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5 jus Res FE lAp etall. 2 Sr-ado Kx. Rio 42 gr reno: Cv. BRAS Zeer. Os fascismos Francisco Carlos Teixeira da Silva Professor ticular de Histéria Moderna ¢ Coatemporines ds Universidade Fedeesl do Rio de Janeiro Laboratério de Ejzados do Tempo Presence, IFCS/UFRJ Para a educagio, a exigéncia gle Auschwitz ndo se repita é primordial... Mas 0 ato de a exigencia e os problemas decorrentes serem to subestimados testemu- ha que os homens nio se compenetraram da monstruosidade cometida. Sintoma esse de que subsiste a possbilidade da reincidéncia, mo que diz respeito 20 estado de consciéncia e inconsciéncia dos homens. ‘THEODOR ADORNO, 1975 Em vez de se ficar consolado com a idéia de que eventos recordados pelo julga- mento de Eichmann foram excecdes & regra, seria mais proveitoso investigar as condicdes nas civlicagdes do século XX, as condicées socais, que propisiaram barbarismos desse género e que poderiam: favorecé-los de novo no futuro. NORBERT ELIAS, 192 itustram as dificuldades, de duas ordens diferentes, do historiador do tempo’ ‘os. Ao contrério do historiador contemporaneo ao fascismo —como Franz Neumann, Theodor Adorno ou Angelo Tasca ‘nds sabemos, através de Auschwitz, o que & o fascismo ou, a0 menos, sabe- As duas adverténcias acima, feitas por pensadores de diferentes orientagies,, © stcuto xx . ‘mos qual é a sua pratica; ao contrério, ainda, dos historiadores que escreve- Fam no imediato pés-guerra, como Trevor-Hopper, G. Barraclough ou Eric Hobsbawm (até algum tempo), no podemos tratar o fascismo como um mo- vimento morto, pertencente& histria e sem ice papel politico contem- pordneo. InTREDUGAO Denominamos de fascismo, algumas vezes mais corretamente no plural fascismos —, 0 conjunto de movimentos e regimes de extrema diteita que do- minou um grande niimero de paises europeus desde 0 inicio dos anos 20 até 1945. Assim, as expresses nazismo, nacional-socialismo, hitlerismo ete. re- cobririam uma s6 realidade politica, os regimes de extrema direita que domi- naram virios pafses no periodo em questao. A denominacao genética fascis- mo decorre da primazia cronolégica do regime italiano, estabelecido no poder em 1922, consticuido em movimento politico de identidade propria ouco antes, e do fato de ter servido de modelo, como veremos mais tarde, & ‘maioria dos demais regimes. Otermo fascismo deriva de uma antiga expressio latina, fascio, que de- nominava o feixe de varas carregado pelos litores, ina antiga Roma, e com os quais se aplicava a justiga. Dessa forma, tal sfmbolo foi, durante a Revolugao Francesa na Itdlia, ulizado, pelos jacobinos, como representacio de liberda- de e no Risorgimento, jé no século XIX, como unidsde nacional. Ao longo do século XIX, na Italia, assumiu 0 cardter de simbolo de agio politica, va lorizando a justiga e a igualdade, Foi assim, por exerszlo, com o seu uso pelo \ movimento dos trabalhadores sicilianos, entre 1893-54, ou com os interven ionistas de esquerda, interessados na entrada da Ilia na Primeira Guerra Mundial, apés 1914, Nossa i za, P. e Bernstein, 1992, 7 1; Bobbio, 1995). Embora constitua-se num tema clissico da Hist6ria do Tempo Presente, talvez num dos fenémenos histéricos com a mais ampla ¢ contraditoria bi- rafia, o fascismo conheceu, 1p6s 0 50 anos do im da Segunda Guerra Mundial, vérios paises, como 05 Estados Unidos, a 6 Inglaterra e a Federagao Russa, comegaram a publicar seus arquivos, grande parte referente a0 fascismos i, a reunificacao alem@, a partir do fim do Muro de Berlim, em 1989, possibilitou a devolugao e abertura de arquivos especi- ficamente dedicados ao fascismo, como o Centro de Documentagio de Ber- lim (antes, de posse dos Estados Unidos), no qual estdo incluidos os arquivos da Gestapof ij, por fim, mas talvez de suma importancia, 0 ressurgimento do fascismo como movimento de massas em paises como a Franga, Itélia, Fe- Geragao Russa ou na propria Alemanha obrigou os pesquisadores a rever as analises do fascismo que o vinculavam diretamente & conjuntura do pés-Pri- meira Guetra Mandal. Astm, a htovografa anterior ans ano a sho por demais hist6rico, comegou a abrir espago para anélises mais concei- tuais, onde o fendmeno fascista surge como uma possibilidade da rr moderna, sociedade de massas, endo apenas de um periodo histérico deverminado e jd HISTORIA E POLITICA: © LABIRINTO HISTORIOGRAFICO DO FASCISMO_ jsténcia, em consonancia com a historiografia mais arual sobre 0 tema, na unidade basica'do fendmeno do fascismo insere-se na preocupago (L \oem apresentar uma teoria explicativa geral desse tipo de movimento po _77 Uma das abordagens mais conhecidas ¢ imediatas ao pés-guerra, muito popularizada na midia, sobre 0 fascist nde uma abordagem tinica e foobar?! funs € : 0 secuto xx = e Exchusivista do fendmeno, centrando toda a aten¢o na Alemanha ¢ utilizan-_ do exclusivamente a expressio nazismo, Nio podemos esquecer que, na con: juntura da Guerra Fria, a interveniéncia de fatores politicos era bastante di reta. Assim, logo apés a liquidagdo da Alemanha nazista, em 1945, : ram-se estudos em que se procurava estabelecer a nacureza inais ou menos fascista de regimes como o da Italia, Hungria, Crodcia, Eslovaquia ou Romé- nia, dat derivando 0 cardter mais ou menos profundo da punicao imposta pelos aliados vitoriosos. Casos especiais, como o Japio, a Espanha e Porru- gal, a rapidamente afastados do debate (especialmente pelos Estados Unidos), em fungo do antagonismo, ja nitido, entre os Estados Unidos e a URSS, decorrente da Guerra Fria. Desta forma, culpabilizar um conjunto muito amplo de paises poderia afastar as antigas elites politicas do poder favorecer a sovietizagio dos paises em questidkPor outro lado, em alguns «sos, como na Franga de Vichy ou mesmo na Ilia, a lenda da resisténcia recobria todo o periodo, relegando o colaborationismo de fundo ideolégico e Foluntirio ao exquecimento (Portelli, 1996). Para grande parte das elites lo- cais enfraquecidas, kumilhadas ¢ desacreditadas pela guerra, a culpabiliza- do pelos horrores da guerra sera o rico de misericérdia nas suas pretenses quanto ao retorno ao odes do fascismo e, mesmo, utilizar seus servigos ¢ experiéncias. caso Maurice Papon, na Franca, é parte integrante das engrenagens de «_ salvagio das antigas elites governantes e, neste sentido, é extremamenteilus- tative, Papon, entdo um jovem egresso da Faculdade de Direito da Sorbonne, fez carreira publica sob a ocupagio alema, chegando a vice-prefei- 10 de Bordéus, onde participou do envio de 1.560 judeus para campos de ex- tecminio. Com a libertagao da Franca, tomou-se prefeito da Cérsega e, em 1958, chamado pelo general De Gaulle, foi nomeado chefe de