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ANTROPOLOGIA SOCIAL Diretor: Gilberto Velho Uma Teoria da Agdo Coletiva Howard S, Becker ‘Bruxaria, Oréculos e Magia entre os Azande EE EvensPritcherd Elementos de Organizagio Social Raymond Firth 'apao das Culturas Geertz : Notas sobr dda Identidace De Erving Gottman OPalécio do Samba Maria Jitia Goldwasser A Sociologia do Brasil Urbano Anthony @ Elizabeth Leeds Caravat, Malandros e Herds (28 e,) Roberto da Matta Cultura e Manipulacdo Fada (38 ed.) de Gilberto Vetho Guerra de Gilberto Velho ORGANIZADOR, DESVIO e DIVERGENCIA. uma critica da patologia social ‘Quarta edigso ZAHAR EDITORES Rio de Janeiro 1981 Direitos reservados por Guperro VeuHo © Estudo do Comportamento Desviante: ‘A Contribuigéo da Antropologia Social .------+-ssrserserrereeeeer ees a Manta JULIA GoLDWASSER “Cria Fama © Deitate na Cama”: Um Estudo de Be tipmatizagao numa Instituigio Total ..----2c-+cesees=+ 29 Donurm ScHNEDER ‘alunos Excepcionais”: Um Estudo de Caso de Desvio. 2 Zip. KACELNIE ‘A Circuncisio numa Familia Ji Social Grineet0 VELHO Eatigma © Comportamento Desviante em Copacabana... 146 Frupma CINELLI ‘Acasagéo e Desvio em uma Minoria .--.-:..s-0-r0007* 125 1 O Estudo do Comportamento Desviante: A Contribuigéo da Antropologia Social Gmarete VELHO 1. O PROBLEMA DE DESVIANTES £, no nivel do senso comum, remetido a uma perspectiva de patologia. Os érgios de comunicacio de massa encarregam-se de divulgar e enfa- tizar esta perspectiva quer em termos estritamente psico- logizantes, quer em termos de uma viséo que pretende ser “culturalista” ou “socioldgica”. A formulacio deste tipo de orientagéo ¢ feita a partir de trabalhos, muitas vezes. de orientac&o académica, que nao sao capazes de superar a camisa-de-forca de preconceitos e intolerancia. ¥ meu objetivo, neste artigo, relativizar esta abordagem e lancar proposigdes que possam permitir um conheci- mento menos comprometido do fenémeno em pauta, Is Tradicionalmente, 0 individuo desviante tem sido encarado a partir de uma perspectiva médica preocupada em distinguir 0 “sao” do “nao-sao” ou do “insano”. Assim certas pessoas apresentariam caracteristicas de compor- tamento “anormais”, sintomas ou expressio de desequi- Ubrios e doenga. Tratar-se-ia, entao, de diagnosticar o mal e traté-lo. Evidentemente existiriam males mais controla- veis do que outros, havendo, portanto, desviantes “incurd- veis” e outros passiveis de recuperagdo mais ou menos m-—h—lt—~—tO 4 Desvio E DIvERGeNca Esruvo po ComPoRTAMENTO DESVIANTE 13 mal estaria localizado no indioigue, ‘Temos, entio, um importante passo. Merton enfatiza répida. Enfim, © mal renomeno enddgeno ou mesno a especificidade do social, na tradicao durkheimiana, pro- Taralmente definido cOmO TPT hcg mental as obras de curando demonstrar_a importancia da estrutura social e hereditario, No terr Cooper! etc., tem apon- cultural para o desenvolvimento de um “comportamento sooper’ cult 2 nto de um “comps , Esterson, an jesenval to de ur t Foucault, Seass, Laing rr iorais mobilizados na identi: cuiimente desviado”. Resta saber como o autor vé tado os mecanismos SOC.” No pretendo entrar em estrutura social e cultural: “Entre os diversos elementos ficagio deste tipo de ja mas apenas chamar a Gas estruturas sociais e culturais, dois sao de imediata de: Gigeussdes internas, 8 PSIGUICTTE toes autores reside nO {mportancia. Séo analiticamente ‘separdveis embora se atencio de que @ im cao naio-estitica da vida socio- misturern em situagdes concretas. O primeiro consiste em fato de terem, ume Perralogo com os antropGlOg0s. Opjetivos culturalmente definidos, de propdsitos e inte- cultural, facilitando © yesses, mantidos como objetivos legitimos para todos, ou para membros diversamente localizados da sociedade. mL - Gs ovjetivos sdo mais ou menos integrados — 0 grau de eviar 0 foco do problema para a socie- | | fntegracdo é uma questao de fato empirico (0 grifo sedan aniPira nao resolve magicamente as dificulds: | wrou) ¢ aproximadamente ordenados em alguma hierar- quia de valores. Um segundo