia, da universidade e hoje, com forca mais evidente, 0 do mercado, procede-se a historicizagao do conceito, com o objetivo de apontar 0 traco de complexidade na fixacao desse discurso. A pritica interdisciplinar, funcionando como mecanismo de abertura para o trinsito entre os discursos das ciéncias humanas, exerce papel importante neste debate. Nessa pratica, o literario se dilui e se transforma através de multiplas insercdes, desfazendo-se de pretensas singularidades, ao ser con- vocado a entrar como componente ativo na rede interdisciplinar — seja como texto-corpus utilizado nas interpretagdes dos demais discursos, seja como disseminador dos conceitos de fiecao e de narratividade, procedimentos enunciativos bastante explorados pelo ensaismo atual. O debate atual em torno dos estudos culturais e d tudos literarios se ancora em preconceitos oriundos de fontes distin tas, além de se apresentar como ultrapassado, se levarmos em conta que, no principio do século, a elite intelectual brasileira desconhecia estarem os movimentos de vanguarda procedendo ao questionamento da nogio de arte como peca de museu e valorizando outras manifestagdes culturais, como a publicidade © 0 jornal. Mesmo aqueles que nao utilizavam a experiéncia de viagem como parametro para as preferéncias estéticas se nutriam, igualmente, das leituras e do ambiente europeizado, habito fre- quente cultivado, até meados do século 20, pela classe letrada Em virtude das mudancas de costume propiciadas pela modernizacao crescente nos paises periféricos, a literatura, discurso que até entéo concedia status ¢ importincia a quem a cla se dedicava — principalmente na condi¢ao de escritor ~ vé- se inserida no rol heterogéneo ¢ pouco nobre da multiplicidade discursiva, destacando-se ai a presenga da midia. Os estudos culturais, ameaca que paira no interior dos estudos literirios brasileira. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. condig Nem o lugar-comum dos nacionalismos brabos, nem o lugar-fetiche do aristocrata saber europeu. Lugar-comum e lugar-fetiche imaginei o entre-lugar ¢ a solidariedade latino-americana. Inventei 0 entre- lugar do discurso latino-americano que jé tinha sido inaugurado pelos nossos melhores escritores."” ‘os dois e com 2 ao de vivere pensar os dois. Paradoxalmente. A auséncia de um lugar fixo para o saber nao se circuns apenas ao discurso literdrio, pois a questao abrange todo e qualquer tipo de discurso. Por isso, 0 debate em torno dos lugares disciplinares tem cheiro de fruta pa: e ja deveria estar produzindo outros frutos que enriqueceriam os estudos literarios comparatistas e culturais. Pode-se, inclusive, interpretar © retrocesso tedérico como tendéncia comum aos guardiades dos principios e literarios contemporaneos. A posicao elitista da critica, desprovida de pudor e disposta a retomar o desgastado binarismo referente i classificagio literaria, que diferencia a alta da baixa literatura, nao estaria ensaiando uma forma de poder de classe que, uma vez enfraquecida, mais se empenha no desejo de reativaa? Tem sido ainda grande o esforco da critica em nomear os discursos que nao se enquadram nos critérios da alta literatura, escolhendo-se, entre varios termos, ora 0 de paraliteratura, o de contra-literatura, ora o de literatura parapolicial, correndo-se sempre 0 risco de uma classificagiio equivocada. reve éticos, Cuja perda constituiria o fantasma dos estudos esse discurso cr e reelabora ‘0 abandonasse 0 sentimento de perda eo luto de maneira a aceitar a presenca, embora faltosa, da literatura no sistema cultural da atualidade, poder- se-ia atenuar o valor de propriedade exigido para os diferentes tipos de discurso. Uma vez que o objeto literirio encontra- se, ha muito tempo, desprovido da aura e transformado em mercadoria, recalcando-se 0 traco do trabalho que o produziu, igualmente dificil identificar o repertério de leituras do escritor. Esse sentimento de perda estende-se torna-si inda & memori que tanto pode ser cultivada como o reduto das grandes obras presentes na biblioteca dos autores, quanto como resquicio de outras manife: des culturais, entre as quais ai se inclui o universo da cultura de massa. As palavr texto publicado na Revista Travessia, respeito: de Ricardo Piglia, em