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Métodos de montagem: Em todas as artes, ¢ em todas as descobertas, a expe- rigncia sempre antecedeu os preceitos. No correr do tempo, designou-se um método para a pritica da in- vengio. GOLDONI Seria a montagem atonal um método nio-relacionado com nossa experiéncia pré- via, transplantado artificialmente para a cinematografia, ou simplesmente uma acumulagéo quantitativa de um atributo que dé um salto dialético ¢ comega a funcionar como um novo atributo qualitativo? Em outras palavras, seria a montagem atonal um estgio dialético de desen- volvimento dentro do desenvolvimento geral do sistema de métodos de montagem, colocando-se em sucessiva relagio com as outras formas de montagem? Estas so as categorias formais de montagem que conhecemos: 1. Montagem Métrica O ciitétio fundamental desta construgio séo os comprimentos absolutes dos frag- mentos. Os fragmentos sio tinicos de acordo com seus comprimentos, numa formula esquematica correspondente & do compasso musical. A realizagao esté na repeticao desses “compassos”, A tensio é obtida pelo efeito da acelerasio mecinica, ao se encurtarem os fragmentos, ao mesmo tempo preservando as proporgées originais da férmula. Base do método: compasso trés por quatro, tempo de marcha, tempo de valsa (3/4, 2/4, 1/4 etc.), usado por Kuleshov; degeneracao do método: montage métrica usando uma medida de irregularidade complicada (16/17, 22/57 etc). Tal compasso deixa de ter um efeito fisioldgico porque contraria a “lei dos néimeros simples” (relagdes). Simples relag6es, que déo uma clareza de impressio, 79 80 A forma do filme sdo por esta razo necessdrias, para uma maxima eficiéncia. Sao por isso encontra- das em saudéveis clissicos de todos os campos: na arquitetura; na cor de uma pintura; numa composicao complexa de Scriabin (sempre clara como cristal nas relagdes entre suas partes); em mises-en-scénes geométricas; num preciso planeja- mento estatal etc. Um exemplo semelhante pode ser encontrado no O undécimo ano, de Vertov, onde o ritmo métrico é matematicamente tio complexo que apenas “com uma régua” pode-se descobrir a lei proporcional que o governa. Nao pela impressdo conforme percebida, mas pela medida. Nao quero dizer com isso que o ritmo deva ser reconhecivel como parte da impresséo percebida. Pelo contrario. Apesar de irreconhectvel, ele € no entanto indispensdvel para a “organizagio” da impressio sensual. Sua clareza pode fazer funcionar em unfssono a “pulsagao” do filme ¢ a “pulsagao” da platéia. Sem tal unissono (que pode ser obtido por varios meios ) nao hé como haver contato entre os dois. ‘A complexidade excessiva do ritmo métrico produz um caos de impressdes, em vez de uma clara tensio emocional Entre estes dois extremos de simplicidade ¢ complexidade, existe um terceiro uso da montagem métrica: alternando dois fragmentos de comprimentos diferentes de acordo com os dois tipos de contetido destes fragmentos. Exemplos: a seqiiéncia do leeginka, em Outubro, ¢ a manifestagéo patriética em O fim de Sao Petersburgo.§ (O tiltimo exemplo pode ser considerado um clissico no campo da montagem puramente métrica.) Neste tipo de montagem métrica o contetido dentro do quadro do fragmento esté subordinado ao comprimento absoluto do fragmento. Por isso, apenas o carter dominante do contetido do fragmento € considerado; esses seriam planos “sinénimos”.