policia de Paris, sendo cesponsavel pelo brutal massacre de 200 argelinos, espancados ¢ jogados a0 Sena durante manifestago contréria a0 colonialismo francés na Argélia. Mais tarde, chegaria a ministro do Orgamento, a convite de Valéry Giscacd d'Estaing. Someate apés insistentes dentincias, em 1998, foi julgado culpado de crimes contra a humanidade, aos $7 anos de idade. No caso Papon, é importante destacar que foi chamado de voltz a0 15028 om pioaison 05 Fascismos poder para ocupar cargos onde o uso da forca e da repressio (0 trabalho sujo da V Repablica)rinha que ser feito: a Cérsega rebelde ou o controle de Paris Ora, 0 julgamento le Papon e a exposigio de sua imensa rede de poder apontam claramente para. autonomia dos movimentos fascistas. O caso not6rio, sem diivida, 62 Franga, onde fascismo foi durante longo tempo sindnimo de ocupagio. A nova historiografia revolve um terreno onde as idéias e priticas fascistas ji vicejavam antes da guerra e, com certeza, tiveram um forte papel no énimo de guerra e nas decisbes sobre a resisténcia ¢ a continuidade da luta, culmi- nando na colaborag4o com o fascismo ocupante (Sternhell, 1978; Cointet- Labrousse, 1987; Winock, 1995). ‘Aos interesses estratégicos dos Estados Unidos, a primeira versio da his- toria do fascismo, apaziguadora e restritiva, interessava diretamente na me- dida em que se contrapunha a uma das estratégias basicas dos comunistas: a tentativa de monopolizar e manter mobilizada a resisténcia, ou, a0 menos, a resisténcia armada ao fascismo. Grande parte da busca do esquecimento, ao lado de uma loquaz conde- ago quase que exclusiva ao que denominavam de hitlerismo (versio restri- tiva, personalistica e exclusivamente alema do fascismo), coube a historio- grafia ocidental. Muitos dos regimes de coalizdo nacional que assumiam 0 poder na maré vazante do fascism eram composts de alados politicos e (rors etetetroqse public, ox Feats ou oa ati, wane tuna perk ' continuidade entre 0 perfodo de domindncia fascista e os novos regimes emocratizados. No caso da Alemanha, varios setores tiveram sua desnazifi- cagio paralisada ou incomplera, como @ magistratura, o corpo docente na- sional e (quando do rearmamento) o corpo de oficiais das forgas armadas. Jé em margo de 1946 0s Estados Unidos atenu: lesislagio sobre a desna- tificagdo, restringindo-a apenas aos principais culpados, © dispensando os compromeridos 0s comprometidos menores ns | 9 SECULO xx © 08 seguidores ES = pouco tempo, pode-se izer, os tribunais de desnazificagao transformaram-se em fabricas de segui- dores (todos eram considerados apenas seguidores ou aderentes, a categoria ~ leve de envolvimento com 0 nazismo) (Solchany, 1997, p. 38). No caso alemao, a desnazificagdo é marcantemente incompleta pérmi- te uma ponte visivel entre o fascismo histérico e 0 neofascismo. Uma forte sombra paira, por exemplo, sobre as forcas armadas, acusadas pelo Partido Verde ¢ pelo Partido Social-Democrata (SPD) de cultivarem a “preservacio das tradigbes da Wehrmacht". Um relatétio publicado pelo parlamento ale- mio, em 1998 (Relatério Marienfeld), apontava o envolvimento, $3 anos apés a marte de Hitler, do exército federal alemio Bundeswehr, em 1997, em 177 agaes de espancamento e maus-tratos a estrangeiros ¢ de simpaticos a0 IIL Reich, Mais grave ainda: a maioria das agées era de pleno conhecimento dos oficias superiores e muitas vezes feita sob o olhar indulgence destes. Um video, divulgado pela TV alema, mostrava exercicios de combate onde os soldados deveriam torturar 0 inimigo. A explicagdo para tal comportamento estaria na répida mobilizacio de oficiais para o rearmamento alemio, prin- cipalmente a partir da Guerra da Coréia e da intensificagao da Guerra Fria, © que teria levado de volta aos quartéis homens profundamente comprome- tidos com o nazismo. A estes caberia a tarefa de formar os quadros do exér- cito da Republica Federal alema, inclusive nas academias militares. Entre os mitos fundadores das novas forcas armadas estaria o culto de uma imagem da Webrmacht profissional e apolitica, ante uma SS partiddria e nazista. ‘Assim, absolver-se-ia o exército alemao de qualquer das atrocidades cometi- fas durante o Ill Reich. Da mesma forma, 0 novo exército — linha de frente em um eventual choque com os soviéticos — poderia estar ombro a ombro. com os exércitos ocidentais, cujos quadros foram formados na luca contra a_,Y! Alemanha. O pice da passagera limpo da hiséria da Webrmnacht se deu quando o chanceler Helmut Kohl levou 0 presidente Ronald Reagan a depositar uma coroa de flores num cemitério militar alemao em Bittburg, onde, lado a lado, estavam timulos da Wehrmacht e da SS. ‘This esforsos foram, entretanto, contratiados, quando um grupo de his- soriadores orzanizou, em 1997, uma exposicao de foros e documentos com- 1 sal agio da Wehrmacht contra civis (inclusive mulheres e | fl Imente na Russia e na lugcslavia. O saldo das foros e docu- me a exposigdo, bastante eloguente: a Wehrmacht parcick ve % provando a 5 cviancas}, speci ‘mentos &, con ' ne A 05 FASCISMoS pou ativamente do Holocausto e, sob a desculpa de combater Partisans, el minou milhares de civis, além de condenar 3,3 milhdes de prisioneiros russos di morte através da fome, frio e maus-tratos (Der Spiegel, n. 11, 10/03/1997, p- 92 e seguintes) Foi dessa forma que a historiografia sobre o fascismo entrou na Guerra e consolidaram-se alguns mitos. 10 contexto do debate af constituido, grandes nomes da histo ocidental assumicam uma posisio de inequivoca condenagio nao sé do fas- cismo, mas do conjunto da histéria alema; para a maioria desses historiado- res, a histéria do fascismo confunde-se com a hist6ria da Alemanha, marca- da por uma maldigao de continuidades profundas e antigas que explodem ‘em 1933 (Barraclough, 1947; Bers, 1950; Carr, 1942; Taylor, 1945). A ver si0 mais modema, envolvente e bem elaborada, embora ndo menos equivo- cada, de tal versio €o livro recente de[Daniel Gol jide o Holocausto aparece como um fend Jo e 0 prdprio fascismo confundido com Puma tara histérica da Alemanha, enfim superada com a democratizagao iz: posta pela ocupagao ocidentat {Gotdagen, 1998)-Embora confortadore, ~Tarto para vitimas como para algozes, tal versio surge-coma.uma expli “simplista do fendmeno, além de reduzir Holocausto e fascis 6 a Sibilidade histérica e, portanto, ja encerrada. Esta vertente histori Oe denominanos 2: GREaRaDEESRBIEAT, dado o furor com que, condena a Alemanha (e no s6 0 nazismo), sente-se adequadamente livre na PG. absolvigio das demais experiéncias fascstas, além de considerar as demais vitimas sob a asséptica rubrica de estudos cognatos, como bem ‘Norman Finkelstein (Fisk, 02/04/1998, pp. 6-7). ya Além