aio esclarecedoras a esse 81 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. assumida por um de seus representantes nao define o movimento, ainda que esteja entre os seus mais notaveis personagens. Contu- do, o século 20 termina sem deixar a certeza de que 0 canone da modernidade j se acha arquivado na gaveta, visto ser 0 cinone de complexa definicao, assim como 0 conceito de modernidade, ao se imporem na sua condi¢ao precaria ¢ em intermitente processo de mudanga. Se antes a certeza conceitual servia para endossar 0 discurso dos manuais de literatura, fechando os ciclos temporais ¢ inaugurando outros cinones, hoje © valor estético é colocado em xeque, gracas ao deslocamento dos referentes que compoem uma determinada cultura. Se os movimentos literirios perderam, na atualidade, a sua eficdcia e os ismos cairam em desuso, isso se deve a transformacao sofrida pelos discursos artisticos das Gltimas décadas, em que se viram abaladas as genealogias e deslocados os centros de referéncia cultural. Os principios estéticos do Modernismo, mesmo sendo interpretados no seu cardter transformador e em continua mudanca, constituem ainda modelos para a grande maioria da critica. Embora essa atitude se justifique pela auséncia de pardmetros da arte contemporinea, aberta a miiltiplas vertentes e fechada ao controle hegemnico de um determinado critério de valor estético, € preciso distinguir o joio do trigo, apontar historicamente 0 que € uma reciclagem ou uma releitura de discursos anteriores. Diante da incapacidade de conviver com 0 babélico e 0 indefinido, o discurso da critica literaria reveste-se de um aparato moderno para impor os seus critérios de qualidade, ignorando, muitas vezes, as condigdes histéricas da produgao poética, ao defender a obra pelo seu valor literario (porque intrinseco ao objeto), condigao que lhe conferiria universalidade e vida longa. A correspondéncia, antes mantida por Mario de Andrade com seus colegas de geracao, nao exerce mais nenhum fascinio, embora esteja sendo retomada pelo universo digital, através do correio eletrénico e dos sites, paginas de didlogo e de poesia surgidas em escala crescente no Brasil e no mundo. A ameaca que paira no ar da era informatizada, na qual o suporte livro ira ser substituido pelo e-book, permite, guardando os exageros e as tolas desconfiangas, incentivar 0 comércio poético, pela producio de revistas virtuais de poesia. A transformacao dos suportes permite a releitura do estético a partir de outros veiculos de producao artistica, uma vez que a escrita no papel encontra 86 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. circunscrita a momentos historicamente fechados. Modernismo, modernidade, vanguarda e pés-modernidade se articulam na construgao do arcabouco desse olhar critico em diagonal, ao serem respeitadas as limitagOes temporais na andlise das estéticas dla ruptura, assim como a diluicao dessas fronteiras, considerando- se como transtemporais tanto as manifestagdes neovanguardistas quanto a abertura cultural pos-moderna. S rupturas epistemoldgicas caminham passo a passo com as rupturas verificadas na linguagem das artes, pela construgao de novos paradigmas nos cliscursos das ciéncias sociais, incluindo-se ai o da critica literaria, da politica e da filosofia. As revolucdes sociais do século 20, assim como as contribuigdes tedricas advin- das das ciéncias humanas, se balizavam pelo culto da novidade como sinal de progresso cientifico e de corte com os principios ideoldgicos do passado. A “ditadura do novo” representou uma tendéncia comum As teorias vanguardistas brasileiras, que, 4 feicao das européias, pretendiam acompanhar, no nivel cultu- ral, as transformagdes modernizantes da técnica e da revolucao industrial. Se o discurso da modernidade metropolitana coincidiu, no Brasil, com o movimento modernista de 1922, realizado em Sao Paulo por um grupo de poetas, artistas mtsicos e escritores, 0 ainda precario texto da modernizacio, visto no seu estatuto de processso social, revelaria, para muitos, o descompasso com as id enxertadas no territério nacional. A polémica das “idéias fora do lugar”, iniciada com Roberto Schwarz na introdugao ao livro Ao vencedor, as batatas, representa a vertente latino-ameri- cana das