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XXXIV CBP

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Organização

SECRETARIA EXECUTIVA XXXIV CBP:


Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP
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Promoção e Realização: Instituições Parceiras: AAfiliada


liadaà:à: Agência o cial
Agência oficial:

BLUMAR
CONGRESS & EVENTS
apal
Associação médica Brasileira

Sem título-5 1 12/08/2019 18:01


Instituições Parceiras:
editorial
Gláucia Viola, editora

Notam-me, logo, sou amado!


M
uitos leitores com certeza lembram de um passado não muito distante em que suas
avós repetiam: “quer aparecer pendura uma melancia no pescoço”. Hoje a frase per-
deu completamente o tom irônico, afinal a ordem é realmente ser notado. E para
isso vale usar melancias ou o que for necessário para se mostrar! É um fenômeno
recente que nasceu na cola do advento da internet e, principalmente, da moda dos youtubers.
É impressionante como é possível encontrar canais de tudo que é tipo, para todos os gostos,
curiosidades e desejos de informações. São inúmeros “experts” em culinária, moda, fi-
nanças, comportamento, literatura, relacionamento, jogos, piadas e assuntos dos mais
variados. O termômetro para avaliar se o canal tem relevância está no número de
curtidas que ele possui. O conteúdo é um coadjuvante na história. O que vale
estar sob os holofotes é a quantidade, não a qualidade. No cenário atual ve-
mos o mesmo fenômeno acontecer em outras redes sociais em que os likes
acentuam o grau de felicidade e sucesso na vida de uma pessoa e massageiam
o ego. Inicia-se, assim, um vicioso círculo de prazer que precisa ser alimentado,
criando a dependência no esforço por atenção.
O artigo de capa desta edição da Psique Ciência&Vida debate esse com-

SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL


portamento trazendo uma investigação aprofundada de questões surgidas
ainda na infância. Para a Psicanálise, a necessidade de chamar atenção do
outro passa a ser a tentativa de preencher a lacuna gerada lá trás. Segundo
Freud, a criança ao nascer se depara com uma sociedade neurótica e vai se mol-
dando a essa neurose. A atitude verificada na sociedade moderna de querer ser incessantemente
admirada é tão somente a busca pelo amor do outro, uma procura pela sensação de valorização
e pertencimento. Porém, o texto também alerta para o paradoxo de que quanto mais tempo
conectadas, mais insatisfeitas as pessoas ficam com suas próprias vidas. Pesquisas realizadas em
universidades americanas mostraram que o ato de comparar a exposição de outra pessoa com
a sua própria vida estimula o aparecimento de sentimentos de menos valia, incompetência e
baixa autoestima. A pesquisadora Brené Brown diz que “nascemos para a conexão com o outro,
mas no decorrer de nossos caminhos essa conexão é rompida e a responsável é a consciência
de vergonha que carregamos em não nos perceber suficientes bons”. Isso cria uma sensação de
vulnerabilidade, e a alternativa é justamente a perseguição pela aceitação do outro. Um preen-
chimento feito de forma um tanto quanto frágil, mas momentaneamente eficaz.

Boa leitura!

Gláucia Viola “A atenção é a mais importante de todas as faculdades para o


www.facebook.com/PortalEspacodoSaber desenvolvimento da inteligência humana.”
Charles Darwin 

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sumário

CAPA
É preciso
ser notado
24
A importância de ser
especial numa sociedade
que valoriza a ostentação
da felicidade para se
SHUTTERSTOCK E FREEPIK

conectar ao amor do outro

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MATÉRIAS
08 O que há por
trás da fofoca
Para a Psicologia, o
comportamento de falar dos
48 outros pode revelar mais sobre
o autor do que sobre a vítima
ENTREVISTA
Caroline Arcari revela que mais
de meio milhão de mulheres são
TDAH em pauta
vítimas de violência sexual no Brasil, Um transtorno de difícil
diagnóstico, mas que ainda
52
e as estatísticas de tratamento
são irrelevantes para esse número carrega muitos rótulos, como a
generalidade com que é tratado
SEÇÕES
05 NA REDE
06 NEUROCIÊNCIA
Querido mestre
16 IN FOCO
18 PSICOPOSITIVA A personalidade do educador
20 PSICOPEDAGOGIA é um dos fatores que mais
22 RECURSOS HUMANOS 56 influenciam na aprendizagem, pois
trata de dois temas controversos:
32 COACHING
34 LIVROS Psicologia e Educação
46 PSICOLOGIA JURÍDICA
Expectativa e ansie

64 DIVÃ LITERÁRIO iê
doss

66 CINEMA DEIXA A VIDA DOSSIÊ: Idealizar


ME LEVAR?
70 PSICOLOGIA SOCIAL de forma saudável
dade

fazendo confundir
tempos estão nos
Como os novos a. Ambos os
patológica

ansiedade patológic a depressão


expectativa com comorbidade
72 UTILIDADE PÚBLICA sintomas têm com o princ ipal

Não é possível viver uma vida


35
no
Por Fabiola Salustia

76 PERFIL
sem expectativas, mas é preciso
80 EM CONTATO
tomar cuidado para não gerar o
82 PSIQUIATRIA FORENSE
fenômeno da ansiedade patológica
SHUTTERSTOCK

a 35
psique ciência&vid

ber.com.br 22/08/2019 16:17


www.portalespacodosa

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na rede por Nicolau José Maluf Jr.

AS REDES SÃO SOCIÁVEIS?


ELAS NÃO AGEM POR CONTA PRÓPRIA E SUA
MANIPULAÇÃO FORNECE PODER QUANTO À PRODUÇÃO
DE SUBJETIVIDADES, PORTANTO SUA RELAÇÃO DE
CAUSALIDADE É COLOCADA EM QUESTÃO

N
o dicionário, o significado do adjetivo “sociá- de relação carregadas de desrespeito e ódio até inclusive (ou
vel” é: “próprio para viver em sociedade; que tende principalmente) nas redes.
para a vida em sociedade. De convívio agradável; É verdade que, do ponto de vista sociológico, as redes sociais
civilizado, urbano, afável: caráter sociável e retiraram dos grandes meios de comunicação a hegemonia da
generoso. Que consegue viver socialmente, seguindo regras “informação” – colocada entre aspas – e isso não deixa de ter
e práticas de convivência”. um aspecto meritório, benigno, na onda da valorização da orga-
Vendo esse conceito, pode-se dizer que as redes são mesmo nização espontânea da sociedade civil opondo-se à dependên-
sociáveis? A resposta obviamente é não. cia exclusiva dos meios institucionais como gerenciadores das
Uma postagem recente no Twitter é útil e vale a pena demandas e necessidades da sociedade.
reproduzi-la: Mas há também um ciclo pernicioso: posturas e manifesta-
“...Leitor pergunta como seguir saudável nesta maré de obs- ções esdrúxulas de entes públicos são toleradas e defendidas em
curantismo. Sugiro a sabotagem: ler literatura, assistir a bons redes sociais. Os defensores aprovam agressões e preconceitos
filmes, frequentar exposições de arte, ir à roda de samba, dan- na forma e conteúdo, e o fazem usando não somente linguagem
çar forró, amar. Cultivar subversiva alegria. Contra a pulsão de virulenta, mas também favorecendo estigmatizações. Isso, por
morte, só a anarquia da felicidade...” sua vez, legitima o ente público. As redes tornam-se assim “ins-
Mesmo não concordando que exista pulsão de morte, en- titutos de pesquisa” cotidianos.
tendo o que ele propõe e quer dizer. Estaríamos vivendo tem- Assim se forma o “novo normal”, em que o ódio e a into-
pos sombrios. E seguindo a narrativa, podemos inferir que o lerância tornam-se lugares-comuns. Não é “direita-esquerda”,
antídoto “alegria e felicidade” diga respeito também às formas “conservador-progressista” o elemento central, portanto.
Obviamente as redes sociais não agem por conta própria
elas mesmas, e sua manipulação fornece poder quanto à pro-
dução de subjetividades só equiparado à propaganda na Ale-
manha nazista.
Mas é novamente a relação de causalidade que é coloca-
da em questão. Seria raso e ingênuo pensar que a virulência
manifesta nas redes é simplesmente consequência. Assim como
seria raso e ingênuo adotar um conceito como o da pulsão de
morte, que seria uma espécie de “pecado original” constituinte
do psiquismo, como explicação para a espontaneidade das ma-
nifestações de virulência.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

Nicolau José Maluf Jr. é psicólogo, analista reichiano, doutor


em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia (HCTE/
UFRJ). Contato: nicolaumalufjr@gmail.com

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neurociência por Marco Callegaro

Efeitos psicológicos
da NUTRIÇÃO
ESTUDO DE
LONGA DURAÇÃO
ACOMPANHA
EFEITOS
PSICOLÓGICOS
SUBJETIVOS
DOS HÁBITOS
NUTRICIONAIS IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

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R
ecente pesquisa realizada na NUTRIÇÃO ruim e significativo na saúde mental das
Inglaterra e Escócia apontou pessoas, aumentando muito o risco de
claramente que o consumo de
ADEQUADA PRODUZ depressão e ansiedade. Nesse estudo foi
mais frutas e vegetais está liga- UM PODEROSO descoberto que comer sete ou oito por-
do a um menor risco de depressão e de ções de frutas e vegetais por dia pode
ansiedade, que são de longe os trans-
IMPACTO NO reduzir pela metade o risco de quadros
tornos mentais que mais afligem a hu- AUMENTO DO BEM- depressivos ou transtornos ansiosos.
manidade atualmente. O aumento da ingestão diária de
-ESTAR SUBJETIVO
Essa pesquisa foi realizada todos os frutas e legumes de zero para oito tor-
anos desde 2001 e abrangeu mais de 7 E NA REDUÇÃO na os sujeitos significativamente menos
mil pessoas, que foram questionadas so- DA DEPRESSÃO propensos a sofrer de depressão ou an-
bre sua dieta e estilo de vida. O estudo siedade nos próximos dois anos. O efeito
concluiu que existe uma relação inversa E ANSIEDADE de um empurrão para cima no aumento
entre a probabilidade de uma pessoa ser do bem-estar é comparável ao efeito de
diagnosticada com problemas de saúde frutas e vegetais podem afetar o nível empurrão para baixo na redução do hu-
mental e o consumo de frutas e verdu- de felicidade é através de seus efeitos mor causado pela experiência de grandes
ras. Por exemplo, quanto mais frutas e antioxidantes. O estudo apontou uma eventos negativos da vida.
verduras as pessoas comiam, menos ti- conexão entre o consumo de alimentos As medidas de bem-estar mental e
nham depressão. ricos em antioxidantes e o traço psicoló- do bem-estar subjetivo (satisfação com
Os investigadores procuraram estabe- gico do otimismo, que é extremamente a vida) respondem aumentando de
lecer conexões entre os padrões alimen- protetor na saúde mental. A depressão forma proporcional à ampliação tanto
tares e o impacto de eventos de vida na e a ansiedade se ampliam quando está da frequência como da quantidade de
saúde. A ideia era testar a hipótese de que instalada a desesperança e uma visão ne- frutas e verduras consumidas, de forma
os alimentos podem compensar o impac- gativa do futuro, e são combatidas pela dose-dependente.
to de grandes eventos da vida, como di- esperança e otimismo. O mais interessante nessa investiga-
vórcio e desemprego, por exemplo. Segundo os pesquisadores, a introdu- ção é a comparação entre efeitos positi-
Nesse estudo, foi descoberto que qua- ção de um consumo de cerca de sete ou vos e negativos, tanto em nível biológico
tro porções de frutas e legumes extras oito porções de frutas e vegetais por dia como psicológico, mostrando o quanto
por dia podem compensar o impacto de causa um aumento do bem-estar mental nossa vida mental subjetiva está associa-
grandes eventos da vida, como ficar sem da mesma magnitude que eventos nega- da ao funcionamento do organismo. As
emprego ou passar por uma separação. tivos, como um divórcio, só que este fun- fronteiras entre o biológico, psicológico
Essa porção extra de mais frutas e vege- ciona empurrando as pessoas para o ou- e social são meramente didáticas, pois
tais poderia neutralizar metade da dor de tro lado, para um estado depressivo. Em na prática temos o cérebro humano li-
se divorciar ou um quarto do efeito nega- outras palavras, o efeito positivo das oito dando com o funcionamento biológico
tivo do desemprego. Quando os pesqui- porções de frutas e vegetais diários pode do corpo, com seus estados mentais e
sadores testaram o impacto sobre o bem- contrabalançar eventos estressores, como mundo subjetivo, e, por outro lado,
-estar mental de comer oito porções por o estresse produzido pela experiência de com os estímulos e interações sociais de
dia comparado a nenhuma, o resultado uma separação na balança do humor. forma integrada. De fato, as evidências
foi muito mais intenso. Outro evento psicologicamente nega- científicas apontam a sabedoria da fa-
Esses benefícios psicológicos se so- tivo estudado foi a condição de estar de- mosa citação do poeta romano Juvenal:
mam aos já bem conhecidos efeitos pro- sempregado, que tem um efeito bastante “Mens sana in corpore sano”.
tetores dos alimentos saudáveis contra o
câncer e as doenças cardíacas. O efeito Referências:
psicológico de mudanças nutricionais Neel Ocean, Peter Howley, Jonathan Ensor. Lettuce be happy: a longitudinal UK study on the
relationship between fruit and vegetable consumption and well-being. Social Science & Medicine,
é muito mais rápido do que as melho-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

v. 222, p. 335-345, fev. 2019.


ras físicas que ocorrem em uma dieta
saudável. Segundo os investigadores, os Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento,
ganhos mentais ocorrem em 24 meses, diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto
enquanto os ganhos físicos não ocorrem Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo
Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências Revolucionaram o
até os 60 anos.
Modelo do Processamento Mental (Artmed, 2011).
Um possível mecanismo pelo qual

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CAROLINE ARCARI

FOTO DO ENTREVISTADO: DIVULGAÇÃO/ DEMAIS: SHUTTERSTOCK

Segundo Caroline Arcari,


a violência sexual contra
crianças e adolescentes
começou a ser enfrentada
como problema social no Brasil
na última década do século XX

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E N T R E V I S T A

PROBLEMA DE
SAÚDE PÚBLICA
Caroline Arcari diz que não
há como negar que a violência
sexual está relacionada à
construção histórica e social
sobre o controle e poder exercidos
pelos homens sobre o gênero
feminino, a partir da organização
social da propriedade
Por Lucas Vasques Peña

U
m dos fenômenos sociais que mais pre- trabalho junto à instituição já formou mais de 20
ocupa é a violência sexual contra crian- mil educadores em diversos municípios brasileiros
ças e adolescentes. Atualmente, existe e seus projetos beneficiaram mais de 250 mil alunos
na sociedade brasileira um amplo con- da rede pública desde 2006.
senso no sentido de se considerar essa questão uma Escritora do livro Pipo e Fifi, seus trabalhos já fo-
violação à dignidade sexual desses sujeitos e um ram premiados pela Unicef, Fundação Abrinq e Save
tipo de violência com consequências significativas the Children. É também consultora na área de Edu-
nas esferas física, sexual, comportamental, psico- cação Sexual e Enfrentamento da Violência Sexual
lógica e cognitiva, atentando contra o direito de Infantojuvenil para instituições públicas e privadas
crianças e adolescentes ao desenvolvimento de de educação, saúde e promoção social.
uma vida saudável. No livro A Conversa sobre Gênero na Escola, publi-
Na avaliação de Caroline Arcari, no entanto, para cado pela Wak Editora e organizado pelo educador
o enfrentamento do problema ainda há um percur- sexual Marcos Ribeiro, Caroline coloca em seu capí-
FOTO DO ENTREVISTADO: DIVULGAÇÃO/ DEMAIS: SHUTTERSTOCK

so que, recentemente, começou a tomar forma nas tulo “Empoderamento de meninas e masculinidades
áreas de saúde pública, assistência social, educação positivas”, entre outras questões, que a existência de
e outros setores. diferenças entre meninos e meninas não é um pro-
Caroline é pedagoga e educadora sexual. Fun- blema, mas sim quando as diferenças de socialização
dadora e atual presidente do Instituto Cores, seu entre ambos resultam em desigualdades sociais.

Lucas Vasques Peña é jornalista e colabora nesta publicação.

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e xiste uMa explicação do ponto
Podemos observar A exploração sexual
de vista psicolÓgico sobre por que
crianças e adolescentes são alvos que há milhares envolve fins comerciais,
colocando a criança ou
fÁceis de violência sexual?
de anos meninas e
adolescente na prática
Caroline: A violência sexual contra de atividades sexuais em
troca de dinheiro, comida,
crianças e adolescentes começou a
ser enfrentada como problema de
mulheres têm sido favores ou vantagens

cunho social no Brasil na última dé- mais vitimadas por


cada do século XX, embora em nível
internacional as primeiras iniciativas essa desigualdade de
nesse sentido tenham ocorrido nas
décadas de 1960 e 1970. Com grande gênero, concretizada
visibilidade nos meios de comunica-
ção, o fenômeno da violência sexual
na violência
assume relevância política e social doméstica, na
a partir dos anos 90, especialmente
após a of icialização do Estatuto da violência sexual,
Criança e do Adolescente, respalda-
do na Constituição de 1988 e na Con- na falta de espaço
venção Internacional dos Direitos
da Criança, ratif icada em novembro
na esfera pública, nos
de 1989. Tais documentos propõem salários mais baixos
a proteção contra negligência, dis-
criminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, estando os res- este é um dos maiores problemas de te sugestivos, uso de pornograf ia,
ponsáveis passíveis de sanções ou de saúde pública do mundo. Além disso, voyeurismo, exibicionismo, carícias,
punições de acordo com as leis em há que se considerar ainda o impacto abordagens maliciosas via redes so-
vigor, legitimando crianças e adoles- desse fenômeno nos custos econô- ciais, masturbação e penetração com
centes como sujeitos de direito. Sabe- micos, com assistência médica, tra- os dedos ou pênis. A OMS def ine
-se que essa trajetória histórica está tamento e reabilitação das vítimas, violência sexual “como todo envolvi-
estreitamente ligada às concepções com o sistema judiciário e penal e mento de uma criança em uma ativi-
de infância e de adolescência em um outros problemas decorrentes dele, dade sexual a qual não compreende
longo processo de construção social. que causam um grande impacto indi- completamente, já que não está pre-
Atualmente, existe na sociedade bra- vidual e social a longo prazo. parada em termos de seu desenvol-
sileira um amplo consenso no senti- vimento. Não entendendo a situação,
do de se considerar a violência sexual q uais são as forMas Mais coMuns de a criança, por conseguinte, torna-se
contra crianças e adolescentes uma abuso infantil? incapaz de informar seu consenti-
violação à dignidade sexual desses Caroline: A violência sexual é o mento”.
sujeitos e um tipo de violência com uso de crianças e adolescentes em
consequências signif icativas nas es- atividades sexuais com adultos ou pode explicar as diferenças en -
feras f ísica, sexual, comportamental, adolescentes mais velhos, que pode tre abuso e exploração sexual de
psicológica e cognitiva, atentando acontecer com ou sem contato f ísi- crianças e adolescentes?
contra o direito de crianças e adoles- co, havendo uma assimetria de poder Caroline: O termo “violência sexual”
centes ao desenvolvimento de uma em uma relação em que a criança ou é utilizado nos guias e publicações
vida saudável. No entanto, para o adolescente é usado como objeto se- of iciais do governo federal para refe-
enfrentamento deste problema ainda xual, sendo incapaz de dar consenti- rir abusos sexuais e exploração sexual
há um percurso que, recentemente, mento consciente. Incorporados nes- comercial. Enquanto o abuso sexual
começou a tomar forma nas áreas sa def inição estão todos os tipos de se refere a atividades sexuais na maio-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

de saúde pública, assistência social, encontros sexuais e comportamentos ria das vezes praticadas por pessoas
educação e outros setores. Segundo que abrangem aliciamento sexual, conhecidas, no ambiente intrafami-
a Organização Mundial da Saúde, linguagem ou gestos sexualmen- liar, para a satisfação sexual do adulto