disso a historiografia ea cigncia polit i” mente a contribuigao dos primeiros anali a 6 era ces lia, Assim, jé = meados dos anos 20, autores como T. Turati e Carlo Treves, na Itdlia, viem gf 4 possibilidade do fascismo estar presente, com possibilidade ou néo ée 3xito, em codos os paises capitalistas. Treves chega a definir um fascismo ce as nitidamente antiproletarias, no caso da Irdlia (e demais paises caracreris 7 © secuto xx id industrializados), e um outro, de carter preventivo, contra a hegemonia da ordem liberal e dos jogos parlameatares de tipo iberal-representativo, no sul-sudoeste da Europa (Schieder, 1972), onde a ordem liberal ¢ a economia industrial ainda nio estavam implancadas. rifico, que marcard per- A tese da universalidade possivel do fascismo implica a rejeigo da exclu- sividade alema do fendmeno, © que nos obriga 2 aclarar previamente 0 que se considera, nesse caso, como fascismo. Com um dos melhores expoentes da historiogcafia contempordnea, Wolfgang Schiedes, poderfamos, de safda, reguerra” (Schieder, 1972, p. 97). Assim, desde logo, devemos nos afastar das rosigdes que s6 reconhecem ‘na Alemanha do Ill Reich a existéncia de um ‘erdadeiro fascismo ou, pelo contririo, negam ao nazismo qualquer relagio histérica ou politica com.os demais regimes autorititios, integraveis no desenho acima, que o antecede- ram ou the foram contemporineos. Afirmariamos, desta forma, que as espe- cificidades do nazismo so hist6ricas, de carices nacional, e no uma essen~ cialidade, algo inico em relagio aos demais fenémenos fascistas, descaracte- rizados como tais ou considerados apenas autoritirios, variantes da forma politica das ditaduras; os fascismos, enquanto regimes autoritdrios antiliber ais, antidemocriticos e anti-socialistas possuirixm suas préprias especifici- dades nacionais, suas histérias especificas, que, zor sua vez, no descaracte- rizariam a universalidade e autonomia do fené=en0 ante outras formas de autoricarismo (ditadura, bonapartismo e ditads:2s militares). DE ot ant? 5iP. "Foi na esteiea desse debate sobre fascismo durante a Guerra Fria que fru- “e 0s FAScISMOS tificou a chamad A construgio politica ¢ ideolégica do conceito se deu de forma precoce. Coube & oposigao liberal italiana, entre 1923 e 1925, a caracterizagio do fascismo como um Estado toralitario. Na verdade, a oposigdo apenas apropriou-se, negativizando, de uma expressio proposta pelo proprio Mussolini. Em seu afi de elevar o Estado & posigao de tealidade ltima da Nagao, Mussolini insistia em que “(..] espicitual ou ma~ tcrialmente nio existiria qualquer atividade humana fora do Estado, neste sentido o fascismo € toralicario” (Mussolini, B., 1935, p. 7). Tal expressao foi retomada por Giovanai Amendola (1882-1926), lider da oposigdo liberal 20 fascismo (n3o confundir com seu filho, o lider comunis:a Giorgio Amendola), que escreve intimeros artigos e panfletos contra o espirito totali- tirio do fascismo e que, do exilio, na Franga, difunde o conceito. J4-em 1929, 6 Times londrino utilizava a expresso para comparar os regimes de ‘Mussolini ea Rissia soviética. Foi, entretanto, Hermann Rauschning (1887- 1982) quem procedeu a operacionalizagao do conceito. Rauschning era membro importance do Partido Nazista, chegando a ser governador de Dantzig, hoje Gdansk. Apés entrar em conflio com a lideranga de Hicles, em 1934, emigra para Suiga e EUA, dedicando-se a uma detalhada andlise do fascismo alemao. Em Revolution des Nibilismus, de 1938, Rauschning urili- 2a amplamente a conceituagio de toralitarismo. Parece, contudo, ter sido a difusdo dos trabalhos de Rauschning junto a0 seu paiblico americano que levou a American Philosophical Society, em seu primeiro congresso, em 1940, a iniciar formalmente um amplo debate sobre ‘oconceito, distinguindo entre uma tradigio liberal e parlamentar anglo-saxi, ‘eas tendéncias autocréticas e despé- ‘Tanto autores clissicos sobre o tema, como Karl Friedrich, Hanna Arendz cx Raymond Aron, quanto novos autores — desvinculados do clima da Guersa Fria — continuaram adotando 0 totalitarismo como base teérica de seus trabalhos (Montclos, 1991). Umelemento recorrente na literatura relho politico (partido, Estado, fore ligeranca e condugio inconteste do gr inde lider (dai hitlerismo, stalinismo Che © secuto xx Kae a ' -@), pautando-se sempre por uma auséncia notivel de qu lise da icipagio das chamadas massas populares. Enquanto conceito amplo, di- fuso ou quase informe, as massas, Sempre vistas como sindnimo de multidio, ralé, declassés etc., si descritas camo um elemento passivo, manipulavel ¢ capaz de furores coletivos. Tais condigdes especificas das massas é que pro- 70) piciariam o dominio totalitario. Pontos comuns si0 facilmente localizados na pratica exterior de regimes dispares para dar coeréncia a uma teoria engloba em si elementos tio diferentes como socialismo e fascism, capitalis mo e auséncia de propriedade privada, a politica dita ci -1 € 0 irracion: ee lismo; assim, por exemplo, & aniquilagao da raga judia, coma elegia do aria- | coe tismo, corresponderia a aniquilagio s Darguesi ¢ a ele ae paleariado, fundo comum seria @ mobilizagio das massas — de forma instrumental — contra um inimigo comum, objetivado. =a, = O Holocausto, ou o Arquipélago Gulag, explicar-se-iam, assim, como tuma grande conspiragdo tramada para manter as massas em permanente es- tado de mobilizagio e & disposigao do lider carismatico. Seja a énfase na andlise residindo nas engrenagens do regime e seus efei- tos sobre 0 processo de decisio — o que na historiografia do fascismo deno- minamos de funcionalismo —, seja com a énfase recaindo no exercicio coe- rente da vontade do lider como a esséncia da dominagao — e, entdo, deno- minamos intencionalismo—, 0 papel da massa, em especial dos trabalhado- tes, & largamente negligenciado. Para tais vertentes, a falta de uma verdadei- 3 politica — no sentido liberal do seu exercicio — levaria ao puro e agudo sentido de oportunismo, obrigando os regimes a langar mao de meios violen- tos, amparados em uma policia secreta eficaz e numa propaganda ideoldgica macica. O resultado para as grandes massas seria a participacdo mecanica ou a militincia fanatica, Estariam af as caracterfsticas do monolito totalitirio. cio- rralismo xenéfobo que acompanthou o fenémeno. Entretanto, processo idén- ‘ico, com suas aréprias especificidades, deu-se na Franca, com 2 ascensio de Le Pen, ¢ na Feceragio Russa, com o sucesso eleicoral de Jirinovski, do Partido Literal-Democratico (sic), por exemplo. Ou seja, havia, de fato, uma os FAscisMos nitida ressurgéncia do fascismo. Os episédios de violncia de Waco e 0s aten- tados de Oklahoma e das Olimpiadas, nos Estados Unidos, mostravam, por