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de professore ida pela chegadl ds um novo encontro faz eclodlt dilemas maneira brilhant Cia. dos Atores, Bi J ,Conselho de classe. | ROBLICE au PRuvasap texto JOBILAC: ee Lee care if Jé Bilac CONSELHO DE CLASSE Conselho de classe por Bel Garcia ‘Todas as peges de teatro sto escritas para 0 palco @ mere- com ser encenades, Salvo as mal escritas, e mesmo esses merecem sair do papel e chegar ao paleo. Esse ndoé ocaso de Conselha de classe, muito pelo contrénio. Além de bem cescrita, a peca foi elaborada na perspoctiva de sua encena- cdo imediata ‘A dramaturgia contemporénea, na maioria das vezes, con- ta com a coleboragio da encenagSo, dos atores @ até do ‘e5p8¢0, @ por isso mesmo, por esse cardter volati,€ t8o im- portante seu registro, Publicar a dramaturgia de uma época é essential para defintla culturalmente e ajudar os que virgo 2 compreender a épocs ern questo. Imaginem daqui a 80 ‘anos 0 que pode causar a leitura dessa paca. Nao sabemos. Eu espero que as questées aqui levantadas estejam modifi ‘cadas, para melhor. No caso de Consetho de olasse, em que tinhamos a figure do autor presente € 0 facil didlogo, os processos de esc ta @ encenacdo correram concomitantemente. Os ensaios durarem {18s meses € es cenas chegavam aos poucos, © que nos passibiitou trabalher datalhadamente o universo de ‘cada personagem. A partir da discusséo das cenas, a minha ccontribuiggo no texto foi a sobreposigao de uma cena sobre 2 outta @ a interso¢ao dos didlogos. ‘Quando a pega inicie uma turn, hd lugares que favorecem ‘2 cena e outros que e dficukam. Frequentemente cortames (ou inserimos alguma fala, que chamamos de “aco «com © propésito de faciltar essas edeptacdes e deslocamentos, ‘ou pars tomer @ pega mais viva. Tudo isso transforma o texto {20 menos para nés} em provesso de escrita e&nica, 0 que 56.6 possivel pele forga dessa obra dramitica, no por aceso merecedora de diversas prémios no ultimo ano. Bol Garcia Consetho de classe por Susana Ribeiro Espero que uma obra dramética, desembarapadta das declemagées, bora des palavras enféticas @ dos gran- des sentimentos, tena a alta moralidade do real & e/a @ligdo torrive) de ura investigagao sincera. (Emile Zola, O romance experimental ‘eo naturaismo no teatro) Co ntimo, o pessoal, o extromamente intimo, Aquilo que se ‘coloca no outro quando torna-se insuportavel para si mes- ‘mo. Sorrrfinalmente para 0 nosso pessoal. O extremamen: te pessoal. O incompleto inecabsdo ser humane. & tom- bem, ali na sala de ensaio, @ nossa idade, tempo de estra- de juntos, a eminente patemidade, a latente enfermidade. Finitos: © sablamos disso, As personagens de Conselho de classe, assim como nbs, eram escolhas de comida, de classe, de lingua, de misica favorita, de indole, de baie +0, Fusca, nome do marido, “E a logica dos fatos sempre combinada com a l6gica de seus proprios tempsramentos ‘como desejava Zola, € enquanto cade ator costurava su porsonaidade, a dh reqeo apostava que 0s movimentos da cramacugi,aiados 208 impulsos das personegens, neturalmonte dosenariam 2 cane. Assim eva lcd peroeber 0 que saltava fora, o que do abla, no oracisva, No inicio do processo estivamos atrée da um surrealism, de imagens que havam chegado antes rasme do texto Uma imasto de moscas, um calor excessive, uma trtaruge atravessando 8 cena um cho ie suspiasse. Algo que por | tuasse @ fizesse a realidade respirar um pouco, pauser o CO” i tiiano massacrante @ desesperangoso de que flava pose. | 0 slomento surreal quo predominay @ so ostabolecsu io justamente de uma demande da nossa realidad, da ne- ceasdade do verossimihanca e do reconhecimento de que @ precizo scohor€ se apropiar das demands como mato: Tinprima-vve da ratreza da pega Gino etores homens em Um rivers predominanterente fino Bol evgeiu entdo que todos