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siguais de gênero, em que os homens
recorrem à violência para a realização
de seu projeto masculino associado
à concepção do poder de dominação
sobre a mulher. Ou seja, a violência se-
xual não resulta de um impulso sexual
irreprimível masculino, que estaria li-
gado a questões hormonais, biológicas
e genéticas. Esse tipo de violência, na
maioria dos casos, é uma questão de
poder, a partir de relações assimétri-
cas entre os gêneros. Assim, perceber
que esse tipo de maus-tratos é densa-
mente inf luenciado por fatores cultu-
rais que se estabeleceram ao longo do
desenvolvimento da sociedade e da
organização da família, pautada nos
valores machistas, na qual mulheres
e crianças passam a ser consideradas
como propriedades do homem, é cru-
cial. Jamais deslegitimando a violência
sexual contra meninos, essa mesma ló-
gica dos valores machistas é respon-
sável pela subnotif icação desse tipo
autor da violência, a exploração sexual violência, de modo que passa a não ser de agressão contra meninos, cuja ver-
envolve f ins comerciais, colocando a percebida como agressora. Nesse ce- gonha de ter sofrido o abuso faz com
criança ou adolescente na prática de nário é crucial analisarmos a violência que o segredo seja mantido e a vio-
atividades sexuais em troca de di- sexual sob aspectos como gênero, raça lência nunca seja revelada. A maioria
nheiro, comida, favores ou vantagens. e outras condições. Crianças e adoles-
Exploração sexual é um termo que centes são mais suscetíveis à violência Só no Brasil estima-se
substitui o que se chamava de “prosti- sexual do que adultos pelo fato de essa
tuição infantojuvenil”. Esse termo caiu faixa etária estar afeta a aspectos de que meio milhão
em desuso. dependência, devido à fase de desen-
volvimento e outras vulnerabilidades.
de mulheres são
M achismo e desigualdade de gêne -
ro são fatores que colaboram para
Desse público, meninas pobres e/ou
negras ou com def iciências estão ain-
vítimas de estupro
esse tipo de violência ? da mais suscetíveis; 89% dos casos de por ano e que dois
Caroline: No cenário brasileiro, a violência sexual registrados no Brasil
f igura do agressor também tem sido são contra mulheres. Do total, 70% terços das vítimas
pouco explorada em pesquisas e tra-
balhos acadêmicos. Não há como
representam casos contra crianças e
adolescentes, de acordo com o Insti-
são meninas menores
negar que os dados são ref lexo da tuto de Pesquisa Econômica Aplica- de 13 anos, ou seja,
construção histórica e social sobre o da (IPEA, 2014). Em campanha rea-
controle e poder exercidos pelos ho- lizada na internet pela organização cerca de 330 mil.
mens sobre o gênero feminino, a partir Think Olga com a #PrimeiroAssedio, a
da organização social da propriedade, idade média do primeiro assédio so- Homens e meninos
das condutas sobre os corpos e, por
conseguinte, sobre a sexualidade. Por
frido por mulheres é de 9,7 anos, ou
seja, na infância. Ainda abordando as
são atingidos de
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

outro lado, os papéis sociais atribuí- questões de gênero, a incidência des- outras formas por
dos à mulher como f igura amorosa, se tipo de violência contra mulheres e
frágil, afetiva e cuidadora camuf lam a meninas é resultado das relações de- essa hierarquização
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dos autores da violência sexual contra
crianças e adolescentes não é doen-
Perceber que a maneira que as ensinem a desconstruir o es-
tereótipo da feminilidade submissa e
te, ou seja, não tem um transtorno de como crianças são docilizada, entendendo que elas não
preferência sexual. Noventa por cento precisam se adequar a nenhum padrão
deles são o que chamamos de abusa- educadas de acordo de comportamento, beleza e proje-
dores ocasionais – abusam porque fo- to de vida. Muitas pessoas acreditam
ram autorizados socialmente. A par- com as expectativas que defender os direitos de meninas
tir de todo esse panorama, é possível
perceber a violência sexual como um
sociais sobre o seu e mulheres é defender que os homens
percam os seus direitos, mas isso não
fenômeno fruto de um contexto his- gênero é importante é verdade. A reivindicação é que elas
tórico, cultural, socioeconômico mar- também sejam respeitadas, valorizadas
cado pela invisibilidade das crianças e para entender a e tenham acesso a oportunidades para
adolescentes como sujeitos de direito e um futuro saudável e sem violências.
pelas relações desiguais de poder tanto origem da violência Em contrapartida, a prevenção da vio-
em relação ao gênero quanto à raça, à
classe social e à faixa etária.
sexual. Os estereótipos lência sexual pressupõe atenção à edu-
cação dos meninos. É urgente educar
vigentes são alicerces meninos para que descubram mascu-
os estereÓtipos de gênero usados linidades positivas, novas formas de se
eM histÓrias infantis colaboraM que sustentam relacionar e se posicionar no mundo,
para que se consiga, de maneira ef icaz,
coM a Manutenção de pensaMentos
Machistas , que , por sua veZ , aliMen -
relações abusivas diminuir os dados de violência domés-
taM a prÁtica de violência sexual? tica, sexual e de gênero. Educar um
Caroline: Podemos observar que há violência doméstica e violência sexual: menino para não ser machista pres-
milhares de anos meninas e mulhe- no Brasil temos a quinta maior taxa de supõe, antes de tudo, educarmos as
res têm sido mais vitimadas por essa feminicídio do mundo: são 606 denún- pessoas adultas que cresceram nesse
desigualdade de gênero, concretizada cias de violência doméstica por dia; mesmo contexto, que riram de piadas
na violência doméstica, na violência um estupro a cada 11 minutos. Falar machistas, viram os homens relaxa-
sexual, na falta de espaço na esfera sobre gênero nos espaços educativos é rem depois do churrasquinho de do-
pública, nos salários mais baixos: pro- urgente e signif ica questionar as assi- mingo enquanto as mulheres lavavam
blemas que têm sua raiz na hierarqui- metrias de poder presentes em todas a louça da família toda, que cresceram
zação das diferenças entre homens e as relações de nossa sociedade. Assim achando que as cantadas abusivas são
mulheres. Só no Brasil estima-se que caminharemos em direção à igualdade elogio, que julgaram as roupas e com-
meio milhão de mulheres são vítimas entre os gêneros e à prevenção e en- portamento das mulheres que um dia
de estupro por ano e que dois terços frentamento das violências. sofreram violência sexual.
das vítimas são meninas menores de 13
anos, ou seja, cerca de 330 mil. Homens o eMpoderaMento feMinino pode e xiste alguMa forMa de se prevenir
e meninos são atingidos de outras for- aJudar a MiniMiZar o probleMa ou É o abuso sexual?
mas por essa hierarquização. Ao terem necessÁrio proMover uMa Mudança Caroline: Os esforços de prevenção
que cumprir ideais sociais que ligam o Muito Mais radical , especialMente podem acontecer em três níveis: pri-
“ser homem” com agressividade, con- no coMportaMento Masculino? mário, secundário e terciário. A pre-
trole e dominação, eles se afastam da Caroline: É preciso entender o im- venção primária se refere a abordagens
sensibilidade, da paternidade afetiva, pacto do empoderamento das meninas empregadas antes de qualquer violên-
dos cuidados com a própria saúde e se nos espaços educativos. É através do cia sexual ocorrer, evitando assim a
aproximam da violência urbana. As- empoderamento pessoal que diversas vitimização. A prevenção primária in-
sim, perceber que a maneira como as mulheres estão vencendo barreiras im- clui estratégias de construção de am-
crianças são educadas de acordo com postas pelos padrões sociais, por meio bientes seguros, espaços de diálogo e
as expectativas sociais sobre o seu gê- de um maior conhecimento sobre as ref lexão sobre o tema em si, bem como
nero é muito importante para enten- causas femininas, a autoestima, o sen- sobre os direitos das crianças e ado-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

dermos a origem da violência sexual. timento de coletividade e das ref lexões lescentes. Também se refere à preven-
Os estereótipos vigentes são os alicer- sobre seus direitos. É fundamental que ção primária a promoção de palestras,
ces que sustentam relações abusivas, as meninas tenham acesso a espaços of icinas, campanhas, eventos e ações

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sexual. Investimento na capacitaçao
dos prof issionais envolvidos desde o
encaminhamento, a escuta das vítimas
e o acolhimento até os processos le-
gais se conf igurarem, é de extrema re-
levância para que essa fase da preven-
ção aconteça. O sistema de garantia de
direitos é composto de um conjunto
de órgãos responsáveis por garantir
a promoção, a defesa e o controle na
implementação das leis de proteção
a crianças e adolescentes. Entre eles,
encontram-se os Conselhos Tutelares,
as delegacias especializadas em crimes
contra crianças e adolescentes, o Mi-
nistério Público, as Varas da Infância e
da Juventude, a Defensoria Pública e os
Os papéis sociais atribuídos à mulher como figura amorosa, frágil, afetiva e cuidadora camuflam a Centros de Defesa. Considerando que
violência, de modo que passa a não ser percebida como agressora se trata de uma temática extremamen-
te delicada e penosa para crianças e
que informem a comunidade sobre após a violência sexual ter acontecido. adolescentes, a humanização dos ser-
como detectar, denunciar as suspei- Envolve estratégias de atendimento e viços de atendimento deve ser um cui-
tas e proteger crianças e adolescentes. encaminhamento, atuando nas conse- dado constante. Também faz parte das
Assim, essas iniciativas visam elimi- quências a curto prazo geradas pela estratégias de prevenção secundária a
nar, ou pelo menos reduzir, os fatores violência. Também é considerada ação criação do Disque-Denúncia 100, ser-
sociais, culturais e ambientais que fa- de prevenção secundária a formação viço nacional que integra os vários sis-
vorecem esse tipo de maus-tratos. Em de prof issionais para detectarem, por temas estaduais e locais de notif icação
um sentido mais amplo, a garantia da meio do comportamento atípico infan- de todas as violações contra crianças
implementação de políticas sociais til ou adolescente, sinais que, mesmo e adolescentes e que revolucionou o
básicas, acesso às políticas públicas sem marcas físicas aparentes, sugerem processo de denúncias anônimas. Por
de garantia de saúde e educação, en- a suspeita de ocorrência da violência f im, prevenção terciária tem o objetivo
tre as quais se destacam as atividades de acompanhar integralmente a vítima
educativas e de caráter informativo e, se possível, o agressor. Conf igura-
geral dirigidas a toda a população, es-
É preciso entender -se na resposta a longo prazo após a
pecialmente aos familiares, à comuni-
dade escolar e às igrejas de todos os
o impacto do violência sexual ter ocorrido. Seu foco
são as demandas advindas da vitimi-
credos, entre outros grupos da socie- empoderamento das zação, que envolvem atendimento psi-
dade civil, são ações fundamentais da cológico, acompanhamento da família
prevenção primária. É essencial citar meninas nos espaços e a oferta de tratamento especializado
que a elaboração de campanhas com aos autores de violência sexual, a f im
bom conteúdo, a f im de superar mitos
educativos. É através de minimizar a possibilidade de reinci-
e desmitif icar os tabus sobre o tema,
além de alertar sobre causas e conse-
do empoderamento dência. Também os aspectos legais de
responsabilização do autor de violên-
quências desse tipo de violência, pode pessoal que diversas cia são pauta desse tipo de prevenção,
despertar a conscientização sobre o o que contribui para quebrar o ciclo
tema e incentivar a comunidade a re- mulheres estão de impunidade e, consequentemente,
alizar a denúncia de forma precoce.
Por f im, e de suma importância, a edu-
vencendo barreiras para a redução do abuso e da explora-
ção sexual. A reformulação, atualiza-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

cação sexual aparece como estratégia impostas pelos ção e proposição de leis mais severas
podem completar o ciclo do enfrenta-
de prevenção primária. Já a prevenção
secundária prevê resposta imediata padrões sociais mento da violência sexual.

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lando valores e conceitos. A família,
mesmo que não dialogue abertamente
sobre sexualidade, é quem dá as pri-
meiras noções sobre o que é adequado
ou não acerca desse assunto por meio
de gestos, expressões, recomendações
e proibições. Isso também acontece na
escola: estando ou não explicitamente
no currículo escolar, a educação sexual
acontece, seja nos rabiscos nas portas
dos banheiros, nas músicas e vídeos
que rodam nos celulares das alunas e
alunos, nas relações cotidianas desse
espaço, nas notícias que chegam até
a sala de aula, na homofobia que um
aluno gay sofre por não se encaixar
nos valores da masculinidade vigente.
A vida pulsa, a sexualidade também.
Como essa educação sexual já está,
A violência sexual, na maioria dos casos, é uma questão de poder, a partir de relações mesmo que implicitamente, a ser de-
assimétricas entre os gêneros sempenhada, assume-se a importância
da sua abordagem explícita tanto no
c oMo a educação sexual se insere
nesse processo?
É fundamental que ambiente familiar como nos currículos
escolares e outros espaços educativos.
Caroline: Embora seja comum achar meninas tenham Família e educadoras(es) que lidam e
que educação sexual é uma disciplina atuam com crianças têm um desaf io
formal reservada apenas aos espaços acesso a espaços que as ainda maior. Como é recorrente que a
escolares, a verdade é que seu concei-
to é muito mais amplo. A educação
ensinem a desconstruir educação sexual explícita e planejada
esteja vinculada a conteúdos de bio-
sexual pode ser entendida como um o estereótipo da logia para adolescentes, se pressupõe
que seria apenas nessa fase da vida que
conjunto de valores e informações re-
ferentes à sexualidade, transmitidos feminilidade submissa e esse tipo de conhecimento é necessá-
por diversos elementos sociais: famí- rio. O resultado disso é a ausência de
lia, escola, amigos, religião e percorre docilizada, entendendo conteúdos de sexualidade nos currícu-
toda a vida, contando ainda com a in-
f luência cultural do contexto em que o
que elas não precisam los de educação infantil e séries ini-
ciais do ensino fundamental. Tão cedo
indivíduo está inserido. Essas concep- se adequar a quanto possível, crianças precisam da
ções sexuais ainda recebem o reforço informação e das ferramentas para
da mídia e do núcleo social, e nos per- nenhum padrão de identif icar as situações do cotidiano
mitem incorporar valores, símbolos, e ter informações para fazer escolhas,
preconceitos e ideologias. Sendo a se- comportamento, beleza buscar ajuda e selecionar valores cons-
xualidade um componente individual
e social que encontra várias formas de
e projeto de vida truídos a partir da ref lexão, na relação
com o outro e consigo mesmas. Embo-
expressão desde o nascimento do indi- ra o senso comum sugira que a educa-
víduo até sua morte, a educação sexual as outras vivências da pessoa. Assim, ção sexual intencional precoce conduz
também é um processo contínuo, que a educação sexual acontece mesmo ou estimula a experimentação sexual,
vai do começo da vida até seu desfe- que nenhum diálogo seja tecido sobre o Populations Reports, uma publicação
cho. Essa educação sexual faz parte do a sexualidade. O silêncio e a repressão do Johns Hopkins Hospital, divulgou
processo educativo global. Af inal, não também educam. Todas e todos nós um estudo que aponta uma análise en-
é possível colocar a sexualidade em estamos construindo noções sobre comendada pela OMS de mais de mil
um departamento separado de todas sexualidade a todo momento, formu- relatórios de programas de orientação

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sexual em todo o mundo. Neste do- do que as crianças que não tiveram Muitos acreditam
cumento, os autores concluíram que informação sobre o assunto. É eviden-
a informação e formação em assuntos te que para assumir e concretizar os que defender direitos
sexuais não conduzem ao sexo precoce temas de educação sexual no currícu-
e, em alguns casos, até o adiam. Vários lo escolar é de fundamental importân- femininos é defender
documentos of icias ratif icam a impor-
tância da educação sexual planejada
cia que as/os prof issionais se capaci-
tem para tal, analisando, debatendo e
que homens percam
e intencional desde a primeira infân- aprofundando as questões relaciona- seus direitos, mas
cia. A promoção de espaços que pri- das à sexualidade de maneira geral,
vilegiem o desenvolvimento de noções estendendo essas discussões para toda isso não é verdade.
acerca da sexualidade desde a educa- a comunidade escolar, de modo que a
ção infantil é urgente. Primeiro porque família também tenha a oportunidade A reivindicação é
o direito à informação e a uma edu-
cação que garanta o desenvolvimento
de reformular conceitos e entender a
educação sexual sob uma perspectiva
que elas também
integral da criança está previsto no positiva e necessária. sejam respeitadas
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo porque essa mesma educa- P rocede a informação de que a maio - e tenham acesso a
ção sexual explícita e planejada causa
oportunidades para
ria dos casos de violência sexual
grande impacto na prevenção da vio- ocorre no ambiente familiar ?
lência sexual. A importância da edu-
cação sexual no enfrentamento da vio-
Caroline: Em torno de 70% das de-
núncias de violência sexual envolvem
um futuro saudável
lência sexual é evidenciada em muitas ambiente intrafamiliar, ou seja, são e sem violências
pesquisas estadunidenses e latinas. casos cujos autores da violência são
Os estudos apontam que crianças padrastos, pais, parentes ou pessoas ciamento das escolas ou outros espa-
expostas a informações de qualidade em que as crianças conf iam e com as ços educativos. O diálogo de qualida-
sobre sexualidade, corpo e relações quais tem algum vínculo de responsa- de, com prof issionais bem preparados
humanas além de demonstrarem sen- bilidade e afeto. Se a educação sexual e materiais didáticos adequados, é o
timentos positivos sobre seu corpo e f icasse reservada à esfera familiar, caminho para a proteção da infância
autoimagem apresentaram seis vezes como essas crianças teriam acesso à e da juventude. Importante lembrar
mais probabilidade de terem compor- informação que poderá protegê-las que, a despeito desse movimento con-
tamento de proteção em situações si- dos abusos? Prevenção de violência servador, nossa Constituição, Estatuto
muladas de potencial violência sexual sexual não acontece a partir do silen- da Criança e do Adolescente e tantos
outros dispositivos legais e conven-
ções internacionais reaf irmam que a
inclusão de temas de educação sexual
no currículo é direito das crianças e
adolescentes de ampliar os seus refe-
renciais a partir de concepções diver-
sas e científ icas, todas necessárias ao
pleno exercício da autonomia indivi-
dual e da cidadania. Por f im, é hora de
arregaçar as mangas e promover, com
urgência, espaços de diálogo e ref le-
xão por meio de educação sexual in-
tencional, inserida no currículo esco-
lar, numa perspectiva emancipatória e
entendida como um direito fundamen-
tal para o desenvolvimento pleno de
uma criança sexuada, completa, com
Falar sobre gênero nos espaços educativos é urgente e significa questionar as assimetrias de poder necessidades e curiosidades sobre a
presentes em todas as relações de nossa sociedade vida, o mundo e sobre si mesma.

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in foco por Michele Müller

A capacidade
do perdão
DA MESMA
FORMA COMO
DEVEMOS
OBEDECER AS
NECESSIDADES
DO CORPO
ENFERMO,
TEMOS QUE
RESPEITAR O
TEMPO E O
PROCESSO DA
MÁGOA EM
DIREÇÃO DE
PERDOAR O
OUTRO E A
SI MESMO
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

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E
m Portugal, a parte do cor- ESTAR DISPOSTO riscos de tombos, andando em dire-
po machucada está “magoa- ção ao perdão. Ou à compaixão, se a
da”. Aprendi isso na prática,
A PERDOAR NÃO palavra parecer mais adequada, uma
quando, enganada pelo pe- SE TRATA MAIS vez que é resultado da capacidade de
núltimo degrau de uma escada, que olhar para o outro, de olhar por cima
DE UMA DECISÃO.
aparentava ser o último, caí, torci da própria dor, sem a necessidade de
o pé e fui acudida por uma senhora O PERDÃO NÃO esquecê-la, conforme coloca o f ilóso-
que perguntou se ele estava magoa- AFASTA A FERIDA, fo David Whyte no livro Consolações: 
do. Meus próprios sentidos haviam “É a parte ferida, marcada e jamais
me iludido – nesse caso, minha visão MAS LEVA A ignorada que faz do perdão um ato
pouco conf iável –, mas a escadaria do UMA RELEITURA não de esquecimento, mas de com-
metrô passou a representar perigo e paixão. Perdoar é assumir uma iden-
levei muito tempo para voltar a des- DA SUA RELAÇÃO tidade maior que a da pessoa que foi
cê-la correndo.  COM ELA, ferida, é amadurecer e poder abraçar
No Brasil usamos mágoa somente não apenas a parte af ligida do pró-
para af lições psicológicas, mas em-
COLOCANDO-O prio ser, como as memórias cauteri-
prestamos outras palavras do universo MAIS PRÓXIMO À zadas pelo golpe original e, de forma
f isiológico, como feridas, machucados virtuosa, estender a compreensivida-
FONTE DA DOR
ou cicatrizes, para descrever a dor no de àquele que o entregou.”
coração. Af inal, o processo é o mes- automática e egocêntrica: diante da O perdão, complementa, não afas-
mo: existe a dor, a busca por alívio, a ameaça, o sistema nervoso faz uma ta a ferida, mas leva a uma releitura
proteção, o medo e a cura. É dessa úl- série de movimentos inconscientes da sua relação com ela, colocando-o
tima etapa que nasce o perdão. Com que protegem – e isso não inclui en- mais próximo à fonte da dor. Estra-
o pé doendo, ainda muito magoado, tender como o outro está se sentindo. nhamente, ele nunca surge da parte
forçar-se a retirar a mão do corrimão Nessa fase, lembra a psicóloga budista que estava atingida. “Essa parte é
e encarar os degraus com conf iança Tara Brach, em uma meditação sobre possível que nunca possa ou real-
seria um desrespeito ao próprio corpo. o tema, simplesmente não é possível mente não deva esquecer, pois, as-
Estar disposto a perdoar, nem que enxergar o cenário amplo. “A capaci- sim como os fundamentos do sistema
seja pelo próprio bem-estar, parece dade de empatia é ‘desligada’ por um imunológico do organismo, nossas
simples quando você acredita que é tempo. E é muito importante reco- defesas psicológicas precisam ter me-
uma boa pessoa, compreensiva e em- nhecer que existe um período em que mória e se organizar contra futuros
pática. Até quem é ferido de uma for- não se deve mesmo ser compassível: ataques.” Essa organização se soma
ma estranhamente profunda precisa deve-se cuidar de si, pois ainda não à sua identidade, lhe entrega novas
ressignif icar a palavra perdão. Não se há recursos para perdoar.” A reação perspectivas, novas formas de sentir,
trata mais de uma decisão. Esquecer límbica, ela lembra, tem sua própria se relacionar, se entender e entender
ou passar por cima também não são inteligência, mas, depois de cum- os outros. Nessas transformações,
possibilidades e, se fossem, não seriam prir sua função, precisa dar espaço muito se ganha, muito se perde. Mas
escolhas sensatas: a mágoa e sua rela- para que se possa continuar evoluin- todos os caminhos que levam a uma
ção com a verdade são estradas sem do. Cuidar de si, portanto, não sig- versão fortalecida de si mesmo pas-
retorno e você sabe que precisa atra- nif ica se entregar à desesperança e à sam pelo perdão.
vessá-las e deixar se transformar por inatividade: o corpo magoado precisa
elas. Deve tratá-la da mesma forma ser reeducado a partir do movimento, Referência:
como obedece às necessidades do cor- por mais incômodo que seja; o cora- Bergen, B.; Liu, N. When do language
comprehenders mentally simulate locations?
po enfermo: segurando no corrimão, ção segue a mesma indicação e, à me- Cognitive Linguistics, v. 27, n. 2, p. 181-203,
andando devagar e cuidando da parte dida que se fortalece, volta a assumir
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