sua vez, a face extremista e racista das milicias brancas americanas. (Ora, grande parte da historiografia sobre o fascismo insistia, quase que numa posi¢ao defensiva, no cardter histérico, quer dizer, ‘inico e nao-reto- mavel, do fendmeno fascista. Desse ponto de vista, 0 fascismo, enquanto fe- némeno histérico, era Gnico, datado e explicdvel por acontecimentos histér cos, por sua vez, também tinicos e datados. O se assim, por exemplo, que trabalha um especialista sobre 0 tema no fim dos anos 40 e a0 longo dos 50: “a grande época do fascismo, 0 perfodo em que pareceu um movimento internacional, capaz de resolver — por mais violento que fosse — os problemas do mundo, foi um breve e claro perfodo na hist6ria européia”; ao mesmo tempo, bem de acordo com o espi- rito belicoso da Guerra Fria, a historiografiae a ciéncia politica liberal con- sideram qualquer hip6tese de ressurgéncia do neofascismo como uma inven- 0 dos dogmticos de esquerda (Trevor Hope, 1974, p. $1), declarando-se em seguida perplexos quando as ruas de Dresden, Milo ou Paris so ocupa- das por milhares de jovens neofascistas. Contrariando rais posturas, 0 cendrio politico europeu nos anos 90 mos- tra-se claramente tensionado pela presenga de partidos e agrupamentos neo- fascistas, como o Front National, de Jean Marie Le Pen, na Frangas a Alianga Nacional, na Itilia, de Gian-Franco Fini; os Republicanos ¢ os Nacion: Populares (DNV), na Alemanha, ou o Partido Liberal-Democritico, aa Rissia, com Jirinovski. Ora, a explicagio hist6rica — 0 fascismo como fend- ‘meno exclusivo de uma época — se enfraquece perante estas novas circuns- tosis, O resugimento do fassome come fenimeno de mate bis 40 pode ser explicado & Tuz dos fendmenos que preeensamente explicariam 0 italiana gn Toy ou seis de 1922), Rodemos, sso, duvidat se ais even- piaincia do fascismo nos obrga a langac mio de um novo arsenal srica.e fe novos métodos que possam explicar as duas marés fascistas (anos 20/30 ¢ aa © stcuto xx anos 90) ocorridas em nosso século ¢, mesmo, unificara teoria explicativa do fascismo, pensando-o em termos mais fenomenolégicos, enquanto modelo de reagio, organizagio e participagio de amplas camadas das massas popu- Jares nas modernas sociedades industriais ou em transisio 3 industrializagio, © muito menos como fendmeno especifico da hist6ria alerna ou italiana dos anos 20. Assim, parafraseando Marx, poderfamos dizer que a anatomia neofascismo ajudaria enormemente a explicar o fa ASCISMOS: EM BUSCA DE UM MODELO DE ANALISE Optamos, desde logo, por uma tentativa de recuperar o fascismo como gran- de unidade de andlise, agrupamento de configuragdes politicas de tragos di- versos, marcado, entretanto, por 5 5. Foi assim entre a Itélia e 0 fascismo croata, hiingaro ¢ aus- triaco; ou entre a Alemanha e a Itdlia. Qutras vezes decam-se notaveis éoin- cidéncias e auto-reconhecimentos, como entre a Espanha de Franco, a Icilia ea Alemanha; ou ainda entre o regime de Vichy e 0 regime de Salazar em Portugal (Nolte, 1966). ca claramente um perfil comum aos regimes no poder em Berlim, Roma, Madri ou Budapeste. Foi essa mesma coeréncia que permitiu o surgimento de um agente quase esquecido da historia da época: ‘A condicao prévia para reunir, primeiro na Ieali na Franca e entdo urbi et orbi; liberais, catélicos, comunistas e sociali foi, exatamente, o discurso unificado do CWP On PHO pM Cobalt hac&? wa do f 0s Fatcismos fascismo, sua face antiuniversalista, conteiria & heranga européia-ilurninista (e parece ser este 0 trago commum dos anti esgrimidos pelo fascismo). Assim, _-Shhateral produzio pelo prépri fascismo, para além dos seus pacts inter- rnacionais, ajudas e intervensaes militares mituas, cindia 0 campo das rela- Ggées internacionais claramente entre nagGes democriticas e nagBes fascistas. “Também devemos levar em conta que cada fascismo, apesar das seme~ Ihangas e dos elogios miicuos, sempre deferdeu sua plena originalidade his- ‘ies ¢ nacional, buscando no seu préprio solo ¢ céu as origens de suas Fas. Todos os fascismos foram marcados por um notavel historicismo. Entenda-se aqui por um sensido extremamente restrito e ins- trumencal, a busca de raizes nacionais, ou saciais (para muitos serdo termos sinénimos), que explicariam a autenticidade do seu préprio movimento, a idéia de uma comunidade nacional origical representada por um espitito proprio, 0 Geist, que se realiza historicamente através da materializagao de sua vocagdo de poder, o Estado Nacional e/ou racial). ‘Ao aceitarmos as teses da originalidade nacional, da exclusividade de tais regimes, devemos ter em mente que esta era, exatamente, um dos com- ponents bcos doe nasonalime des faimos Pars es «da de influéncias miruas, de troca e cir de de material ideol6gico, esta- tia de safda descartada; cada regime teria forescido sob um céu e sobre um solo absoluramente préprios ou, ainda, tera sido construido a partir do sar- mento mais geral, de caracteristicas comparéveis, e a exigéncia de raizes na- cionais, nos é dada, por exemplo, por Ferszc Szalasi, Iider do fascismo hin- garo*: “o hungarismo é um sistema ideolégico. £ a prética hiingara da con- cepcdo nacional-socialista do mundo e do espitito de nosso rempo. Nao é 7 Ferenc Szalasi (1891-1946), ofcial do exérciza hingaro, catélic, liderou a Hungria sliada da Alemanha, sendo preso pelos americancs« entregue ao governo comunista ht gar, que o execurou. ry K M UA © SecuLo xx nem hitlerismo, nem fascismo, nem anti-semitismo: & hungarismo”. No mesmo texto, quase em seguida, Szalasi afiema: “é unicamente pela ideologia © pritica do nacional-socialismo que o individuo pode chegar a ser 0 ver~ dadeiro socialista-nacional” (Nagy Talavera, 1979, pp. 115 ¢ 393) Tal énfase na singularidade deve ser tomada, bem mais, como um trago comum, uma regularidade do fascismo, em vez de uma singularidade preten- dida. A malversagio da histéria, e ndo a histéria, € um teago comum dos fas- cismos. Assim, malgrado Mussolini, Hitler seus émulos de todos 0s tipos rei- vindicarem originalidade hist6rica; todos, em verdade, propunham um mesmo programa, partilhavam a mesma concepgio de mundo, criavam me- canismos similares de manipulacao de massas, voravam 0 mesmo édio ¢ des- prezo pelo liberalismo e pelo socialismo e perseguiam da mesma forma mi- norias identificadas com a alteridade, tais como judeus, homossexuais, co- muniscas ou deficientes fisicos. Sao tais similitudes que permitiram a um grande especialista no tema falar em “uri fascismo e propor a possibilidade de-um modelo a-hist6rico, ou seja, nao necessariamente colado a uma res dade histérica especifica, e neste sentido, fenomenolégico” (Nolte, 1986). Trabalharemos, desta forma, o conceito de