fossem mulheres \A partir disco, sentar com Joe odo oelonco pat uns enton dermos como isso se daria no palco. Eram homens, agindo | como homens, $e vestindo camo homens, inseridos e mer Gjuhados em texto, questoes, ciruitos erocionais comple tamente femininos, { Deslacamos entéo 0 corpe fisico da personagem em dire 80 a0 imagindrio da platoid Ver, entender & comaletar aque Ia professore end tarefa do pablico, qua com isso estave de- finitivamente convidado a participa: de bsincadeia] Fizernos ‘questo que esse convite acomtecesse logo de ice, jé que ‘a brincadeira néo estave em decifrar 0 conceito, mas sim em introjeto pare que todos pudessem tranqullamente vottar abistéria daquela gente. Prolessores, empregados, carteira.essinada, sindicatos, 05 tatutos, uniformes, conselhos de classe Nessa investigagdo sincera, na alta moralidade do rea, Nit { mor, roma ¢ tragéla 5 revearam para nbs, O problems continuava grande: a educagéo no Brasil {nossal, mas pelo menos a reelidade tornare-se suficiante. Quem sabe slat as importantes respostas nao moravam justamente ali, tealidade, no cotidiano de cada uma daquelas professors, siedicadas, por tods @ vida, a0 ensino pblico brasiiero, qem sabe a poesia daqueles alunos (bonds, mafia, ‘gangiue) no era justaments 0 inicio perfelto pare uma escu: * tadidlogo mais sensivel? ‘Susana Ribeiro Consstho de classe estreou no dia 26 de sotembro de 2013 no Mezanino do Sesc-Copacabana, na Ris de Janeiro, Texto 6 Bila Diragio Bel Garcia € Susana Aibeico Elenco CELIA: Cosar Augusto EDILAMAR: Leonardo Netto PALOMA: Marcelo Olinto MaBeL: Thierry Trémouroux 40K0 RODRIGO: Paulo Verlings Voz OFF VIVIAN: Drica Moraes Cenario Aurora dos Campos tuminagso Meneca Quindore Figurino R6 Nascimento e Ticiana Passos Trilha original Feline Storino Fotografia Vicente de Melia Vacagao) ¢ Dalton Valérie (cere) Projeto grifico Radlografiea Assstncia de diregto Faget ainda ae Diregao de palco Leancko Brander e Wellace Lima Operagao de luz Otiando Sehaider Operacao de som Diogo Magahaes regéo de produgéo Tat Pvogine Produgsio executiva Luise Barros Administragéo ‘Amanda Cezerine Producao, Nevaxea Productos Realizagio Ca. dos Atores @ Nevaxca Produgses Nota do autor Conselho de classe estreou no Sesc-Copacabana dia 26 de setembro, dia do meu aniversério, um presente inesquect vel pelo qual serei etermamente graio, Além de sentir uma profunda admiracdo © muito respeito pela Cia. dos Atores, reconhego neles a influéncia e referéncia da minha identido- de, até mesmo antes de eu comecar a escrever pars teatro. Agracego pelo encontro @ a oportunidade de dasfrutar 0 br Ihantismo e a generosidace desse time de foras com quem tive a honre de conviver para esorever este texto. Um agradecimanto especial a Raquel André, pela ideia do texto se passar em uma quadra esportiva escolar, Personagens CELIA rarnICIA — Professora de biclogia © matemstica, re- presenta os projetos dos laboratarios da escola. Vive canse- a, 5¢ abansndo, reclama de tudo. Vive quarendo ir embora eis cedo. Trabalha com revendas e encomendas, para au- mentar 0 orgamento. PRLOMA PAMPONETE — Projessora de portugues, Luta pele integracao da bibliotece com @ escola, Sensivel, meio boba para @ idade que tem. Ninguém Ihe d3 muito essunto, Tem ‘boas intengées, mas idoias frageis. Tem muito amor pela profissdo, mas 6 uma professora mediana em sala de aula, Gosta de sar chamada de “Tia Paiome: EDILAMAR CASTILHO DE JESUS — Professors de educagéo fisica, responsével pela quadra, onde promove o lazer de scale, festas folcléricas, campeonetos ete. Treinadore de ‘equipe de handebol que projeta a escola na comunidade. Au- ‘oritérie, pragmatica, Nao ebre mao da sua sala de toféus. MABEL DA SitvA — Professora de artes. Desde que foi trans- forida, luta par um espago de artes na escola separado do es- porte. Passional, nao