2016.
machucada por respeito a si próprio.
Nesse processo, não há muito
Michele Müller é jornalista, pesquisadora, especialista em Neurociências,
espaço para empatia. Em um nível Neuropsicologia Educacional e Ciências da Educação. Pesquisa e aplica
biológico básico, um organismo in- estratégias para o desenvolvimento da linguagem. Seus projetos e textos
timidado se contrai, se fecha, em estão reunidos no site www.michelemuller.com.br
uma reação de fuga ou luta que é

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psicopositiva Por Flora Victoria

AÇÕES virtuosas e filantropia


COMO DIVERSAS FORMAS DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SÃO
CAPAZES DE PAVIMENTAR UM CAMINHO PODEROSO DE
FLORESCIMENTO DO INDIVÍDUO E DA SUA COMUNIDADE

P
ara alcançarmos uma vida aproveitam suas forças e permitem e que, por isso mesmo, são capazes
mais feliz em sociedade, di- que você perca a autoconsciência e de elevar os nossos níveis habituais
versos estudos psicológicos merg ulhe no que está fazendo. de felicidade, saúde e bem-estar.
examinaram como ajudar o Nos tempos presentes, os motivos Para tanto, diversos tipos de doa-
próximo é capaz de afetar o nosso principais para o envolvimento em ção são possíveis – tempo, trabalho,
bem-estar. Existe uma correlação ações f ilantrópicas são a proteção e a atenção, conhecimento e, claro, re-
entre os benef ícios aproveitados por crença na necessidade de tomar res- cursos materiais.
quem recebe ações f ilantrópicas e, ponsabilidade social pelo bem-estar Em um trabalho intitulado “Gas-
de modo correspondente, aqueles comunitário da sociedade. Esse tipo tos pró-sociais e felicidade”, as psicó-
recebidos por quem age de modo de ação social, portanto, representa logas Elizabeth Dunn e Lara Aknin,
generoso e altruísta. uma ponte entre preocupações indi- juntamente com Michael Norton, da
A origem etimológica da palavra viduais e coletivas. É um caminho Harvard Business School, encontra-
“f ilantropia” é o termo grego philan- para que as pessoas conectem seus ram uma relação positiva consisten-
tropia, que signif ica “amor à huma- interesses aos dos outros, liguem-se te entre os chamados gastos “pró-
nidade”. Esse comportamento faz a suas comunidades e envolvam-se -sociais” e o bem-estar. Realizada
parte da história humana, uma vez com a sociedade em maior escala, em 136 países, com níveis de rique-
que a cooperação social em larga sempre por meio de iniciativas de in- za e contextos culturais diversos, a
escala foi o que permitiu que os gru- divíduos e grupos para os quais esse pesquisa revelou que indivíduos que
pos humanos prosperassem e che- envolvimento não é obrigatório. recentemente haviam feito doações
gássemos ao estágio evolutivo atual. Alinhado a isso, o modelo de a instituições de caridade relataram
Nesse contexto, a motivação ação e bem-estar da Psicologia Po- maior bem-estar subjetivo, mesmo
para o altruísmo e a f ilantropia são sitiva apresenta implicações ricas considerando diferenças individuais
as chamadas “ações virtuosas”, que, para a teoria f ilantrópica. O dr. de renda.
à luz da f ilosof ia aristotélica, podem Martin Seligman, “pai” da Psicolo- No nível psicológico, os pesqui-
ser sucintamente explicadas como gia Positiva, invoca essas conexões sadores pontuam que a doação vo-
atividades conscientes e voluntárias com frequência, a ponto de def inir a luntária de recursos f inanceiros tem
que visam um bem maior e que ex- sua área de estudos como uma ten- ligação com a teoria da autodeter-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ACERVO PESSOAL

pressam a excelência humana. Ações tativa de mover a Psicologia do ego- minação, desenvolvida por Edward
virtuosas são comumente def inidas cêntrico para o f ilantrópico. L. Deci e Richard M. Ryan. Seg un-
pela literatura da Psicologia Positiva Essa é a essência da contribuição do essa teoria, o bem-estar humano
como gratif icações, excelências ou que def ine os objetivos altruístas – depende da satisfação de três ne-
atividades de f low (f luxo), aquelas cujos benef ícios se estendem, tam- cessidades básicas: relacionamento,
que envolvem você completamente, bém, a toda uma cadeia de pessoas, competência e autonomia, as quais

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O BEM-ESTAR de. Para o dr. Isaac Prilleltensky, da De muitas maneiras, trabalhando
Universidade de Miami, a própria isolada ou coletivamente, as pessoas
COMUNITÁRIO def inição de bem-estar engloba um são capazes de atuar em prol da hu-
PODE SER estado positivo de relações, nutrido manidade. Mas como você pode co-
pela satisfação simultânea e equili- locar isso em prática? Os caminhos
ALCANÇADO POR brada de diversas necessidades nas são vários. O envolvimento f ilantró-
MEIO DAS CHAMADAS esferas pessoal, relacional e cole- pico pode assumir a forma de parti-
tiva da vida de uma pessoa. Dessa cipação em trabalho voluntário, gru-
AÇÕES VIRTUOSAS
forma, ele propõe em seu trabalho pos comunitários e organizações de
ABORDADAS PELA uma mudança de paradigma que dê bairro, ativismo social e movimentos
PSICOLOGIA POSITIVA às abordagens baseadas em forças, políticos, tendo como objetivo maior
prevenção, empoderamento e co- o bem-estar conjunto e cidadão.
emergem quando as pessoas se co- munidade mais destaque, visando Atividades como essas são oportu-
nectam com os outros por meio dos impactar positivamente áreas como nidades de abordar e agir sobre pro-
gastos pró-sociais, veem como suas saúde e justiça social. O enfoque é blemas locais e globais, considerando
ações generosas são capazes de fa- fazer avançar e progredir os indiví- que o poder da mudança e do f lores-
zer a diferença e sentem que suas duos e suas comunidades. cimento está em cada um de nós.
ações de caridade são escolhidas li-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ACERVO PESSOAL

vremente.
Por trás disso está também a
ideia de que o bem-estar de um in- Flora Victoria, presidente da SBCoaching Training, mestre em Psicologia Positiva
divíduo depende intrinsecamente do Aplicada pela Universidade da Pensilvânia, especialista em Psicologia Positiva aplicada ao
coaching. Autora de obras acadêmicas de referência, Ganhou o título de embaixadora
bem-estar dos seus relacionamentos
oficial da Felicidade no Brasil por Martin Seligman. É fundadora da SBCoaching Social.
e da comunidade em que ele resi-

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psicopedagogia por Maria Irene Maluf

Escola: ESCOLHA
fundamental
DA PRÉ-ESCOLA À UNIVERSIDADE, PARA ALCANÇAR O
SUCESSO PROFISSIONAL NÃO BASTA UM DIPLOMA NA PAREDE
COMO NOS TEMPOS DE NOSSOS AVÓS. HOJE É PRECISO
RENOVAR CONSTANTEMENTE CONHECIMENTOS E PRÁTICAS

E
m meio ao segundo semestre na pré-escola, muitos pais buscam, tecnologia, a formação acadêmica de
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

do ano, são abertas as matrí- nesta época do ano, orientações para qualidade é um fator decisivo para o
culas para o próximo ano le- fazer a opção de escola que melhor se acesso bem-sucedido às oportunida-
tivo em praticamente todas as adapte à educação acadêmica que de- des prof issionais, pessoais e sociais
escolas. Seja porque procuram uma sejam para seus f ilhos. das crianças e jovens adultos. Como
nova opção educacional, ou porque Nos dias de hoje, frente a um a constante atualização também é in-
está na hora da sua criança ingressar mundo globalizado e dependente da dispensável para atender as exigências

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do mercado de trabalho, uma boa for- o tipo de avaliação que será usada ao que olharão pelas crianças enquanto
mação acadêmica desde o início da longo do ano letivo pode evitar grandes estiverem longe delas.
escolarização torna-se indispensável e desagradáveis surpresas, pois escola Uma vez feita a primeira seleção, é
para iniciar e fundamentar todo esse e casa devem ter muitos pontos em co- importante que as crianças visitem o
importante percurso. mum no quesito disciplina. local, também, não para decidir onde
Inegavelmente há um valor enorme Uma escola situada em um local vão estudar, pois essa é uma respon-
colocado na educação e que não é ape- iluminado, arejado, arborizado e si- sabilidade que está longe de ser de-
nas f inanceiro. Envolvendo essa ques- lencioso pode ser um aspecto mui- las, mas para que seus pais observem
tão, pesam as aspirações paternas, a to favorável na hora da seleção, mas como se sentem no novo ambiente e
pressão social, a responsabilidade na não é o mais importante, pois, com o depois possam trocar ideias com os
formação das crianças, que inf luen- passar dos anos, essas características f ilhos sobre isso.
ciam na hora de tomar uma decisão frequentemente se modif icam e tam- Outra ordem prática deve ser levada
de tal porte. Uma seleção como essa bém há inf luência relativa no aprovei- em conta: o valor das mensalidades e a
exige muita ref lexão da família antes tamento pedagógico. distância de casa. Pode parecer pouco
da tomada de uma decisão que certa- para quem nunca manteve um filho na
mente terá sérios ref lexos no futuro da escola, mas o custo mensal total ultra-
criança e na dinâmica familiar.
HÁ UM VALOR passa o da mensalidade, pois há o uni-
A escolha em geral se inicia pelas ENORME COLOCADO forme, os livros, as despesas com pas-
indicações de parentes, de outros pais seios, entre outras coisas. Nem sempre
e de amigos que já passaram por essa
NA EDUCAÇÃO as famílias conseguem dar conta de tan-
fase tão importante para as famílias, QUE NÃO É APENAS tas despesas, e mudar a criança de escola
mas nada substitui uma visita – e até em meio ao ano letivo pode ser um des-
FINANCEIRO. PESAM
mais de uma – a algumas boas opções, gaste muito grande, em vários aspectos.
seja se tratando de ensino infantil ou AS ASPIRAÇÕES Para f inalizar, é fundamental que
de escolas de ensino médio. Af inal, a PATERNAS, A os pais procurem conversar entre si
escola é onde as crianças e os jovens sobre essa importante opção, de modo
vão viver boa parte de seu dia e, além PRESSÃO SOCIAL E A que seja do agrado de ambos, ou ao
da formação pedagógica de qualidade, RESPONSABILIDADE menos muito próximo daquilo que de-
é lá que a educação de valores será sejam para seu f ilho.
continuada em consonância com a que
NA FORMAÇÃO DAS Uma postura de segurança e f ir-
a família iniciou. E nesse ambiente a CRIANÇAS meza em relação a essa escolha fará
criança conquistará seu primeiro gru- com que a criança se sinta muito mais
po de amigos, e as experiências do dia Essas visitas à nova escola devem conf iante e se adapte melhor à escola.
a dia terão grande inf luência na sua preferencialmente ser feitas em horá- Vale ainda lembrar que é o aluno que
personalidade em formação. rios diferentes para se poder observar deve se adaptar à escola, pois, como na
Ao visitarem as escolas, muitas os alunos na entrada e na saída: essa é sociedade e no trabalho, há normas que
informações serão passadas aos pais, uma forma de saber como se sentem todos precisam aprender a respeitar e
mas é importante que estes já tenham naquele ambiente. que, diferentemente do que ocorre na
em mente alguns pontos a investigar, Conversar com outros pais, com família, não se permitem exceções.
que consideramos importantes, até alguns funcionários e procurar conhe- Assim, educar ganha a perspecti-
para poderem posteriormente compa- cer pessoalmente as professoras tran- va de formação de cidadãos que, usu-
rar e escolher mais adequadamente. quiliza a maioria dos familiares ansio- fruindo de boa educação acadêmica,
As informações devem ser inicial- sos, especialmente no caso de crianças se preparam permanentemente para
mente voltadas para a formação exi- pequenas, pois nesse contato poderão ser prof issionais de sucesso em qual-
gida dos prof issionais, como professo- estabelecer um vínculo com os adultos quer área que venham a escolher.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

res, coordenadores, entre outros.


É importante saber que tipo de apoio
Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e
e incentivo cada escola oferece para in- Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de
crementar a modernização do corpo Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É autora de artigos em 
docente e dos demais funcionários. Per- publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de 
especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br
guntar sobre as normas disciplinares e

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recursos humanos por João Oliveira

MODELO MENTAL
MUITO SE QUESTIONA SOBRE QUAL O MELHOR PERFIL
COMPORTAMENTAL PARA GERAR RESULTADOS POSITIVOS. O
CUIDADO COM O GERENCIAMENTO DO QUE SE PENSA IRÁ
REFLETIR EM EMOÇÕES MAIS ADEQUADAS À PRODUTIVIDADE

S
eja no ambiente prof issional mos e como respondemos. Com isso gera uma maior tranquilidade para o
ou pessoal, todos desejam ter já podemos destacar dois perf is de planejamento a longo prazo e etapas
sucesso no que fazem, mas pensamento recorrente e como isso para a realização dos projetos.
nem sempre é isso que ocor- pode ref letir negativamente ou não Quem está ou esteve submer-
re. Falhas, erros e fracassos podem no dia a dia: abundância e escassez. so em uma economia instável com
ser associados a uma imensa gama de Quem teve experiência de vida histórico de bruscas mudanças no
variáveis, que vão desde o ambiente dentro de uma base econômica está- cenário pode desenvolver um per-
externo (mercado, condições econô- vel pode estabelecer com facilidade f il voltado para a escassez, tornan-
micas, necessidades dos clientes) até um pensamento voltado para a abun- do dif ícil um planejamento sólido e
a atmosfera psicológica que envolve dância. Os recursos e custos podem tranquilo para longo prazo, criando
os agentes que praticam as ações. ser calculados com meses de antece- o imediatismo nas ações em busca
Sabemos que as palavras que dência sem muitas surpresas, o que de retorno rápido.
ecoam em nossas cabeças, o famoso O detalhe importante é que isso
self talk, são responsáveis pelo estado pode ser alterado de acordo com a
de ânimo. O monólogo interno é resul- A EXPERIÊNCIA vontade e esforço de cada um. No
tado de muitos fatores, como: memó- DE VIDA E A entanto, quem está dentro de um es-
rias marcantes, conteúdo absorvido, tado de ânimo por muito tempo –
interpretação dos estímulos externos INTERPRETAÇÃO em qualquer perf il possível – muitas
e reações a sintomas endógenos. Ou DELA SÃO vezes pensa que “é assim” ao invés
seja: também estamos à mercê de mui- de ter a consciência de que “está
tas possibilidades sobre as quais não
ESTRUTURAS assim”. Somos capazes de mudar e
temos, de fato, muito controle. FRASAIS QUE FICAM nos adaptar diante das demandas
Podemos destacar alguns aspec- cotidianas e com o gerenciamento
tos e como trabalhar – de dentro
RICOCHETEANDO interno podemos ir além. Basta, ini-
para fora – a busca pela excelência NA MENTE DE cialmente, reconhecer se existe essa
no nivelamento emocional. Não é fá- necessidade.
TODOS NÓS.
cil, mas pode se tornar natural com Qualquer um que esteja no mo-
PODEMOS DESTACAR
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL DO AUTOR

o passar do tempo. A experiência delo da escassez pode pensar que


de vida, seja ela qual for, e como foi DOIS PERFIS DE isso é uma perda de tempo, af inal
interpretada, é o maior provedor de ele exige resultados rápidos. Já os
estruturas frasais que f icam ricoche- PENSAMENTO que estão modelados na abundância
teando na mente de todos nós. As RECORRENTES: podem aceitar com facilidade a in-
trocas que fazemos com o grupo com clusão de alg umas práticas em sua
que nos comunicamos é a segunda
ABUNDÂNCIA E vida, como investimento na lapida-
variável mais importante: o que ouvi- ESCASSEZ ção e sua excelência.

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Podemos apresentar algumas di- como exemplo, é esse: “Todos os dias, pequena busca na internet que, com
cas de como direcionar o pensamen- sob todos os aspectos, eu vou cada vez certeza, irá encontrar uma centena de
to para o gerenciamento emocional. melhor!”. Palavras de controle: bus- textos e livros com exemplos de ativi-
Qualquer modelo existente pode ser que, todos os dias, novas palavras que dades para o cérebro.
melhorado e, uma vez que se descubra possam estar ligadas ao seu propósito São apenas dicas para começar
como isso possibilita melhores resul- prof issional ou pessoal. No mínimo um trabalho que, com certeza, não
tados, provavelmente as práticas serão dez novas palavras por dia, anote e terá f im. Não existe um modelo ou
incorporadas no dia a dia como parte incorpore em suas frases essas novas nível melhor que o outro, pois de-
das atividades essenciais: Meditação: palavras. Vá juntando as palavras ao pende de cada momento na vida e do
os melhores operadores do mercado longo dos dias e no f inal de semana ambiente onde estamos inseridos. No
f inanceiro possuem uma rotina quase revise tudo, palavra a palavra, e o sig- entanto, todos os modelos podem ser
religiosa de acordar muito cedo para nif icado de cada uma para você. Caso aprimorados. Se está pensando em
meia hora de meditação. Trata-se de tenha dif iculdade, faça uma busca na começar a se trabalhar, o momento
um alinhamento emocional antes de internet pelo processo Vitatransfor- é agora: não espere pelo próximo mi-
começar a atuar no ambiente de rápi- matio, pode ajudar. Neuróbica: exer- nuto. Descubra como a abundância e
das mudanças, onde a percepção deve cícios de neuróbica já são mais do a escassez podem fazer toda a dife-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL DO AUTOR

ser muito apurada. Mantra pessoal: que conhecidos. Caso isso seja uma rença nos resultados de vida prof is-
método criado pelo psicólogo francês novidade para você basta fazer uma sional e também pessoal.
Émile Coué e aprimorado nos últimos
anos. Absolutamente simples! Monte, O prof. dr. João Oliveira é doutor em Saúde Pública, psicólogo e diretor de Cursos
do Instituto de Psicologia Ser e Crescer (www.isec.psc.br). Entre seus livros estão:
de forma assertiva, um pequeno tex- Relacionamento em Crise: Perceba Quando os Problemas Começam. Tenha as Soluções!;
to de incentivo. Grave no seu próprio Jogos para Gestão de Pessoas: Maratona para o Desenvolvimento Organizacional; Mente
celular e escute várias vezes ao dia. Humana: Entenda Melhor a Psicologia da Vida; e Saiba Quem Está à sua Frente – Análise
Comportamental pelas Expressões Faciais e Corporais (Wak Editora).
O mantra criado pelo Coué, para ter

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CAPA

A importância
em ser
IMPORTANTE
Deixar marcas, ser notado, não passar em
branco, ser alguém especial... por que isso
é tão essencial e essa necessidade tem
crescido tanto numa sociedade que valoriza
até a ostentação da felicidade?
Por Carla Daniela P. Rodrigues