fascismo como uma unidade de tragos diversos que dio coeréncia a um fendmeno. Nao se trata, € claro, de uma média estatistica ou de um jogo de auséncias e presengas; trataremos oconceito bem mais como a reconstrugao de uma realidade singulas, da qual no se retém, necessariamente, todos os aspectos, nem mesmo os mais fre- glientes, ¢ sim tudo aquilo que, conforme uma escolha explicitada, retine os aspectos essenciais ou tipicos, suscetiveis de se constituir em um rodo inteli- sivel (Wehlet, 1986, pp. 167 e seguintes; Aron, 1958, p. 521). Estariamos aqui a um passo de chegar a um modelo de fascismo, Este deveria ser, nesse sentido, uma etapa da pesquisa sobre o fascismo, e ndo seu coroamento, como muitas vezes a ciéncia politica propée. O modelo surgiria como um constructo, cuja pertinéncia se mede, por sua vez, em relagdo & congruéncia —a inteligibilidade das relagdes estabelecidas entre os elementos em presen- eae destes com o todo —e & forma com que permite, através da compara- do com as realidades singulares (as quais, por definicdo, nao correspondem em sua integridade e nem estdo em seu conjunto no modelo), adquirir com- preensio. O modelo é desta forma um constracto que serve de instrumento 20 historiador e perante o qual as especificidades tornam-se significativas (Renaut, 1991, p. XIX), 124 os Fascismos - Grande parte do nosso esforgo em trabalhar o fascismo deverd basear-se na busca desse constructo ¢ na sua aplicasio aos diversos fendmenos histori- af) camente considerados como fascismo. A base do procedimento deverd, assim, basear-se em um método comparativo, invocando lado a lado as di- versas experiéncias fascistas (e, portanto, abandonando a tradigao narrativa dos casos especificos). Além disso, 0 mécodo comparativo nos permite fugir dos conceitos por demais abstratos e mesmo da discussio nominalista tipica por exemplo do marxismo estruturalista de Nicos Poulantzas. objetivo da comparagio, a partir da conscrugio do modelo, deverd ser o estabelecimen- | to de uma tipologia do fascismo que consemple concomitantemente 0 caré- ter auténomo e universal da teoria do iascismo e suas especificidades histo ricas. Assim, 0 procedimento deveri conduzir & comparagdo das diversas formas de fascismos nacionais em buscs do que Ernst Nolte denominou de uum rinimum fascista, O que implicaria necessariamente uma tipologia, de- corrente do estabelecimento do modelo Zsscista, onde poder-se-ia falar desde uma fascismo padrao (Italia) até um f2s mentos fascistas que ndo chegaram zo soder apresentam um perfil fascista JE" mais bem desenhado do que regimes eabelecidos. Regimes fascistas, na | maioria das vezes, chegaram ao pod: wés de pactos e aliangas com ou- | eras forgas conservadoras, sendo obrigacos a abrir mao de parte do seu ide | rio inicial, Mais do que cinismo, tal a=>ialéncia do fascismo demarca os li- ‘9 as demais forcas conservadoras, 1t exemplo, do abandono da pro- jini, ou ainda do anticlericalismo mites de autonomia do fascismo em que o limitam e o redesenham. E 0 c: ' posigao da Segunda Revolugio, por 9 secuto xx do fascismo italiano, trocado pela concordata com 0 papa; minagio da ala radical do nazismo, com o assassinato de Ernst Réhm ea ex- tingdo das SA, por Hitler, em troca do ap. Ao contririo, os movimentos fascistas, ainda longe do poder, apresentam na sua plenitude 0 idedrio do fascismo, ainda no limitado por acordos ou exi- géncias concretas do exercicio do poder. Assim, 0 método deverd ser comparativo, levando em conta ideologia, estilo politico e os objetivos e formas de dominacao, o que permitird a expli- citagdo da autonomia de ums forma fascista de exercicio do poder: Na constcugdo dos elementos componentes do modelo consideramas, em pé de igualdade, trés situacdes basicas: # os fascismos que $6 existiram en- quanto movimentos ou partidos (seria 0 caso, por exemplo, da Aco Francesa ou do Parti Populaire Francais, de Jacques Doriot; da British Union of Fascist, de Oswald Mosley; ou da Guarda de Ferro, na Roménia, entre outros) fascismos que chegaram ao poder mas que desaguaram em regimes autorit tios, onde eram minoritdrios ou foram controlados por outras forgas conser- vadoras — este é um tipico fenémeno pés-1945, quando os regimes, por cexemplo, de Franco e Salazar, procuram afastat, contcolar ou disfargar suas caracteristicas fascistas anteriores; i. os fascismos que tomaram o poder e 0 monopolizaram total ou substantivamente, inclusive eliminando os grupos conservadores que os apoiaram inicialmente, como no caso da Alemanha, Italia, Hungria, Croécia etc. e foram eliminados com a derrota de 1945. (Os elementos trabalhados doravante deverao daz conta destastrés situa ses, rompendo com um classicismo impressionista de considerar a Alemanha, exclusivamente, como 0 modelo. (OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS: EM BUSCA DE UMA FENOMENOLOGIA 00 FASCISMO Procuraremos destacar aqui, de forma conceitual, os diversos elementos que compéem a linguagem do fascismo, respeitando, antes de qualquer processo de desconstrugio ou de desvelamento (buscar 0 que a narrativa oculta), pro- ‘mover uma andlise da linguagem fascista 20 interior da rede de discursos da direita, da qual se autre e se destaca, permitinéo desta forma sua emergéncia plena, limpida. Mapeando as condigées de sceitabilidade da fala fascista, 126 u, ainda, da eli- = do exército e do grande capital. ~ 05 FASCISMOS suas oscilagdes e suas incorporagdes do que era perifera e se transforma em centeo, do agit ¢ falae fascista, pensamos em explictar uma concepgio de mundo prépria do fascismo, comum a virios regimes. Ao contririo das and- lises eseruturalizantes, interessa-nos levar a linguagem do fascismo a sério, © ‘nio apenas como um véu que o historiador desvela. Contudo, no nos inte- tessa, também, refazer a histéria como narrativa da hist6 vemos considerar, conforme a férmula de Pierre Aygoberry, que ". Assim, consideramos a prof ia. idéias levadas ao seu extremo de enunciacio, 0 fazer, com a mesma coerén- cia da sua enunciagao, mesmo que para outras légicas aparega de forma con- fusa ou contraditéria. As diferengas, na verdade, a oscilagao tipica do fascis- mo, ndo recobrem a distancia entre intenco e gesto mas sim o proceso de construgao das condigdes de aceitabilidade do proprio fascismo perante as massas. Tal enunciacdo, nas condicdes adequadas de recepsé0, podem mudar a face e a forma das nagdes. Considerar o fascismo enquanto fala que muda 0 mundo implica aceitar a proposigao que o fascismo € um movimen- to de cardter metapolitico, que supera o fazer politico do liberalismo e avan- ga, sem pudor, onde o marxismo estanca. O fascismo surge como uma forma de agdo total, envolvente e explicativa de toda a vida, incorporando a morte ea irrazdo— que canto assustam as massas anénimas das sociedades moder- nas (ver o revival dos fandamentalismos) —, propondo uma identidade ndo- idéntica ao moderno, resistindo & transcendéncia no mundo. moderno, sendo- ‘assim uma forma de protegio perante o desconhecido, a transcendéncia te6- rica liberal ou mitica, ou a transcendéncia pratica, proposta pelo marxismo. 