contradicdes entre modernidade e modernizacao, veri: ficada na relacao entre a cultura metropolitana e a periférica. Ao demonstrar que, na Europa do final do século 19, 0 liberalismo permitiu o surgimento de uma classe de profissionais independen- tes, 0 critico lembra que o mesmo nao se concretizou no Brasil: 0 “‘homem livre” dependia do favor, sinal da sujeicao do individuo aos poderosos, atitude esta antimoderna por exceléncia, embora mais “simpatica” do que a escravidio!! A essa polémica acrescenta-se a reflexao sobre o modernismo brasileiro que, embora marcado pela estética vanguardista estran- geira, inscreve-se com forte traco nacionalista, Renato Ortiz, ao analisar 6 movimento moderno, conclui com a senha elucidadora: “$6 seremos modernos se somos nacionais.” Por essa razo, 0 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. € ainda dotado da mesma t6nica de violéncia social contra qual ele > voltava, ¢ da degluticao do passado como estratégia de rompimento ¢ embaralhamento das origens. Jorge Schwartz, em Vanguardas latino-americanas, atesta que, pela sua capacidade de sintese, 0 manifesto taca, atrav Pais, pela maneira com que abrange a culindria, « sexualidade e a religiao.’ dos aforismc 0 perfil do 1 variedade étnica, as cores, Pelos proprios termos empregados na relacao antropoftigica — colonizador/colonizado, devoracio do europeu pelo indigena, técn s das vanguardas européias, 0 inimigo do modernista aparece de forma ambigua na figura do europeu: é ele, ao mesmo tempo, quem fornece as condigdes do salto revolucionario e quem devera ser consumido, em virtude dessas mesmas forcas. O Outro europeu, indistinto nas suas particularidades nacionais, € retomado, historicamente, por Oswald de Andrade, como razio para que a cultura bra s_ revolucion; ileira se imponha diante da estrangeira. Passados mais de setenta anos da publicacao do manifesto, constata-se a permanéncia do discurso da Tuptura no pensamento nacional, como foi o caso dos concretistas e de Caetano Veloso — além de varios outros simpatizantes, em dreas distintas — embora a propria nogao mereca ser revisitada pelas mais recentes teoria: deverio receber tratamento Os desdobramentos conceituais diferenciado conforme as condigdes histéri politicas que Ihes sto propostas. No ¢ comparada, 0 conceito oswaldiano de antropofagia representa do ponto de vista histérico, um marco em relacao ao problema da dependéncia cultural. Consideri-lo, contudo, segundo os mesmos parametros de antes, é nao inferir que, tanto a nocao do Outro mudou, quanto a de inimigo, sendo este nao mais indistintamente nomeado, por se constituir de forma miiltipla e heterogénea ester cas € so especifico da literatura Ismail Xavier, em Alegorias do subdesenvolvimento, interpreta © tropicalismo em meio as mudangas processadas nos anos 1960, € revela o poder que o movimento teve ao estabelecer a -omo programa, pela releitura realizada da cultura ra. Aponta, de forma esclarecedora, a nova io da antropof: experiéncia que 0 tropicalismo soube muito bem contornar. intertextualidade nacional brasil fei ao se confrontar com a midia eletronica, Caetano Veloso, na sua relagdo harmoniosa ¢ critica coma cultura de massa, mesclava o experimentalismo ousado das vanguardas artisticas com a meméria sentimental da tradigdo, ao se interessar o8 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. esteredtipo da totalidade e nem no relato de vida como registro de fidelidade ¢ autocontrole; e) a eliminagao da distancia entre os polos constituintes do pensamento bindrio, ou seja, as categorias referentes ao exterior/ interior, 4 causa/efeito, ao anterior/posterior, por meio da utili- zacao da categoria espacial de superficie, imune a verticalidade, que pressupde um olhar analitico em profundidade, e ao sentido de origem (Jacques Derrida, Gilles Deleuze); f) a ampliagao das categorias de texto, de narrativa e da propria literatura, considerando-se 0 alto grau de interligacao dos discursos e da contaminacao dos mesmos entre si, procedimento comum a linguagem operacional das ciéncias humanas, incluindo-se ai a teoria da literatura, a histéria, a semiologia, a antropologia e a psicanilise. Sem a intengio de delimitar a abrangéncia dos itens expostos, estendo-me um pouco sobre