IMAGENS: SHUTTERSTOCK

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IMAGENS: SHUTTERSTOCK

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CAPA

A
mar e ser amado são O amor é o A criança quer chorar, gritar, expres-
necessidades inerentes sar livremente seus sentimentos e até sua
à humanidade, somos alimento da agressividade, mas precocemente é re-
seres sociáveis e, como alma. Amor é primida em seus atos, para ser apreciada
tais, temos o desejo de e amada. Ela deve se comportar para ser
pertencimento a um grupo e de compar- preenchimento, aceita e querida e assim pode ir apren-
tilhar amor. Necessidade essa que nasce,
fundamentalmente, na infância e nos
transbordamento, dendo a ter a necessidade de aprovação
externa sobre os seus comportamentos.
acompanha no decorrer da vida. alegria. Quando Ela percebe, ou sente, que existe um pa-
O amor é o alimento da alma. Amor estamos cheios drão para “acessar o amor do outro” e,
é preenchimento, transbordamento, cada vez que ela não consegue alcançar
alegria. Quando estamos cheios de de amor genuíno esse padrão em suas experiências, se sen-
amor genuíno e realmente consegui- te insegura e frustrada, dando início ao
mos nos amar, esse amor transborda
e realmente processo das neuroses.
e atinge o outro, assim como preen- conseguimos O amor deixa de ser algo entendido
che a vida e tudo que se faz! É o que como natural, inerente, incondicional,
dizem as escrituras sagradas em “amar
nos amar, esse para ser visto como algo a ser conquis-
o próximo como a ti mesmo”. Quan- amor transborda tado, ou seja, surge a necessidade de “se
do se pratica o amor, a vida se torna fazer amado”.
leve, colorida. Ele é o combustível da
e atinge o outro, Dessa forma, de acordo com essas
vida, o sentimento que dá sentido ao assim como primeiras experiências infantis e con-
que somos e ao que fazemos. Quem é forme as frustrações com estas vão cres-
cheio de amor genuíno, amor-próprio,
preenche a vida cendo, a autoestima vai diminuindo,
consegue amar o outro de forma in- criando-se uma lacuna entre o querer e
condicional. Ter amor ao que faz traz tar à infância para começar a entender o conseguir ser amado.
felicidade e uma sensação de paz e de esses processos. O amor-próprio diminui gradativa-
completude na vida. Segundo Freud, a criança ao nas- mente frente às inseguranças surgidas.
De acordo, porém, em como se cer se depara com uma sociedade neu- Sem amor-próprio o amor ao outro se
dão as primeiras experiências em com- rótica e vai se moldando aos poucos, torna um processo dificultoso, árduo.
partilhar amor, ainda na tenra infância, tornando-se mais e mais sensível a Sem o amor-próprio não há como se
outros sentimentos podem nascer e essa neurose. valorizar e o conhecimento de si mesmo
comprometer fundamentalmente a for-
ma como iremos ressignificar esse senti-
mento futuramente. Se essas experiên-
cias forem negativas, sentimentos como
frustração e baixa autoestima surgirão,
determinando os relacionamentos futu-
ros e a visão sobre o amor.
Talvez esse seja um caminho para
começarmos a entender, olhando para a
atual sociedade, os motivos pelos quais
as pessoas buscam incessantemente se-
rem notadas e admiradas, para se senti-
rem valorizadas e amadas. É preciso vol-

Carla Daniela P. Rodrigues é especialista


em Psicopedagogia e em Neuropsicologia.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

Terapeuta em distúrbios do desenvolvimento,


palestrante e professora no ensino superior,
pesquisadora em Neurociências
carladaniela_psico@hotmail.com A sensação de amar e ser amado é uma necessidade do ser humano, pois todos têm o desejo do
pertencimento a um grupo e de compartilhar amor

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passa a ser um referencial no “reconheci-
mento externo”. Se alguém diz que você
é bom, você se sente bom, e se diz que
não é bom, sente-se deprimido. A neces-
sidade de ser aprovado foi ensinada: se
não há reconhecimento, não há valor. In-
felizmente, esse sentimento pode acom-
panhar a pessoa no decorrer da sua vida.
Nesse processo, passa a “valer tudo”
para ganhar o olhar do outro, e a estraté-
gia mais utilizada é a busca pela atenção.
Chamar a atenção do outro passa a ser
a tentativa de preencher a lacuna que
surgiu lá trás. Quando amamos alguém
prestamos atenção nesse alguém, na-
turalmente. Então, o raciocínio inverso
passa a ser verdadeiro: quando alguém
está atento a nós, nos sentimos amados. O desejo de pertencimento a um grupo que nos traz felicidade nasce, fundamentalmente, na infância e nos
A lacuna está preenchida! acompanha ao longo da vida
Daí para frente, há alguns desdobra-
mentos que irão resultar em outros: o Quem é cheio de amor genuíno, amor-próprio,
amor verdadeiro e transcendental passa
a ser substituído por um “amor banali- consegue amar o outro de forma incondicional.
zado”. Todos se amam, mesmo que te- Ter amor ao que faz traz felicidade e uma
nham um relacionamento superficial, na
vida, nas redes sociais, porque a palavra sensação de paz e de completude na vida
“amor” perdeu o significado primário.
A lacuna do verdadeiro sentimento é pessoa pode se mostrar da forma como
substituída pela busca infinita pela aten- gostaria de ser e arrematar para si os tão
ção do outro. E na ânsia por essa atenção importantes olhares de aprovação que
usam-se as formas mais visíveis para a darão a falsa impressão de ser impor-
obtenção de olhares, holofotes e admira- tante, de ser amado.
ção: comportamento, fama, ostentação. Ao postar uma foto ostentando ale-
Tudo para ser admirado e desejado. gria, felicidade, sucesso, realização profis-
Entende-se então, assim, que a ne- sional e social e começar a receber likes e
cessidade de ser importante é o resul- comentários, o ego vai sendo massagea-
Ser notado
tado da falta de autoestima, tornando- do e inicia-se um vicioso ciclo de prazer,
Segundo autores como Allan e Barbara
-se uma busca de compensação para o Pease, a necessidade de se sentir no- que vai sendo realimentado, fazendo
vazio, a lacuna sentida na alma quando tado é muito mais forte do que as com que haja uma dependência e neces-
perdemos o amor-próprio e natural. necessidades fisiológicas humanas. E sidade cada vez maior desse ciclo.
esse sentimento de importância esta- Dessa forma, as pessoas vão crian-
Mundo das redes rá sempre relacionado a uma escala de do “máscaras de felicidade”, procurando

N esse contexto em que chamar a


atenção irá preencher um vazio
e trazer o sentimento de “plenitude” e
valores. São esses valores que ditam
como a pessoa se sentirá valorizada.
Se o dinheiro e o sucesso ocupam
transparecer, cada vez mais, algo que
muitas vezes não condiz com a sua rea-
lidade, mas que serve para alcançar os
os primeiros lugares da sua escala de
valorização, surge um cenário maravi- olhares, as curtidas e a aprovação.
valores ela só vai sentir-se realizada
lhoso que serve para mostrar ao mundo quando sucesso ou dinheiro lhe forem
Dentro de um contexto social em que
“que eu existo” da forma como eu quiser valores materiais são supervalorizados em
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

abundantes.
ser visto: a internet. detrimento aos valores morais e éticos,
As redes sociais proporcionam a é cada vez maior a ostentação no plano
vitrine para o mundo. Nela, qualquer material, principalmente por jovens e

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CAPA

A criança quer chorar, gritar, expressar A Universidade da Pensilvânia


(EUA) analisou 143 estudantes de 18
livremente seus sentimentos e até sua a 22 anos em três plataformas mais
agressividade, mas precocemente é reprimida populares (Facebook, Snapchat e Ins-
tagram) e chegou à conclusão de que
em seus atos para ser apreciada e amada. Ela quanto mais tempo esses jovens passa-
deve se comportar para ser aceita e querida vam junto às redes, mais probabilidade
apresentavam em relação a manifesta-
rem sentimentos e comportamentos
adolescentes, em busca de autoafirmação. fingindo-se, na maioria das vezes, ter um de tristeza, depressão e solidão.
Surgem os braggers, termo que em inglês estilo de vida que não é o real. Cria-se o Parece um paradoxo, uma vez que, ao
significa “fanfarrão”, mas que se refere “mito” da felicidade em cem por cento do inventar o Facebook, Mark Zuckerberg
àquele que se autopromove, o exibicio- tempo, a necessidade de se mostrar exube- propunha um espaço de liberdade e de
nista nas redes sociais. O verbo brag em rante em tempo integral, ostentando um conexão, um ponto de encontro para
inglês está ligado ao ato de se vangloriar. relacionamento perfeito, uma vida social amigos. Hoje, com mais de dois bilhões
Ser uma pessoa de sucesso financei- intensa, uma vida profissional de extremo de usuários ativos por mês, a plataforma,
ro, profissional e pessoal é o modelo de sucesso, uma vida financeira abundante. tal qual algumas outras, pode instigar
alguém bem-sucedido, perseguido por sentimentos negativos e prejudiciais à
milhares de pessoas que almejam a valo- A cultura do exibicionismo saúde psíquica.
rização e “ser notadas”.
Assim nasce a “cultura do exibicio-
nismo”, com uma superexposição virtual,
E studos atuais relacionam essa su-
perexposição às redes sociais a
distúrbios psicológicos.
Chega a ser irônico, diz Melissa
Hunt, líder da pesquisa. Porém, ao anali-
sar de perto o comportamento dos usuá-
rios, percebe-se que tudo faz sentido: há
muita comparação entre aquele usuário
Se as experiências forem
que está vendo a publicação e exposi-
negativas, sentimentos ção do outro com a sua própria vida. A
como baixa autoestima impressão que se tem é que a do outro é
surgirão, determinando sempre muito melhor do que a sua, esti-
relacionamentos futuros e a mulando o aparecimento de sentimentos
visão sobre o amor
de menos valia, incompetência e baixa
autoestima.
O psicólogo Ethan Kross, da Uni-
versidade de Michigan, aponta em seus
estudos que, quanto mais tempo conec-
tadas, mais insatisfeitas as pessoas ficam
com suas próprias vidas.
Uma outra pesquisa, realizada pela
Universidade Humboldt, em Berlim, en-
trevistou 357 universitários e descobriu
que o principal sentimento manifestado
em relação à vida virtual é a inveja. Uma
a cada cinco pessoas pesquisadas aponta
o Facebook como origem do sentimento
de inveja em sua vida.
Quase 30% dos jovens entrevistados
relataram sentir inveja ao ver posts sobre
viagens, atividades de lazer de amigos e
postagens vinculadas ao sucesso.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

Alguns usuários, mesmo se exibin-


do, se mostram chateados quando suas
postagens de ostentação não são notadas

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De acordo com para saber mais
as primeiras
experiências DOPAMINA, REDES SOCIAIS, VÍCIO E PRAZER
infantis e
conforme as
E studos atuais, como os da Global Web Index (2015), apontam que os
brasileiros passam cerca de 26 horas semanais em redes sociais. O nú-
mero vem aumentando, o que prova que existe um ciclo vicioso na utiliza-
ção das redes. Esse fenômeno é explicado neurologicamente. Quando nos
frustrações deparamos com um estímulo prazeroso, o sistema de recompensa cerebral,
com estas vão chamado núcleo accumbens, é ativado pela dopamina, um importante neu-
rotransmissor do sistema nervoso central (SNC), que é liberado nas situa-
crescendo, a ções de prazer. Nas redes, assim como no ato de fazer esportes, ou no ato
autoestima vai de jogar, comer chocolate, ouvir música, entre outras situações de prazer
que podem ser até mesmo ideias, o sistema de recompensa é ativado
diminuindo, através dos elogios, comentários, curtidas, fortalecendo um ciclo vicioso
criando-se uma de “prazer” liberado pela dopamina nessas áreas de recompensa do cérebro.
As redes sociais podem se tornar prejudiciais, como o uso das drogas, que
lacuna entre também liberam uma quantidade exorbitante de dopamina, fazendo com
o querer e o que o cérebro entenda a ação como algo que superestimula a área de re-
compensa. Além de
conseguir ser massagear o ego,
trazendo a sensação
amado de plenitude e va-
lorização, o acesso
como gostariam, aumentando ainda intenso às redes so-
mais um ciclo de disputa por curtidas e ciais ativa o sistema
por serem notados. de prazer das redes
Recentemente, o caso de uma jovem neurais, promoven-
consumida pela mídia social e necessida- do um bem-estar fí-
de de aprovação foi exposta, por ela mes- sico e mental nessa
ma, na rede social. prática.
Essena O’Neil, uma jovem aus- Fonte: http://i.imgur.
traliana de 18 anos, consagrada com/fu8gx78.jpg
como webcelebridade e com mais de
712.000 seguidores, abandonou as
redes sociais, revelando que sua vida seguidores não são amor”. A jovem sitivo, que tenha algo bom a oferecer
virtual era uma “fraude”, uma farsa. ainda relata que passou a adolescên- ao outro. Pessoas que foram muito
Antes de deixar as redes, a garota re- cia, desde os 12 anos, tentando se tor- depreciadas, machucadas, julgadas
solveu repostar suas fotos reeditando nar alguém importante, bonita e cool e podem “incorporar” comportamen-
as legendas, mostrando que a realida- que chegou a pesquisar medidas ide- tos negativos e rebeldes, que incluem
de era muito diferente da postagem ais de coxa e cintura de celebridades quebra de regras, comportamentos
virtual. Ela conta, por exemplo, em para se ajustar ao perfil. destrutivos, que acabam virando um
seus depoimentos sobre uma foto ciclo, baixando ainda mais a autoesti-
que tirou como modelo e do sacrifí- Falem mal, mas falem de mim ma, até que a pessoa só se reconheça
cio realizado para a barriga estar per-
feita: ficou sem comer o dia todo e
tirou mais de cem fotos para achar a
C hamar atenção a qualquer cus-
to pode significar, inclusive, ser
notado através de comportamentos
de forma negativa.
Num outro aspecto, para muitos,
quebrar regras faz com que pessoas co-
posição perfeita para expor sua barri- negativos. muns pareçam poderosas. É o que diz um
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

ga e estômago. Muitas vezes, a autoestima é tão estudo publicado no periódico Psycho-


Essena desabafa: “Nunca estive baixa que a própria pessoa duvida logical na Personality Science. Os entre-
tão miserável. Likes, visualizações e que possa ser apreciada por algo po- vistados na pesquisa, diante de várias

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CAPA

Sem amor-próprio
não há como
se valorizar, e o
conhecimento
de si mesmo
passa a ser um
referencial no
“reconhecimento
externo”. Se
alguém diz que
você é bom, você
se sente bom, e
Chamar a atenção do outro passa a ser a tentativa de preencher a lacuna que surgiu lá trás, às vezes até
mesmo na infância
se diz que não é
bom, sente-se
para saber mais deprimido
A NECESSIDADE PATOLÓGICA situações simuladas, demonstraram que
EM SER O CENTRO DAS ATENÇÕES consideravam pessoas que quebravam
regras e pessoas rebeldes mais poderosas
O transtorno da personalidade histriônica ocorre, geralmente, no início da vida
adulta e se caracteriza por um comportamento extremamente exibicionista
e dependente da aprovação alheia. O portador do transtorno apresenta baixa
do que as outras.
Nesse sentido, na busca incessante
pelo olhar do outro e por holofotes, vale
tolerância à frustração, entende que o universo gira ao seu redor, adora aplausos
chamar a atenção de todas as formas,
e holofotes. É capaz de entrar em depressão se perceber que não foi devida-
incluindo pelo lado negativo. Assim, in-
mente reconhecido. Nos relacionamentos, quer ser tratado como celebridade,
disciplina, rebeldia, vandalismo são, na
buscando sempre ser o centro das atenções, usando fala dramática, exageros
verdade, pedidos de atenção, de alguém
e preocupações com a aparência física. É al-
que quer gritar: “estou aqui, eu
tamente sugestionável e age muitas ve-
existo, quero ser notado, mas
zes de forma inadequada, sedutora e
provocadora. Estima-se que de
não tenho nada de bom a
1,5% a 3% da população tenham
oferecer”!
o transtorno, mais comum em Esse fenômeno ex-
mulheres. Algumas comorbida- plica alguns casos de
des a esse transtorno são: per- atos de indisciplina
sonalidade antissocial, borderline, em sala de aula, vanda-
narcisista, transtorno depressivo e lismo e rebeldia de crian-
distimia (um tipo de depressão, tris- ças, adolescentes e adultos
teza). Pessoas com esse transtorno são teatrais, que se sentiram um dia vítimas
dramáticas e expressam suas emoções de forma de abandono e desamor, viveram um
exagerada. Buscam constantemente a aprovação dos outros sobre o que fazem sentimento de rejeição, que perderam
o amor-próprio, a capacidade de con-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

e pensam, apresentam uma carência afetiva, crises de fúria e choro despropor-


cionais às situações que as desencadearam. O diagnóstico e o tratamento são fiar no outro e que encontram, nessas
elaborados mediante avaliação psiquiátrica. atitudes, uma forma de pedir ajuda e
alcançar a atenção do outro.

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Existe uma saída?
S im! Estudiosos e filósofos acredi-
tam nisso!
Um deles é a pesquisadora Brené
Brown, autora do livro A Coragem de
Ser Imperfeito.
Em seus estudos, Brown diz que
nascemos para a conexão com o outro,
mas no decorrer de nossos caminhos
essa conexão é rompida e o responsá-
vel por essa ruptura é o sentimento de
vergonha que carregamos em não nos
sentirmos suficientes (suficientemente
belos, suficientemente magros, suficien-
temente bem-sucedidos). Isso cria uma
sensação de vulnerabilidade que susten-
ta a vergonha e produz um ciclo infinito Ao inventar o Facebook, Zuckerberg pensou um espaço de liberdade, mas hoje instiga sentimentos
de vulnerabilidade diante do outro, das negativos e prejudiciais à saúde psíquica
situações da vida.
Estudando, porém, os depoimentos As redes sociais proporcionam a vitrine para
de seus entrevistados, para sua pesquisa
o mundo. Qualquer pessoa pode se mostrar
da forma como gostaria de ser e arrematar
os tão importantes olhares de aprovação que
darão a falsa impressão de ser importante
e tese, Brené Brown reparou que havia feições e vulnerabilidades e o resgate do
um grupo diferenciado, que acreditava amor-próprio, nos amando do jeito que
no seu senso de merecimento, no amor somos, nos trarão de volta aquele amor
e no poder da conexão. genuíno e transbordante.
Brown percebeu, então, que, para- O amor genuíno é um sentimento
Depressão juvenil doxalmente, o que diferenciava esse gru- tão forte, capaz de renascer nos solos
Elroy Boers, doutor em Psiquiatria pela po do outro era exatamente a aceitação mais áridos das nossas vidas. Ele renasce
Universidade de Montreal, foi líder de um
dessa vulnerabilidade diante da vida, do na disponibilidade em ser o primeiro a
estudo que relaciona a necessidade de
outro e a aceitação também de suas im- dizer eu te amo verdadeiramente, e não
ser notado e o tempo gasto em redes
sociais com o aumento da depressão
perfeições. Eles tinham coragem de ser da forma banalizada, a quem se ama real-
juvenil. Segundo o autor, o fator “com- vistos “nus” como realmente eram, acei- mente, em se doar por completo e em
paração” seria um dos desencadeadores tando-se acima de tudo, e isso lhes trazia investir tempo e qualidade nas relações.
do processo de depressão. “Redes so- de volta o sentimento de pertencimento. Ele renasce também e principalmen-
ciais são formas de mídia que expõem Assim, conseguiam ser felizes, plenos, te na capacidade de enxergar e aceitar
adolescentes a imagens de pessoas em aceitando suas falhas, imperfeições e nossas próprias fraquezas e resgatar o
situações de prosperidade, com estilos principalmente sua vulnerabilidade. amor-próprio. E é esse amor que vai nos
de vidas invejáveis”, diz Boers. Os ado- Através não só dos estudos de preencher totalmente, preencher aquela
lescentes encontram-se em fase de for-
Brown, mas de um olhar profundo sobre lacuna e transbordar pela vida afora.
mação emocional e social e podem ser
aquela “lacuna” do passado, da infância,
prejudicados por essa prática de compa- REFERÊNCIAS
ração e a necessidade de ser importante.
sobre a autoestima perdida, sobre a bus-
BROWN, Brené. A Coragem de Ser Imperfeito.
ca incansável pela atenção do outro, na
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

São Paulo: Editora Sextante, 2016.


ânsia por valorização e necessidade de FREUD, Sigmund. Neurose, Psicose,
sermos amados, podemos aprender que Perversão. Belo Horizonte: Editora
somente a aceitação das nossas imper- Autêntica, 2016.

