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A Física Médica no Brasil

Autores: Oswaldo Baffa e Ivan Torres Pisa


E-mail: ivanpisa@fisicamedica.com.br
Fonte: Portal Brasileiro de Física Médica (fisicamedica.com.br)

Resumo. Este artigo apresenta informações sobre a área de Física Médica,


especialmente considerando o panorama brasileiro. São apresentados também
cenários de atuação profissional, atividades profissionais, áreas subjacentes, órgãos de
financiamento, instituições e associações, estimativas do mercado de trabalho e
considerações sobre o perfil profissional do físico médico no Brasil. O texto
apresentado baseia-se no conteúdo dos seminários do prof. Oswaldo Baffa - FFCLRP -
USP [Baffa] ministrados entre 1999 e 2000. Modificações e complementos são
originários de diversos colaboradores. Se você deseja contribuir com o texto, por
favor, entre em contato.

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sejam citados e que seu conteúdo não seja alterado. O conteúdo deste artigo pode
sofrer alterações sem aviso prévio.

1. Introdução

A primeira questão que provavelmente vem à mente quando se lê o título desse artigo
deve ser: “O que é Física Médica?”. Para respondermos a essa questão temos que
analisar brevemente como a pesquisa científica era realizada em sua quase plenitude
até pouco tempo atrás.

Para poder aprofundar conhecimentos, as várias áreas de pesquisa tiveram que se


tornar cada vez mais especializadas a ponto de se tornarem quase herméticas para
pesquisadores que não atuam nessa mesma área. Porém, esse modelo parece estar se
esgotando e várias áreas de estudos interdisciplinares, multidisciplinares e
transdisciplinares têm surgido como alternativas de desenvolvimento científico [Caliri].
Ainda mais, áreas completamente novas têm surgido nos últimos anos como uma
forma de quebrar esse isolamento de conhecimentos.

A interdisciplinaridade seria a junção de duas áreas para realizar pesquisas que não
poderiam ser realizadas individualmente por nenhuma das áreas isoladamente. Na
multidisciplinaridade temos o mesmo fenômeno, porém, com mais de duas áreas. Já
na transdisciplinaridade temos várias áreas se juntando e gerando uma nova área de
pesquisa completamente nova.

Na área da Física podemos citar como exemplos de interdisciplinaridade a Físico-


Química, Biofísica, Física Médica, Física Computacional, entre outras. É preciso lembrar
que esse movimento em direção à interdisciplinaridade não é nada novo. Grandes
cientistas do passado fizeram importantes contribuições tanto na área biológica quanto
nas ciências exatas. Um exemplo é H. Helmholtz (1821-1894) que fez grandes
contribuições na Física e desenvolveu o oftalmoscópio e estudos sobre a audição,
podendo ser considerado um dos pioneiros da Física Médica.

Como exemplo de áreas de pesquisa em Física Médica podemos citar:

• dosimetria das radiações,


• planejamento de tratamentos em Radioterapia,
• simuladores físicos (ou fantomas),
• proteção radiológica,
• processamento de imagens médicas,
• controle de qualidade de imagens médicas,
• Medicina Nuclear,
• Ultra-sonografia,
• Imagens por Ressonância Magnética,
• Biomagnetismo etc.

Como se verifica, pelos próprios títulos, todos os exames e tratamentos médicos mais
modernos e sofisticados, com alto teor cientifico e tecnológico agregado, possuem a
participação do físico médico.

2. Cenários de Atuação

O físico médico pode atuar em dois campos de trabalho:

2.1. Pesquisa Acadêmica

Nesse caso, a sua atuação será semelhante a qualquer outro pesquisador da área das
ciências básicas. Normalmente é um professor universitário ou um pesquisador (pós-
doutorando, recém doutor) com apoio técnico oferecido pela sua instituição e verbas
para pesquisa obtidas de agências de fomento como a FAPESP - Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo [FAPESP], CNPq - Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq], CAPES - Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES], PRONEX - Programa de Apoio
a Núcleos de Excelência do Ministério da Ciência e Tecnologia [PRONEX], entre outras.