esconde sua rivalidade com Edilemar. Muito entusiasmads om sala de aula, di né em pingo d'égua ere ensinar arte, Muito popular entre os alunos. ‘YoKo RODRIGO — Novo diretor. VIVIAN DE UMA SoUsA — Antiga diretora, afastedia por mot vo de doenca. Alguma coisa mental. Estafa, PROLOGO: OS JAPONESES Quacra poliesporiva da Escols Estadual Dias Gomes. Do lado dlreito, debaixo da trave, Célia, que colocou um pli: tieo para so proteger do so! que bate com forga, esté sen- tade numa eadeira e mesa improvisadas. Do lado esquerdo da queda, uma mesa com um fitio de éava vazio e uma catotaira, copos de piéstico. Muito calor, 0 ventilador do pedestal gira muito lento. Ecilamar entra na sais carregando umas sete, oito cadeires de estudanta, coloca perto das outras e sai da sala, até retor nar com uma nova cadeirs. Edilamar ainda esté casregando ‘sua mochila. A agdo se repete, enquanto ouvimos Vivian no alto-fatente da quadra, viMan: [voz em offi Ndo sei te responder isso. Isuspir, saturadée] € uma questo muito complexa... Por que a gente fla, fala © nao sai do lugar... Até sal mas sai pouco, entende?... Era pra sair mois... A ‘essa altura do campeonato, js era pra estar lé na frente... Ai, quer dizer, fea complicad... Essa que 6 a verdade, ¢ complicado mesmo, Precisa olhar pro geral. Por exempic, voce pags... seild.. pega ‘9 Japio. Taf: pensa no japonés. Os caras inven tam tude que ¢ coisa, é negécio dantro do alto que lige © deslige, ¢ rob que faz isso © aquilo ‘outfo..Aitem umn terremoto e as casas dos cara, ceem, a cidade inteira cai, e eles vo ls: um més, 18 tudo de pé novamente, Quer dizer, precisa de qué? Tecnologia, esirutua, planejamento, mas também de consciéneia ecoldgica, respeito, bom senso, coletivo. Mas tern que estudar pra isso. rng, genta?! Precisa se scucar, Quando os japo- neses perceberam a educagao como priondede, ‘odepéo virou essa poténcia mundial que a gente cconece. Entende? Mas o que econtece 6 que Is, I6 no depéo,,. ou tenho & maior simpatia pelo la- po, woot percebeu né? [nl Mas € que la, rapaz, ‘odo mundo 6 amarelo, yod0 unde tem a mes ‘ma cara,omasmo olho. Acpi no Brasi, nfo. Umé preto, outro 6 mulato... Dal fizeramn umas escolas pra poucas, e deu no que deu: uma educe¢ao to talmente datarmada hoje. E preciso entender o pals e quem esta nele. Pra isso, voc® precisa seir da sala de aula e entender 0 aluno como indlve ‘tuo... 0 professor como individu. E 0s individues perceborem a escola como parte da sua comun ade @ 0 que voce pode fazer por ele. E bem por al. "S6 tern duas opedes neste vida: se resignar ct se indignat. E eu no vou se resignar nunca” Darcy Ribeiro. Sabe quom foi Darcy Ribeiro, né? CENA 1: CALOR Célio corrige provas, de costas para a platoia. Eclamar coloce a tina cadre na quad e consulta 0 retégio de pulso. DIAMAR: Cadé'esse povo, gente? Calor do cacete. |silém- fo. Ecilamar nitidemente incomodads com 0 ceun: EDILAMAR: eu DIAMAR: EDILAMAR: ceun: EDILAMAR: calor Devia ser proibido, Isem respostal Podiemn car ponto facultative. ‘Vor6 t falando do calor? Isso nao € calor, 6 0 cu do diabo. Tinham que proibir abrir @ escola num dia desses, Ser con digées. Era mais facil colocar um arcondicionado. Pois ¢, Tal! Gostei. Isso, sim, era ume reclama- cio legitims... Mas a lingua é 0 guardanapo do rabo, € © pove em vez de ficar metendo ma- Iho no trabalho dos outros devia, sim, se unit & pensar no bem da meioria.. Mas nap, neguinho aqui, 6 Isem desviar 0 olhar da contabildade} Pois €, € feu com um monte de coisas pra fezer em casa, dar conta... No era nem pra estar aqui A gente fica lutando pelas coisas, pra dar jeito, methorar.. mas tern gente que... Francamente. Eequenta a caboca nao, é assim mesmo, 0 ne 6cio & cada um cuidar da sua vida, bola pra frente. ra reclamar # uma beleze, mas na hora de com parecer... Cada? \Vocé ta falando de