o livro de Maria Helena Werneck, O homem encadernado, com vistas a melhor esclarecer 0 proce- dimento biografico da critica. No exame das biografias macha- dianas, sao ressaltados os parimetros que regem a critica literdria de cada época, razdo pela qual o livro se torna uma excelente contribui¢ao para o estudo da critica literéria brasileira. Como exemplo da maneira contrapuntistica de expressar as diferentes vias do método biografico, a autora compara 0 método objetivo e documental da obra de Jean-Michel Massa, A juventude de Machado de Assis, com a critica de fontes, através da qual a crita do autor é medida com o rigor de bibliotecdrio e copista. Do outro lado da estante, a ensaista retira o livro de Alain Borer — Rimbaud na Abissinia — uma forma diferente de fazer bio- grafia, indo além do modelo tradicional e procurando vivenciar © que o poeta “deixara de fazer”. A visita a lugares frequentados por Rimbaud descarta a intencao de busca as fontes e de provas comprobatérias da “verdade documental” do biografado. Nesse processo de escrita, sujeitos fraturados compartilham da constru- gio de biografias ¢ se disseminam na rasura das assinaturas e no embaralhado dos textos. Descolar a fantasia retorica do homem encadernado e o rebuscamento das eloquentes honrarias a que foi submetido, assim como desvincular a imagem de Machado dos cristalizados esterectipos e frases feitas, constituem um dos objetivos deste ensaio biogrifico. Ao eleger 0 “Machado de Assis’ retratado por 107 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. interpretados como parte do Universo simbélico. Nesse sentido, a intertextualidade, conceito amplamente empregado pela critica literari: contemporanea, além de se referir ao didlogo entre textos, desloca o texto ficcional para o texto da vida. Com o objetivo de discorrer sobre a criagao literaria como resultado do processo ambivalente de o escritor se valer de uma relacdo proxima e distante com a realidade, a imagem do bov rismo se inscreve, neste ensaio, como a forca do imaginario que impulsiona a escrit: el do outro, que torna estranho © convivio familiar, No mesmo di. literatura se encontra o critico que, ao pensar estar interpretando a palavra do outro através de suas leituras, esta igualmente se inserindo como leitor de sua propria vida. assim COMO a presenc¢a inevila pastio da A literatura sempre se nutriu do conceito de intertextualidade, apesar de sua sistematizaca: ‘ao ter-se efetuado no século 20, precisamente nos anos 1960, por Julia Kristeva, com base nas teorizagdes de Mikhail Bakhtin. Procedeu-se entio @ revolucao dos estudos literarios, assim como de outros discursos, através da qual a nogio de texto perde a aura de originalidade e de autoria plena, para se inserir no espaco nem tio seguro do cruzamento de vozes e de assinaturas arranhadas. Introduzido no periodo fértil e nem por isso bem conhecido do estruturalismo, 0 conceito recebe hoje a legitimacao devida, embora assumindo outro estatuto, o de se constituir como razao de ser de todo discurso. Os principios que regem o sistema conceitual passam a sofrer modificacées, causadas por contingéncias temporais e pela natureza precaria dos regimes tedricos. Dentre os. xxemplos a serem citados, destaca-se a diminuigio da importincia concedida ao enfoque vertical da intertextualidade, pritica antes exercitada por grande parte da critica, consideran- do-se o enft » de se ater a descobertas juecimento da inten textuais vinculadas & origem e a fundagao de discursos. Substi- tui-se a verticalidade pela horizontalidade, procedimento capaz de esc ecera passagem da leitura com base em critérios ligados a profundidade e 2 busca do sentido primordial, para a interpre- 2, na qual prevalece o principio de simukanei tac: le temporal, tuais. De uma perspectiva moderna ¢ totalizante, restrita A valorizagio de que rompe com a hierarquizag 10 € a subordinagao te um discurso em detrimento de outro, instaura-se diferente sen- tido de intertextualidade — mais abrangente pela modific: do prefixo inter para trans— voltado para o carater superficial 116 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Por meio da invengao literiria de romances, cujas_premissas basicas s Ao 0 artificio engenhoso da ficcao € a presenga