> 2. Montagem Ritmica Aqui, ao determinar os comprimentos dos fragmentos, 0 contetido dentro do quadro ¢ um fator que deve ser igualmente levado em consideracao. A determinagio abstrata dos comprimentos dos fragmentos dé lugar a uma relacao eldstica dos comprimentos reais. Aqui, © comprimento real n3o coincide com 0 comprimento matematica- mente determinado do fragmento de acordo com uma férmula métrica. Aqui, seu comprimento pratico deriva da especificidade do fragmento, e de seu comprimento planejado de acordo com a estrutura da seqiiéncia. E bastante possivel aqui encontrar casos de total identidade métrica dos fragmentos com suas medidas ritmicas, obtidas através de uma combinacio dos fragmentos de acordo com seu contetido. Métodos de montagem 81 A tenséo formal pela aceleragao é aqui obtida abreviando-se os fragmentos nao apenas de acordo com o plano fundamental, mas também pela violagao deste plano. A violagao mais efetiva € conseguida com a introdugao de material mais intenso num tempo facilmente distinguivel. A seqiiéncia da “escadaria de Odessa”, em Potemkin, € um exemplo claro disto. Nela, a marcha ritmica dos pés dos soldados descendo as escadas viola todas as exigéncias métricas. Esta marcha, que nio esté sincronizada com o ritmo dos cortes, chega sempre fora de tempo, ¢ esse mesmo plano se apresenta como uma solugao completamente diferente em cada uma de suas novas aparigées. O impulso final da tensio é proporcionado pela transferéncia do ritmo dos pés descendo para outro ritmo — um novo tipo de movimento para baixo — o préximo nivel de intensidade da mesma atividade — o carrinho de bebé rolando escada abaixo. O carrinho funciona como um acelerador, diretamente progressivo, dos pés que avangam, A descida degrau a degrau passa a descida de roldao. Compare-se isto com o exemplo citado acima, de O im de Sao Petersburgo, onde a intensidade é obtida reduzindo-se todo e qualquer ftagmento ao minimo requerido pelo compasso métrico. Tal montagem métrica € perfeitamente adequada para soludes de tempo de marcha igualmente simples, mas € inadequada para necessidades ritmicas mais complexas. Quando se forsa sua aplicagao em um problema dessa natureza, comete-se um erro de montagem. Isto explica uma seqiiéncia tio malsucedida como a danca de méscara religiosa em Tempestade sobre a Asia.S Executada com base em um comple- xo ritmo métrico, desajustado do conteido espectfico dos fragmentos, ela nem reproduz o ritmo da ceriménia original, nem organiza um ritmo cinematografica- mente eficiente. Na maioria dos casos deste tipo, sé se consegue provocar perplexidade no especialista, ¢ apenas uma impressio confusa no espectador leigo. (Apesar de que a muleta artificial de um acompanhamento musical possa dar algum apoio a uma seqiiéncia tio capenga — como acontece no exemplo citado — a fraqueza bésica continua presente.) 3. Montagem Tonal Este termo & empregado pela primeira ves. Expressa um estagio além da montagem ritmica, Na montagem ritmica € 0 movimento dentro do quadro que impulsiona 0 movimento da montagem de um quadro a outro. Tais movimentos dentro do quadro podem ser dos objetos em movimento, ou do olho do espectador percorren- do as linhas de algum objeto imével. 82 Aforma do filme Na montagem tonal, o movimento é percebido num sentido mais amplo. O conceito de movimentagio engloba todas as sensagdes do fragmento de montagem. ‘Aqui a montagem se bascia no caracter{stico som emocional do fragmento — de sua dominante. O som geral do fragmento. Com isso no quero dizer que 0 som emocional do fragmento deva ser medido “impressionisticamente”. As caracteristicas do fragmento neste aspecto podem ser medidas com tanta exatidio como no caso mais elementar da medida “pela régua” na montagem métrica. Mas as unidades de medida diferem. E as quantidades a serem medidas também. Por exemplo, o grau de vibracgo da luz em um fragmento nio é captado apenas pela célula de selénio de um fotémetro; cada gradagao desta vibragio € perceptivel a olho nu. Se damos a designaao comparativa e emocional de “mais sombrio” a um fragmento, também podemos achar para tal fragmento um coefi- ciente matemético para o seu grau de iluminacao. Este é um caso de “tonalidade de luz”. Ou, se o fragmento é descrito como tendo um “som agudo”, é possivel encontrar, atrés dessa descrigao, 0s muitos elementos angulados agudamente den- tro do quadro em comparacio com outros elementos de forma. E um caso de “tonalidade gréfica”. “Trabalhar com combinagées de variados graus de suavidade de foco ou graus variados de “agudeza” seria