A preocupação principal nesse contexto é a de gerar novos conhecimentos e métodos


para eventualmente serem utilizados em diagnósticos e tratamentos.
2.2. Profissional

O físico médico tem uma atuação em centros médicos realizando diversas atividades
em conjunto com outros profissionais. A ênfase nesse caso é a prestação de serviços e
não a pesquisa. Para termos uma idéia mais clara de como isso acontece é preciso
lembrar que uma instituição médica realiza tarefas e procedimentos de natureza
complexa e o trabalho tem que ser organizado de acordo com essa demanda.

Podemos categorizar da seguinte forma as várias partes que atuam nesse cenário:

• gerenciamento e administração (responsável pelo recurso humano,


agendamento, contabilidade etc),
• médicos generalistas (clínico geral, cirurgião geral, pediatra e obstetra),
• especialistas (cardiologista, ortopedista, neurologista, oncologista,
proctologista, neurocirurgião, urologista, anestesiologista, patologista,
radiologista etc),
• apoio médico (técnico, enfermeira, farmacêutico, terapeuta etc),
• técnico (físico médico, engenheiro biomédico, pessoal de manutenção de
equipamentos, proteção radiológica)
• e gerenciamento e manutenção das instalações.

Como se verifica, o trabalho é bastante hierarquizado e dividido em diferentes


especialidades para garantir o melhor tratamento possível com os melhores
profissionais em cada área.

3. Controle da Radiação

Dentre os trabalhadores acima existem alguns que merecem atenção especial por
estarem expostos à radiação ionizante. Existem dois tipos de exposição:

1) exposição ocupacional à radiação ionizante:

médicos (radiologista, cardiologista, cirurgião),


técnicos,
físicos médicos,
pessoal responsável pela proteção radiológica,
pessoal de manutenção de equipamentos, que pelas suas funções estão em
contato com situações de risco de exposição e precisam ser
constantemente monitorados;

2) exposição acidental à radiação ionizante:

passível de ocorrência com os demais trabalhadores de uma instituição


hospitalar.
No Brasil as atividades que envolvem radiação ionizante estão sujeitas a controles por
autoridades em diferentes níveis.

Em nível federal, há a CNEN - Comissão Nacional de Energia Nuclear [CNEN], que é


responsável pelo licenciamento para distribuição, uso e descarte de materiais
radioativos e possui vários institutos associados, entre eles,

no Rio de Janeiro, IRD - Instituto de Radioproteção e Dosimetria [IRD],


em São Paulo, IPEN - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares [IPEN],
em Minas Gerais, CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear
[CDTN],
em Pernambuco, CRCR - Centro Regional de Ciências Radiológicas [CRCR].

O controle também é realizado pelo Ministério da Saúde [MS] através do Grupo


Assessor Técnico Científico em Radiação Ionizante, pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, que pretende realizar no Brasil um papel controlador semelhante ao da FDA
- Food and Drug Administration [FDA] nos EUA. Uma das atividades dessa agência será
o controle dos equipamentos vendidos no Brasil. Nas administrações estaduais temos
as Secretarias de Saúde e de Vigilância Sanitária Estadual.

Existem também outras entidades fiscalizadoras e controladoras que podem assim ser
classificadas:

organizações privadas como a ABFM - Associação Brasileira de Física Médica [ABFM];


comissões de ética institucionais, que analisam os protocolos clínicos em cada
instituição;
CBR - Colégio Brasileiro de Radiologia [CBR];
Associação Brasileira de Medicina Nuclear e Biologia [ABMNB];
Associação Brasileira de Proteção Radiológica [ABPR], entre outros.

O ingresso dos profissionais que lidam com radiação ionizante em suas atividades tem
que ser aprovado por organismos de credenciamento que são organizações privadas
ou governamentais criadas com o objetivo de certificar as qualificações profissionais de
indivíduos elegíveis. Como exemplos, é possível obter o credenciamento em Física
Médica através da ABFM [ABFM] e o de supervisor de proteção radiológica através da
CNEN [CNEN].

4. ABFM no Brasil

A ABFM - Associação Brasileira de Física Médica [ABFM] foi criada em 1969 tendo o
prof. Thomaz Bitelli como seu primeiro presidente. Atualmente possui cerca de 500
associados. Somente para uma comparação sobre o quanto ainda é possível crescer,
há o exemplo da AAPM - American Association of Physicists in Medicine [AAPM] com
4.500 sócios. Dados recentes mostram que nos EUA são formados aproximadamente
4.200 físicos/ano (1992-1996). Se um dia o Brasil quiser alcançar padrões de
excelência em saúde precisamos analisar esses números com senso crítico.