elemento da estrutura cultu- ‘ral define, regula e controla os modos aceitdveis de alcancar estes objetivos. Cada grupo social invariavel- mente liga seus objetivos culturais a regulamentos, enrai- Ges. E preciso verificar como a vida sociocultural € repre- da e percebida. ee Sentage das abordagens mais influentes e significativas go comportamento desviante est na.obra de Merton com | Go coneito de anomie, Diz o autor: “A andlise funcional | saeee noe costumes ou nas instituigdes, de procedimentos ocesbe a estrutura social como ativa, como produtora permissiveis para a procura de tais objetivos.” (Merton, soncevas motivacdes que ndo podem ser preditas. sobre 1970, pp. 204-5.) oF nse de conhecimento dos impulsos nativos do homem. ; Oe roja, como jé fol salientado por varios eriticos de Se a estrutura social restringe algumas disposic¢des para Merton, hi uma 6bvia énfase na integracdo da sociedade. agir, cria outras. O enfoque funcional, portanto, abandona Todas as sociedades apresentam, segundo esta perspecti- fa posigao mantida por varias teorias individualistas, de va, objetivos e meios de realizé-los que sio legitimos para que as diferentes proporgdes de comportamento diver- todos Os seus membros e, ainda mais, mesmo para indi.) gente, nos diversos grupos e estratos sociais, sio o resul- viduos “diversamente Jocalizados”. Mas nem todas as {ado acidental de proporgGes varidveis de personalidades sociedades funcionam bem. Podem_ existir _sociedades | patoldgicas encontradas em tais grupos e estratos. AO “mal-integradas”. Estas _seriam as que apresentariam) invés, tenta determinar como a estrutura social e cultural Gesequilibrios entre os objetivos e os meios: “Outrossim, gera a pressio favordvel ao comportament socialmente eb cues: Obie! vos culturais ¢ no! Hpatieucionally Gio pout els ania sates ee eee naquela estrutura,” (Merton, 1970, pp. 191-2.) constante umas sobre as outras, A tniaco cultural, Gada & certos objetivos, varia independentemente do grau de : €nfase sobre os meios institucionalizados. Pode-se desen- volver uma tensio muito pesada, por vezes virtualmente exclusiva, sobre o valor de objetivos particulares, envol- vendo, em comparagiio, pouca preocupacao com os meios institucionalmente recomendados de esforgarse para a consecucio de tais objetivos. O casolimite deste trpo 6 ¢, Tavistock, 1964, ' Szasz, aleancado quando a amplitude de procedimentos alterna.” Iness, Hocher Harper Book, tivos 6 governada apenas pelas normas técnicas em vez 1 Vor especialmente: Foucault, Michel — Histoire de la Plon, 1961; Do Naissance de ta — Prin ‘amily, Pantheon Books, 1970; ‘Thomas 8 — The aipth of len ‘1gé1. heeiei ea ciao wees Estuvo po ComPorTAMENTO DESVIANTE 15 4 aig a ‘ 0 extremo e hipoté- nas expectativas de comportamento, impedindo o funcio- as noma stata fore aur ses ce en tico (0 grifo ‘ingir esse objetivo tio ee repo de cultura malinte- ¥ 05 grada.” (Merton, 1970, PP. 2055. wdoente”, “instavel” @ Nem todos os autores que trabalham com 0 conceito Terseia entao Wtuagio. de anomie. Representaria de anomie véem, no comportamento desviante, apenas 0 ‘malintegrada’, ¢™ ‘@ hipotético” de um ritmo e fun- sintoma de doenca na sociedade. Ou seja, o comporta- Scores, Obvia a analogia organicista. mento desviante nfo ¢, somente, algo que ameaca a exis~ i tanto, de uma patologia do individuo para téncia da sociedade, mas pode ser até a sua “redengao”. Se ee iol Para 0 proprio Merton certos comportamentos desviantes uma patologia de cardter inovador podem trazer as respostas adequadas para a permanéncia de determinado sistema. E a idéia de Iv. que “o desviante de hoje pode ser o herdi civilizador de CO conceito de anomie serviu de ponto de partida para amanhi”, 2 muitos trabalhos que vieram a ter repercussio em toda No entanto, nao reside af o problema crucial do a drea de estudo de comportamento desviante. Embora esquema mertoniano. O seu carter “conservador” nao- se deve ao fato de enfatizar a harmonia e o equilfbrio na vida social. Pode ser até capaz de perceber as fungdes de conflitos, distirbios, desequilibrios etc. A questaa valores vai fazer com que 0 ambiente social seja favo- rdvel ao aparecimento de individuos “anémicos”. Mais uma vez, confirma-se a observacao de que se trata entio { de verificar as condigses patoldgicas de um sistema gardter_de_ezcepcionalidade. & um tempo “perigoso”,. “imprevisivel”, propicio a desordens e & anomie, VI. Na realidade, hé uma outra premissa a ser exami- ati Comintern us opnigks entre o sistema social * € 0 individuo. Vai-se que o comportamento. 