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Alejandro Dolina: As crnicas de um anjo cinzento

Cortio edificado com tijolos do palcio Nabucodonosor, as Crnicas do anjo


cinzento eram publicadas pela primeira vez na Argentina em 1988. Alejandro Dolina
somava-se assim a uma estirpe de cartgrafos improvveis que perpassa a histria da
literatura latino-americana. Tal como o Villa Crespo de Marechal, o Palermo de Borges,
a Paris de Cortzar, o Bairro de Flores procurava ser ao mesmo tempo expresso de
uma vida singular e cifra do mundo. Entre a Macondo de Garca Marquez e a Santa
Mara de Onetti, encarava essa empresa com uma rara mistura de nostalgia e esperana.
O seu humor melanclico deixou uma marca de idealismo desenganado na minha
gerao, e seguramente contribuiu para a sobrevivncia da narrao tradicional, cuja
desapario lamentara Walter Benjamin (quem tambm invocou um anjo menor para
olhar para trs na hora de encarar o futuro). Homens sensveis, refutadores de lendas,
heris desiguais e falsos impostores povoam as suas pginas, que no conduzem a parte
alguma, e nas quais no impossvel perder-se (como nas ruas do Parque Chas).
O universo uma perversa imensidade feita de ausncia. A verdade que no
estamos quase em nenhuma parte. A obra de Alejandro Dolina , no seu conjunto, um
mapa (inevitavelmente impreciso) dessa nossa solido, mesmo quando no desconhece
os entusiasmos do amor, as intermitncias da arte e os vislumbres do pensamento. Quem
se aproxime dela deve saber que no promete orientaes para ningum (no pode), mas
capaz de aprofundar e aliviar momentaneamente o nosso desassossego.
O captulo que traduzimos aqui O atlas secreto de Flores , como uma mise
em abyme, oferece uma viso em escoro das Crnicas. Quero acreditar que, na sua
exiguidade, na sua fragmentariedade, na sua despretenso, possa deixar entrever
lampejos dessa geografia potica que, como a enciclopdia de Orbis Tertius, subtilmente
contamina o mundo.

Eduardo Pellejero

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