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coaching por Júlio Furtado

ESFERAS de influência
COACHING DE VIDA PODE AJUDAR A PREENCHER
AS LACUNAS EM NOSSOS PLANOS MESTRES E ESCLARECER
O CAMINHO DE ONDE ESTAMOS E PARA ONDE
QUEREMOS IR. NÃO É PARA OS FRACOS DE CORAÇÃO

É
possível treinar a vida? É útil próprios motivos e objetivos e auxiliá- desviar do curso e está relacionada
ter alguém para dizer como -los a encontrar o melhor caminho para às nossas “esferas de influência”. A
viver a vida? Eu não sou ca- cada um. É um plano de ação que per- ideia por trás das esferas de influên-
paz de buscar o melhor ca- mite que você use suas habilidades para cia é que existem três possibilidades
minho sozinho? Essas são perguntas fazer as melhores escolhas, facilitando distintas que podemos atravessar nas
que muitas pessoas fazem a si mes- o crescimento pessoal e profissional. idas e vindas da vida: coisas que po-
mas quando se questionam a respei- Existem diversos temas e questões demos controlar, coisas que podemos
to da utilidade ou da importância de através dos quais precisamos transitar influenciar e coisas que não podemos
fazerem coaching, o que faz sentido, para fortalecer nossas escolhas e faci- influenciar, agora ou nunca.
dada a incompreensão geral do que litar o alcance de nossas metas. Uma Embora saibamos que não há nada
é o coaching de vida e, também, de questão essencial para que direcione- sob nosso absoluto controle, muitas
como acontece esse processo que ca- mos nossa vida de forma mais clara vezes há pelo menos uma variável so-
pacita os clientes a criarem uma vida e precisa é refletirmos sobre uma das bre a qual ainda temos controle direto
mais satisfatória. muitas ameaças que tendem a nos – nossas atitudes e comportamentos.
Segundo John Wooden, o sucesso Mesmo quando sob enorme pressão
vem de saber que você fez o melhor ou quando nos sentimos presos, sem-
para se tornar o melhor que é capaz EXISTEM TRÊS pre temos escolha. Essa escolha passa
de ser. O coaching não é terapia ou POSSIBILIDADES pela consciência sobre nossas crenças,
aconselhamento, que associa um que filtram a forma como percebemos
profissional de saúde mental a um
DISTINTAS a realidade. A nossa crença em espí-
cliente que busca orientação sobre o QUE PODEMOS ritos, por exemplo, filtra a maneira
bem-estar. Não é mentoria nem trei- como vemos e compreendemos certos
ATRAVESSAR: COISAS
namento, em que um profissional é acontecimentos. Estarmos conscientes
acompanhado por um profissional QUE PODEMOS disso e buscarmos outras oportunida-
mais experiente. É uma parceria entre CONTROLAR, COISAS des de leitura e interpretação nos ofe-
o coache e o cliente, projetada para recem maior possibilidade de controle
QUE PODEMOS
IMAGENS: FREEPIK E SHUTTERSTOCK E ACERVO PESSOAL

ajudar o segundo a explorar suas op- sobre nossas atitudes. O preço dessa
ções, focar em seus objetivos e criar INFLUENCIAR liberdade de escolha reside no desa-
um plano de ação personalizado. pego da necessidade de estarmos sem-
Coaches não dão aos seus clientes
E COISAS QUE pre certos. Não ter medo de encarar
uma lista de opções para escolher ou NÃO PODEMOS nossa falibilidade é libertador porque
um rigoroso conjunto de passos a se- nos permite mudar de perspectiva ao
guir, em vez disso eles pretendem aju-
INFLUENCIAR, analisar uma situação ou acontecimen-
dar seus clientes a descobrirem seus AGORA OU NUNCA to, o que flexibiliza nosso olhar para a

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realidade e nos permite ter maior con- crenças e atitudes dentro da teia social, morrer para nascer a planta, da mesma
trole de nosso comportamento. sob pena de sermos colocados à mar- forma que um conceito velho precisa
A segunda possibilidade que gem. As influências externas nos aju- morrer para dar lugar a um novo.
enfrentamos em nossa esfera de dam a construir a noção da realidade, A terceira e mais inquietante pos-
influência é a capacidade de influen- e esta é dinâmica, tem um movimento sibilidade colocada pela vida é o con-
ciar certos fatores que podemos dire- que resulta, inclusive, de alguns está- junto de coisas sobre o qual não te-
cionar para nossos interesses, mesmo gios de contradição ou de oposição de mos nenhum controle ou influência.
quando não podemos alterá-los com- crenças. Segundo Hegel, grande filóso- Essa é a maior dimensão que temos
pletamente. Por exemplo, embora não fo alemão do século XIX, a realidade é que encarar na vida, uma vez que a
possamos controlar as atitudes ou o construída por três “seres”: o ser em- maior parte do que acontece não está
comportamento dos outros, podemos -si, o ser fora-de-si e o ser para-si. Na sob nosso controle direto. O papel do
oferecer-lhes conselhos e orientações metodologia científica, esses três seres coaching, nesse caso, é ajudar a re-
ou fornecer provas para ajudá-los a costumam ser chamados de tese, an- conhecer e aceitar que há muito que
tomar decisões de nosso interesse. títese e síntese. Hegel criou a ideia da nós não podemos controlar e como
IMAGENS: FREEPIK E SHUTTERSTOCK E ACERVO PESSOAL

Abre-se, aqui, a necessidade de refle- dialética da vida, um movimento per- concentrar a energia naquilo que po-
tirmos sobre o ato de influenciar. manente. Dizia que uma semente deve demos, ao menos, influenciar.
Todos nós influenciamos e somos
influenciados em função de nossa na-
tureza gregária. Somos animais sociais Júlio Furtado é professor, palestrante e coach. É graduado em
Psicopedagogia, especialista em Gestalt-terapia e dinâmica de grupo.
e, como tais, não temos autonomia É mestre e doutor em Educação. É facilitador de grupos de desenvolvimento
existencial. Existimos em função de humano e autor de diversos livros. www.juliofurtado.com.br
outros e precisamos legitimar nossas

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livros Da Redação

Poder terapêutico Desenvolvimento Fronteiras da Psicologia


dos contos infantil saudável e da neurociência
(auxílio aos profissionais da área) (emocional e intelectual) (êxito e bem-estar físico)
A obra Cantos que Curam utiliza a Direcionado a pais e educadores Publicado pela primeira vez em 1995,
simplicidade da linguagem simbólica para ajudar as crianças no processo nos Estados Unidos, esse livro transfor-
para o desenvolvimento pessoal de de amadurecimento de sua inteligên- mou a maneira de pensar a inteligência.
forma lúdica, ética e leve. Sempre que cia emocional, o livro O Cérebro da Alterou práticas de educação e mudou o
se fala de contos, seja de fadas, ou em Criança traz um método brilhante que mundo dos negócios. Das fronteiras da
geral, há o pensamento de entreter e transforma as interações cotidianas Psicologia e da neurociência, a obra traz
divertir as crianças. Porém, essas his- em momentos valiosos. O cérebro do o conceito de “duas mentes” – a racional
tórias são mais que um instrumento de andar, que toma decisões e equilibra e a emocional – e explicou como, jun-
diversão. Elas são capazes de auxiliar as emoções, continua em construção tas, elas moldam nosso destino. Segun-
no desenvolvimento humano. até os vinte e poucos anos de idade. E do o autor, a consciência das emoções
O livro reúne estudos, contos e ofi- especialmente em crianças pequenas, é fator essencial para o desenvolvimento
cinas de um grupo de especialistas para o cérebro direito e suas emoções ten- da inteligência do indivíduo. Partindo de
apresentar os significados e também as dem a ser dominantes sobre a lógica casos cotidianos, o livro mostra como a
mensagens que as histórias transmi- do cérebro esquerdo. Repleto de ex- incapacidade de lidar com as próprias
tem, tanto para a mente consciente plicações claras, estratégias adequadas emoções pode minar a experiência esco-
quanto para a inconsciente. Na medi- a cada idade para lidar com as dificul- lar, acabar com carreiras promissoras e
da em que as narrativas se desenrolam, dades do dia a dia e ilustrações que destruir vidas. O fracasso e a vitória não
dão espaço à consciência, mostrando ajudarão a explicar os conceitos às são determinados por algum tipo de lo-
os caminhos para satisfazer as neces- crianças, o livro mostra como cultivar teria genética: muitos dos circuitos cere-
sidades e os desejos, de acordo com as desenvolvimento emocional e intelec- brais da mente humana são maleáveis e
exigências do ego e superego. Ou seja, tual saudável para que elas possam le- podem ser trabalhados. Pais, professores
ocorre uma verdadeira transformação var vidas equilibradas, significativas e e líderes do mundo dos negócios senti-
interior, que acaba transcendendo so- conectadas. rão o valor dessa visão arrebatadora do
bre toda a vida do indivíduo. potencial humano.
O Cérebro da Criança
Contos que Curam Autores: Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson Inteligência Emocional
Autoras: Claudine Bernardes e Flávia Gama Editora: nVersos Autor: Daniel Goleman
Editora: Literare Books Páginas: 240 Editora: Objetiva
Páginas: 204 Páginas: 384

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Expectativa e ansiedade patológica
dossiê

DEIXA A VIDA
ME LEVAR?
Como os novos tempos estão nos fazendo confundir
expectativa com ansiedade patológica. Ambos os
sintomas têm como principal comorbidade a depressão
Por Fabiola Salustiano
SHUTTERSTOCK

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dd oo s s i ê

V
ocê já ouviu, leu ou falou PARA SABER MAIS
para si mesma(o) algo
desse tipo? Se já, eu pre-
ciso, por meio de com- SIGNIFICADO DO SÍMBOLO YIN YANG
provação científica, mostrar a você
que essa vertente de pensamento
(que está em voga com força total) U ma das demonstrações de como somos afetados pela dualidade é o signi-
ficado do símbolo Yin Yang. Ocidentais descrevem esse símbolo como se
representasse certo e errado, luz do bem e escuridão do mal, o que difere total-
vai contra a natureza humana. Afi-
nal, somos seres desejantes e a au- mente do real significado desse símbolo milenar. O conceito tradicional sustenta
sência do desejo nos adoece. que Yin e Yang representam a relação oposta mais básica de tudo. É a lei objetiva
E o que o desejo tem a ver com da natureza, a origem da mudança do movimento de todas as coisas e a lei básica
“expectativa”? Simples, são sinônimos. da compreensão humana das coisas. O conceito de Yin e Yang originou-se da
E por que “desejar, almejar, ansiar” visão natural do antigo povo chinês. Os antigos observavam vários fenômenos
são caraterísticas que passaram a ser vis- naturais opostos e conectados na natureza, como céu e terra, sol e lua, dia e noi-
te, frio e calor, homens e mulheres, para cima e para baixo etc., e foram resumidos
tas como “politicamente incorretas”?
de uma maneira filosófica. O conceito de Yin Yang fala sobre os opostos comple-
E por que ambicionar algo ou
mentares, a comunhão dos opostos e não o duelo ou a hegemonia.
criar grande expectativa ganharam
essa conotação ruim? Será que isso se
explica se observarmos as diferenças
entre as gerações? com o objetivo de não adoecer como empáticas que as da geração X, mas se
A geração X é provavelmente a que sua geração anterior fez. as ideologias dessa geração são tão fan-
mais engloba o público que está lendo Pensar em si mesmo é visto como tásticas por que eles são os mais adoeci-
este artigo, que são adultos entre 39 e “egoísmo”, sucesso tem que ser coleti- dos desde os Baby Boomers, que eram a
58 anos. Somos a geração que teve que vo e o bem-estar do todo vem antes do geração pós-guerra?
“absorver” o advento da internet e que próprio bem-estar. Apesar de toda liberdade de ex-
tinha como principais características Para que ganhar tanto dinheiro se pressão, a ansiedade teve suas vertentes
a ambição, o desejo por sucesso, in- não tem tempo para seus filhos? ampliadas na geração Y: vigorexia, or-
dependência financeira e crescimento Como posso consumir algo que torexia, lesões por repetição de exercí-
pessoal. Somos a geração que mistu- prejudica a camada de ozônio? cios, gordofobia, dismorfia corporal,
rou trabalho e prazer, que colocou de Por que toda minoria não pode ter além das boas e velhas ansiedades (ago-
vez a mulher no mercado de trabalho a mesma voz da maioria? rafobia, pânico, ansiedade social gene-
de forma eficaz e competitiva. Infeliz- Por que não podemos pensar da ralizada, entre outras).
mente, também somos a geração que mesma forma, tendo como objetivo Por que as ideias da geração Y eram
inaugurou o termo workaholic – vicia- erradicar preconceitos, guerras, desi- tão melhores que as nossas e seus resul-
do em trabalho. gualdades? tados estão sendo tão negativos? Por
Já a geração Y (entre 22 e 38 anos) Qualquer indivíduo que promova que o objetivo de esvaziar a mente a
se moldou com “outra pegada”, em que algo que afete o coletivo é um péssimo ponto de não gerar expectativa alguma
a individualidade dá lugar ao coleti- exemplar de ser humano e deve pagar sobre nada fez desta a geração mais an-
vo, com ideais pautados em diminuir por isso. siosa de todos os tempos?
cargas de estresse e deixar legados que Por esse recorte podemos levan- Uma outra hipótese não se relacio-
contribuam para um mundo melhor, tar a hipótese do porquê qualidades na com o duelo de gerações. Ela tem
que eram vistas como virtudes cami- início ainda na década de 1940, quan-
nham hoje para uma espécie de pur- do Suzuki Daisetsu publica, em inglês,
Fabiola Salustiano é psicóloga cognitivo- gatório social. a primeira obra sobre zen budismo a
-comportamental e da terapia do esquema, ser difundida no Ocidente (Zen and
socióloga, especialista em Sexologia pela Consenso? Japonese Culture, 1938). Muitos foram

O
Faculdade de Medicina do ABC-SP, neurocientista
com publicações pelo Laboratório de bservando essas duas gerações os adeptos americanos a se mudarem
Neurociências da PUC-Rio (Lanec), Ms em podemos chegar a algum con- para China, Tibete e Japão, em busca
Psicologia Social pela UCP RJ, docente em cursos senso de evolução entre uma e outra? da “boa nova”, que prometia o sonho
SHUTTERSTOCK

de pós-graduação e formação certified by


behavioral tech DBT / Seattle-USA. Se pensarmos teoricamente, sim. As de se viver em paz, exterminando as-
prioridades da geração Y são bem mais sim o estresse.

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Expectativa e ansiedade patológica
D. T. Suzuki (como era comu-
mente chamado) foi um famoso au-
tor japonês e o principal tradutor das
obras orientais do zen budismo para o
inglês. O mestre zen tinha como obje-
tivo partilhar com os ocidentais a arte
de não duelar, já que era sabido que
nossa cultura era pautada na dicotomia
e oposição (bem contra o mal, Deus
cristão e Demônio, monoteísmo, certo
e errado). Ele almejava propagar o zen
budismo, descrevendo a paz que os in-
divíduos poderiam encontrar se não ti-
vessem oposições em suas vidas, se não
tivessem mais necessidade de se prova-
rem “certos” ou “donos da verdade” e se
conseguissem que o foco de sua exis-
tência fosse promover o bem-estar pes- A geração X teve que “absorver” o advento da internet e tinha como características a ambição,
soal e comunitário, por meio de auto- independência financeira e crescimento pessoal
conhecimento, meditação e ampliação
de consciência e atenção plena. Anos Se misturarmos itens da filosofia zen budista
depois, o próprio Suzuki admitiu que
o Ocidente absorveu o zen budismo
com nossa cultura opositiva, nos deparamos
não como sua visão de mundo, como com um movimento no qual quem é zen está
os chineses, e sim como uma “filosofia
alternativa de vida”.
certo e quem não é zen ainda não evoluiu.
Então, se misturarmos alguns itens Com isso, temos uma corrida em busca da paz
da filosofia zen budista com nossa cul-
tura opositiva, nos deparamos com E será que viver bem está realmente ções geram reações corporais, ânsia e
um movimento no qual quem é zen relacionado a não gerar expectativas que desejo. Será que não podemos sentir
está certo e quem não é zen ainda não possam nos frustrar, abalando, assim, nenhuma dessas emoções? Será que
evoluiu. Com isso, temos uma corrida nosso equilíbrio? toda alteração emocional é patológica?
em busca da paz, do relaxamento, da A Monja Coen (zen budista, bra- Será que “só” nos estressamos quando
saúde e de tudo que nos deixe no con- sileira, ordenada monja em 1983) afir- algo ruim ocorre?
trole de nossas emoções, pensamentos ma que todos sentimos ansiedade, que A resposta é não! Nem toda desre-
e comportamentos. todos temos expectativas, e essas emo- gulação emocional é ruim, mas todas as
desregulações emocionais nos tiram do
“eixo” e é por isso que, no início desse
PARA SABER MAIS texto, citei que “zerar expectativas” não
é algo saudável.
AUMENTO NOS CASOS DE DEPRESSÃO Equilíbrio
O número de pessoas que vive com depressão aumentou 18% entre 2005 e
2015. É o que aponta um novo relatório global lançado em 2017 pela Organi-
zação Mundial da Saúde (OMS). De acordo com a publicação Depression and Other
T odos os animais, entre eles o Homo
sapiens, possuem um sistema que
trabalha o tempo todo para “conservar”
Common Mental Disorders: Global Health Estimates, há 322 milhões de pessoas o equilíbrio do seu organismo. O nome
vivendo com esse transtorno mental no mundo. A prevalência é maior entre as desse equilíbrio é “homeostase”. Esse
mulheres. O novo relatório global (disponível em inglês) mostra ainda que a de- sistema é poderoso e muitas vezes não
pressão atinge 5,8% da população brasileira (11.548.577). Já distúrbios relacionados recebe “ordens” conscientes e claras, afi-
SHUTTERSTOCK

à ansiedade afetam 9,3% (18.657.943) das pessoas que vivem no Brasil. nal ele tem que agir antes que algo possa
ameaçar a sobrevivência desse indivíduo.

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dossiê

Vamos citar um exemplo: você está


mexendo em roupas guardadas há muito
tempo e, de repente, leva uma picada na
ponta do dedo. Automaticamente seu
braço é puxado para trás, seu coração
acelera e sua respiração se intensifica, fa-
zendo com que fique ofegante. O que fez
você puxar o braço antes mesmo de sa-
ber o que lhe machucou foi esse sistema
de defesa. Nesse caso, foi acionada uma
resposta que partiu da medula espinhal,
antes mesmo da informação ser proces- Na geração Y, a individualidade dá lugar ao coletivo, com ideais de diminuir cargas de estresse e
sada no seu lobo pré-frontal (responsá- deixar legados que contribuam para um mundo melhor
vel por nossas funções executivas).
A boa notícia é que esse sistema lãs” em um primeiro momento e são global do seu corpo, você reage automa-
atua na promoção de nosso equilíbrio combatidas como tal, gerando estresse ticamente a qualquer estímulo novo. O
sem que tenhamos que pensar a respei- e reações físico-químicas. mesmo pode ocorrer com novos pen-
to disso. A má notícia é também que samentos e por aí vai. A regra é, sendo
esse sistema age na promoção de nosso Outro exemplo novo, “poft”, essa reação gera estresse e
equilíbrio sem que tenhamos que pen-
sar a respeito disso. Sim, tudo na vida
tem o lado bom e o ruim, e às vezes eles
S e você abrir a porta de casa, rece-
ber uma caixa grande e ao abri-la
se deparar com um cachorro fofo que
depois, quando finalmente a informação
for processada, poderá se eleger se foi
um estresse positivo ou negativo.
são iguais. tanto sonhou, as mesmas reações irão Se for uma situação que desenca-
Como a resposta a “qualquer” ocorrer, entre elas taquicardia, respira- deie um estresse positivo (ganhar um
desequilíbrio é automática e muitas ção alterada, e pode acontecer de você prêmio em dinheiro, por exemplo),
vezes inconsciente (não foi uma esco- deixar a caixa com o filhote cair no neurotransmissores trabalharão para
lha), todas as ocorrências que abalam chão, por quê? que o corpo entenda que apesar da ho-
esse equilíbrio são consideradas “vi- Porque na promoção da regulação meostase ter sido quebrada o organis-
mo não está em perigo.
“Doutora, estou salva! Só tenho es-
PARA SABER MAIS tresse positivo! Uhuuuuu.” Infelizmente,
não é assim. Vejamos o caso do torce-
AS NOVAS GERAÇÕES dor Aldo Darot. Ele faleceu de ataque

  GERAÇÕES - DESEJOS E SENTIMENTOS PERSPECTIVAS NO MUNDO


cardíaco logo após seu time, o Interna-
cional, fazer o gol da vitória contra o Co-
rinthians, pelo Campeonato Brasileiro
GERAÇÕES GERENCIAMENTO RELAÇÕES COM VAI ALCANCE DA de 2018. Darot estava no Estádio Beira-
DE TEMPO OS OUTROS MUDAR MUDANÇA
-Rio, em Porto Alegre, casa do seu time.
X Gerenciar Dono da Alcançar Transformar Alguém duvida que o estresse que Aldo
eficientemente minha própria meu a mim estava sentindo era o positivo (eustresse)?
individualidade sucesso mesmo Talvez seja por esse motivo que
muitos colocam a ansiedade em um
Y Viver os Pertenço Deixar Transformar
momentos aos meus o mundo o mundo ao mesmo pacote, já que emoções fortes,
sob demanda amigos melhor meu redor sejam elas boas ou ruins, podem se tor-
nar patológicas quando sua incidência é
Z Manter em Abraço a Liderar a Recriar o alta e se prolonga por grandes períodos.
mudança diversidade mudança mundo O relatório da Organização Mun-
constante
dial da Saúde (OMS) divulgou, em
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

ALFA Estar preparado Possuo Mudar Fundir com 2017, que o Brasil é o país mais ansioso
para “ser” uma autonomia o que foi o mundo e deprimido do mundo. Os dados são
orgânica herdado alarmantes. O suicídio é hoje a segunda

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Expectativa e ansiedade patológica
PARA SABER MAIS

ESTRESSE POSITIVO E NEGATIVO


  A nomenclatura científica dada ao estresse positivo é eustresse.
Já o estresse negativo é chamado de distresse.
EUSTRESSE DISTRESSE
O grande desejo
A expectativa é o estado ou qualida- Oferece recompensa visível Não tem previsão
de de esperar algo ou alguma coisa que de resultados desejáveis
seja viável ou provável que aconteça; um Une as pessoas Separa as pessoas
grande desejo ou ânsia por receber uma
notícia ou presenciar um acontecimento Permite que você cresça Limita
que sejam benéficos ou prósperos. e se desenvolva
A etiologia da palavra expectativa tem
Aumenta a Faz você se sentir mal
origem no latim medieval ex(s)pectativus, autoestima com você mesmo
a,um (documentado em latim medieval
no sentido gratia expectativa), derivado Termina com uma solução Desvia para novos
do radical ex(s)pectatum, supino do ver- problemas e conflitos
bo ex(s)pect�re, “estar na expectativa de,
Transforma-se em algo bom Transforma-se em algo mau
esperar, desejar, ter esperança”.
Depois de resolvido, É um beco sem saída
abre novas possibilidades