6 ‘Desvio E DIvERGENCIA gaye de acordo com este esquema, o “indivi. desriantfe"s por exceléncis. A_auséneia cu conflito de Morrone ‘com que as pessoas. procurassem estraté. norm squugdes ininiduas, 080, sancionedas, por ‘una Scala de valores consensual, Durkheim enfatizou a exte- cermiande do fato social. Disse ele: “O sistema de signos aMonetério que utilizo para saldar minhas dividas, os fastrumentos de crédito que uso nas minhas relagdes instrreiais, as préticas seguidas na minha profissio etc, Ste. funcionam independentemente da minha utilizagio particular. Isto valeria para qualquer membro da socie- Gade. Assim, as formas de agir, pensar e sentir apresen: tam esta extraordindria propriedade — existir_fora_das consciéncias individuais.” (Durkheim, 1956, p. 4.) Con- {ém lembrar que € a partir do conceito de disnomia de Durkheim que se desenvolveu toda a problemiatica de anomie. Desta forma existe uma descontinuidade entre a consciéncia individual eo fato social que pode até traduzir-se em termos de oposigao. O fato social exerce ‘uma “ago coercitiva”, havendo, conseqiientemente, uma tensdo entre o individuo e o social. & claro que a contri- ‘buicao durkheimiana é inestimével na procura de caracte- rizar 0 objeto de estudo da sociologia e na tentativa de esvazidla de seus aspectos psicologizantes. Parece-me, no entanto, que esta tradigao corre 0 grave risco de reificar ‘© conceito de social. O que de fato acontece é que a partir de uma preocupacdo Iticida em nao confundir fenomenos logicamente disti , Passouse a fracionar a reali- dade de forma arbitréria, Nao hé diivida de que a distin: ao dos niveis biol6gico, psicoldgico, social e/ou cultural permite a construgio de um conhecimento analitico siste- matizado, mas parece crucial nfo ignorar que uma “ago social” tem estes trés niveis subjacentes. A preocupacao em delimitar 0 social pode levar ao descuido em relacio ‘as seus vinculos com outros niveis que, na realidade, sio ‘apenas _distinguiveis em termos de uma légica formal -niio em termos fenomenoldgicos. Assim, a est social ou o sistema social passain © ser encarados nao. como conceitos analiticos mas como entidades nfo sé distintas mas 1neeD opostas a individuos “biolégicos” e “psico- gicos”. Dentro da Ant Social inglesa a nogao Tadeliffebrowniana da de status e Esrupo po COMPORTAMENTO DESVIANTE ww dente dos individuos biol6gicos*, que momentaneamente ossam estar ocupando essas posigies, também reforca Rita tradicio que, obviamente, tem como modelo uma Ciencia experimental e como objetivo a procura de leis- ta perspectiva, que dissocia tao radical- mente de individual ‘da reali que se vai desenvolver uma das mai mente, a mais \dida_teoria portamento des 1 incerteza_e_insegu Tanga nas Tr sociais”, faz com que os individuos fiquem “perdidos”, “soltos”, “desenraizados”, tornando-se anomicos. ie sociocultural, vu ‘A propria nocao de desviante vem tao carregada de conotagées problematicas que é necessério utilizé-la com i ‘de desvio, de um modo ou de “a existéncia_de~ um __comportamento “médio” ou “ideal”, que expressaria_uma_harmonia_com 5 ‘as exigéncias do funcionamento do sistema s m0) quando se encontram posicdes mais “relativist janece 0 problema. Em Antropologia, Marga: Ruth Benedict e seus discipulos enfatizaram a que cada cultura geraria_personalidades_caracter 0 que é desviante na sociedade A podera ser o padrao \ fa Sociedade B. Basta lembrar 0 tao divulgado Seco e” emperamento*, bastante conhecido através dos Orgios de comunicacéo’ de massa. Mais uma vez, nao quero negar a importéncia