um uso tipico de montagem tonal. Como disse, isto se basearia no som emocional dominante dos fragmentos. Um exemplo: a “seqiiéncia da neblina” em Potemkin (antecedendo o lamento da massa sobre 0 corpo de Vakulinchuk). Aqui a montagem baseou-se exclusivamente no “som” emocional dos fragmentos — nas vibragées ritmicas que no afecam alteragdes espaciais. Neste exemplo ¢ interessante 0 fato de, ao lado da dominante tonal bésica, uma dominante rftmica secundaria, acesséria, também estar agindo. Isto liga a construgao tonal da cena A tradigao da montagem ritmica, cujo desenvol- vimento posterior é a montagem tonal. E, como a montagem ritmica, esta também uma variacao especial da montagem métrica. Esta dominante secundaria é expressa em movimentos de mudanga escassa- mente perceptiveis: a agitagio da dgua; 0 leve balango das béias ¢ dos barcos ancorados; o vapor subindo vagarosamente: as gaivotas mergulhando graciosamen- rena dgua. Rigorosamente falando, estes também sio elementos de uma ordem tonal. Sao movimentos que progridem de acordo com caracteristicas tonais, em vez de espaciais-ritmicas. Aqui, mudancas imensuréveis espacialmente sio combinadas de acordo com seu som emocional. Mas o principal indicador para a reunido dos fragmentos estava de acordo com seu elemento bésico — vibragées dticas de luz (graus variados de “sombra” ¢ “luminosidade”). E a organizagio dessas vibragies revela uma total identidade com uma harmonia em tom menor na musica, Ao Métodos de montagem 83 mesmo tempo, este exemplo dé uma demonstracao de consonancia ao combinar 0 movimento como mudanga com o movimento como vibragao de luz. ‘Tensio crescente neste nfvel de montagem também é produzida por uma intensificagéo da mesma dominante “musical”. Um exemplo especialmente claro de tal intensificagéo € fornecido pela seqiiéncia da colheita atrasada em A linha geral. A construco deste filme como um todo, assim como nesta seqiiéncia parti- cular, vincula-se a um processo construtivo bdsico. A saber: um conflito entre argumento ¢ sua forma tradicional. Estruturas emotivas aplicadas a material nao-emocional. O est{mulo é trans- ferido de seu uso comum como situacao (por exemplo, como o erotismo é geral- mente usado em filmes), para estruturas paradoxais em tom. Quando “o pilar da atividade” ¢ finalmente descoberto — ¢ uma mdquina de escrever. O touro herdi ¢ a vaca hero{na casam-se alegremente. Nao é 0 Santo Graal que inspira tanto diivida quanto éxtase — mas uma desnatadeira. Assim, 0 tom menor tematico da colheita é resolvido pelo tom maior tematico da tempestade, da chuva. Sim, e até mesmo a colheita empilhada — tradicional tema basico de fecundidade, sempre reluzindo sob 0 sol —, uma solugio do tema menor, molhada, como esté, pela chuva. ‘Aqui o aumento da tensio ocorre através do reforgo interno de um acorde dominante inflex(vel — pelo sentimento crescente dentro do fragmento de “opres- so antes da tempestade”. ‘Como no exemplo anterior, a dominante tonal — movimento como vibracao de luz — ¢ acompanhada por uma dominante ritmica secundaria, isto é, movimen- to como mudanca. Aqui ele € exprimido pela crescente violéncia do vento, definida por uma transferéncia de correntes de ar para torrentes de chuva — uma analogia definida com a transferéncia dos passos descendo para o carrinho rolando escada abaixo. Em estrutura geral, 0 elemento vento-chuva, em relagéo 8 dominante, pode ser identificado com a ligacao, no primeiro exemplo (a neblina no porto), entre seu balango ritmico e seu desfoque reticular. Na realidade, o cardter da inter-relagao é bastante diferente. Em contraste com a consonincia do primeiro exemplo, temos aqui 0 contrario. A aglomeragio nos céus de uma massa negra, ameagadora, é contrastada com a orga dinamica intensificada do vento, e a solidificagéo implicita na transigao de correntes de ar para torrentes de agua € intensificada pelas saias, dinamicamente sopradas pelo vento, ¢ os feixes espalhados da colheita. ‘Aqui, uma colisio de tendéncias — uma intensificagao do estético e uma intensificagao do dinamico — nos dé um claro exemplo de dissonancia na constru- Gao de montagem tonal. Do ponto de vista da impresséo emocional, a seqiiéncia da colheita exemplifi- cao tom menor trégico (ativo), distinto do tom menor rico (passivo) da seqiiéncia da névoa no porto. 