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O «BRASILEIRO» NA NOVEL[STICA CAMILIANA Delineamento para um estudo por Alexandre Cabral Quando Maria Letizia (a famosa princess Rattazzi) emitiu a sua opiniéo sobre a produgéo romanesca de Camilo Castelo Branco no polémico livro de viegem— Portugal 2 vol d'oiseau —, efirmando, sem titubeamentos, que «todos os romances do solitétio de S. Miguel de Ceide contém infalivelmente um tipo de brasileiro, uma rapariga ge se recolhe a um convento, um fidalgo de provincia e um rom tico apaixonado e transparenter (acrescentou ainda, com uma pon de malice: «2 invariével como « chuva e 0 bom tempo.»), estava @ set injusta, do mesmo passo que revelava uma notivel incapacidade ‘para evaliar a tiquezs, a variedade © a complexidade do guinhol camiliano, seu comentitio, aliés, reflectia 0 pensamento dos ). ‘Apesar da distincia temporal que separa o estudioso moderno dos eventos das inttigas romanescas de que nos ocupamos, uma inves- ‘igagdo exaustiva determinard com invulgar exactidéo que petsonali- dades ¢ que acontecimentos reais subjazem nos episédios dos diversi ficados enredos «imaginados» pelo nosso romancista, sem exclusio dos: ue se relacionam com a sua biografia (quase todos com Iivos de dramatismo). 24 Seja 0 segundo: Camilo foi, por vontade prépria, um repérter do seu tempo. Neste sentido, teve um conhecimento directo de mint. déncias varias da época em que viveu. (Associamos ao conceito de repérter 0 facto de Camilo ter sido «escreventer de jomnais e, tanto oa mais do que escrevente — «escritor jornalistico e literérion, como le dizia—, foi aleitore de jornais.) Naturalmente que os problemas da emigtagio—legal ¢ clan- destina—nifo cram matétia que 0 escritor ignorasse. Porventura, algumas das noticias sobre 0 assunto divulgedas pela imprensa do tempo foram escritas pelo seu punho, (Saibese que Jilio Dias da Costa nio recolheu nos Dispersos — precioso instramento de trabalho, munca é demais dizé-lo!—a totalidade da colaboragdo avulsa disse. tminada pelos jornais indisputavelmente da autoria de Camilo Castelo Branco.) Jalgamos estar agora em condigées de analisar a questio do brasileiron (o emigrante de tormaviagem) na novelfstica camiliana. 1) A emigracio relacionade com dificuldader econémicas. A peniria do viver rural nas provincias do Norte —e nio $6, como facilmente se imaginaré—, responsivel pela impossibilidade de slimentar a prole, em regra numerosa (a instrugio nem sequer cons: tirufa problema), € um agente constante de emigrasio, que se reflecte igualmente nos romances de Camilo. Dois exemplos: Silvestre Moniz, pai de cito filhos, como néo tivesse pio para thes dar, resolvera enviar «érés ao Brasil, onde tinha um irmio sol- teiro © sovinay. (in O Retrato de Ricardina, 12.* ed., de 1967, p. 58 —L* ed. de 1868 —; sublinhado nosso). Na novela Maria Moisés, a filha de Anténio de Queirés de Mene- ses dedicouse & obra benemétita de recolhet na quinta de Santa Eulé Jia 08 enjeitados das redondezas. Além de os alimentar, preocupava-se também com a sua instrucio, preparandohes uma melhoria de futuro, Uma vez que se ausentara, recomendou a Francisco Bragadas que no esquecesse de mandar os protegidos 4 escola. Réplica do. homem: ‘sto de escola p'ra que monta?» Achava 0 velhote que o melhor era ¢guardarem uns cevados enquanto no podem ir para o monte com a rés, © depois € agar- tarem-se a enxada e & rabiga do arados 25 Maria Moisés, porém, teimou: «

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