da contribuicio de um grupo & histéria da ciéneia. A possibilidade de relativizar os valores ocidentais correspondeu a um progresso evi- dente, No entanto, permaneceu a preocupacao de delimi- far, um tanto rigidamente, comportamentos “normais”, embora numa _perspectiva ‘menos etnocéntrica. A idéia de que uma sociedade ou cultura estabelece um modelo Tigido (em certos casos mesmo Unico) para os seus Inembros e que tal fendmeno é essencial para a continui- ade da vida social permaneceu vigorosa. A pluralidade TD Radelitte-Brown, A. R, — Structure and Function im Pri mitive Society, ‘The Free Press, 1965, especialmente Introduction ‘© On Social Structure. Fag MME See Temperamento, Bd. Perspectiva, -< Desvio © DivercéNcta rtamentos dentro de uma cultura é vista den. de_comporta ntos Tpreados. NO caso de Margaret Mest sapacao de mostrar que certas sociedades relagao_rigida_entre 0 sero e a possibili. r_dotes_individuais. Nestes casos, 9 para um “desajustament de nao existe tal dico , um homem pode fitar ela tem a preoc estabelecem_cort da mia ecida. Uma mulher pode devanear a_vida inteira recon mundo onde haja dignidade e orgulho em ves GT inediocre moralidade mercendria que ela encontra & Givolta e, ainda assim, cumprimentar o marido com Sus sorriso franco e cuidar_dos filhos num ataque de ipe. © desadaptado pode transferir seu senso de estra- oe ‘ musica, ou a uma atividade revolucio- naria e, apesar disto, permanecer essencialmente licido vida pessoal, em suas relagdes com os membros Ge seu proprio sexo e os do sexo oposto.” (Mead, 1973, P. 280.) ‘Sem discutir os Gbvios julgamentos de valor e pre- feréncias pessoais que transparecem no trecho citado, 6 necessfirio ressaltar a visio rigida do que seja uma sociedade ou uma cultura. Como explicar o apareci- novamente, num psicologismo? Os_temperamentos _po- dem parecer em qualquer cultura, logo, sempre existiré @ possibilidade de encontrar individuos inadaptados na medida em que certas caracteristicas de personalidade serao mais valorizadas do que outras. O temperamento existiria_a _despeito da cultura. Nao. existiré ainda uma ‘oni res! Ao mesmo tempo, como € possivel imaginar, nao ser em linguagem literdria, “um homem fitar tristemente seu mundo e achélo essencialmente sem significado? Isto sé parece ser possivel na medida em que se man- tenha uma forte ruptura entre individuo (no caso tem: Peramento) e cultura ou sociedade. Seriam duas foreas existéncia propria, distinguivel das biografias de seus membros vu Desta forma, € possivel perceber como os estudos sobre comportamento desviante oscilam entre um psico- uma divisao do trabalho académico acaba levando, de uma ou de outra forma, a uma viséo deformada e incom- Social “puro”, também £ obre ‘© que se confirma é que posicoes aparente- ‘gentes apresentam premissas comuns que omens _psico- mas_sim_Teafir- . 0 “Homem” 56 existe” através da vida soci isolélo desta, mesmo ent termos puramente s, pode deformar qualquer processo de conhecimento. Clifford Geertz, 2o discutir Os conceitos de cultura e homem, observa que “Segundo a perspectiva atual, a evolucio do Homo Sapiens — 0 lente pré- -sapiens imediato, tomou impulso_definitivamente ha cerca de quatro milhées de anos com o aparecimento do” © Tévi-Strauss, Claude — Les Structures Elém: Parenté, Mouton, 1967, pesvio # Diverctncu 2 — o chamado homem-maca; samoso Austatoptecne® © culminow com a emer. do Sul @ dO Lert ens hé apenas cem a duzentos mil géncia do propio sor formas de atividade cultural ou, anos, Assim, Peto Titural (fabricagao de ferramentas ‘sim: se preferit, PIPE, oem ter estado presentes entre al- ples, ca ¢trralopitecineos. Houve, portanto, um pe- gains dos _Austit fim milhAo de anos entre © inicio da Hodo d@ c2TC ecimento, do homem, como hoje 0 co- cultura © ° xg datas precisas que podem ser alteradas neces. AS te direao, de acordo com novas pes- A ou olNfundamentais. O que importa é que quis, PGnteralo 6 que este intervalo fol bastante de morado, As fases finals (finais até agora, pelo menos) sci. filogenética do homem se passavam