de pe sonagens que brotam das paginas dos livros, conclui relagio de Dom Quixote com a das novelas de cavalaria, das leituras que povoam o seu imagi- se que calidade passa pela mediacao nario. A imitacao de modelos ficcionais se explica pela pequena distncia entre 0 cu ¢ 0 outro € pela auséncia de limite entre a letrae ar sem a funcao de instituir o simbdélico, mas de promover identificz ces, incitar apropriagoes € ignorar os limites entre os dois pdlos . como alidade. Entre sujeito ¢ objeto intercede o terceiro termo, da realidade e da ficcdo, Viver a ficgao como realidad assim se comportou Dom Quixote, obriga o escritor a dar um final moralista ao romance, punindo a personagem sonhadora. O fecho retrico de Dom Quixote € imposto pelas circunstancias € idcologias que cada época, em particular, exige de seus artistas. A rentincia cle suas aventuras anteriores f Triste Figura, num gesto de “lucidez” ¢ na iminéncia da morte, renuncie as experiéneias passada ‘az, com que 0 Cavaleiro da € se coloque na posicao de inimigo frente ao scu mediador. E este, para cle, o responsivel pelos seus delirios ¢ pela sua loucura: “Ii ja infinita caterva de sua | sou inimigo de Amadis de Gaula ed hagem; jd me sie odiosas todas as historias profanas de cavala ia andante.”’ Madame Bovary, obra que representa a metdfora da literatura como criadora de ma seducio causada pelo “desejo triangular’, processo cognitivo através do qual a relagao do sujeito com o objeto é fruto da leitura dos romances rominticos. René Girard, em ilus6es, ilustra a me: Mensonge romantique et verité romanesque, aponta a diferenca entre os termos romintico ¢ romanesco, ao remeter © primeiro pa revela 1a s obras que refletem a presenca do mediador, sem nunca is obr: 6 refletem o segundo, ao se referir 2 que nio s como revelam a presenca do mediador. Dom Quixote, Madame Bovary, O vermelbo e 0 negro ¢ A busca do tempo perdido sio exemplos de textos que mostriam como as suas personagens si 0 movidas por desejos que nao brotam espontaneamente, 1 tindo-se dla forca existente no desejo do outro” Nesse sentido, consegue-se entender como a famosa boutade, Madame Bovary C'est moi”, emblematizou 0 gesto de Flaubert como intérprete tanto da sinceridade quanto da antficialidade da criagao. Embora nem sempre interpretada de forma plausivel, a frase torna-se, na maioria das vezes, um ato de banalizagio do da como traco de um biografismo super- ficial. Ao pronunciar esse grito de revolta diante da censura ¢ da ato criador, ao ser utili 120 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. memoria alheia é 6 micleo que permite entrar, segundo Piglia, “no enigma da identidade e da cultura propria, da repeticao e da heranga”."* Em literatura, os roubos, assim como as recorda- oes, nunca sao inocentes, da mesma forma que a propriedade autoral vé-se enfraquecida, por se tratar de uma escrita minada pela presenca, nem tao desconfortavel, do outro, do duplo. irio lembrar que o duplo, entendido como procedimento narrativo que marcou a literatura do século 19 e parte do século 20, nado mantém o mesmo estatuto nas varias manifestacoes dos discursos contemporaneos. Se antes a divisao da personagem acompanhava as demais fragmentacoes discursivas da épo principalmente com a descoberta freudiana do inconsciente, em que 0 eu se defrontava com a face desconhecic do outro, © ndo-se os efeitos nece: conceito € dotado, hoje, de limitagoes, consider: multiplicadores por ele criades. O avanco dos jogos narrativos revela o mecanismo repetitivo dessa imagem, que nao comporta mais o sentido de divisto nem de alteridade radical.” Na ficcio-ensaio de Piglia, Prisdo perpétua, & possivel en- contrar ressonancias desse conto de Borges, quando 0 narrador romance carcerario”, por narrar o fim da experiéncia. A mem6ria do outro entra como componente capaz de suprir a falta de narrativas pessoais ou a inexisténcia de fatos novos, banais ou interessantes para se contar. O roubo das histori Ao de cena vividas em sonho ou lidas nos livros permitem dotar a memoria eza de que todas as historias estariam, de antemao, atravessadas pelo olhar alheio, o que ira se distinguir da concepeao benjaminiana de narrativa tradicional, na qual se destacaya a licao da experiéncia pessoal como