Mabel? “Tanto se fala ern educagio, a bandeira da educa éo, salve a educacéo brasileira, mas nBo chegs nem na hor... lindice 0 reldgio de pulso) Educa- 20 nao € 86 “dois mais dois" nao. E bom-dia, boatarde, 6 chegar na hora, cea: EDILAMAR: ew EDILAMAR: ‘céun: EDILAMAR: EDILAMAR: ceua: Voc’ ¢ a Mabel tao que td, Chegou aqui ontem e jf té se achanda cheia dos dirsitos, Ela t8 aqui ha oito anos, 4 tem isso tudo? Té voando o tempo, n6? Voc# piscis 03‘olhos e jé 6 segunda. Pisca novamente e virou Natal Que seja, Eu td oquihd 14 © vacé ta hd 16e nem ppor isso 8 gente invade 0 espaco dos outros, ‘Nem por isso a gente sai par al se metendo em coisa que no 6 da nossa conta, Eu sou muito legal? Eu sou muito legal. As pessoas tém o di roito de se expressar? As pessoas tém o direito de se expressar. Agora, no vem com quiqui= ‘ui, diz que diz, mimimi, nao. Fala: abre a boca e fala. Mulher velha. Vai ficar no cantinha, no io qué...” Disse isso, disse aquilo? No gosto «isso. th. Nunca gostei. Se tem uma coisa que eu tenho horror... Que isso? Passar por cima do ‘outro? Depois vai pra sala de aula dizer que ser humano ¢ assim, néo seio qué, faz0 bem, vivaa are, dia da érvore. Ena vice real, ou quero ver ne Vida real. reelidade. O discurso é bonito... Mas pera l4, devagar..que isso? Chega devagar! No sapato! Ninguém qui é erianga, Té de ovo virado? (Edlismar ndo respondel Isso do vai der em nada, nao... Capaz até de no parecer ninguém, dai a gante mesmo decide € pronto, acabou, E a Mabel, ela 6, Safada Que isso. EDILAMAR: ceua: EDILAMAR: cet EDILAMAR; EDILAMAR: Essa mulher 6 safada. Safada, Mulher safada. Se tem uma coisa nesse mundo que essa mulher 6, 6 satada, Vooé me conhece tem 0 qué? Catorze anos. Catorze anos. Quando foi quo voos me viu neal: genciar a éscola? Nunca, nao 6? Nunca. Quando foi que voc me viu pogar um grampea- dor, um toco de giz que fosse # calocar na minha mochila? Quando foi que voc ouviu falar nisso? \Voc8 jé me viu fazendo iss07 Pode falar. S6 tem ‘ue vocé aqui. Por nossa amizade! Eu nunce fiz nada que prejudicasse alguém aqui. Ai vern ‘essa mulher lé da puta que pariu, lcolocando panos quentes ne situagdol Calmal Ta todo mundo alterado. E tem esse calor, o efas- ‘temento da Vivian, Calma, calm. Ev sou a calms em pessoa, Se tem uma coisa que eu me prometi quando acordei hoje, foi nao perder a calma, Nao vou perder a minha r2260, ‘ah, mas néo vou mesmo. Tomei até remédio de presséo. ss0 mesmo, se exaltar nessas horas néo adian- ta, Olha pra mim... Eailamar bate a bole na pare- de, como que teinando| Nada me aborrece. O ‘qué? Nadal Se eu fosse osquentar a caboga 18 fore. E olha que néo ¢ bolinho, (metralha] E de uma escola pra outra, trabelhando feito ume mula, Gnibus cheio, engarrafamento, calor afties- 1, sala lotada, sobe escada, desce escada, fla de banco, page conta, leva encomenda, pega encomenda, marca hore no médico, carrige pro va, aluno gritando, colocando dedo na sus care, atendendo tolofone, ouvindo mésica alta, cagar do pre vacé e suas crises de meiaridade, © vooé onsa que cu esquento a cabegs? [akd de om- bros] Eu quero é que © mundo acabe em praia, pea eu comer peixe iito. [vernos Tis Paioma en- trando na escola pelo corredor do lado esquer do] Aqui. Olha a desgrama.. pega uma prova do um aluno, entre suas coisas. L8 em voz altal Rofao!, da 602. Como as enzimas se reprodu em? Olha a resposta, presta atengSo: "As enzi- ‘mas s@ reproduzem facilmante @ de forma habil, pois @ s6 ficar uma enzima da outa” Ola essa ‘outre: “Qual é a fungio do esqueieto? lavadir 0 Castelo de Greyskull” Té vendo? Voce acha? Eles pensam quo a gente é palhago, faz araca. Voce acha qua au me aborreco? E isso que eles que- rem... Que a gente termine igual Vivian. Mes af 6 quo t, nada me aborrece, Comigo 0 buraco é mais embaixo, EDILAMAR: Vern cé, falando nisso... vooé sabe da