A ABFM credencia somente sócios efetivos (físicos). O credenciamento do físico médico


pode ser realizado em três especialidades: radiodiagnóstico, medicina nuclear e
radioterapia. É possível ser credenciado em mais de uma especialidade. Devido ao seu
rápido desenvolvimento nos últimos anos, a área das imagens por Ressonância
Magnética (IRM) merece destaque. A maioria dos físicos trabalhando em IRM está
ligada a projetos de pesquisa e pouco envolvida com serviços clínicos. Até o momento
não existe certificação para trabalhar em IRM tanto no Brasil quanto nos EUA.

5. Atividades Profissionais do Físico Médico

Dentre as atividades profissionais do físico médico podemos ressaltar:

calibração e avaliação de performance em equipamentos que trabalham com


radiação;

planejamento radioterápico, geralmente realizado por pelo menos 2 físicos por


serviço;

proteção radiológica, incluindo avaliação e levantamento da eficiência de


blindagens, cálculo de dose nos procedimentos médicos, avaliação de risco de
mulheres grávidas expostas à radiação ionizante;

desenvolvimento e implementação de programas de controle de qualidade;

na aquisição de equipamentos: especificação de concorrências, avaliação de


ofertas, planejamento e preparação do local de instalação dos equipamentos,
testes de aceitação;

manutenção de equipamentos: negociação de contratos de prestação de


serviços, avaliação dos requisitos para atualização de equipamentos,
cooperação com o pessoal de serviço;

desenvolvimento de procedimentos para proteção e segurança radiológica;

atuação fundamental no ensino: programas para residentes de radiologia e


treinamento de técnicos, atividades de educação continuada (Continuing
Medical Education - CME);

atuação na pesquisa clínica com apoio aos projetos e avaliação de novas


tecnologias;

atuação em pesquisas independentes, com envolvimento em programas


industriais de pesquisa e desenvolvimento, pesquisas contratadas comumente
apoiadas pela indústria, pesquisas apoiadas por órgãos externos;

o físico de IRM também atua no ambiente clínico em testes de aceitação e


programas de CQ, otimização de técnicas e protocolos de IRM, apoio aos
projetos clínicos, no ensino e em projetos apoiados por agências externas.

6. Interação com Outros Profissionais

A interação do físico médico com outros profissionais de apoio médico é fundamental:

pelo desenvolvimento de uma relação próxima e de responsabilidades


compartilhadas com técnicos dos equipamentos de processamento de filme e
pessoal de CQ,

com pessoal de manutenção de equipamentos,

com pessoal de Controle de Qualidade em radiologia,

com pessoal de proteção radiológica, para constituir comitês de proteção


radiológica.

Algumas interações menos freqüentes também ocorrem com:

engenheiros biomédicos, principalmente na área de aquisição de equipamentos;

no gerenciamento de instalações, sobre pequenas construções, reformas e


preparação de locais;

com engenheiros civis, arquitetos e construtores, na realização de grandes ou


novas construções ou projetos e construção de novas blindagens,

e também interage com equipes de instalação de equipamentos.

7. Perfil do Físico Médico

Diferente da maioria do perfil dos pesquisadores universitários, o perfil profissional do


físico médico requer habilidades básicas como facilidade de comunicação, facilidade de
relacionamento, habilidade em obter o consenso e habilidades gerenciais e
administrativas, além de ter que possuir uma enorme habilidade de lidar com várias
áreas distintas da Ciência.

O físico médico também deve possuir bom conhecimento do mercado de equipamentos


e serviços relacionados. Também deve estar atualizado sobre notícias e eventos, além
de manter relacionamento com organizações profissionais como

ABFM [ABFM],
Associação Brasileira de Proteção Radiológica [ABPR],
Colégio Brasileiro de Radiologia [CBR],
Colégio Brasileiro de Medicina Nuclear [CBMN],

e também com diversas sociedades internacionais como

AAPM - American Association of Physicists in Medicine [AAPM],


ISMRM - International Society for Magnetic Resonance in Medicine [ISMRM],
IOMP - International Organization for Medical Physics [IOMP],
ALFIM - Associação Latino-americana de Física Medica [ALFIM],
TWAMP - Third World Association on Medical Physics [TWAMP].