na Be nds ox eecltces — 8 chainda Idee do mesma fire as fases iniciais de sua histéria cultural. Ho- tens fazem aniversirio mas nio 0 Homer. ‘sto significa que a cultura, em vez de ser. adicionada a um animal_aca Lon viciuslmenie. a acabado, fol fun- & sw tal para a propria produgio_desse animal. O cres- damental pare s-dntmauo, quase glacial da cultura atra- Cir da Idade do Gelo, alterou o equilibrio das presses Setetivas para o Homo emergente, de forma a desem- penhar um papel diretivo bisico na sua evolucao. Braperieigoamento das ferramentas, a adocio da caca organizada e hébitos de coleta, os inicios de uma verda- deira organizagdo familiar e, mais importante, embora Seja muito dificil reconstituir em detalhes, a crescente dependéncia de sistemas de simbolos significantes (lin- guagem, arte, mito, ritual) para a orientagio, comunt cacio e autocontrole, tudo isto criou um novo ambiente para o homem, ao qual era, entiio, obrigado a adaptar-se. ‘Na medida em que a cultura, passo_ infinitesimal @ pass? infinitesimal, acumulouse e desenvolveu'se, uma_vanta- gem seletiva foi dada Aqueles individuos_na_populacio mais_capazes de extrair_vantagens disso — 0 cagador eficiente, 0 coletor persistente, o hdbil artesio de ferra- mentas, 0 Ider imaginoso — até _que o que tinha sido ineo proto-humano, de cérebro pequeno, Sapiens de cérebro grande, plena oer . Criowse um sistema de feedback positive Fee oO ROERO 88 cérebro, em que entre a crescente utilizagio da ferramenta, Estupo po CoMPORTAMENTO DESVIANTE a ‘a anatomia da mio em transformagao e a crescente Tepresentagio do polegar no cértex 6 apenas um dos exemplos mais claros. Submetendo-se a programas sim- bolicamente mediatizados para produzir artefatos, orga- nizar a vida social ou expressar emogdes, 0 homem determinou, mesmo sem querer, as fases mais elevadas de seu destino biol6gico. Literalmente, embora inadver- tidamente, criowse.” ‘Com este trecho fica ainda mais clara a necessidade de entender 0 comportamento humano de forma mais jntegrada, na medida em que, na sua propria origem, mio € possivel estabelecer compartimentos estanques em termos de evolugio bioldgica e evolugao_cultural. Ix. Com um _conceito de Cultura menos rigido, pode-se verificar que no é que o “inadaptado” veja_o_mundo ‘ente sem significado”, mas sim que veja_nele um significado diferente do que é captado pelos inaivi- duos (“ajustados”} O individuo, entao, io 6, necessaria- mente, tert psicolégicos, um “deslocado” e a cul- tura nao 6 tio “esmagadora” como possa parecer para certos estudiosos. Assim a leitura diferente de wm co ‘sociocultural nfo indica apenas a existéncia de mico e, muitas vezes, ambiguo da vida cultural. O pres- suposto de um monolitismo de um meio sociocultural leva, inevitavelmente, a0 conceito de “inadaptado”, de “desviante” etc, A Cultura nfo é, em nenhum momento, uma entidade acabada, mas sim uma linguagem perma- nentemente acionada ¢ modificada por pessoas que no ‘56 desempenham “papéis” especificos mas que tém expe- Tiencias existenciais particulares. A estrutura social, por em si mesma mas deve ser sua_vez, nio é homo; tuma forma de representar a acho social de atores dife- Tentemente e desigualmente situados no processo social. Estrufura Social tout court, pouco pode valer se nio- for utilizada com a preocupagéo de perceber nio sé a continuidade da vida social mas a sua permanente @ ininterrupta transformacio. Os conceitos de “inadaptado” ‘ou_de “desviante” estio_amarrados a uma_visio_estitica © pouco complexa da vida sociocultural. Por isso mesmo Ofte oe ? Desvio # DivenctNcta Estupo po ComPortaMeNto Desviante 23 yer que sociedade, em termos # fundamental peta existéncia de uma linguagem yrada. Esta ling mm ", propria _possibili- ‘Posso_accitar a mente. 