Vivian? Se 1a bem, j6 teve alta..7 Dsquele jeito, né?... Falel com o marido dela, ele disse que ele reconhece as pessoas, mas N80 fala nada....Dorme muito, Descansando, os re- médios... vou passar If no final da semana, s& animar @ quiser ir junto, EDILAMAR: Ins ela ja est podendo recobsr visitas? CELIA: —_Olha, 1ss0 6u no sei, mas eu sei 4 que antes disso tudo ele fez uma encomenda comigo e do pagou. Nesse brincadeira eu morri em du zantas pretes. Vou bater la na porta dela, no ‘quero nem sober EDILAMAR: Faz ume cif ceua EDILAMAR: cea: EDILAMAR: cea EDILAMAR: PALOMA: EDILAMAR: # Patoma: Mes ¢ aquele kit de macadémia... sabo? Aquele ‘com tampinha doureda, Ah... Se fosse o de pitanga eu até compreva. ‘Qual? O da tempinha azul-oyale? Isso, Se eu soubesse... subi omtem pra Petropolis. [co- mega a mostrar os produtos de venda: mugm- bas, cosméricos @ roupas! Padia ter tazido, voce no felou nada, Nao, mas eu ndo 16 podendo, nao, Bom dia, gente! Desculpe o atraso. Imostrando o relégicl Boa tarde, né?— lesbatorids, mas sempre angelica) Nossa, Id fore ti... Que calor € esse... ise referindo 20s brodutos que Célia mostra a Edilsmarl Ah, nao, eu agredego, esse més no vai dar, voU deixar ara a proxima, Ainda bem que voces marcaram aqui. AS sales esto um foro. [Edliamar e Cé- lig sem dar atencao para Paloma, ainds nego- iando muambas e valores) Té quente demais, ‘Onde @ gente vel parar? (aturdida de caler, se abanando © apoiando a cabega com as maos, retrascando 0 resto com a temperatura da sua garrafa d'égua. Durame a fala de Paloma, Eclil ‘mar sai para o banheiro pora exparimentar uma diusel Daqui a pouco a gonte néo sai mais na fue... Misericérdia. Vocé sai na rua e vem uny bbafo quente... perece que voce esta entrando. dentro de uma boca. Cheia de dentes. Masti ‘dando. Falando de boca cheia. As vezes eu acho que @ até por isso que ta todo mundo meio assim, alvorogado.. E esse calor... Néo dé pra raciocinar diseito.. Fica tudo colando... Tudo in fiamado... "O calor deturpe tudo," Ouv’ isso on- tem. Queria que tivesse sido ae uma pessoa de vverdade, mas foi no teatro. Por isso que quando OSSO VOU 20 teatro. Pra ver gante de mentira falando verdade, fugir um pouco dessa gente Ge verdade que s¢ fala mentira... Eu fiquei me Perguntando... Meu Deus! Isso @ {80 antigo e {8 pessoas ainda se envolvern. Vocé chegou da Tua agora, daqui a pouco 0 corpo se acostuma, Vai lf no banheiro. joge uma agua no rosto. ai, cruzando com Edijamer que volta do banheivo. EDILAMAR: [fazendo referéncia @ busal Ficou bom, néo. Marcou aqui CELIA; Tem esta outra oped: lstras! EDILAMAR: Listra me engorde, mas boritinha, hein? Quanto 1a? cEUA: Oba aqui... Material bom, EDILAMAR: Malha bos, GeLIA: Popa fine. Néo é aquelas porcarias que @ outra ‘empurra Ia pra vocé, nao, EDILAMAR: Quanto ta? ELIA: —_Olha, eu fago pra voeé, isso, mais o hidrotante, mais equele seu condicionador qua eu sei que ta ‘cabanco, fago tudo pra voce por sete quatro, EDILAMAR: TA salgadol Vocé jé viu meu salério? ceLIA: —_Paga com o décimo tereeiro, criatura EDILAMAR: Td contando com ele pra sobreviver em janeiro, Enquanto as duas negaciam valores, Paloma saido banheiro, 05 textos se cruzam, PALOMA: Ivaltando do banheirol Ta sem agua. E isso que 6u falo, té vendo? Entra ano, sai ano, a mesma coisa, Comecaram as ferias, eles tacionam. Eles chem que sustentabilidade & isso. Acham que '5e nfo tem aluno, pra que ter agua? Quem é que esté aqui? Nao era pra esta, era pra estar ‘om case resoivendo a vida. Que vida? Nesse ca. lor, quem vive? Nessa cidade cada vez mais cara, quem vive? Tudo caro, tudo chelo, tudo quen=} ‘8, ndoé pra voeé, essa cidade nao pra vocé, voce | nfo 6 pra voc8. Voed é pro auto [rita para fra Gill! Mas tem gente aqui, nfo tem bicho, néo! E | ‘mesmo que tivesse bicho, no se nega équal Céiia © Ealiamar encaram