84 A forma do filme E interessante que em ambos os exemplos a montagem se desenvolve com a crescente mudanga de seu elemento bisico — cor: no “porto”, do cinza-escuro para © branco enevoado (analogia com a vida — o amanhecer); na “colheita”, de cin- za-claro para negro-grafite (analogia com a vida — aproximaso de uma crise). Isto & a0 longo de uma linha de vibragées da luz aumentando de freqiiéncia em um caso, ¢ diminuindo de freqtiéncia no outro. Uma construgao em métrica simples foi elevada a uma nova categoria de movimento — uma categoria de significagio superior. Isto nos leva a uma categoria de montagem que podemos chamar apropriada- mente de: 4, Montagem Atonal Em minha opinido, a montagem atonal (conforme descrita no ensaio anterior) € organicamente o desenvolvimento mais avangado ao longo da linha de montagem tonal. Como indiquei, ¢ distinguivel da montagem tonal pelo célculo coletivo de todos os apelos do fragmento. Esta caracterfstica eleva a impressdo de um colorido melodicamente emocio- nal, uma percepgao diretamente fisiolégica. Isto também representa um nivel relacional com os nfveis anteriores. Estas quatro categorias sdo métodos de montagem. Elas se tornam construgées de montagem propriamente ditas quando entram em relag6es de conflito umas com as outras — como nos exemplos citados. Dentro de um esquema de relagSes mtituas, ecoando e conflitando umas com as outras, elas se movem em direcdo a um tipo de montagem cada vez mais fortemente definido, cada uma crescendo organicamente a partir da outra. Assim, a transigao da métrica para a rftmica ocorreu no conflito entre o comprimento do plano ¢ o movimento dentro do plano, ‘A montagem tonal nasce do conflito entre os princfpios ritmicos e tonais do plano. E finalmente — a montagem atonal, do conflito entre o tom principal do fragmento (sua dominante) ¢ uma atonalidade. Essas consideragdes proporcionam, em primeiro lugar, um critério interessan- te para a apreciacdo da construgo da montagem de um ponto de vista “pictérico”. O pictorialismo € aqui contrastado com “cinematicismo”, pictorialismo estético com realidade fisiolégica. Discutir o pictorialismo do plano cinematogréfico ¢ ingénuo. Isto € tipico de pessoas que possuem uma cultura estética respeitavel mas que nunca foi aplicada de forma légica ao cinema. A este tipo de pensamento pertencem, por exemplo, as opinides sobre cinema de Kasimir Malevich.’ O verdadeiro aprendiz de cinema nao Métodos de montagem 85 pensaria em analisar o plano cinematogréfico de um ponto de vista idéntico ao da pintura paisagistica. O que se segue deve ser considerado um critério do “pictorialismo” da cons- truco de montagem no sentido mais amplo: 0 conflito deve ser resolvido dentro de uma ou outra categoria de montagem, sem permitir que 0 conflito seja uma entre diferentes categorias de montagem. Uma cinematografia verdadeira sé comeca mesmo com a colisio de varias modificagdes cinematograficas de movimento e vibracao. Por exemplo, 0 conflito “pictérico” entre uma figura e o horizonte (seja um conflito estético ou dinamico, nao importa). Ou a alteragao de fragmentos diferentemente iluminados apenas do ponto de vista de conflitantes vibrages de luz, ou de um conflito entre a forma de um objeto ¢ sua iluminacao etc. Também devemos definir 0 que caracteriza 0 efeito das vérias formas de montagem sobre o complexo psicofisiolégico da pessoa na ponta receptora. A primeira, a categoria métrica, é caracterizada por uma vigorosa forsa moti vadora. E capaz de impelir 0 espectador a reproduzir externamente a agio percebi- da. Por exemplo, 0 concurso de segadura em A linha geral & montado deste