Resulta em ganhos Diminui os padrões pessoais

Gera otimismo Provoca negativismo e derrotismo


principal causa de morte de jovens en- Fonte: Barry Lenson, em seu livro Viva o Estresse.
tre 15 e 29 anos de idade. Esse número
nunca foi tão assustador. O principal sintoma da depres- de somos seres em eterna evolução.
Infelizmente a ansiedade, quan- são é a anedonia, ou seja, ausência Quanto tempo vamos levar para nos
do não tratada, tem como principal de prazer e desejo. O indivíduo dei- percebermos humanos?
comorbidade a depressão. Por isso, xa de sonhar, de querer, de esperar. A expectativa exacerbada pode,
temos que nos atentar aos sintomas Não há projeção de futuro, não há sim, se tornar uma ansiedade patológi-
do distresse. expectativas, o que faz com que não ca, assim como vimos ao longo deste
haja esperança. artigo. Mas, sem desejo, o que somos?
Vejo como algo preocupante esse Sem esperar por nada, quem é você?
Se for uma situação discurso de “erradicação das expecta- Encerro este texto com uma frase
de estresse positivo tivas”, no qual a paz suprema é procu- redigida há mais de 100 anos por um
rada “loucamente”. cidadão que era movido pelo desejo:
(ganhar um prêmio em Deparo-me com pessoas que al- “O sonho é a satisfação de que o
dinheiro, por exemplo), mejam a plenitude, quando na verda- desejo se realize”, Sigmund Freud.

neurotransmissores REFERÊNCIAS
A polêmica em torno do conceito de estresse. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex
trabalharão para que t&pid=S1414-98931999000300005

o corpo entenda que Conceito real do Yin Yang. https://baike.baidu.com/item/%E9%98%B4%E9%98%B3/88401


Morte de torcedor do Inter após time fazer o gol da vitória. https://www.folhavitoria.com.br/
apesar da homeostase esportes/noticia/05/2018/torcedor-do-inter-sofre-ataque-cardiaco-e-morre-durante-jogo-
contra-o-corinthians
ter sido quebrada
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

SHUNRYU, Suzuki. Mente Zen, Mente de Principiante. Editora Palas Athena, 2018.
o organismo não OMS. Relatório 2017 sobre liderança do Brasil em casos de ansiedade e depressão.
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5354:aumenta-o-
está em perigo numero-de-pessoas-com-depressao-no-mundo&Itemid=839

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dd oo s s i ê

É possível não ter


EXPECTATIVAS?
Criar altas expectativas sem levar em conta outros
cenários possíveis proporcionados pela vida ajudaria
as pessoas a modificar mais rapidamente estratégias
de ação e a superar frustração e desilusão
Por Maria Tereza Maldonado

N
ão criar expectativas é “como a vida deveria ser” ou “o que os mente, a paixão nos invade por com-
um conselho comumen- outros deveriam fazer”. Mas nem sem- pleto: mal conseguimos nos con-
te oferecido, sobretudo pre a vida e as outras pessoas seguem centrar no trabalho ou no estudo.
para quem está come- esse roteiro sonhado. Lembranças dos encontros recentes,
çando um relacionamento afetivo ou Quanto mais altas as expectati- imaginação vívida de cenas futuras,
iniciando a vida profissional vas, maior o risco de tudo terminar mergulho no estado de total encanta-
Isso é possível? Não! Mas é pos- em frustração, desilusão, decepção, mento, tudo gira ao redor do desejo de
sível tomar consciência dessas expec- raiva e revolta. Há pessoas que brigam estar juntos. Há pessoas que se viciam
tativas e ajustá-las, observando o que com a vida e até com Deus: “Eu não na paixão, sem conseguir sair dessa
a vida e os outros na realidade podem mereço isso”, “Por que nada dá certo etapa, que não costuma durar muito
nos oferecer. comigo?”, “Nada do que eu espero tempo, pois não resiste aos testes da
As expectativas brotam de nos- acontece”. As altas expectativas são realidade. No entra e sai dos relacio-
sos desejos e necessidades e colocam inatingíveis, são construídas com uma namentos apaixonados, sucedem-se
nosso olhar no futuro. A imaginação nuvem de esperança e de ilusão, de ciclos de entusiasmo e decepção, e um
dá corpo às expectativas: há pessoas pensamentos mágicos, sem raízes na grande vazio de amor.
que mergulham em devaneios, imagi- realidade prática. Há casos de “amor à primeira vis-
nando em detalhes o futuro sonhado, Ouvi de uma mulher amargurada ta” que resultam em relacionamentos
compartilhando a vida com uma pes- com o fim do relacionamento: “Eu es- duradouros e felizes. Mas, para isso, é
soa maravilhosa ou tendo uma car- perava que ele fosse tudo para mim: preciso evoluir do estado de paixão
reira de grande sucesso profissional. marido, irmão, amigo, companheiro para construir o amor. Muitos rela-
Nossos desejos criam um roteiro de de todas as horas”. Dá para algum ser cionamentos não se sustentam por-
humano preencher tantos buracos de que, ao vestir o outro com as nossas
carência afetiva? Querer que os ou- fantasias, mal conseguimos percebê-
Maria Tereza Maldonado é psicóloga e
professora de cursos on-line. É mestre em
tros ajam como gostaríamos é esperar -lo como realmente é. Ao projetar
Psicologia pela PUC-Rio, onde lecionou mais dos outros do que de nós mes- no outro a esperança de que vá satis-
no Departamento de Psicologia. Escritora, mos. Frustração na certa! fazer nossas necessidades de amor e
tem mais de 40 livros publicados sobre proteção, não percebemos quando a
relações familiares, desenvolvimento pessoal
e construção da felicidade e do bem-estar, A realidade pessoa não pode ou não está dispos-
com mais de um milhão de exemplares
J á conheci pessoas que viveram o ta a oferecer tudo o que desejamos.
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vendidos. Site: www.mtmaldonado.com.br chamado “amor à primeira vista”, Como diz a letra de Coração Leviano,
que, na verdade, é a paixão. Tipica- de Paulinho da Viola: “Ah, coração,

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Expectativa e ansiedade patológica
“Não crie expectativas!” é um conselho comumente oferecido, sobretudo para quem está começando um relacionamento afetivo ou a vida profissional

teu engano foi esperar por um bem de E quando a desilusão é muito in- Histórias vividas
um coração leviano que nunca será
de ninguém”.
As expectativas irreais nutrem o
tensa ou as decepções se sucedem, o
sofrimento é profundo e até desalen-
tador. Em Modinha, Tom Jobim con-
T iago, 8 anos, esperava ansiosa-
mente a visita de Miguel. Queria
propor uma brincadeira nova que ele
autoengano e podem resultar em ca- fessa: “Ai, não pode mais meu coração havia criado e imaginou que o amigo
minhos perigosos, como acontece nos viver assim dilacerado, acorrentado a ficaria entusiasmado. Porém, Miguel
casos de relacionamentos abusivos, uma ilusão que é só desilusão”. Desse não se interessou. Frustrado e aborre-
em que a pessoa se agarra à crença de modo, há quem se feche na solidão, cido, Tiago cruzou os braços, sentou-
que seu amor e dedicação poderão descrente da possibilidade de cons- -se no canto do sofá e anunciou que
mudar o outro. “Ele tem um tempe- truir uma boa parceria. não queria brincar de coisa alguma.
ramento forte, mas é ótima pessoa”, Mas a vida flui e, muitas vezes, nos Na gravidez do primeiro filho,
“quando a gente se casar ele vai ficar surpreende. Como descreve Johnny Ana desejava muito ter um parto nor-
mais calmo”. Com isso, os comporta- Alf em Céu e Mar: “Minha vida é uma mal. Para isso, preparou-se com cuida-
mentos violentos nos momentos de ilha pequenina flutuando no oceano do, buscou informações, frequentou
destempero emocional são tolerados na aventura de viver”. Modulando as um grupo de gestantes, treinou res-
e perdoados, na esperança de que haja expectativas e abrindo os canais da in- piração e relaxamento, escolheu um
uma mudança no futuro próximo. No tuição e da percepção sutil podemos obstetra adepto do parto humaniza-
entanto, é preciso ter muito cuidado acolher melhor o que a vida nos apre- do, contratou uma doula para acom-
com nossas escolhas: é fácil a gente se senta e deixar, ainda nas palavras des- panhá-la no processo. No entanto, o
SHUTTERSTOCK

iludir, achando que podemos trans- se compositor, “que o inesperado faça trabalho de parto não evoluiu bem e
formar quem não quer se modificar. uma surpresa”. foi preciso fazer uma cesárea. O bebê

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dossiê

Há pessoas que mergulham em devaneios,


imaginando em detalhes o futuro
sonhado compartilhando a vida com
uma pessoa maravilhosa ou tendo uma
carreira de grande sucesso profissional
nasceu bem, mas Ana ficou desapon- de conseguir um novo emprego, após Surpresas e imprevistos
tada e desabafou com a melhor amiga: o fechamento do escritório de con- “Nunca pensei que isso pudesse aconte-
“Saiu tudo errado, começou mal”. tabilidade no qual trabalhava. Como cer comigo!” é uma frase que revela uma
Tensa com a expectativa do pri- era muito apreciado por seu chefe, postura de ter como certo e garantido o
meiro encontro com Renato, com criou a expectativa de que consegui- que foi conquistado. No entanto, a vida
quem trocava mensagens por um apli- ria se recolocar no mercado de traba- nos surpreende e, algumas vezes, nos
cativo de relacionamentos, Inês ex- lho facilmente. A cada nova recusa, dá uma rasteira e nos joga no chão. Por
perimentou vários vestidos antes de sentia-se frustrado e desencorajado outro lado, há quem prefira criar expec-
se decidir pelo azul. Havia terminado de continuar tentando. tativas negativas: ao esperar pelo pior,
imagina que estará protegido de decep-
um longo namoro há quatro meses e O que há de comum entre Tiago,
ções, porque “tudo o que vier é lucro”.
ansiava por encontrar um homem ca- Ana, Inês e Pedro? No entanto, essa tática é um modo de
rinhoso, atencioso e trabalhador com Eles criaram altas expectativas construir sofrimento antecipado.
quem pudesse construir um relacio- sem levar em conta outros cenários
namento sério. Pelas conversas on- possíveis, o que os ajudaria a modi-
-line, Renato parecia preencher todos ficar mais rapidamente suas estraté-
os requisitos. Inês estava empolgada, gias de ação e a superar a frustração
descobrindo várias afinidades entre e a desilusão.
eles. O primeiro encontro foi mara-
vilhoso, mas não houve uma segunda Observações realistas com a frustração, não ficará estacio-
vez. Renato não voltou a ligar para
Inês nem respondeu as mensagens
que ela enviou.
O que eles podem fazer para
equilibrar as expectativas com
observações realistas e planejamen-
nado no sofrimento, que torna difícil
pensar em alternativas. Mesmo de-
sapontado, pensará: “E agora, o que
Pedro enviou seu currículo para to eficaz de suas ações? posso fazer de melhor?”. Ficará aberto
mais de dez empresas, na expectativa Tiago: ao aprender a lidar melhor às sugestões de Miguel, aceitará suas
ideias de brincadeiras, o que, prova-
velmente, tornará o amigo mais re-
ceptivo às suas sugestões. Com mais
“jogo de cintura”, aproveitará melhor
as oportunidades dos encontros com
os amigos.
Ana: o sonho que alimentou a
expectativa de ter um parto normal
a ajudou a se preparar para concre-
tizar seu desejo. Fez uma boa pre-
paração, escolheu os profissionais
que poderiam lhe prestar uma ótima
assistência. Porém, não deu a devida
importância à realidade de que o tra-
balho de parto, como muitas coisas
que acontecem na vida de todos nós,
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

é imprevisível. Não há como saber


Quanto mais altas as expectativas, maior o risco de tudo terminar em frustração, desilusão, ao certo como irá se desenrolar. O
decepção, raiva e revolta mais importante é que o bebê nasça

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Expectativa e ansiedade patológica
Há pessoas que se Nossos desejos
viciam na paixão,
mas, na realidade
criam um roteiro
dos relacionamentos,
sucedem-se ciclos
de “como a vida deveria
de entusiasmo e ser” ou “o que os outros
decepção, e um
grande vazio de amor deveriam fazer”.
Mas nem sempre
a vida e as outras
pessoas seguem
esse roteiro sonhado

sanais, poderá atuar como autônomo


para gerar renda.
A partir de nossas experiências
com nossos pais, construímos ex-
pectativas de como agiremos com
bem e que a mãe se recupere da me- dificuldade de conseguir emprego, nossos filhos: “Não quero ser tão
lhor forma possível. Se valorizasse o poderá criar algum tipo de trabalho rígido e autoritário como meu pai”;
parto possível como o melhor que como, por exemplo, oferecer consul- “Minha mãe não tinha a menor pa-
poderia acontecer, celebraria o nas- toria contábil presencial ou on-line ciência com a gente, gritava e batia,
cimento sem a sensação de que “deu para quem está abrindo uma micro- não vou fazer isso com meus filhos!”.
tudo errado”. empresa. Se tiver outro tipo de habi- Na realidade: “Eu me pego gritan-
Inês: ao renovar a esperança de lidade como, por exemplo, recorrer às do com eles do mesmo jeito que eu
encontrar um novo amor, em vez de receitas da avó para fazer doces arte- odiava em minha mãe!”.
mergulhar fundo nos devaneios ro-
mânticos, procurará observar com
mais cuidado o comportamento dos
pretendentes para avaliar melhor os
sinais de interesse ou desinteresse, e
 
PARA SABER MAIS

as contradições entre o que é dito e o A IDEALIZAÇÃO PROVOCA


que é feito. Afinal, de que adianta ou- PERDA DO FOCO NO PRESENTE
vir coisas do tipo “você é uma mulher
especial” se ele não liga, não marca um
novo encontro e ignora as mensagens
Q uando investimos muita energia na
idealização, perdemos o foco no pre-
sente, que é quando tudo acontece. Com
enviadas? Prestará atenção aos pilares
isso, deixamos de observar mais atentamen-
básicos da comunicação: palavra, ex-
te o contexto em que vivemos e as reais
pressão facial/corporal e ação. Quan-
características das pessoas com as quais
do esses pilares se desencontram, a
nos relacionamos. Além disso, dedicamos
palavra perde o valor. menos tempo e energia para investir no au-
Pedro: ao decidir analisar mais toconhecimento. O que esperamos dos ou-
a fundo o cenário econômico e os tros é viável? O que podemos proporcionar
elevados índices de desemprego no a nós mesmos, em vez de criar expectativas
país, perceberá que precisa ampliar de receber tantas coisas dos outros? Por
e diversificar suas estratégias para se
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

exemplo: “quero encontrar alguém que me


recolocar no mercado de trabalho, faça feliz” em vez de “o que posso fazer para
incluindo a possibilidade de buscar construir minha própria felicidade?”.
emprego em outra cidade. Diante da

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dossiê

do diante do filho real é um processo


doloroso para muitas mães e pais. É
preciso aceitar a realidade e buscar os
recursos necessários para lidar com
a situação de estimular o melhor de-
senvolvimento possível para a criança
com síndrome de Down, microcefalia
decorrente do vírus zika, paralisia ce-
rebral, ou a que se encontra no espec-
tro autista, entre outras questões.
Há pais que criam altas expec-
tativas em relação à vida dos filhos
adolescentes e jovens adultos e até
tentam influenciar suas escolhas sobre
profissão e namorados/as. A maioria
dos filhos não toma suas decisões de
Frequentemente, comportamentos violentos nos momentos de destempero são perdoados, na acordo com as expectativas dos pais:
esperança de que haja uma mudança no futuro próximo “Meu pai queria que eu trabalhasse
com ele no escritório de advocacia,
No caso dos filhos Ouvi de uma mulher mas isso não tem nada a ver comigo,

N o dia a dia com os filhos, muitas


expectativas simplesmente se
evaporam. O vínculo com cada filho
amargurada com o
fim do relacionamento:
quero trabalhar com produção de ví-
deos”; “O sonho da minha mãe é ser
avó, mas eu não quero ter filhos”. Criar
é único, manejos que funcionam com expectativas que não envolvem nossas
um não dão certo com o outro. Criar “Eu esperava que ele próprias ações é caminho certo para a
a expectativa de que ler muitos tex- fosse tudo para mim: frustração: ter netos depende de deci-
tos, ver vídeos de profissionais e par- sões dos filhos quererem (ou não) ter
ticipar de grupos on-line sobre como marido, irmão, amigo, filhos.
criar filhos vão garantir que sempre companheiro”. Dá
saberemos o que fazer resulta, no mí- O poder da escolha
para algum ser
nimo, em profunda perplexidade. Na
realidade, muitas vezes não saberemos
como agir e nada garante que o modo
humano preencher Q uando a escolha da profissão, a
orientação sexual e a decisão de
continuar um relacionamento amoro-
como criamos nossos filhos vai “dar tantos buracos de so não correspondem às expectativas
certo”. Até porque os pais não são as carência afetiva? dos pais, o desapontamento e a de-
únicas influências importantes: outros cepção predominam e até culminam
adultos podem ser escolhidos como que o namorado filmasse a transa e, em rompimento: “Eu proibi minha
figuras de referência, há os amigos, o em seguida, compartilhasse nas redes filha de trazer o namorado aqui em
ambiente escolar e inúmeros “influen- sociais. Por outro lado, conheci crian- casa. Nós não aceitamos essa relação
ciadores digitais” que também contri- ças que se desenvolveram bem, apesar de jeito nenhum, mas ela é adulta, não
buem (para o bem ou para o mal) para de manejos inadequados dos pais, podemos obrigá-la a romper com esse
a formação de crianças e adolescentes. como, por exemplo, críticas demoli- sujeito. Ela ficou tão magoada que
Como psicoterapeuta de famí- doras, castigos pesados ou condutas deixou de falar com a gente”.
lias já vi muitas situações em que os de negligência. Na medida em que os filhos cres-
pais fizeram “tudo certinho” e isso Na gestação, o desejo de ter um cem, os pais perdem progressivamen-
não impediu escolhas desastradas de “bebê perfeito” vem junto com o medo te o poder de influenciar suas escolhas.
adolescentes. Por exemplo, na família de que isso não aconteça. A quebra de Eles são responsáveis pelos caminhos
sempre houve uma conversa aberta expectativas quando a criança nasce que decidem trilhar e arcarão com as
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

sobre sexualidade, percepção de risco antes do tempo previsto ou apresen- consequências de escolhas ruins. Os
e autoproteção nas redes sociais, mas, ta dificuldades especiais é enorme. pais que aprendem a respeitar essas
apesar disso, a adolescente permitiu O luto pela perda do bebê idealiza- decisões e demonstram curiosidade

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Expectativa e ansiedade patológica
para entender melhor o que motiva os
filhos a fazerem suas escolhas pode-
rão preservar um relacionamento de
melhor qualidade, sem tanta constru-
ção de sofrimento por conta de terem
“falhado” na criação dos filhos (sim,
muitos pais se sentem culpados, além
de decepcionados, quando os filhos
escolhem caminhos de vida muito di-
ferentes do que sonharam para eles).

Ansiedade na vida
F altavam três anos para Suzana se
aposentar. Alfredo, seu marido,
já estava aposentado, e eles haviam
conseguido fazer uma reserva finan-
ceira confortável para concretizar
seus planos de viajar pelo mundo. No A partir das experiências de cada pessoa com os pais, há a construção de expectativas em relação a
entanto, Alfredo apresentou sinais da como agir com os filhos
doença de Alzheimer, que evoluiu ra-
pidamente. O futuro sonhado não se Para quem não construiu outro projeto de
concretizou, e o planejamento da vida vida, a expectativa de se sentir feliz com o
dos dois precisou ser refeito.
Após muitos anos trabalhando tempo livre pode resultar em tédio, por não
em horário integral e nem sempre em
empregos satisfatórios, muitos con-
saber o que fazer com tanta liberdade
tam os dias para se aposentar, sonhan-
do em ter tempo livre de obrigações. outras pessoas. Além disso, é preci-
Mas, para quem não construiu outro so cultivar a paciência para entender
projeto de vida, a expectativa de se a lentidão de alguns processos para
sentir feliz com o tempo livre pode desenvolver habilidades que pode-
resultar em tédio, por não saber o que rão nos conduzir a áreas atraentes de
fazer com tanta liberdade. trabalho. Érico, um adolescente de 16
Ocasionalmente, somos surpreen- anos, queria montar um grupo musi-
didos quando acontece algo que “su- cal de sucesso, e criou a expectativa
perou nossas expectativas”: “Depois Manipulação de que poderia ser um ótimo guitar-
de amargar três anos desempregada, Exercitar o pensamento crítico frente à rista em pouco tempo. Esperar resul-
nunca sonhei que eu pudesse ganhar manipulação da propaganda enganosa tados rápidos é frustração na certa!
tanto dinheiro trabalhando com pro- pode nos proteger contra a tentação Aprender a tocar um instrumento,
dutos digitais!”. Isso nos mostra como de criar falsas expectativas de conseguir falar fluentemente outros idiomas e
é importante manter a mente aberta resultados milagrosos sem precisar fazer muitas outras coisas dependem de
e alerta para acolher o que a vida esforço: “emagreça cinco quilos em duas tempo, dedicação e persistência para
semanas comendo tudo o que quiser”,
oferece, prestar atenção às oportu- não desanimar diante das dificulda-
fotos de “antes e depois”, promessas de
nidades que surgem e se dispor a que tal serviço “vai mudar sua vida”. Essa
des que encontramos.
aprender coisas novas que possam é uma forma de expectativa negativa, já “O que posso fazer de melhor
abrir caminhos promissores, mes- que não se baseia em algo possível ou com o que a vida me apresenta?” é
mo quando, no início, seja preciso real (se considerarmos tempo, esforço a pergunta-bússola que poderá nos
superar muitos. guiar na construção do equilíbrio
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

etc.). O resultado de uma fórmula mila-


Essencial também é aprimorar grosa é frustração e raiva! entre expectativas, observação do ce-
a capacidade de observar o contex- nário e das pessoas, sonhos, metas e
to em que estamos e a realidade das planos de ação.