Paloma. Silfncio constrangedor ‘onire as trés, Pormanecem assim por algun tempo, Patoma: EDILAMAR: PALOMA: EDILAMAR ctu: PALOMA: cea: PRLOMA: EDILAMAR: [doce] Alguém sabe da Vivian? Pois 8, @ gente tava aqui falendo dela, Parece que teve elta Gracas a Deus. Mas néo deve voter pra e180 cedo 1850 se volter um di, n. ocd acha que no vota.? ‘Acho beeseeeem cific. Ngo coloco minha méo no fogo. Mas... Depois de tudo... Néo sei néo, Ea gente vai ficar & deriva? {Isso que eu queria sugerir come pauta hoje, tam bom. Uma eleicéo pra diretor urgentamente, PaLoma: EDILAMAR: PALOMA: EDILAMAR: PALOMA: ctua: Fleigao? Em plana recesso? Mas quem € que val votar? O consetho. Mas o°conselho néo pode tomar uma deciséc ‘como essas, assim, sem consultar Iprocurando uma canete na mochifal Isso que. Provisdria. A gente escolhe uria ditetora subs ‘ituta, provisoriamente, Tem coisas praticas que 86 uma diretora pode resolver. Mas por que no espera? Daqui a pouco men dam alguém pra c8. Gu a propria Vivien. Sim, também acho, mas 0 caso ¢ que gente Nao tem como saber quando isso vai abontacer, fentends? Dal far o qué? E se as eulas voltarem ‘endo tiveram mandade ninguém? Ou sea Vivian no voltar? Poole acontecer, ¢ al? Vamos receber (08 elunas sem dar uma geral na escola? Na qua: dra, laboratérios, biblotecs... Sem discutir proje 108 que possam intensificar 2 relagdo da escola come entomo... 6 isso? A gente cruza os bragos @ espera? A gente finge mais uma vez ave néo ‘esta acontecendo nada e empurra com a barri- ‘99? Oua gente arregaca as mangas e coloca em ‘aga0.0 que em teoria ja t meis do que debatiio? O-que vocé acha? Eo resto do consolho? Tuachs? Cad? Agora, equi isso é pre eu sprender. Idiota. Craguei ceco. Agora aqui. isacé amargal ‘Mas oha, do tunde do coracaa, de verdade, 3 ma- luquice tana gente. Pera pensa. Nem orecise ser egperto. O que é que a gente ta fazondo aqu? A gente néo tinha nada que estar fazendo equi. Tem NADA pa fazer aqui ndo, gente. Uma vivalma nes- a esco's. Sem agua, com esse ventilador, que lee nada é a mesma coisa, Se aborracendo, (Ce a comeca guarder 0 sou matoriall O que é que gente 1 fazando aqui, gente? Ta todo mundo ne praia e a gente aqui de babaca no centro da cidade, cinquents graus... Quem @ que té eraco? ‘Quem é que té enlouguecendo? Célla pega suas sacolas, tente sair, mas Edilamar a impede. EDILAMAR: PALOMA: Vivian. Coltada... Nao tio isso da cabega... Fico ppensando... N3o sei vooss, claro que voces fam bem. Imagina. Todo mundo aqui deve ter se co- locado no lugar dela... muito triste Eu nao acho que erro té na gente, nao. Sincera- mente. Eu no acho mesmo. Mesifio com toda 2 dificuldace que a gente sabe que passa nessa profissao, nem precisa ficar aqui enumerando, mesmo com tudo isso, faz perte do que sou. Eu 1éo 589i se 6 dom, se & amor, se ¢ fala de vergo- ‘nha na cara ‘Ou tudo isso junto. Mabel entra pela lateral da quadra, EDILAMAR: OU tudo isso junto, ndo sei mesmo. Mas 0 ‘ue sei é que a gente tem uma questo bern. pratica pre resolver. a gente precisa se uni. [ie ‘mel A gente conliece essa escola, o que jd oas- sou de aluno na nossa méo... A gente se confia, Entende? Por isso, esse negdcio que aconteceu da professors Mabel comigo. Por isso a gente precisa 88 uni, ora que esse tipo de postura no soja incentivada, Néo se repita. Foi s6.a Vivian se afastar pra professors Mabel se revelar (Mobet continua entrando com a biicleta na quadra. CELIA @PaLoma: Calma, epiaMan: Eu td mentindo, gente? Desculpe falar, mas essa 6.8 verdade, 2 professora Mabel se revelou. MABEL: Me revelei, como? [clima| Boa tarde, professo- ras, desculpe o meu alraso, mas yeio que che- gusi bem a tempo de ouvir sue dafinigao sobre ‘mim, professora Edilamar. Desculpe interromper, pode prossegul, a senhora estava no ponto que diz respeito a minha revelagéo. Sim. Estou curio sa. Onda