0 fato 6 que essas tens6es, ‘so jas da natureza da_ es] tradig6es proprias limitada_especializacao bioldgica_dos_ho1 soluvelmente associada ao_fendmeno cultural e este, por |, tem importante contribulgéo nesta drea. A nogao basica 6 definicao, é sujeito a leituras ambi 4 yue nao existem desviantes em si mesmos, mas sim uma Nao 6 ‘camponeses compoi rele itro_atores fuos, grupos) que acusam ( de bur ‘mas “hd aristocratas e aristocratas”. Ou ‘outros atores de estarem consciente_ou_inconsciente- mente quebrando, com seu_compo limites _e | seja, Wao 86 6 preciso atentar para as diferentes vis6es ean dos grandes grupos sociais mas é preciso uebri ni valores de determinada situagao sociocultural’, Trata-se, portanto, de um confronto entre acusadores e acusados. Diz Howard Becker em seu livro Outsiders: “Tal_pre- tomar cuidado com a tendéncia de homogeneizar, arbi- 2 eavd dizer isto no sentido normalmente compreendido, em , que as causas do desvio sao localizadas na situacio so- cial do desviante ou em “fatores sociais” que condicio-~ nam seu comportamento. Quero dizer que os grupos mento. desvian criado pela sociedade. Nao quero / v sociais criam_o desvio ao estabelecer as regras cuja in- do constitui_desvio e ao aplicé-las a pessoas parti- & : g e g e 5 & 22k Huxley, quimicamente programados, Alguns dos piores Pesadelos de ficgéo cientifica séo aqueles que id , Gilberto — “Estigma © Com- ia”, in América Latina, 1971, Boles ae Clifford — The Interpretation of Cultures, Basic a Desvio E DIvERGeNCIA as como outsiders. Sob tal ponto de Cod ear é uma qualidade-do_ato que a pessoa faz, mas sim a consequencia da agdio_por_outrem de fas, nas Sitges a0“ Wransgressor”. “O desviante 6 aquele @ quem tal marca foi aplicada com ‘sucesso, 0 compor- tamento desviante € 0. ‘comportamento assim definido temepessoes concretas.” (Becker, 1966, pp. 99.) Em Por ce termos, certos grupos sociais realizam determi onda “leitura” do sistema sociocultural. Fazem parte dele tiem fungao de sua propria situagdo, posicao, experién- Sige interesses ete, estabelecem regras cuja infracao cria oXComportamento desviante. Uma das principais contri- puicses de Becker, assim como de Kai Erikson e de John Kitsuse*, foi perceber que o comportamento_des- Viante nao é uma questao de “inadaptagao_cultural”, mas _um problema pol fico, Obviamente vinculado_a uma. problematica de identidade. Diz Erikson comporta- mento humano pode variar amplamente, mas cada co- munidade estabelece parénteses simbdlicos em volta de um certo segmento dessa amplitude e limita suas pr6- prias atividades dentro dessa zona demarcada. Esses rénteses sao, de certa forma, as fronteiras da comuni- dade. ( Formas de comportamento desviante, mar- cando 03 limites externos da vida do grupo, dao a estru- tura interna seu cardter especial e assim fornecem o arcabouco dentro do qual as pessoas desenvolvem um sentido ordenado de sua propria identidade.” (P. 9.) Mas como perceber esta comunidade, grupo social ou sociedade, sem cair, novamente, em um monolitismo? Becker comenta: “Mas, é mais dificil na pratica do que na teoria especificar 0 que é funcional ou disfuncional para uma sociedade ou grupo social, A questio sobre os ‘bjetivos ou finalidades (fungao) de um grupo e 0 que a a eee isacee) Seas ob Jes 6, , um problema politico. As faccdes dentro do grupo discordam entre sie manobram para ver ae ‘rdprlay definicéo da fungéo do grupo aceita, A fungao gTupo ou da organizacao, entéo, é decidida através do © Becker, Howard — Outsiders, Macmillan Co., ‘The Free Frat 1966, ‘Brilaon, Kai T, — ird Puritans, John Wiley z itause, John — Societal Reactions to Deviant Be- ¥ of Theory and Method, in ow — The Other ‘The Free Press, ee Becker, Howard S- Estuvo po ComporTameNto DESVIANTE 25 conflito politico, que nio é dado na natureza da orga nizagio. Se isto’é verdade, entio também é verdade que fas questées sobre que regras devem ser implementadas, que comportamentos considerados como desviantes € que pessoas marcadas como outsiders devem ser tam- bém consideradas politicas. A visdo funcional do desvio, ignorando 0 aspecto politico do fenémeno, limita nossa compreensio.” ‘Com esta perspectiva, superase a visio de uma es- trutura social monolitica e acabada, tendo por base um consenso com ocasionais “inadaptados”. Existem facgoes dos mais diferentes tipos em qualquer sociedade