8. Mercado de Trabalho

Estima-se que o mercado de trabalho potencial em Física Médica no Brasil está


disponível através de aproximadamente:

200 serviços de Medicina Nuclear,

58.000 equipamentos de raios-X odontológicos,

18.000 equipamentos de radiodiagnóstico médico,

80 centros de Radioterapia no país, dos quais 40% no estado de São Paulo.

Novas normas de operação e controle desses serviços estão sendo implementadas,


resultando na abertura de mais oportunidades de trabalho para físicos atuando em
empresas e como profissionais liberais. Em Radioterapia há carência de físicos por falta
de um número maior de cursos especializados. Exemplo disto é o caso do curso de
aprimoramento do HCFMRP – USP Ribeirão Preto [HCFMRP], coordenado pela divisão
de Física Médica, onde todos os formados que tiveram interesse em continuar na área
estão empregados.

Na área de dosimetria pessoal estima-se que 12 empresas e centros de dosimetria


atendem cerca de 50.000 usuários/ano. O Departamento de Física e Matemática –
FFCLRP - USP [DFM-FFCLRP] possui um desses centros denominado CIDRA - Centro de
Instrumentação, Dosimetria e Radioproteção [CIDRA].

De acordo com a Organização Mundial de Saúde [OMS] existe a necessidade entre 5 a


20 profissionais de Física Médica por milhão de habitantes. Tomando por base o
número médio de 13 profissionais/milhão, necessitamos de aproximadamente 400
profissionais no estado de São Paulo e no Brasil um total de 1800 profissionais.

Em 1999 a região de Ribeirão Preto possuía 3853 médicos, 8 faculdades de medicina,


1 hospital de nível terciário, 16 centros de radioterapia (44 no estado de São Paulo),
250 serviços de radiodiagnóstico médico, 25 centros de Medicina Nuclear, 34 serviços
de Radiologia como Tomografia e/ou Ressonância Magnética e 2 centros de dosimetria.

Somente a cidade de Ribeirão Preto apresentava, em 1999, 2709 médicos, 3 centros


de radioterapia, 4 centros de medicina nuclear, 1 hospital de nível terciário, 50
serviços de radiodiagnóstico médico, 8 serviços de radiologia como tomografia e/ou
ressonância magnética, 3 faculdades de medicina. Havia apenas 10 físicos médicos
atuando em Ribeirão Preto em 1999.
9. Futuro da Física Médica

O desenvolvimento desta área é fundamental para o progresso da tecnologia e


atendimento em Saúde no país. Para isso, precisamos fortalecer a profissão de físico
médico através

do estabelecimento de definições precisas das qualificações de um especialista


nessa área;

criação de programas de graduação, especialização e pós-graduação na área;

estabelecimento de comitês de supervisão de atividades de treinamento.

Os objetivos futuros incluem

estabelecer a profissão de físico médico como uma carreira independente, como


ocorre com enfermeiros, dentistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e outros
profissionais da área de saúde;

definir de forma clara tarefas e responsabilidades do físico médico;

estabelecer regulamentos que evitem a atuação de indivíduos sem qualificação.

10. Fontes de Informação

Há atualmente uma grande quantidade de fontes de informação sobre Física Médica,


porém, a maior parte é de revistas e sites estrangeiros. Entre as revistas mais
importantes podemos citar

Medical Physics,
Physics in Medicine and Biology,
Health Physics,
IEEE-Imaging,
Biomedical Engineering,
Magnetic Resonance Imaging
e Magnetic Resonance in Medicine.

A disponibilidade de informações em sites é crescente, destacando-se AAPM [AAPM] e


RSNA [RSNA]. No Brasil há o Portal Brasileiro de Física Médica,
http://www.fisicamedica.com.br.

11. Agradecimentos

Nossos agradecimentos por diversas informações, discussões e sugestões:

prof. Thomaz Ghilardi Netto – USP Ribeirão Preto,


prof. Wlad Sobol – Universidade do Alabama – Birmingham – EUA,
prof. John Cameron.

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