eu me revelel? ‘Mabel, ta muito quente, néo leva a mal, 0 calor deturpa tudo. EDILAMAR: Boa tarde, professora Mabel MABEL: Por favor, t6 curiosa com a sua definigao. EDILAMAR: No é definigéo, néo & da minha natureza detinir inguérn. Mas comentava, realmente, aqui com as minhas colegas, sobre como a professora, mudou, depois do que aconteceu com a diretora Vivian. Revelando uma natureza host, criando animosidade entre professores @ alunos. Joie Redrigo entra pela lateral, fica enssiando no corredor. MABEL Animosidade? A professora se vefere ao meu di- reito de oxpressio e apoio a0s alunos? EDILAMAR: A professora incitou os alunos ¢ todo mundo s3- be cisso. Igsd 6 uma concluséa da senhora, eu sou res- ponsével pelo que eu fago e ngo pelo que a se- ‘ahora acha, EDILAMAR: Gente, pelo amor.Té muito quente. Ninguée pre- Bom, gente, vamos comecar. Eu 86 queria, mais uma vez, dear claro que eu nunca, NUNCA, incitel ringuém dessa escola a nade, Se os estudantes fizeram o que fizeram foi for conta deles e por conta dos absurdos expos- 108 nesta escola, em que ninguém toms partido, Absurdos? A senhora no acha um absurdo 0 ‘que eles fizeram com a fachada da escola e com a diretora Vivian? Isso nao @ absurco? Claro. Nao sou a favor da violéncia, absolutamen- te, condeno qualquer tipo de agresséo. Mas foi legitimo o que eles. Legttimo? Voo8s ouviram isso? A senhora, como educadora, legtima a depredacio da sua propria escola? Legitimo no sentido de auténtico, reel, verdadel- ro. A revolta desses garotos é verdadeira e est ficando cada ver mais claro que as coises aqui precisa mudar. Professora, a senhora realmente acha que. Rodrigo entra. Paloma cutuce Eclilamar apontando Rodrigo. Todas olham a figura do jovem alinhado, ar simpatico, EDILAMAR:: RODRIGO: PALOMA: ois ngo, meu flo? E aguio conselho de classe? E, sim, voo8 eBté procurando alguém? cea: RopRIGo: MABEL: Voce é 0 filho da Regina? Regine? pare Rodrigo! Boa tarde! Que bom que chegou Esta 6 a professora Célia, responsével pelos lax boratérios de ciéncie e matemética. Esta a pro- fessora Peloma. Tia Paloma Tia Paloma, professora de portugues. E literatura brasileira Portugues e literatura, responsive! pelos proje- tos do integracdo da biblioteca com a escola. E aguela ¢ 2 professore Ediamer. Professore de ‘educacao fisica, treinadora do time do handebol ds escola, Todas intrigadas com a presenga de Rodrigo, as professoras lancam alhares inquisitives para Mabel. RopRIGO: Boa tarde, professoras. Eu sou Joso Rodrigo, estarel. por aqui durante a auséncia da diretora Vivian, que como todos saber passa por um problema de sade e esté em recuperagao. Mas reio que em Douce tempo tudo voltara a0 seu lugar, direitinho... Eu sei que # escola esta pas- ssando por um momento de tensao, vamos juntos tontar transiormar essa tensio em produtvidade Rodrigo sorr. ELA: MABEL: Gente... Ele 6 estagitrio? Ele 6 0 diretor substitute, Espanto goral CENA 2: VIVIAN Tia Palama e Rodrigo. PALOMA: Itransportadl Voce ta bem? ‘Quer agua? Coca-Cola? Ta doondo? Eu ndo sei o que fazer [tempo Vocé quer falar schreo que aconteceu é embaina? ‘Quer que eu limpe seurosto? Eu tenho Merthiolate na bolsa Quer Danone? (Quer que eu avise alguém? Qual ¢ 0 niimera do seu marido? Cad sua agenda? Cade seu celular? ‘Aieu meti a mo no bolso dela. No achei nade, $6 um isqueiro, InIL Voce vottou a furnar Fumar faz mal (Quer fumner agora? Eu fumo com voee, se quiser. \Voo8 quer? Quer que eu faca alguma coisa? Quer ficar sozinha aqui, pensando? Rooaico: Patou, RoDRIGo: PALOMA: Ropaico: Quer que eu chamo 88 outras professoras? Quer conversar? Tem certeza que nao quer que eu te love pro hos ita?” Voc’ tem plano, seguro de sade? Voce tem dinheiro pro taxi? Voc’ t4 com mado? Vo- 68 ta com fome? Vocé t8 confuse? Vocé té me ‘owvindo? Voce ta me ouvinda? tempo} Nao esbogou nada... Esta 