humana, fazendo com que, mesmo em grupos tecnologicamente menos sofisticados, se encontre 0 fendmeno da politica. Ha uma permanente possibilidade de confrontos a partir de divergéncias, pelo menos potenciais. & claro que é preciso constatar concretamente que sociedades apresen- tam que tipos de conflitos. Na medida em que se aceite fa existéncia do Poder em qualquer grupo social, cons- tata-se uma tensdo permanente entre os seus atores. Tal tensdo pode explicitar-se através de conflito entre linha. ta de classes etc., no nivel mais amplo do sistema No entanto, manifestase também em situagoes mais “microscdpicas”, como no caso da familia, onde os conflitos no tém apenas um carater “psicoldgico”, mas fapresentam uma integracio do psiquico com 0 sociocul- tural, A familia so existe através de um _cddigo, de uma i is, stafus etc., culturalmente elabora- dos, Isto fica bem claro nas obras ja mencionadas de [aing, Esterson, Cooper e outros, onde o problema _da doenca mental é percebido como relacionado a uma crise de linguagem ea um confronto entre individuos que ccupam posigdes estruturalmente desiguais."" A per- cepeao do sociocultural neste nivel nao implica um redu- cionismo sociologizante, obrigatoriamente. Tratase de perceber que a vida sociocultural nao pode ser estudada apenas a partir de fendmenos de “certo tamanho”, mas que ela est presente em todo e qualquer comportamento hhumano. B neste nivel que podemos falar em uma ané- lise da politica do quotidiano que, sem dtivida, tem de 10 Ver especialmente Laing, Ronald & Esterson, A. — op. cit. ‘© Cooper, David — Prigquiatria e Antipsiquiatria ¢ The Death of the Fomily. IvERGENCIA 26 Devo & Dt todos préprios. O estudo do comporta- jesenvolver_m descr desviante tem ai uma alternativa. XI. ia Social pode ter, nesta direcao, uma conte portant, ‘Com a sua tradicio de estudar Sotiedades de pequena escala, fazer estudos de caso, tra- i ‘grupos de vizinhanca etc., tem io num: nivel estratégico em que, mesmo par ens categorias sociolégicas mais amplas, estd per- manentemente em contato com individuos concretos, car- regados de densidade existencial, que nao podem ser feansformados com facilidade em alfas e betas (embora haja quem o consiga). Sao verdadeiros personagens que paecam o trabalho do antropdlogo. # sO pensar em um ‘Don Juan, em um Pa Fenuatara, um Quesalid etc.’ Esse contato pessoal, direto, faz com que os padrdes de obje- ividade cientifica tradicionais tenham_de_ser_encarados com ceria reserva. Por isso mesmo, 0 trabalho do _antro-— pologo tende a assumir-cada_vez_mais_a dimensio da intersubjetividade. Nao se trataria, entéo, de procurar abstrair_os aspectos individuais, idiossincrasias_pessoais etc., mas sim procurar encarélos como parte da situa- de pesquisa” ~ Em vez de apagar esta dimensio ‘psicoldgica”, efa realmente impossivel, resta apren- der 2 explicité-la e integré-la com toda a investigacio. ‘Assim, mais uma_vez, a procura de padrées sociais e culturais néo_implicaria_um “pdr entre parénteses” a dimensao individual. Isto significa, de um lado, o antro- pologo aprender a lidar com a sua subjetividade e, de outro, a considerar mais relevantes para o seu trabalho caracteristicas “estritamente individuais” quem esti convivendo. Nem todos os feit so iguais, assim como as mulheres Tchambuli ou os anciaos Gouro. # interessante lembrar que dois dos con- ceitos que mais vém sendo utilizados pelos antropdlogos sio os de carisma e drama social’, que sao dos poucos @ trabathos de Carlos Castafieda, Raymond Firth e Claude 12 Ver Anthropologie mate, Vt Anthropological Blues, inédito de Roberto Augusto da % © conceito de Carisma foi sistematicamente formulado por Max Weber. Drama Social fol bastante desenvolvido, por. Vicor ite wed cirfre “THYAS Sits PECNszeS) a we Esupo po CoMPORTAMENTO DESVIANTE 27 quebec sate | descontinuidade_arbitréria_entre_o “psi Ggico” @ o “social”. © evidente que a Psicologia Social tem produzido alguns resultados relevantes. Mas cumpre enfatizar que o prdprio nome da ciéncia revela sua limi- tagao. Tenho procurado