fonte geradora dos relatos. Na narrativa pos-moderna de Piglia, o narrador confessa a banalidade e 0 vazio de suas experiéncias, necessitando, para o andamento de sua narrativa, de imitar e inventar aventuras de outrem, por meio da técnica do “voyeurismo” ¢ do roubo. afirma ser 0 romance moderno um alheias, a conder dos textos da nica ¢ No inicio as coisas foram dificeis. Eu nao tinha nada absolutamente para contar, minha vida era absolutamente trivial. Gosto muito dos primeiros anos do meu Diirio porque ali lito com o vazio total. Nao acontecia nada, na realidade nunca acontece nada mas naquele Tempo isso me preocupava. Era muito ingénuo, estava o tempo todo buscando aventuras extraurdinarias, Entio comecei a roubar a experienc que das pessoas conhecidas, as hist6rias que eu ima viam quando nao estavam comigo. Escrevia muito bem nessa 125 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. O Ultimo ato encenado 6 a exposi da troupe ambulante, metafora referente ao desnudamento e ao declinio da representa 10 das pecas do vestudrio io. Num dos momentos que antecedem o final do filme, 0 surgi- mento da mao gigantesca de uma escultura que emerge do mar e € erguida por um helicoptero contém a marca da antiprofecia: © dedo indicador encontra-se mutilado. E possivel retirar dai a imagem de ruina de um passado cultural grego que contém uma mensagem bem explicita, qual seja, a necessidade de se des- cartar 0 passado como promessa de salvacio futura. A direcio do horizonte grego se pauta pelo dedo quebrado dessa mao gigantesca, representativa da forca jé exaurida de algum deus. O espetdculo inusitado de uma figura que sobrevoa Atenas anun a sua presenca/auséncia do palco histérico sem acenar para caminho algum. Ja mesma forma que o aparecimento estranho de imagens corresponde ao apagamento imediato 4s referéncias, por estarem destituidas de um sentido de profundidade e de origem — técnica muito comum ao cinema contemporineo —, seguem-se outras cenas, atuando em contraponto as anteriores. Exibida como Ultima cena do filme, a paisagem da Alemanha € utopicamente representada por uma drvore, com toda carga de sentido vital e de esperanca que possa sugerir. As criancas conseguem, finalmente, transpor a fronteira da Grécia e vistumbram, do lado de la, as raizes da ilusio plantadas no pais onde possivelmente seria encontrado 0 pai. A abertura do sentido provocada pela cena permite agucar o desejo de invencio da figura paterna, indo além do territ6rio do visivel. A crise de uma imagem de futuro é substituida pela permanéncia de uma utopia cega e luminosa, de um tempo em expansio entregue a um movimento sonambulo, cujas aparicées sao vistas por criancas. O que poderia significar 0 retomo atual de simulacros, espelhos ¢ anjos, no meio de ruinas e de paisagens p6s-ut6picas? 131 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. instrumento de mediagdo para que se conserve a licdo do passado como intocavel ¢ permanente. Da mesma forma, postula- valores em direcdo a uma realizacio futura. O presente apenas se justifica como intermedidrio da passagem da tradic&ao para os anseios da posteridade. A obra de Siron Franco revela-se, contudo, alheia a es tempo, ao capturar o retrato do presente, a mortalidade infantil, destituido de qualquer registro de fantasia. Na sua intencao de expor, de forma horizontal e opaca, o objeto artistico inverte o projeto moderno que regeu a construgao da capital do Pais, um plantado no planalto central, como manifestagao utdpica do novo e do véo rumo ao progresso. se a projecao des concepgio moderna do Mario Pedrosa, nos intimeros e inter a Brasilia, reconhecia ser a capital a constituir, enquanto obra de arte moderna, como um projeto ut6pico. Ao pessimismo destruidor da arte individualista, 0 critico acredita na produgao de uma obra coletiva, ao integrar o artista na dignidade de uma missao social. No seu entender, a construgao de Brasilia passou a ser “um ensaio de utopia”: antes artigos dedicados sintese das artes”, por se Quando se faz uma cidade nas condigdes de Brasilia, partindo do nada, a mil quilémetros de distancia do litoral, € por assim dizer um ensaio de utopia. Nao receio a palavra, se se tomar utopia no sentido de oasis (..). Nossa Epoca € a Epoca em que