1. O antiliberalismo e antiparlamentarismo fascist fascismo acusa as formas liberais de organizacio e de representacdo, em ea. empor: especial 0 parlamentarismo liberal, de originarem a crise 127 0 secuto xx Nesse caso, o fascismo se apresenta como sucessor e a Unico herdeiro de um sistema que no mais possui condigGes de manter a coesio nacional: “[..] 0 Estado de classes (a Repiblica de Weimar] perdeca toda a sua razio de sez endo podia servir mais do que para transformar em Sdio © bom senso das grandes massas” (Discurso de Hitler, em 30/1/1944), Ja em 1919, a dicta alemi recusava a Constiuigio recém-votada: “..] 0 direito eleitoral ampliado, « dominagao do parlamento, a debilidade do go- verno, a insignificdncia do presidente e a pritica do referundum (...] nio res- Pondem nem ao cariter nem & misso que o Estado alemao deve cumpriz, tanto no presente como no futuro préximo (Kélnische Zeitung, 4/8/1919), Quase 0 mesmo vocabulirio é utilizado na Franga de Vichy, onde Pierre Laval pode afirmar: “Posto quie a democracia parlamentar combateu o fas- cismo € 0 nazismo e que pecdeu esse combate, ela deve desaparecer.” Charles Maurras, por sua vez, considerard a queda da Franga parlamentar e 0 surgi- mento do Regime de Vichy uma “divina surpresa”. A forca do liberalisrio como elemento desagregador da ordem conser- vadora foi sentida no s6 nas sociedades que efetivamente viveram experién- cias liberais, como ainda naquelas em que o liberalismo era apenas uma ameaga. O Manifesto incegrista Tradicionalista Espanhol, jd em 1889, detec- tava o perigo: “Queremos gue a Espanha sacuda o jugo e a horrivel tirania Que, com o nome de dizeizo novo, soberania nacional e liberalismo, a arran- cou do justissimo dominio de Deus. (..] Queremos a Espanha livre da praga espantosa ¢ do tremendo acoite do parlamencarismo, que a destroca ¢ ani- uila.[...)” Mais tarde, em 1909, 0 Programa Integrista langaré a palavra de ordem “Abaixo os Intermediirios”, propondo uma idilica relagdo direra entre 0 rei e © povo, excizindo os partidos e o Parlamento. No surgimento do Pardo Nazista, com os seus “25 Pontos do Programa do NSDAP", publicados em 24 de fevereiro de 1920 (republicados em 1941), 0 araque ao liberaiismo parlamentar é claro: “Nés lucamos contra 0 Parlamento corrompido, iccal de disputas partidérias conduzidas por pes- soas desprovidas de cari:e: e capacidade (Ponto 6).” A lideranca fascists Propunha-se a interprers:. melhor do que ninguém, os anseios das massas, os Fascismos como 0 faz Hitler no Mein Kampf: “Tal qual as mulheres (...] as massa: amam mais 0 dominio do que a gentileza e sentem-se interiormente mais se guras através de uma doutrina, que nio tolera qualquer outra, do que atra- vés do beneplicito da liberdade liberal.” A ordem liberal, oriunda da Revolugio Francesa, é dads como morta: “[...] eclodiu uma Revolucio que, mediante tremores ¢ combates, faz surgir um mundo novo que poe fim, d pois de 150 anos de existéncia, a0 mundo criado pela grande Revolucio Francesa, em virrude da lei eterna de que tudo nasce e morre, em meio do que 1nds no somos mais do que um leve tremor {..]” (Gregor Strasser, Natio- nalsozialismus u, Geschichte, 1932). Nos paises meridionais onde a aristo- cracia fundidria e a Igreja ainda predominavam, « Revolugao Francesa € apontada, numa reagio defensiva de cariter prévio, como origem de todos os males: “Em todas as partes se desmorona a eficicia do Estado liberal bur- gués que a Revolucio Francesa do século XVIII impés ao mundo € os povos se debatem hoje nas dificuldades de abrie caminho a um novo Estado [. (La conquista del Estado, 1931). Ja 0 manifesto das JONS, a versio fascisca dos partidos de massa, do mesmo ano, assinala: “assistimos hoje & ruina da democracia liberal, a0 fracasso das instituigdes parlamentares, & catastrofe de um sistema econdmico que tem suas raizes no liberalismo politico”. © fascismo italiano nao difere dos seus homélogos. O programa conhe- cido como “Nove Pontos do Fascismo Integral”, surgidos em 1924, afirma em seu ponto 8 “Os interesses parlamentares do fascismo nao devem jamais predominar sobre seus principios ideais e seu programa. [...]” Ou ainda, sob ourra formulagio: “Se ha fato demonstrado pela experiéncia é que a demo- za perante o Estado em que viviam — seja a Repiblica de Weimar, seja aghy Icdlia parlamentar ou a Repiiblica espanhola —, somado a um outro senti-’ ‘mento de inutilidade, de ver sua vida projetada no vazio, com todos os esfor- 4408 desenvolvidos durante anos reduzidos a nada. Foi assim com os ex-com- batentes da Grande Guerra na Alemanha ena Itilia, onde os Freikorps e os Arditti desempenharam um papel-chave na destruigdo das instituigdes repu- blicanas. Nao foi diferente com jovens intelectuais, operdios e funcion em pafses como a Espanha, Portugal, Roménia c Hungria, onde a seculariza- $0, 0 avango da sociedade liberal ea dissolugio dos antigos lagos identits- rios, como a Tradicdo, faziam ruir rapidamente os anteparos sociais que pro- piciavam alguma seguranca, real ou imagindria. “A tinica esperanga de uma vida mais perfeita, mais significativa” — diria Norbert Elias, “reside [entio] na destruigdo dessa sociedade. Nessa situacio, a destruigao pode facilmente tornar-se um fim em si” (Elias, 1997, p. 206). 3. Comunidade do povo e a sociedade corporativa: o fascismo enquanto revolugdo Um grande niimero de historiadores insiste em que a caracceristca central da agio fascista foi destruidora, negativa e sem proposig6es. Particularmence a intelectualidade weimariana liberal, em grande parte emigrada, ao retornar, ne rim | - pr nia, ora zero, “Lucifer sobre as ruinas do mundo”. os Fascismos 86 pOde contemplar as ruinas de um mundo que jamais voltariam a vec. A Berlim boémia da Nollendorfplatz, ou apressada ¢ multifacetada da Alexanderplatz, deixara de existir para sempre. Para retomar uma expressio classica, restava apenas, como nas imagens do filme de R. Rosselini, Germa- ‘Ora, uma anélise mais deralhada nos leva a desconfiar da perplexidade liberal. Havia um projeto fascista, uma utopia capaz de seduzir homens mulheres, de arrastar multiddes para além das interpretagdes esoréricas € hipnéticas de um lider tnico. E neste sentido que o fascismo mostra sua su- perioridade enquanto metapolitica, sua capacidade de propor