mostrar que toda psicologia € social @ que esta compartimentacao é fonte das distor- e6es_apontadas a © antropdlogo no campo, ao lidar com pessoas, ¢ | mais capaz de perceber como sao elaboradas estratégias de vida particulares. Mesmo ao procurar padroes e regu-/ Jaridades a sua experiéncia pode mostrar, se nao esti jnuma postura excessivamente rigida, que ‘0s individuos e| 0s fazem leituras particulares de sua cultura, em| funcao de suas caracteristicas proprias. Ha, portanto, | uma gama de variagao que néo impossibilita a procura~ de padroes. Q que acontece, muito freqiientemente, ¢ jue o investigador nfo quer ver tais variagOes como pos- i o_sociocultural_ em jue estao interagindo as pessoas. Neste caso, rotulara ee 10, podera estar tomando como verdade cientifica as es de alguns individuos ou de uma faccao. fa_sociedade estudada. Ou seja, estard_traba- do-com_um modelo estatico e parcial que pouco_o ajudard. Em vez de apreender_possiveis conflitos e_pro- blemas estruturais estaré_simplificando a realidade, assu- mindo a ideologia de um grupo de individuos, geralmente ‘© que tem mais poder. itura”™ di . Ele podera estar sozinho (um fe secreto?) ou fazer parte de uma minoria org io seré re Existem a Drums of Affliction, Oxford Uni- ‘de Mestrado Guerra de Orizds, yresentada ao Programa de Pés- da UFRJ de Yvonne Maggie 8 Catolicismo Popular e Messia- ‘Alba Zaluar Guimaries. 28 Deswo 2 Divercincn valores dominantes. Estes podem ser portamento, dos valev ‘majoria das pessoas ou como i mo aceitos P Fists, como sgt oanidos por grupos particulares que implgondigoes de tornar dominantes seus pontos de vista. i ocasional gap entre a estrutura : neste nivel microssocial um ponto_de_encontro jgicas” e “socioculturais”. Nada do que a doenca mental. No en- $F or toda uma outra perspectiva se abre quando Cooper Girt tsquizofrenia é uma situacao de crise microssocial, Ge jual os atos e experiéncias de determinadas pessoas ‘do invalidados por outras, em virtude de certas ‘tazdes iRiuigiveis, culturais e microculturais (geralmente fami Hares), a tal ponto que essa pessoa é eleita e identificada Bomo sendo ‘mentalmente doente’ de certa maneira, e, a seguir, € confirmada (por processos especificos, mas alta- mente arbitrérios de rotulacdo) na identidade de ‘pa- Giente esquizofrénico’ pelos agentes médicos ou quase- médicos"*.” Tnsisto em nfo querer entrar em polémicas psiquié- tricas mas, sem diivida, para o antropdlogo, o trecho acima atende a esta necessidade de acabar com a ruptura individuo/social ou cultural. Trata:se de reconhecer nos atos, aparentemente “sem significado”, “doentes”, “mar- inais”, “inadaptados” etc., a marca do sociocultural. © estudo do “comportamento desviante” poder ser, um era mais campo fértil para a Antropologia Social, na medida em- que for capaz de perceber através dele aspectos insus- peitados da ldgica do sistema sociocultural. Com isso, estar-se-4 restabelecendo um aspecto crucial do compor- tamento humano — a integracao de suas diferentes di- 4 Cooper, David — Priguiatria ¢ Antipsiquiatria, p. 17. 2 “Cria Fama e Deita-te na Cama”: Um Estudo de Estigmatizacéo numa Instituicéo Total? ‘Mania JULIA Gowwasser I, INTRODUGAO ESTE ESTUDO VISA A FOCALIZAR, em sua configuragao pe- culiar, um sistema de relacées sociais pautado numa mo- dalidade de categorizacio estigmatizante. Partindo de instituiglo total” sio utilizados Goffman, op. cit, respectiva- Estigma 6 definido como: “un atributo que lo vuelve (el extr as... y lo convierte en alguien extremos, en una persona casi enteramente sao debil, De ese modo dejamos de Verlo como tna persona total y corriente para reducirlo a un ser inficionado y menospreciado. Un atributo de ‘esa naturaleza es un estigma en especial cuando él pro- duce en los dems... un descrédito amplio. ration may be defined as a place of re ‘work where a large number of like six iduals, cut off from the for an appreciable period of time, together, lead an enclosed ‘administered round of life.” (Goffman, 1961,

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