a utopia se transforma em plano, ¢ € principalmente ai que se encontra a mais alta atividade criadora do homem — a da pkanificagio? A montagem moderna de Brasilia, pela reunidio heteréclita de elementos dispares, era marcada pela contradicio entre a sua forma revoluci iguala is construcdes do Primeiro Mundo, e€ a realidade social do Pais, com seu atraso e miséria. A euforia motivadora do eterno desejo de mudanca gerou a epidemia do novo, tanto no Ambito artistico quanto politico, no esforgo conjunto de mais uma vez se process: de identidade nacional. Essa empresa moderna teve 0 respaldo da vontade revolucionaria do Presidente Juscelino Kubitschek, uma das mais importantes figura ndria, que r uma redefinic s do cenario politico do século 20 O objeto artistico de Siron Franco, montagem pés-modema ins- talada provisoriamente ne reler o sonho desfeito da d 2 cenario de Bra silia, tem 0 mérito de ida de 1950, transformando o oasis em timulo. De forma contrastiva, a obra se integra aos demai: monumentos da cidade, a balanca do Congresso Nacional, por 135 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Ae literério para o musical era tributdria da qualidade superior ca plicagao para o deslocamento do enfoque estritamente produgio poética realizada pelos leuistas frente 2 produgao litera ria da €poca. Os poetas consagrados pelo meio académico nao entravam na disputa pela conquista desse lugar, pois cram os inspiradores da maioria dos artistas. O momento poético apresen- tava -se, contudo, desprovido de nomes signi-ficatives, € esse vazio ctiativo passa a ser preenchido pelos novos compositores, situados ameio caminho entre a criacao musical e a literaria. As frequentes parcerias realizadas entre compositores € poetas e o emprego de procedimentos mais elaborados na composigao das letras eram os fatores principais para a valorizacao desta categoria artistica. Ressalte-se ainda a forte inclinacao literaria que caracterizava a formacao da maioria dos compositores, o que facilitava o inter- cambio entre as séries musical e poética. Guimaraes Rosa, Clarice Lispector, Joao Cabral, Drummond, Fernando Pe: Oswald de Andrade e€ os irmaos Campos eram, ao lado de Gregério de Matos, Sousandrade e outros, as leituras compartilhadas por uma geracao de artistas surgida na década de 1960. Pela primeira vez na historia da mts composi¢oes musicais caminhavam passo a passo com as criagdes revolucionarias dos movimentos literirios de vanguarda no Brasil, como 0 modernismo tardio, relido pelos poetas dos anos 1960 e revitalizado através de novas produgées. O cuidado em inaugurar uma linguagem inventiva e desprovida de chavoes parnasianos ganha espaco na miisica a partir da bossa-nova. Reconhecida como uma das maiores revolugdes processadas na miisica popular do século 20, o movimento conseguiu reunir o que de mais sofisticado existia na musica americana — o jazz — com a simplicidade de seu texto poético. O predominio de rimas pobres, tais como amor e dor, assim como a seducio do ritmo das ondas do mar traduziam a experiéncia cotidiana e feliz das cidades, ao lado da exaltacao da natureza carioca e brasileira. No meio dessa efervescéncia musical havia também lugar para as cancoes de protesto, que, pela voz do samba, retratavam a miséria e 0 potencial criativo das favelas — “eu sou o samba, a voz do morro sou eu mesmo, sim sinh6/ quero mostrar ao mundo que tenho valot/ eu sou a voz do terreiro”. O protesto vinha acompanhado do potencial de alegria e de criatividade de uma populacao periférica, identificada pela simplicidade ¢ a descontracio do samba, sua maior forma de expressiio. Bons ‘a popular brasileira, as 140, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ¢ Glauber Rocha — patronos de sua poética e modelos de uma maneira especial ©, ao mesmo tempo, apaixonada e critica, de releitura da cultura brasileira. Com Jodo Gilberto aprende a experiéncia de uma nova musica que destoava de tudo 0 que havia sido feita até entao. Imita a sua maneira inovadora de interpretar, principalmente nos primeiros momentos de sua carreira, respeitando-se 0 rigor da desa-finacao, 0 tom baixo e introspectivo, ingredientes basicos do estilo requintado e Gnico la € conterraneo, Com o artista bossa-novista recebe do arti