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psicologia jurídica por Renata Bento

Assédio moral O
assédio moral não pode ser considera-
do um fenômeno da atualidade. Des-
de que surgiram as primeiras relações
de trabalho já podia ser observado o
assédio moral. O que pode ser chamado de atual é
ESSE COMPORTAMENTO É O a forma como as pessoas passaram a reagir diante
desse fenômeno; foi a partir da década de 1980
ESCOAMENTO DA INTEGRIDADE que passou a ser visto como problema social e ato
PSICOLÓGICA DO INDIVÍDUO E ilícito a ser combatido justamente por suas conse-
quências danosas. Isso mostra que buscar ajuda,
NÃO PODE SER CONSIDERADO informação e denunciar abusos indicam saúde
mental e evitam maiores efeitos negativos.
UM FENÔMENO DA ATUALIDADE,
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

Com todo avanço tecnológico, situações po-


POIS ELE ACONTECE DESDE dem ser gravadas e/ou filmadas, e, ainda com a
possibilidade de se poder falar a respeito, seja atra-
QUE SURGIRAM AS PRIMEIRAS vés das mídias ou no próprio ambiente de trabalho,
as vítimas se sentem mais encorajadas a comunicar
RELAÇÕES DE TRABALHO situações de crueldade no ambiente institucional.

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Ainda se nota o medo de perder o empre- O ASSÉDIO MORAL cer a autoestima e não se deixar abater
go, ou de denunciar por receio de represá- pelos ataques. 
lias, ou também que a situação possa ser PODE CAUSAR Infelizmente, o que se verifica é que a
invertida a favor do agressor, como, por DESGASTE legislação brasileira ainda se mostra in-
exemplo, criando caminhos para a vítima sipiente quanto aos critérios que possam
ser demitida por justa causa.
EMOCIONAL DA configurar o assédio e suas consequências.
Uma das situações que podem ocor- VÍTIMA E, COMO Alguns dispositivos de repressão podem
rer é o desgaste emocional da vítima e, ser encontrados no funcionalismo público,
como consequência, a diminuição da ca-
CONSEQUÊNCIA, diferentemente de empresas privadas que
pacidade laboral, caminhando assim para A DIMINUIÇÃO ainda não possuem instrumentos claros
o rompimento da relação de trabalho. É DA CAPACIDADE para coibir o assédio. Em não havendo uma
fato que situações como essas, lamenta- legislação unificada torna-se compreensível
velmente, podem acontecer. E é exata- LABORAL, o receio das vítimas em denunciar.
mente por isso que os indivíduos precisam CAMINHANDO ASSIM É importante que as empresas adotem
ser informados de que não se trata de algo formas de coibir o assédio, seja por parte
normal, mas que é infelizmente comum, o PARA O ROMPIMENTO dos superiores hierárquicos ou de seus pa-
fato de serem subjugados e agredidos psi- DA RELAÇÃO DE res, seja por meio de políticas preventivas,
cologicamente no ambiente de trabalho. campanhas educativas e informativas, a
O assédio moral afronta a dignidade e
TRABALHO fim de promover bem-estar e saúde ao
escoa a integridade psicológica da vítima trabalhador através de um ambiente de
deixando-a com alto grau de ansiedade e relacionar com o seu entorno fica preju- trabalho saudável. 
medo; a relação passa a ser permeada pela dicada. O sentimento de impotência, de Diante das consequências desastrosas
angústia, o rendimento tende a diminuir e frustração, de não aceitação, pode fazer do assédio, que podem trazer adoecimen-
a pessoa fica debilitada devido aos ataques emergir com mais facilidade a agressivi- to à vítima, a empresa será responsabili-
a sua saúde mental. A autoestima é prejudi- dade contra si próprio ou ao outro. zada e poderá ter que arcar com o ônus
cada e as sucessivas agressões psicológicas O agressor/assediador com seu nar- de um processo judicial, com pagamento
podem funcionar como gatilho para diver- cisismo e egocentrismo preponderantes indenizatório por danos morais.
sos distúrbios emocionais e psiquiátricos; intimida, se sente mais forte e mais apto É importante lembrar que uma pessoa
aos poucos vai se destruindo sua capaci- que o outro; e através de sua alta capa- passa muito tempo em seu local de tra-
dade de trabalho e resistência psicológica; cidade de observação sobre o comporta- balho ou em função dele; isso significa
afetam-se, além do ambiente de trabalho, mento alheio, identifica a vulnerabilidade; que o trabalho é um ponto importante
também as relações sociais e familiares. é nessas circunstâncias que sente que há na vida de uma pessoa; mas não pode ser
Os principais distúrbios emocionais espaço para destilar sua agressividade e considerado o único. As sequelas emocio-
encontrados em vítimas do assédio mo- transformar a vítima em sua presa. nais causadas pelo assédio moral podem
ral são a depressão, a ansiedade que pode O mais importante a fazer quando se chegar a incapacitar parcialmente ou até
levar a crises de pânico, burnout, distúr- identifica que se está sendo vítima de as- plenamente uma pessoa.
bios alimentares e do sono, alcoolismo, sédio é buscar criar mecanismos de auto- Submeter o trabalhador a pressão psi-
e até mesmo, em situações mais graves, proteção, já que o agressor vai se utilizar cológica não aumentará a produtividade,
o suicídio. da fragilidade e da vulnerabilidade emo- ao contrário, levará à estafa emocional,
Na prática, o assédio moral se configu- cional para se beneficiar.  diminuindo sua capacidade criativa, fun-
ra por terror psicológico que se manifesta Desvencilhar-se dessa teia perversa cional e psicológica. Proporcionar um
através de sucessivas e frequentes ações é difícil porque a dinâmica estabeleci- ambiente saudável, com postura mais
de maus-tratos através de atos como hu- da aprisiona, mas é possível encontrar humana, contribuirá no aumento do
milhações, ofensas verbais, sabotagens, a melhor saída. O apoio psicológico é bem-estar e poderá ajudar no crescimen-
exposição ao constrangimento, hostilida- fundamental para que se possa fortale- to da produtividade.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

de declarada ou encoberta, intimidação,


chantagens e/ou ameaças veladas ou ex-
Renata Bento é psicóloga, especialista em criança, adulto, adolescente e família.
plícitas durante o exercício de sua função Psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Perita em
no ambiente laboral. Vara de Família e assistente técnica em processos judiciais. Filiada à IPA – International
Como o assédio moral afeta o equilí- Psychoanalytical Association, à Fepal – Federación Psicoanalítica de América Latina e à
Febrapsi – Federação Brasileira de Psicanálise. renatabento.psi@gmail.com
brio emocional da vítima, a forma de se

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COMPORTAMENTO

FOFOCA ,
tão antiga quanto fazer fogo

I
O que o hábito magine a seguinte cena: ain-
da é hora do expediente, você
Compartilhar e falar da vida alheia
pode trazer grandes prejuízos para a
de falar sobre os faz uma pausa para tomar um vida de alguém. Recentemente, uma
café. Aparece um colega e vo- produção da Netfl ix, intitulada 13
outros diz sobre cês logo começam a comentar Reasons Why, mostrou a história de
amenidades e, quando percebem, es- uma adolescente que se suicida após
nós mesmos. tão falando sobre alguém. Imaginou? uma sucessão de desventuras e abor-
Compartilhar Se você teve facilidade para formar
essa imagem mental é porque, com
dou, também, como o fato de ela ter
virado assunto entre as rodas de ami-
e falar da vida certeza, você já passou por isso e nem
se deu conta que estava fazendo fofo-
gos da escola colaborou para a decisão
de tirar a própria vida. Obviamente, a
alheia podem ca. Afinal, é normal comentar sobre
a vida dos outros, não é? Na verdade,
produção tem suas porções de exagero,
que são peculiares às obras de entrete-
trazer grandes pode ser comum, mas normal não de- nimento, mas é inegável como há uma
veria ser. inspiração de vida real para o roteiro.
prejuízos para a Por mais que pareça uma atitude

vida de alguém inofensiva, falar dos outros é uma prá-


tica extremamente prejudicial em to-
dos os âmbitos de nossa vida. Uma das
Por Gabriela Sayago teorias sobre o surgimento da fofoca
diz que ela apareceu juntamente com
a capacidade do homem de controlar o
fogo. Tal teoria justifica que, ao afastar
o perigo e a escuridão, o ser humano
passou a ter mais tempo para sociali-
zar, conversar e compartilhar histórias.
Os comentários sobre os outros já Silêncio
não são mais compartilhados ao redor Não estamos acostumados ao silêncio.
de fogueiras, nem mesmo a janela ou Apesar de ser desconfortável, ele vai
o telefone são tão comuns. Nosso pro- acabar em algum momento e não é
blema está, literalmente, em nossas nossa obrigação trazer uma pauta para
Gabriela Sayago é terapeuta em mãos. Basta um celular e um aplica- encurtá-lo, apenas deixe sua mente di-
desenvolvimento pessoal, pedagoga, tivo de conversas que já temos a pos- vagar e fale só quando tiver uma ideia
pós-graduada em Neuropedagogia sibilidade de falar o que e com quem melhor do que falar sobre um assunto
pelo Instituto Saber, especialista em que poderá gerar arrependimento.
Psicologia Positiva e em Inteligência quisermos. É a fofoca ao alcance de
todos. Aliás, muitas vezes ilustrada,
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

Emocional. Atualmente, faz atendimentos


particulares e, no seu perfil do Instagram com direito a foto e captura de tela. É
@gabisayago, ela faz lives semanais nas
terças-feiras, às 20h03. a fofoca com provas, com riqueza de
detalhes e pobreza de conteúdo.

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Por mais que
pareça uma atitude
inofensiva, falar dos
outros é uma prática
extremamente
prejudicial em
todos os âmbitos
de nossa vida

De fato, não precisamos ir tão O hábito pode se iniciar por carência


longe para avaliar o quão negativo é
esse hábito que é comum e presente e traz ao indivíduo consequências
no nosso cotidiano. Basta olharmos como a solidão, afinal nenhum vínculo
para o lado e observar com atenção:
quantos de nossos colegas já perde- sólido é formado por meio da fofoca
ram uma promoção por terem sido
alvo de fofocas? Quantos relacio- Mas de onde vem essa necessi- sua vez aproxima as pessoas, cria
namentos você conhece que foram dade de falar sobre alguém? Por que uma conexão e faz do fofoqueiro o
destruídos por algo que alguém dis- fazemos fofocas? As respostas são centro das atenções. O medo do su-
se e nunca se comprovou verdade? muitas, embora cada situação exija cesso alheio (que acontece por con-
Com certeza você responderá não uma interpretação única. Ao obser- ta de uma crença oculta de escassez,
só positivamente a pelo menos uma varmos a interação humana, pode- como se o sucesso do outro impedis-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

dessas perguntas, como também vai mos perceber que esse hábito está se o nosso ou significasse nosso fra-
saber um ou dois exemplos de histó- ligado à necessidade de aceitação. casso) é outra maneira de dar espaço
rias reais. A fofoca gera curiosidade, que por à fofoca. Nesse caso, além de dimi-

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COMPORTAMENTO

PARA SABER MAIS todas as atenções a nós mesmos e


dedicar esse tempo e energia em
conquistarmos os nossos anseios.
OS TRÊS FILTROS DE SÓCRATES No ambiente de trabalho, a fofoca
pode ser explicada (não justificada)
U m dia, veio ao encontro do filósofo um homem, seu conhecido, que lhe disse:
-Sabes o que me disseram de um teu amigo?
- Espera um pouco - respondeu Sócrates. - Antes de me dizeres alguma coisa, queria
pela busca por conexões entre os mem-
bros da equipe que acabam formando
que passasses por um pequeno exame. Chamo-lhe o exame do triplo filtro. as famosas “panelinhas”, grupos que se
- Triplo filtro? unem para falar mal daqueles que não
- Isso mesmo - continuou Sócrates. - Antes de me falares sobre o meu amigo, pode são enturmados, ou de seus superiores
ser uma boa ideia filtrares três vezes o que me vais dizer. É por isso que lhe chamo o e até mesmo das regras da empresa.
exame de triplo filtro. O primeiro filtro é a verdade. Estás bem seguro de que aquilo Até a falta de assunto é gatilho para a
que me vais dizer é verdade? fofoca. Quando não há o que falar, mas
- Não - disse o homem. - Realmente só ouvi falar sobre isso e... há a necessidade de se comunicar com
- Bem! - disse Sócrates. - Então, na realidade, não sabes se é verdadeiro ou o outro, mesmo que sem um assunto,
falso. Agora, deixa-me aplicar o segundo filtro, é comum proferirmos aquela frase que
o filtro da bondade. O que me vais dizer quebra o gelo: “Você não sabe o que
sobre o meu amigo é uma coisa boa? aconteceu com fulana...”.
- Não. Pelo contrário... Mas que a verdade seja dita, a fo-
- Então, queres dizer-me uma foca não prejudica só quem é vítima.
coisa má e que não estás seguro de O feitiço também pode virar contra
que seja verdadeira. Mas posso ainda o feiticeiro e o fofoqueiro, por diver-
ouvir-te, porque falta um filtro, o da uti- sas vezes, pode acabar em saias jus-
lidade. Vai servir-me para alguma coisa tas quando confrontado ou quando
saber aquilo que me vais dizer sobre o é pego no fl agra com uma mentira.
meu amigo?
- Não. De verdade, não...
- Bem - concluiu Sócrates.
– Se o que me queres dizer
pode nem sequer ser verdadeiro,
nem bom e nem me é útil, por que
haveria eu de querer saber?

A fofoca gera curiosidade, que por


Instinto
sua vez aproxima as pessoas, cria uma Somos seres sociais, a necessidade
conexão e faz do fofoqueiro o centro de sermos aceitos faz parte do nosso
instinto. Por isso, também é necessá-
das atenções. O medo do sucesso alheio rio não se julgar ou punir ao perce-

é outra maneira de dar espaço à fofoca ber que fez uma fofoca. Na medida
do possível, é sempre positivo tentar
reverter uma situação e não colocar
nuir o mérito do outro, ainda pode- brias ou não conseguiremos evoluir. em maus lençóis as vítimas da maledi-
mos, deliberadamente, prejudicá-lo. Assumir que diminuímos outras cência. O primeiro passo, talvez, seja
pessoas por inveja pode parecer as- pedir desculpas, esclarecer os fatos e
Carências sustador, mas é um exercício para tomar cuidado para não cair na cilada

A verdade nua e crua é que todos


nós, seres humanos, sem exce-
compreendermos que, por alguma
razão, acreditamos que não somos
de falar da vida alheia novamente.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

ções, temos nossas carências, dores capazes de alcançar nossos objeti-


e medos e é fundamental que co- vos e acabamos colocando o foco no
nheçamos nossas partes mais som- lugar errado, ao invés de virarmos

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Assumir que
diminuímos outras
pessoas por inveja
pode parecer
assustador, mas é
um exercício para
compreendermos
que, por alguma
razão, acreditamos
que não somos
capazes de
alcançar nossos
objetivos
No ambiente de trabalho, a fofoca pode ser explicada pela busca por conexões entre os membros da
equipe que acabam formando as “panelinhas”
Também é fato que tendemos a não
confiar naqueles que sabemos que não trada é falar mal de outras pessoas. sobre coisas, pessoas inteligentes
conseguem guardar segredo e, princi- Afastar-se de situações como essas falam sobre ideias, pessoas mesqui-
palmente, em quem percebemos ter (fazer fofoca) é abrir a porta para nhas falam sobre pessoas”.
um comportamento tóxico. Assim, no se aproximar de outros grupos que A frase de Platão pode até acender
fim das contas, é um hábito que se ini- terão como foco discutir ideias e um alerta vermelho em nossa mente
cia por carência, necessidade de aten- ideais. Uma das frases mais célebres e logo começarmos a escanear toda a
ção e traz ao indivíduo consequências relacionadas ao filósofo Platão (450 nossa vida até encontrarmos os mo-
como a solidão e falta de confiança, a.C.) e que traduz perfeitamente a mentos em que acreditamos ter feito
afinal nenhum vínculo sólido e verda- fofoca é: “Pessoas normais falam uma fofoca. Mas é importante ressal-
deiro é formado por meio da fofoca. tar que nem todo comentário sobre
Uma vez consciente de que não Basta um celular alguém é ruim. Aliás, pelo contrário,
quer mais fazer parte do ciclo vicioso e um aplicativo muitos podem ser baseados em admi-
que a fofoca pode gerar na sua vida, é de conversas ração e inspiração e, quando falamos
que já temos a
hora de, então, aprender a construir bem da vida alheia, aumentamos nos-
possibilidade de
vínculos sólidos com quem nos cerca, falar o que
sas emoções positivas e autoestima.
a interagir, sem falar de pessoas. Subs- e com quem Expressar nossas opiniões, sem
tituir o assunto “quem fez o que” por quisermos. É a julgamentos, ressaltando apenas nos-
“vamos fazer tal coisa?”, “vamos colo- fofoca ao sos pensamentos e linha de raciocí-
alcance de
car tal projeto em prática”. Compar- nio, não é atitude condenável.
todos
tilhar ideias, planos e projetos não só Inclusive, utilizar situações co-
vai tirar a fofoca do radar como tam- tidianas para debater opiniões
bém abrir horizontes para que novas pode ser bastante interessante.
situações e oportunidades apareçam. Basta apenas lembrar que, por
mais que o assunto seja uma pes-
Aceitação soa, nosso foco são as ideias.

C abe-nos a percepção de que


IMAGENS: SHUTTERSTOCK

não precisamos ser aceitos por ROMERO, Priscila. O Aluno TDAH: a


todos em todos os lugares, princi- Pedagogia e a Realidade do Transtorno.
palmente se a única conexão encon- Rio de Janeiro: Editora Wak, 2019.