formas eficien- tes de resistencia & transcendéncia, 3 eterna mudanga geradora da inseguran- ae da anomia. A princi sta fascista A crise de identidade atribuida i imposigio dos prinefpios liberais foi a proposicao do Estado corporativo. Note-se, de safda, que os termos sociedade ¢ Estado so, na terminologia fas- cista, intercambiaveis,e, posto que o Estado fascista abole a doutrina liberal, ‘nao hd mais distinggo entre a esfera do privado, onde se organizaria a soci dade, ¢ 0 piblico, de vigEncia do direito constitucional. acusagdo de que parcelas das atribuigdes puiblicas foram apropriadas por se- tores privados da vida nacional (gestio de recursos naturais por cartéis in- dustriais, formulagdo de politica econémica etc.) ¢, simultaneamente, 0 pro- fundo imiscuir do Estado na vida privada (politica de casamentos puros, controle sexual, incentivo ¢ punigdo em relacdo ao niimero de filhos, cultos civicos puiblicos, perseguigdes religiosas etc., a critica liberal via no fascismo apenas confusdo. O ma ‘Nenhuma das duas explicagdes deu conta da capacidade de atragio do fascia Sobre av masts, sua tapureide de oleeersegurangae rego, ‘Sperar 0 estranhamento-do-homeim comm ante a soeiedade moderna de—— massas. A incapacidade de entender o carter metapolitico do fascismo — 19 © secuto xx Projeto de vida e morte, para além da adesio politica — reside na insistén- cia em trabalhar as explicagdes sempre no campo da teoria politica classica, exaramente aquela que € repudiada e negada pelas massas estranhadas e de- funciada com veeméncia pelo fascismo, Enunciagio e recepgio do fascismo fe um novo fazer da politica, com rituais e cerimé- 2 identidade do sujeito, mesmo que essa identidade seja nias que devolys itracional. -A concepgao de Estado como poténcia expansiva implica a subordinagio €0 sucumbir da sociedade civil aos objetivos identificados como nacionais Pelo Estado. Assim, é ele que organiza, normatiza e dirige a sociedade, com toral desprezo For qualquer esfera exclusiva do privado, Neste campo, a Principal tarefa do fascismo é fazer cessar as causas da desagregacao social e, assim, transcender ao estranhamento dos individuos e doté-los (ainda segun- do 0 fascismo) de uma identidade auténtica, Na sua busca do mercado auto- regulivel ¢ na construsio das instituigdes politicas e sociais como clones do mercado, inclusive na figura parlamento = bolsa de valores, o liberalismo destruiu os lagos de cooperagio entre os homens ¢, com isso, os liames iden- titérios. O homem solitétio, dotado de um voto e sem emprego ou sem segu- ranga social, é um ser incapaz de se auto-reconhecer e, portanto, de uma identificag2o mira num determinado grupo social ou nacional. “Nés gostamos da palavea comunidade. A comunidade familiar. A comu- nidade religiosa. Queremos construir a nossa comunidade. Como essa pe- quena vila que vocés acabaram de atravessar; essa vila tdo espiricual, cons- ttuida a0 redor da Igreja, em que desembocar os caminhos.(..] Nessa co- munidade haverd lugar para todos. E é este o verdadeiro patriotismo, a verdadeira tradigio: no é a bandeira tricolor, os discursos, todas estas idjotices. Nao ¢ uma abstragdo, ...] Queremos a noséa terra; queremos ver renascer cudo o que liga o homem a sua terra. Como esti 36 0 homem nas 140 | 05 Fascismos cidades de hoje! Queremos devolver ao homem a sua vida, sua razio de ser [uuJ” (Beasillach, 1968). Em alguns casos, como nos fascismos da Europa Oriental, com uma his- t6ria de urbanizagio e industrializag3o que mal se esbogava, a vida urbana ‘era temida e identificada com o estrangeiro e com a anomia. Tanto a Legiéo do Arcanjo Sio Miguel (1927) quanto a Guarda de Ferro (1930) romenas, |= deradas pelo jovem fascista Corneliu Codreanu, identificavam na vida urba- na moderna, dominada pelos judeus, a fonte de dissolugio e corrupgio da comunidade patriética: “Os judeus se instalaram nas cidades, onde formam verdadeiros ilhotes isolados e compactos. Invadiram primeiro as cidades e burgos da Moldavia. Diante disso, o comerciante e 0 arteso romenos desa- pareceram. [..] A perda de nossas cidades implica conseqiiéncias desastrosas. para nés [..] 0 desaparecimento de nossa prépria terra” (Corneliu Codrea- nu, La Garde de Fer, 1938). Encretanto, 0 fascismo reconhece que o Antigo Regime no volta mais, definitivamence destcuido pela Revolucio Francesa de 1789, pelo individ lis A a Silva, 1996a) —, e sim o estabele- cimento de uma teia social de novo tipo. Para tal, a ordem social iberal-bur- guesa deveria ser destrufda: eis af a Revolugdo Fascista. O espaco social libe- ral burgués, com sua distingdo entre o piblico e o privado, com o individuo condenado insoluvelmente ao sucesso ou ao fracasso econdmico, com a transformagio da questo sogial em problema pessoal, deveria ceder lugar a formas solidatias ¢ orginicas. ! Popolo d'Italia, porta-voz do fascismo italia- no, publicava, por exemplo, em 1919, um programa fascista que afirmava: “[O fascismo €] revoluciondrio porque & ancidogmético e antidemagégico, fortemente inovador ¢ carece de preconceitos. Nés nos colocamos em defesa da guerra revolucionatia acima de tudo e de todos”, Em vez das tensdes so- ciais, reproduzidas no interior do sujeito culpabilizado individualmente pelo fracasso da sociedade, o fascismo propunha, e propée, um quadro social no gual capital e trabalho,.a familia, a comunidade profissional e local estario harmoniosamente unidos a bem dos supremos intetesses da nagio, com caré- ser forcemente popular: “(Propomos] 2 formagio de conselhos riacionais téc- nicos do trabalho, dos transporces, da higiene social e das comunicagies [..] eleitos por coletividades profissionais e de offcios, com poderes legislativos e direico de nomear um comissirio-gersl com poderes de ministro”, afirmava 0 secuco xx ainda lf Popolo d'tealia. Uma qualidade intrinseca qualquer, no mais de cari- ter mistico, deveria qualificar as organizagées de trabalho. Em face da proposta de administragao falida do conflito trabalho x capi- tal, do ponto de vista liberal, ou de sua superacio, conforme 0 marxismo, Pela vitdria dos trabalhadores, o fascismo propunha um Estado que se apre- Sencar como a corpora do trabalho, supralssita eacima dos mesqui mos interesses privados ¢ de suas representagdes partidarias. Da mesma forma, dava-se um nitida recuperacao do politico sobre o econdmico: fora culpa dos liberais uma privatizacao da vida piblica em nome dos interesses econémicos. O fascismo, com sua teoria do Estado poténcia, tendia a recu- Perar 0 primado do politico, submerendo o econmico a estreito dirigismo, ‘como, por exemplo, na Alemanha: “A economia serve ao Estado e com isso 20 povo. Ela é uma economia popular e, ao mesmo tempo, uma