também a licdo de que iria avancar em relagio ao que havia aprendido e se aperfeicoado, pois a bossa-nova funcionaria como parametro ao canto paralelo que estava sendo entoado na década de 1960. Toda essa reveréncia fazia um coro ao forte sentimento de baianidade, que ira provocar transformacoes importantes, nao s6 quanto ao deslocamento espacial do eixo da cultura musical brasileira, como em diregao ao reconhecimento da tradicao dessa cultura. Para Caetano 0 lugar especial ocupado por Joao Gilberto supera regionalismos e se impoe de forma absoluta no panorama musical do Brasil e do mundo. © Jodo Gilberto naquele momento fez realmente o que se pode chamar de uma revolugao formal. Ele realizou uma forma com- pletamente nova que era capaz de ser satisfatoriamente critica em relagao a toda hist6ria anterior da musica brasileira ¢ satisfatoriamente > futuro, nte com relagdo a ia verdade, depois desse acontect- mento que se chamou de Bosst-Nova € que eu teimo de chamar de Joao Gilberto (...) porque achava que o trabalho que todo o mundo estava fazendo, embora fosse muito interessante, rico € generoso, nao dizia nada além do que o Joao Gilberto estava dizendo. Na verdade, tudo era corokirio daquela realidade do Joao Gilberto.” De Glauber Rocha, a infinita certeza de que a linguagem cinematografica do Cinema Novo incitava a reconstrugao de uma perspectiva miultipla e fragmentiria das artes, um convite 4 politizacao desse intercambio e a revisio dos procedimentos estruturais da ficticia realidade brasileira. Terra em iranse, filme de 1967, representa, para Caetano, o deslanchar de uma nova concepcao de arte cinematografica, capaz de rasgar a partitura musical ¢ transforma-la em pequenos fragmentos, dotados de outra linguagem. A leitura que Glauber realiza do Brasil ¢ da América Latina — o Eldorado — permite a anilise da realidade latino-americana através de recursos teatrais e operisticos, uma 144 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. NEM SAMBA NEM RUMBA Durante 0 periodo da Politica da Boa Vizinhanea, programa instaurado pelo governo americano para tornar proximas as relagdes com a América Latina, uma artista é escolhida como simbolo do continente: Carmen Miranda. Entre 1939 € 1945 participou de varios filmes de sucesso de Hollywood, assumindo 0 papel de “representante da cultura musical-popular brasileira nos Estados Unidos”.! Os interesses politicos se sobrepunham aos culturais, transformando a artista no esteredtipo da mulher latino-americana, que se expressava musicalmente no ritmo de samba, rumba e bolero. A construgao estilizada de sua imagem guardava um pouco de cada lugar da América, 0 que dificulta vé-la hoje como representante de uma “auténtica cultura brasileira". Para que a referida Politica lograsse éxito, deveria ser estimulada a comunica¢io entre os dois continentes através do cinema e do radio, veiculos responsaveis pela divulgacao de um ideal de modemizagio a ser difundido nos paises situados ao sul do Equador. Na troca linguistica e cultural, na mistura de samba, marchinha e rumba, exportava-se uma musica de facil aceitagao e importavam-se americanismos de contraditéria inser¢ao na sociedade brasileira da época, cujas consequéncias seriam de dificil previsao. O cancioneiro popular refletia o clima de intercambio linguistico, apontando a americanizag’o dos costumes que se manifestava na aquisicao de gadgets, na linguagem sedutora inspirada pelas expressdes inglesas referentes as noites passadas em nightclubs e cassinos. Noel Rosa, em 1933, compe a musica “Nao tem traducdo”, com o objetivo de ironizar a presenca de estrangeirismos no modo de vida nacional: “O cinema falado/ E 0 grande culpado da trans- formacao/ (...) Tudo aquilo/ Que o malandro pronuncia/ Com voz macia/ E brasileiro:/ Ja passou do portugués.../ Amor li no morro é amor pra chuchu,/ E as rimas do samba nao sao I love you/ E esse negécio de alé/ Al6 boy, Alé Jone,/ $6 pode aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. * RICHARD. Revista Iberoamericana nas, p. 736 ritica cultural y teoria literaria latinoamerie: * Ibidem. p. 738. * MOR: O cinema de meus olbos, p. 80. 160 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book.

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