modo. Os diferentes fragmentos séo “sinénimos” — contendo um tinico movimento de segadura de um lado ao outro do quadro; ¢ eu ri quando vi os membros mais impressiondveis da platéia balangando silenciosamente de um lado para 0 outro, numa velocidade crescente a partir do momento em que os fragmentos foram acelerados pela redugio. O efeito foi o mesmo que o de uma banda de percussio ¢ metais tocando uma simples marcha. Chamei a segunda categoria de ritmica. Também poderia ser chamada de emotiva-primitiva, Aqui o movimento é mais sutilmente calculado, porque apesar de a emogio ser também resultado do movimento, o movimento néo é uma mudanga externa meramente primitiva. ‘Aterceira categoria — tonal — poderia também ser chamada de emotiva-me- Iédica. Aqui o movimento, que jé deixou de ser uma simples mudanga do segundo caso, passa distintamente para uma vibracdo emotiva de uma ordem mais alta. A quarta categoria — um fluxo fresco de puro fisiologismo — remete, com mais alto grau de intensidade, & primeira categoria, de novo adquirindo um grau de intensificagio pela forca direta de motivacao. Na mtisica isto ¢ explicado pelo fato de que, a partir do momento em que tons harménicos podem ser ouvidos paralelamente a0 som bisico, também podem ser sentidas vibragées, oscilagdes que deixam de impressionar como tons, mas sim, em vez disso, como substituigdes puramente fisicas da impressio percebida. Isto se refere particularmente a instrumentos de timbre fortemente pronunciado com uma grande preponderdncia do princfpio da atonalidade. A sensagio de deslocamento fisico € algumas vezes literalmente obtida: carrilhées, érgios, enormes tambores turcos etc. 86 A forma do filme Em algumas seqiténcias, A linha geral é bem-sucedida na efetivacao de jungoes das linhas tonal ¢ atonal. Algumas vezes elas até colidem com as linhas métricas € ritmica. Como nos varios “ingulos” da procisséo religiosa: os que caem de joelhos diante dos (cones, as velas que derretem, os suspitos de éxtase etc. E interessante notar que, ao selecionar os fragmentos para montagem desta seqiiéncia, inconscientemente nos munimos de provas de uma igualdade essencial entre ritmo e tom, estabelecendo esta unidade de gradagao de modo muito seme- Ihante & que jé haviamos estabelecido anteriormente entre os conceitos de plano € montagem. Assim, tom é um nivel do ritmo. Em consideragao aos que esto alarmados com essas redugdes a um denomi- nador comum, e com a extensio das propriedades de um n{vel até outro, com um objetivo de investigagéo e metodologia, lembro a sinopse de Lenin sobre os elemen- tos fundamentais da dialética hegeliana: Estes elementos podem ser apresentados de um modo mais detalhado, assim: 10) um processo infinddvel de novos aspectos, relagées etc... reveladores; 11) um processo infindével de percepcio humana cada vez mais profunda das coisas, aparéncias, processos, ¢ assim por diante, da aparéncia para a esséncia ¢ da esséncia menos profunda para a mais profunda; 12) da coexisténcia para a causalidade e de uma forma de conexao e interdependéncia para outra, mais profunda, mais gerals 13) recorténcia, no nivel mais alto, de conhecidos tragos, atributos etc., do nivel mais baixo, ¢ 14) volta, por assim dizer, ao velho (negagio da negagao)...° Depois desta citagéo, quero definir a seguinte categoria de montagem — uma categoria ainda mais alta: 5. Montagem Intelectual Amontagem intelectual €a montagem nao de sons atonais geralmente fisiolégicos, mas de sons € atonalidades de um tipo intelectual, isto é, conflito-justaposigao de sensag6es intelectuais associativas. ‘A qualidade de gradacao € determinada pelo fato de que nao hé diferenga de principio entre 0 movimento de um homem balangando sob a influéncia da montagem métrica elementar (ver acima) ¢ © processo intelectual dentro deste, porque 0 processo intelectual é a mesma agitagio, mas no campo dos centros nervosos superiores. E se, na instancia citada, sob a influéncia da “montagem de jazz”, as mios ¢ joelhos de alguém tremem ritmicamente, no segundo caso tal tremor, sob a influén- Métodos de montagem 87 cia de um grau diferente de apelo intelectual, ocorre de modo idéntico através dos tecidos dos sistemas nervosos superiores do pensamento. Apesar de, julgados como “fendmenos” (aparéncias), eles parecerem de fato diferentes, do ponto de vista da “esséncia” (proceso), porém, eles sem duivida sio idénticos. Aplicando a experigncia do trabalho com linhas inferiores a categorias de ordem superior, isto permite atacar 0 proprio coragéo das coisas ¢ fendmenos. Assim, a quinta categoria é a atonalidade intelectual. Um exemplo disso pode ser encontrado na seqiiéncia dos “deuses” em Outu- bro, onde todas as condigées para sua comparacéo dependem de um som de classe exclusivamente intelectual de cada fragmento em sua relago para com Deus. Digo classe, porque apesar de o principio emocional ser universalmente humano, 0 principio intelectual € profundamente matizado pela classe. Esses fragmentos sio reunidos de acordo com a escala intelectual descendente — empurrando 0 conceito de Deus de volta a suas otigens, forcando 0 espectador a perceber intelectual mente esse “progresso”. Mas isto, é claro, ainda nao é 0 cinema intelectual que venho anunciando hé alguns anos! O cinema intelectual serd aquele que resolver 0 conflito-justaposicao das harmonias fisiolégica ¢ intelectual. Construindo uma forma completamente nova de cinematografia — a realizacio da revolugéo na histéria geral da cultura; construindo uma sintese de ciéncia, arte ¢ militancia de classe. Em minha opiniao, a questéo da atonalidade é de ampla significagao para 0 futuro do nosso cinema. Cada vez mais atentamente devemos estudar sua metodologia ¢ investigé-la. Notas 1. Kino chetyrekh izmerenii II. Escrito entre setembro e derembro de 1929, como complemento do texto anterior, para publicagéo na revista inglesa Close Up. O ensaio aparece na edigio de abril de 1930, com o titulo de Methods of Montage, the fourth dimension in the Kino II (Métodas de montagem, 4 quarta dimensio no cinema Ii) em seqiiéncia 3 primeira parte publicada na edigao do més anterior. 2. NS.E: Memoirs of Goldoni, Nova York, 1926. 3. Odinnatsatye, filme soviético feito em 1928 por Dziga Vertov (1895-1954). Num texto escrito em feverciro deste mesmo ano 0 realizador advertia que o documentério tinha “uma monta- gem mais complexa, que obriga o espectador a uma tensio maior e, para ser percebido, uma atengio particular”. 4, Konec Sanke Petersburga, filme sovi 1953). realizado em 1927 por Vsevolod Pudovkin (1893- 88 A forma do filme 5. Pelo menos duas seqiiéncias de Outubro sao feitas com planos sinénimos. A lembrada aqui por Eisenstein, a da danga de confratemizacio depois da libertagio dos presos, onde os planos dos pés e dos rostos das pessoas que dangam se alternam, e a da repressio As manifestagbes populares de julho que no comeso alterna os planos do rosto do soldado que dispara ¢ 0 detalhe do cano de metralhadora. 6. Potomac Ghengis Khana, filme soviético realizado em 1929 por Vsevolod Pudovkin (1893- 1953). 7. Kasimir Malevich (1878-1935) pintor soviético criador do suprematismo ¢ defensor da pintura sem objeto, “uma teoria do conhecimento sem objeto, quer dizer, um modo de ver os fenémenos em que a consciéncia deve recusar todo 0 conhecimento do objeto para torné-lo mais objetivo”. Autor de intimeros manifestos ¢ ensaios entre 1915 ¢ 1930, alguns escritos em russo, como Ot Kubiema i futurizma k suprematizmu. Novyi zhivopisnyi realizm (Do cubismo e futurismo ao suprematismo. Novo realismo na pintura) publicado em Moscou em 1916; outros em alemio, como Einfitbrung in die Theorie des additionalen Elementes der Malerei (Introdugio i teoria do elemento adicional na pinturd) publicado em 1927 no nf 2 da revista do Bauhaus, Bauhaus Zeitschrift fir Gestaltung. 8. NS.E: Vladimir llich Lenin, Filosofikiye terradi, Moscou, 1947, p.192-3,

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