Você está na página 1de 1

(...) Jim era um negro como raros. Jamais vi corao to bom!

Estou muito triste, Huck, disse-me le. De madrugada ouvi uns estalos na
barranca do rio como se fssem lambadas; e isso me fz lembrar certa vez que fui mau
para a minha pobre Isabel. Tinha ela apenas quatro anos, quando apanhou escarlatina e
quase morreu. Felizmente sarou. Um dia em que ela estava no quintal mandei-lhe que
fechasse uma porta. Em vez de me obedecer ela se ps a rir para mim. Isso me deixou
furioso e berrei com toda a fra: No ouve? Feche a porta! Isabel nem se mexeu;
continuou sorrindo, sem dar a menor importncia s minhas palavras. Cego de raiva,
dei-lhe com tanta violncia um tapa na cabea que a pobrezinha rolou por terra. Sa dali
e fui fazer qualquer coisa. Quando voltei, uns dez minutos depois, encontrei a porta
aberta como tinha deixado e a minha filha, de cabea baixa, soluando. Furioso como
estava resolvi lhe dar umas boas palmadas. Mas quando me cheguei, a porta empurrada
pelo vento se fechou com estrondo nas costas da menina e ela nem se mexeu. No sei
o que senti naquele momento. Parecia que me falava a respirao. Cheguei tremendo
pertinho dela e lhe preguei um susto, soltando um berro. Foi o mesmo que nada a
pobrezinha no se moveu. No pude mais. Agarrei minha filha nos braos e chorei com
ela e pedi perdo a Deus: Misericrdia para o pobre Jim, que enquanto vivo fr nunca
mais perdoar a sim mesmo! A doena tinha deixado ela surda-muda Huck e eu no
sabia.

TWAIN, Mark. Captulo XXIII. In:____. Aventuras de Huck. Traduo de Monteiro


Lobato. So Paulo: Brasiliense, 1959. p. 177-8.

Você também pode gostar