economia organizada, cujo objetivo é servir ao povo: 1. Ela ndo é uma economia esta- tal, quer dizer, administrada pelo Estado; 2. tampouco é uma economia de interesses privados, voltada apenas para objetivos individuais [...]” (Hermann Messerschmidt, Die Aufeaben der Wirtschaft, 1543) aly Este seria 0 caminho para a paz social, a superacao dos conflitos da sociedade de massas que se anunci “Trabalharemos para favorecer a formagio de organizagdes nacionais coor- denadas de patrdes e de empregados para que, com 2 ajuda de tribunais, evi- tem eficazmente as greves e 05 lock-outs e resolvam harmoniosamente os conflitos na indiistria” (Programa do National Guards, 1933)*, Em. alguns asos, como no fascismo noruegués, onde a organizacdo operdria no era t30 forte como na Alemanha e na Italia, a hegemonia da burguesia sobre a pro posi¢do corporativa ¢ mais explicica, dando-se menor insisténcia 20 cardter corporativo da nova sociedade a partir da empresa, com a énfase recaindo diretamente sobre a visio organicista da sociedade: 7 National Guards era 0 movimento fascsta liderado pelo general O'Duffy, na Islands, saraxenzado por uniformes do tipo italiano, dai serem também denominados de ca- 142 5 Fascismos “O fundamento da criagio de pontos de apoio [a0 fascismo] é a idéia de em- pres. Esta concepgio vé na empresa um organismo vivo, aurénomo, cujas fi- nalidades ea eapacidade de existéncia sio de importincia muito maior que a finalidade e a capacidade de existéncia do individuo. A primeiea e mai portance tarela é propagar entre os trabalhadores ¢ os chefes de empresa esta idéia, e através dela construir a base da sociedade solidiria, da empresa so judeus para Holocausto>alceridade, acreditamos estar operando !a corre¢io de rumo fundamental: descolar a condi¢io judaica da ‘légica 9 assassinio em massa dos prdprios judeus ¢ das outras vitimas do fascismo. Partimos aqui de uma observacio, a nosso ver, por longo tempo esquecida: 0 sal do racismo deve ser buscado nos algozes, e ndo nas vitimas. Ser judeu, © secuto xx : cigano ou gay nio encerra em sium mal atévico ou histérico; tampouco uma sondisio, ou especificidade histérica, a ser superada; a inconformidade ho. icida com a condigio do outro &, isto si La ser superado, Coube a Theodor Adorno chamar a atengio para o fato de que “[... as raizes do genocidio judaico devem ser procuradas nos perseguidores, nio nas vitimas, que, sob os mais mesquinhos pretestos, foram entregues 20s assas- sinos” (Adorno, 1986, p. 34). Assim, ainda uma vea, é a anatomia do fascis. ‘2 que explica seus crimes endo a das vitimas. Claro, a escolha de uns como alvo do édio, e nao de outros, deve ser levada sempre em consideracio, porém como um elemento de eficicia no convencimento para o crime, ¢ nig como explicagio do crime. Franz Neumann insiste no mesmo ponto, principalmente através da per- gunta: “Mas como achar um inimigo?” Tal inimigo deveria preencher alguns ‘equisitos de veracidade para que 0 convencimento pudesse, de fato, funcio- nnar em termos de revepgio de idéias. Assim, ainda conforme Neumann, 0 isitos para cela importante da po- defea pestshi lgursdestes requisites pars sna parcels important da p- fempo, com o comunismo [Marx, Trotski, Zinoviey etc.), eram largamente a cifica ¢ um anatemfa multissecular brandido elo cristianismo... Assim, a es- ticas, anteriores ao fascismo, nao haviam votado os judeus, na Alemanha por exemplo, ao desprezo ¢ muito menos & morte em periodos anteriores, No Império Hohenzollern (1871-1918), judeus desempenharam um papel de re- levo junto a todos os segmentos sociais do pais, inelusive junto ao proprio imperador; durante a Repiblica de Weimar {1919-1933}, a situacio evoluiu ainda mais favoravelmente, com a chegada de judeus aos postos mais eleva- dos do pais. Em suma, contra uma visio arraigada — e que temo ser um sub- produco da prépria propaganda fascista —, 0 anti-semitismo alemo nio gra, desde sempre, excludente ou mesmo homicida. Comparativamente, 0 agressivo do que 0 anti-semitismo alemdo. Colocamo-nos, assim, em critica ilema $0 podemos esquecer que muitos, para usar um termo em voga, dos earrascos voluunsérios de Hitler eram licuanos, polacos, ctoatas, hiingaros ou ucranianos. © Holocausto, bem como outros genoeidi uma concepc& x ae 05 Fascismos #ip0 a0 seu tipo padrio, e ndo & histéria especifica de um povo. Para Adorno, 0 Holocausto esta inextrincavel € dialeticamente ligado ao édio € & descon- Banga contra todos 0s que so (imaginariamente) considerados fracos, dé- beis, elizes e fortes, E neste sentido que as observagdes de Adorno e Neumann nos ajudam a pensar 0 Holocausto judaico e todos aqueles que foram assassinados apenas or serem diferentes de um tipo imagindrio alardeado como padrao. Se pensarmos os tipos que foram alvo do fascisma — judeus, ciganos, 23, 86 a ticulo de exemplo —, poderiamos perceber que so grupos consti- ‘ tuidos por uma (cil Charlus diria, proustianamente, de cumplicidade), de auto-identidade e ajuda. A familia judaica, a nagao cigana e o grupo de amigos gays sio, em sama, exemplos famosos de possibilidades arrebatadas de enfrentar desafios em nome do amor, Ora, a caracteristica basica dos seus algozes foi (e ainda 06) a frieza, \to do outro, en: 1 da iden- tificagao com um coletivo anénimo. Auschwitz sé foi possfvel (tal como o Arquipélago Gulag, o massacre dos arménios, o genocidio dos trabalhadores asiéticos na ferrovia Thai-Burma ou dos indios no Brasil ¢ no México con- tempordneos) pela frieza do individuo ante o outro. Esta frieza ante 0 outro é apenas 0 mesmo nome da incapacidade para amas, para reconhecer em qualquer um a possibilidade do amor; fora um pequeno circulo, constituido em padrao merecedor do amor, todos os demais sio tratados como hos; mas, mesmo af, a frieza domina. Tal estranhe: ¢a basica, sine qua non, para o genocidio; sem ela, Aus sivel, Uma agravante ainda’ como 0s algozes se sentem estranhos perante 0 outro, so estranhos para si mesmos e sofrem sua prépria estranheza, impos- sibilitando-se para o amor, mesmo o amor entre iguais. Se ao menos amas- sem a si mesmos, quer dizer, entre eles mesmos, estariam preparados para re- conhecer no outro a capacidade de dar e receber amoz Mas, ndo: eles mes- mos, sedentos de amor, foram incapazes de receber amor e, assim, no con seguiram (e tantos outros ndo conseguirao jamais) amar (Santner, 1997). Por ral razio, o pessimismo humanista de Adorno clama por uma revo- lugdo {0, na necessidade imperiosa de impedir, através da educa= » Rovos Auschwitz, Para salvar as criangas da frieza, geradora do estra> ahamento, talvez fosse fiecessdrio salvé-las dos préprios pais. Um exemplo

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