6 a palavre: nada, NEo 6 vazio, porque vazio ainda 6 alguma coise.. E ali no era nada... Ela ficau parada me olhando ‘com aquela cara de nada. Bom ai, sentada nesea mesma posi jover um musculo, do nada, falou, séria: "No Japga, o Unico profs. sional que ndo precisa se curvar diante do im erador ¢ 0 protessor, pois, segurido as japone- ‘385, numa tena em que néo hi professores nfo ‘pode haver Imperadores. [curiosol Isso nao 6 verdad, Ele queria que fosse. Ela gostava, gosta, muito do Japéo. Engragado... né? Professora Paloma soni, doce, nurma love corrego}Tis Paloma [com certa estranhezal Entéo, Tia Paloma, . Nad ‘contra 4 diretora Vivian, mas veje bem... O8 pro fessores de la nao passam pelos mesmos absur dos que 2 gente passa aqui, mas também nao dia que so recompensados como marecers, les nao ganham tao bem quanto se acredita, 0 também néo gozain de tanto prestigio assim na sociedade... E como nas escolas daqui, Tia Pa- oma, nem sempre eles recebem a atencdo 6 0 srespeito dos alunos. PaLoma: RopAIGo: Sort. PALOMA, ceua: roprico: PALOMA: RopRIGo: J foi ao depac? Peia internet. Mas 6 56 urna mensagem positiva, filo, no faz mal as vores de Célia 2 Mabel no corredor Ci, vos. No. Eu sé queria saber se. No. Mas vost nem. Tudo bem voce néo goster de mim, mas eu acho. {cortal th, Maivel, esse papo...Olha, realmente Vai dar ndo. \Voeé nao gosta, direito seu, mas ¢ hora de colo- car as diterencas de lado pr {coral Mabel, Polo armor. Ts Mo doi quita, a Finge que eu not qui Lintrigado} € depois? Nao disse mais nada. Nao explicou por que fez 0 que fez? PALOMA; Tempo. PALOMA: RODRIGO: PALOMA: Nao, ela no falou mais nada, Ah! Falou do Je- ppéo. Levantou. Fol até 0 bebodouro, lavou 0 ros- {0 cor gua gelada. Secou corm um lencinho, Jogou na lixeira. Pegou a bolsa. Tirou uma esco- va de dentro, escovou, guardou. Pegou a jaque- ta, Foi até.ossa porta aqui e ai... Ficou pareds, Poralisada, Té tudo ber? Nbo responclou nada, Ful aié es, percebi que esta- \va chovando, sem som, Sabe quando... endo. Ela aliem pé. Umaestitus de sal, Coma cara mancha: dda de sangue, Eu teria dado um abraco, mas. .J080 Rodtigo, cuantos anos vooe tem? Vinte © sete Eu tenho 30 36 de magistério. E posso te feiar 2 verdade? Mesmo com esse tempo todo, tern coisas que néo tem como se acostumar...Vocé até pode aceitar, porque a gente acaba acettando: mesmo, que remédio? Mas se acostumar, en- tender. Nao. Ouve-se a var de Celis, no corredor. aqui a pouco eles voltam, af voce abre 0 cora- ‘0, ‘ala 0 que acha, o que néo acha...Té quent demais pra ficarfalendo a toa. [A profossora ja poderis ter se aposentado... Por ‘que continua? 80 salo com a compulsérie leles riem| Patoma: Té rindo? Fino. [docel Vocé ainda vai me ver muito aqui. Essa escola ¢ fia... velha... Nao & perfeita,.. Mas eu sou igual! Tarrbém tive meus tempos dureos, I884a... [sorr] Eu soi onde osta cada livio requela biblioteca, cada revista, cada grampo... E... A gente passa mais tempo no tra balho do que em casa, do que na mundi... Por isso nem 6 mais questéo de gosta, nao, filho. Te ‘entranhado...ngo sai mais, no... E por isso que quando acontece uma coisa dessas a gente fica to... Desoulpa. Perdéo. Rodrigo astende um lenco para Patoma, RopRIGO: Esté tude bem, toma aqui um lencinho. PALOMA: Obrigada... [seca as lagrimas] Desculpa. Perdéo, RODRIGO: Imagira... Voc8s esto com os memos a flor da polo... us dou pra ver... PALOMA: Eu vi a Vivien cheger aqui, professora ainde, reoém-formada, Bonita, Sempre fo! bonita. E fie ie, Sempre foi firme. Eu apresentel essa escole pra ela... num suspiro de lammento} RODRIGO: E os meninos? PALOMA: Que é que tem? RODRIGO: Eles tinham uma boa relacdo com ele? PALOMA: Ah, meu filho. Estamos em um colégio do este do e dar bom-dlia e boatarde ja pode ser consi.

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