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CARACTERÍSTICAS

A realidade
do TDAH
É um transtorno
complexo e difícil de
ser diagnosticado, pois,
inclusive, não existem
exames físicos que
o detectem, sendo o
mesmo identificado por
rica observação clínica
O TDAH é um transtorno
do neurodesenvolvimento
Por Priscila Romero e tem como principais
características
a desatenção, a
hiperatividade e a
impulsividade

O
transtorno do déficit de gista José S. Schwartzman chama aten- podem rastrear o transtorno; den-
atenção com hiperati- ção para o comportamento dissimulado tre eles destacamos: Child Behavior
vidade está classificado que o indivíduo com TDAH pode apre- Cheklist (CBCL); Escala Conners
pelo Manual Diagnósti- sentar dentro de um consultório, frente a (Brasil, validada por Barbosa, 1997);
co e Estatístico de Trans- um profissional desconhecido. Além dis-
tornos Mentais (DSM-5), da Associação so, não há exames físicos que o detectem,
Priscila Romero é especialista em
Americana de Psiquiatria (2014), como sendo o mesmo identificado por rica ob-
Orientação Educacional e Pedagógica,
um transtorno do neurodesenvolvimento. servação clínica. Por isso, a necessidade Educação Especial na Perspectiva da
Tem como principais características: de- de um profissional experiente (neurope-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

Educação Inclusiva, Educação Especial com


satenção, hiperatividade e impulsividade. diatra ou psiquiatra infantil). Ênfase em Autismo, Docência no Ensino
Superior e Psicopedagogia. Autora do livro
Trata-se de um transtorno complexo Ao longo dos anos, foram desen- O Aluno TDAH (Wak Editora).
e difícil de ser diagnosticado. O neurolo- volvidos alguns testes específicos que

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SNAP-IV; Escala de TDAH (Benczik, Existem três tipos do transtorno do
2000); Escala Comportamental para
Pré-Escola e Jardim de Infância; Escala déficit de atenção com hiperatividade:
Conners de Avaliação para Pais; Inventá- predominantemente desatento;
rio para Crianças Pequenas-4; versão de
Lista de Conferência de Comportamen- predominantemente hiperativo-impulsivo; tipo
tos para Crianças. combinado (desatento e hiperativo-impulsivo)
Existem três tipos do transtorno do
déficit de atenção com hiperatividade: torno do sono e anormalidades no do; separação dos pais; falta de atenção
predominantemente desatento; predo- metabolismo podem ser considerados de algum de seus responsáveis; ausência
minantemente hiperativo-impulsivo; gatilhos para o TDAH. de papéis parentais; mudança de casa
tipo combinado (desatento e hiperati- ou de escola; inadequação à metodo-
vo-impulsivo). Rótulo logia utilizada pela escola; pedagogia
Dessa forma, percebemos que não é
regra todas as características se apresen-
tarem juntas em um mesmo indivíduo.
D entro das instituições escolares,
ouvimos muito falar em crianças
agitadas e sem limites, que, equivocada-
extremamente tradicional; recebimen-
to de conteúdos inadequados ao seu
potencial de desenvolvimento real) e
Normalmente, nas meninas, a desaten- mente, acabam recebendo o “rótulo” de apresentarem algumas características
ção prevalece. Enquanto que nos meni- hiperativas, fazendo referência ao trans- parecidas em uma determinada época
nos a hiperatividade (agitação motora, torno. Nos últimos anos, parece haver de sua vida, dentro das instituições es-
fala alta e em demasia) é acentuada. uma “epidemia” de TDAH. colares principalmente.
Diversos estudos afirmam que in- Por isso, devemos aproveitar o É importante salientar que para ser
divíduos com TDAH sofrem com al- espaço e comentar que nem todas as caracterizado como TDAH é preciso
terações na região frontal do cérebro, crianças mais agitadas ou desatentas que o indivíduo apresente os sintomas
em seus neurotransmissores. Portanto, possuem o transtorno. Esses indivíduos há mais de seis meses ininterruptos e
suas conexões cerebrais funcionam de podem estar sofrendo com outros pro- em diversos ambientes, como casa, es-
forma diferenciada, havendo menor blemas (como perda de um ente queri- cola, trabalho. Também devemos ressal-
controle sobre as funções superiores tar que se algumas questões se apresen-
– pensamento, organização, compara- tam depois dos 12 anos de idade, não se
ção, classificação, análise. Dessa forma, trata de TDAH, visto que este começa a
controlar a fala, a agitação motora e a se manifestar desde a primeira infância,
JOSE MARIA OBREGON/WIKIMEDIA COMMONS

impulsividade torna-se tarefa extrema- sendo mais notável quando a criança


mente difícil para quem tem TDAH. inicia a escolarização. Além disso, indi-
É o que diversos estudiosos chamam víduos com TDAH apresentam inteli-
de prejuízo no “mecanismo de inibi- gência mediana a superior.
ção do comportamento”. Importante Alguns sinais neurológicos leves,
ressaltar que não se trata de falta de como atrasos motores brandos, podem
educação ou falta de limites, mas, sim, ocorrer ao indivíduo com o mesmo
de um descontrole ocasionado por um O que tem de positivo transtorno. Déficits na linguagem ex-
processamento cerebral diferente do O psiquiatra Dale Archer procura encarar pressiva, na coordenação motora ampla
os transtornos de forma positiva. Archer
dos demais indivíduos. e fina, na solução de problemas e habi-
acredita que os mesmos podem trazer
A herança genética é apontada como lidades quanto às organizações também
vantagens a quem os tem. Em relação
maior probabilidade do transtorno. O ao TDAH, afirma que o indivíduo tem
podem ser encontrados.
baixo peso à época do nascimento (me- um lado aventureiro, que em momentos Dificuldades em se concentrar em
nos de 1.500 gramas) pode ser um risco de crise pode fazer a diferença, pois se um assunto específico, em organizar seu
para a criança desenvolvê-lo. Fatores am- incomoda com a rotina, exigindo de si material e seu tempo, em seguir instru-
bientais, como abuso infantil, colocação mesmo grandes mudanças. O médico ções complexas, além da fácil distração
em diversos lares adotivos e negligência, ilustra esse pensamento com a figura de e dos esquecimentos são particulari-
também são vistos como riscos, confor- Cristóvão Colombo – desbravador de dades da desatenção. Não permanecer
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

me notificações do DSM-V. mares –, dentre outros. sentado, parado ou calado quando pre-
Deficiências nutricionais e senso- ciso, dedicar-se a mais de uma atividade
riais (visão e audição), epilepsia, trans- e não terminá-las ou executá-las sem

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CARACTERÍSTICAS

qualidade, apresentar agitação motora,


falar em demasia e em volume alto cons-
tituem a hiperatividade. Responder per-
guntas antes que as mesmas sejam com-
pletadas e se intrometer em assuntos
paralelos caracterizam a impulsividade.
Todos são sintomas que refletem no
processo ensino-aprendizagem, preju- Deficiências nutricionais
dicando não só a apreensão e o domínio e sensoriais, epilepsia,
transtorno do sono
do conhecimento como, também, o re-
e anormalidades no
lacionamento com seus pares. metabolismo podem ser
considerados gatilhos
Frustração para o TDAH

I ndivíduos com TDAH são crianças,


jovens ou adultos que sofrem ao se-
rem frustrados, “sonham” acordados,
trocam diversas vezes de atividade e
possuem dificuldades significativas A herança genética é apontada como maior
quanto à organização de seus pertences,
afazeres e de seu tempo.
probabilidade do transtorno. O baixo peso
Lembramos que esse transtorno afe- à época do nascimento (menos de 1.500
ta cerca de 5% da população em idade gramas) pode ser um risco para a criança
escolar e 2,5% em idade adulta. Cerca de
até 80% desses indivíduos sofrem com desenvolvê-lo. Fatores ambientais também
problemas de aprendizagem durante sua
vida acadêmica, sendo repetência e eva- TDAH é o fator mais prejudicial à esco- transtorno, intituladas “Algumas Condi-
são escolar acontecimentos frequentes. larização de crianças e adolescentes. ções Psíquicas Anormais em Crianças”.
Após os transtornos visuais, o O acometimento do transtorno Still comentava se tratar de uma condi-
existe na proporção de 2 meninos para 1 ção resultante de: um “defeito da função
menina, na infância, e 1,6 homem para 1 inibitória da vontade” – sendo somente a
mulher, quando adultos. punição um “tratamento” ineficaz à repe-
Já afirmamos que a genética é apon- tição de tais comportamentos –, haven-
tada como maior probabilidade do trans- do agressividade e desafio comumente
torno e devemos chamar atenção para associados, desatenção, hiperatividade,
pesquisas que apontam haver maior com o intelecto preservado.
ocorrência de TDAH entre parentes A hiperatividade mental é pouco
(biológicos) de primeiro grau e entre gê- comentada dentre os estudiosos do
meos monozigóticos. transtorno. No entanto, trata-se de uma
Interessante afirmar que o primei- frequente agitação mental que ocasiona
Inibição ro estudo divulgado sobre TDAH data abstrações variadas, pensamentos rá-
O TDAH causa um prejuízo no “meca-
de 1798, pelo médico escocês Alexan- pidos, concorrendo a impulsividade e
nismo de inibição do comportamen-
der Crichton, analisando características amudança de assuntos sem que estes te-
to”, o que interfere de forma negativa
no gerenciamento das ações superio-
de desatenção em algumas crianças. nham sido findados. Essa agitação cere-
res (também conhecidas como ações Crichton observava doenças mentais bral, muitas vezes, causa o cansaço men-
humanas), tornando o indivíduo inca- quando percebeu que algumas crianças tal, a exaustão, uma grande fadiga, o que
paz de agir da forma esperada para apresentavam o sintoma da desatenção para muitos pode ser visto e entendido
sua idade, o que, consequentemente, de forma significativa, o que chamou de como pura preguiça. Consequentemen-
lhe causa danos significativos. “desatenção patológica”. te, ocorre a insônia, dentre outras situa-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

Em 1902, o pediatra inglês George ções não desejadas.


Still foi um dos primeiros especialistas Depressão, síndrome do pânico,
a realizar conferências sobre o mesmo transtorno de ansiedade generalizada,

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transtorno de conduta podem ocorrer Dentro das melhorando dia a dia seu entendimento
simultaneamente ao TDAH – identifi- sobre si mesmos e suas ações. Os esportes
cados como comorbidades. instituições também são excelentes, principalmente
O transtorno de oposição desafian- escolares, ouvimos para as crianças. Natação, futebol, judô,
te prevalece em metade das crianças dentre outros, gastam a energia excessiva
com o subtipo combinado, enquanto muito falar em e ajudam a melhorar a socialização, visto
que nas com subtipo predominante- crianças agitadas que exigem disciplina dos participantes.
mente desatenta, em cerca de um quar- Além disso, trabalham regras que devem
to. Transtorno obsessivo-compulsivo, e sem limites, que, ser compreendidas e obedecidas.
da personalidade antissocial, de tique equivocadamente,
e de espectro autístico também são co- Avanço
acabam recebendo
mórbidos ao TDAH. Graef e Vaz afir-
mam que até 65% dos casos de TDAH
estão associados a outros distúrbios.
o “rótulo” de N o estado do Rio de Janeiro, hou-
ve um avanço para os indivíduos
com TDAH e dislexia em idade escolar.
Indivíduos com TDAH, não tra- hiperativas, A Lei no 8.192, de 4/12/18, obriga es-
tados, podem apresentar grande so- fazendo referência colas públicas e privadas a cumprirem
frimento devido à baixa autoestima determinadas regras que visam bene-
que desenvolvem ao longo de sua ao transtorno ficiar o processo ensino-aprendizagem
jornada acadêmica, profissional e re- dos alunos com os transtornos mencio-
lacional. O nível de escolaridade cai A medicação pode ser um grande nados. São:
e transtornos de conduta podem ser aliado na luta contra os sintomas indese- - Assentos disponíveis na primeira
adquiridos, dificultando ainda mais jados do TDAH. No entanto, é de grande fileira e longe de possíveis distrações;
a vida de quem tem o problema. Re- relevância que a criança ou o adolescente - Realizar avaliações e provas em lo-
lacionamentos instáveis e de curta sejam acompanhados por terapias que os cal e tempo diferenciados, com auxílio
duração “acompanham” os adultos. E façam refletir sobre seu comportamento, de um profissional de educação especial;
acidentes, brigas, discussões, delitos - Organização de classes, flexibiliza-
tornam-se mais comuns para essas ções e adaptações curriculares, metodo-
pessoas que não se trataram na infân- logias, recursos e avaliações adequados
cia ou na juventude. às necessidades educacionais especiais.
Para que essas normas sejam execu-
tadas, é necessário que os responsáveis
PARA SABER MAIS apresentem ao corpo docente, à insti-
tuição escolar laudo com diagnóstico de
TDAH ou dislexia.
QUEM APRESENTA Pouco a pouco percebemos que o
TDAH TEM CAPACIDADE transtorno do déficit de atenção com
DE FOCO hiperatividade supera a descrença dos
leigos, provando se tratar de um pro-
A psiquiatra Ana Beatriz Silva ressal-
ta que todo indivíduo com TDAH
jamais deixará de apresentar a desa-
cessamento cerebral diferenciado que
afeta crianças, adolescentes e adultos
tenção. No entanto, quando se trata de de forma significativa. Infelizmente,
algo de seu extremo interesse, ou uma por muitas vezes, incapacitante. En-
novidade estimulante, esse mesmo indivíduo fim, uma realidade que precisa ser es-
com TDAH tem capacidade de foco, de con- tudada, discutida e normatizada para
centração altíssima, gerando, logo, a com- ajudarmos aqueles que têm o transtor-
preensão do assunto e de novas ideias – uma no a alcançar méritos com dignidade e
ironia ao nome déficit de atenção. Verificamos, igualdade de oportunidades.
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portanto, que tal fator deve ser levado em conta


por professores, pedagogos, profissionais da área educacional durante o processo ROMERO, Priscila. O Aluno TDAH: a
ensino-aprendizagem. Partir do interesse do aluno pode trazer excelentes resultados. Pedagogia e a Realidade do Transtorno.
Rio de Janeiro: Editora Wak, 2019.

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DOCÊNCIA

Aprendizagem
INFLUENCIADA
Abordar a questão da personalidade
dos professores é algo delicado,
pois lida com dois temas que são
controversos e polêmicos, além de serem
áreas distintas: a Psicologia e a Educação
Por André Codea
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

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André Codea é mestre em Ciência da
Motricidade Humana, com especialização
em Anatomia Humana e Biomecânica e
em Gestão Escolar. Professor nos cursos
de Neurociência Pedagógica e Docência
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

do ensino fundamental e médio da AVM


Educacional. Autor do livro Neurodidática –
Fundamentos e Princípios (Wak Editora).

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DOCÊNCIA

E
u acredito que todos nos Por que será que determinados professores
lembramos de algum
professor (ou alguns conseguem ministrar suas aulas, são
professores, se você pu- queridos pelos alunos, têm bom rendimento
der falar no plural) que
tivemos em nossa trajetória. Mas com a turma e outros não conseguem ter o
pelo menos um foi especialmente mesmo resultado? Qual será o segredo?
memorável? A resposta para esta per-
gunta nunca é simples e, como ocorre cuja tarefa é, entre outras tantas, tante indisciplinados e normalmen-
com a maioria das coisas, requer uma analisar o trabalho de colegas pro- te causam muitos problemas para
análise multifatorial. fessores e sugerir mudanças em os professores ministrarem suas
Eu entendo que uma das pos- prol da aprendizagem do aluno. aulas, em certos casos até impedin-
síveis respostas está na persona- do; o rendimento da turma é baixo,
lidade do professor. No entanto, Situação comum com raras exceções, e há uma gran-
falar sobre personalidade e sobre
professor é algo delicado, pois
abordamos dois temas que são
E stamos em uma escola pública
hipotética, no centro de uma
grande metrópole, aqui no Brasil.
de probabilidade de um alto índice
de reprovação. A direção já tentou
várias estratégias junto aos alunos
controversos e também que são Nesta escola, que enfrenta os típi- e aos professores, mas as respostas
de áreas distintas, a Psicologia e cos problemas de qualquer insti- não são satisfatórias.
a Educação, muito embora estas tuição de ensino, há uma questão Nesse quadro pouco anima-
áreas sejam intercambiáveis. Para intrigante. Há uma turma de 8º dor para os professores da escola
dar conta da árdua tarefa, em par- ano do ensino fundamental, entre pública hipotética, há uma exce-
te, a análise que farei será reali- outras duas turmas de mesma esco- ção. Uma professora. Ela consegue
zada com base em alguns autores laridade, que apresenta uma grande ministrar suas aulas nesta turma,
selecionados e, em outra parte, a dificuldade para seus professores. e bem. Nos dias em que ela minis-
partir de minha experiência pes- É uma turma dispersa, com grande tra suas aulas, há poucas faltas. O
soal, tanto na figura de professor número de faltas de alunos; estes, rendimento, com ela, é bem me-
quanto na figura de gestor escolar, em sua quase totalidade, são bas- lhor do que a média dos demais
professores nas respectivas disci-
plinas. Os alunos a adoram, e não
reclamam nem mesmo quando ela
solicita um tempo vago (pela falta
de outro professor) para reforçar
algum conteúdo que vê necessá-
rio. Essa professora se preocupa
com a turma como um todo e com
problemas em particular de alguns
alunos, que são com ela divididos.
A direção, ocasionalmente, ao pas-
sar pelo corredor de um andar da
escola, tem a sua atenção chamada
para duas situações possíveis: ou a
sala da professora está em comple-
to silêncio – e ao abrir a porta o di-
retor se depara com todos quietos,
fazendo deveres, copiando do qua-
dro ou ouvindo uma explicação –
ou a sala está uma completa alga-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

zarra, com a professora rindo com


Na vida escolar, lembramos de alguns professores com uma admiração particular, enquanto os alunos, contando piadas ou fa-
esquecemos de outros que pareceram não ser tão importantes para nossa formação zendo alguma atividade divertida.

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Por que será que essa professo-
ra consegue ministrar suas aulas,
é querida pelos alunos, tem bom
rendimento com a turma e os de-
mais não? Qual será o segredo?
Bem, vamos tentar responder isso
ao final deste artigo.
Antes, vamos fazer outro exer-
cício imaginativo. Vamos supor
que você fez um curso de forma-
ção de professores juntamente com
seu melhor amigo. Vocês tiveram a
mesma formação, compartilharam
estudos, se graduaram com notas
semelhantes, possuem basicamente
o mesmo conhecimento. Ministram
a mesma disciplina. Porém, atuarão
da mesma forma em sala de aula? Os alunos adoram determinados professores, principalmente aqueles que se preocupam com a
Podemos supor que vocês atuarão turma como um todo e com seus problemas, nem sempre relacionados apenas ao aprendizado
de forma diferenciada perante suas
turmas. E igualmente podemos su- Personalidade define-se como
por que o que faz com que haja tal “uma formação psicológica que se institui
diferença reside, em grande parte,
na sua personalidade. como resultado das transformações
Subjetividade das atividades que pautam a relação do
indivíduo com o meio físico e social”
L ígia Martins é uma das princi-
pais pesquisadoras na área da
personalidade docente no Brasil. Ela ceituar tal termo, consideramos
aborda a questão da subjetividade do como suficiente para os propósitos
professor no sentido de reconhecer aqui estabelecidos ponderar que
que não há como dissociar a persona- a personalidade se refere ao siste-
lidade do professor da tarefa docen- ma subjetivo de referências cons-
te. Por outro lado, a autora considera truídas pelo indivíduo para se re-
também, em uma abordagem socio- lacionar com o mundo, mas que é
cultural de influência claramente condicionada a partir das suas ati-
vygotskyana, que o trabalho docente vidades objetivas. Assim, define-
está inserido em um contexto políti- Escolhas -se como “uma formação psicoló-
co-econômico-ideológico, de forma Mohammad Fatemi e Zeinab Sazegar gica que se institui como resultado
que não há como dissociar a questão asseveram que a escolha dos métodos das transformações das atividades
docente das demais questões que de ensino, das experiências de apren- que pautam a relação do indivíduo
influenciam o contexto da escola. E dizagem e do próprio comportamento com o meio físico e social”.
este é, claramente, um fator impor- do professor é diretamente influenciada Tal inferência sobre a ques-
tante a ser considerado. pela personalidade do professor: “o uso tão da personalidade do professor
efetivo da personalidade de um profes-
Ao tratar da questão da per- também está presente no trabalho
sor é essencial na realização de ativida-
sonalidade, a autora a reconhece de A ntónio Nóvoa sobre formação
des instrucionais”.
como sendo um termo de difícil de professores, no qual este ressal-
definição pelo seu caráter polis- ta que o professor é, antes de mais
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

sêmico. Embora reconheçam-se a nada, pessoa, e que parte impor-


necessidade e a validade da análise tante da pessoa é professor, além
desenvolvida para se poder con- de que o trabalho de formação

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DOCÊNCIA

delos para quem se aventurou pela


PARA SABER MAIS carreira docente (seja em relação
ao aspecto positivo ou do que fa-
PERSONALIDADE DETERMINA O zer, ou negativo, do que não fazer).
SUCESSO NA CARREIRA DE PROFESSOR Mas em se tratando de professores,
normalmente são memoráveis para
T udo indica que determinados traços de personalidade do professor
são determinantes no sucesso em sua carreira docente, especialmente
aqueles ligados a características como bom humor, tolerância a frustrações,
nós aqueles que, por características
ou dimensões de sua personalidade
que são facilmente distinguíveis, se
flexibilidade para lidar com as diferenças, paciência (e também a resiliência),
fazem lembrar.
bem como capacidade de persuasão. Evidencia-se claramente que a perso-
David Fontana escreveu, há
nalidade do professor influencia na aprendizagem do aluno, mas igualmente
pouco mais de duas décadas, um
torna-se claro que esta é apenas uma das variáveis que atuam no processo
livro intitulado Psicologia para
ensino-aprendizagem. O professor que aprende a equacionar suas questões
Professores. Na obra, ele faz uma
pessoais e seus traços de personalidade com base em autorreflexão é aquele
que apresenta maiores possibilidades de sucesso.
pergunta importante: como deter-
minar o que é um “bom” profes-
sor, que características ele deveria
ter? Mas mais importante ainda
é seu entendimento de que não é
possível reconhecer o comporta-
mento do professor sem reconhe-
cer igualmente o comportamento
de seus alunos. É uma interação.
E podemos, ainda, tornar a tarefa
mais difícil, ao determinarmos que
é necessário incluir outros aspec-
tos neste contexto, como a cultura
da sociedade na qual trabalha esse
professor, a microcultura local da
escola, incluindo o professor, seus
alunos, outros professores, direção,
funcionários, responsáveis (enfim,
a comunidade escolar) e até falar
de outros aspectos, como o projeto
político-pedagógico, a coordena-
docente é um “trabalho de ref le- O que exatamente faz com que eles ção pedagógica e por aí vai.
xividade crítica sobre as práticas sejam marcantes e memoráveis para Inobstante isso tudo, Fontana
e de (re)construção permanente nós? Talvez seja a forma carinhosa, cita outro autor para estabelecer
de uma identidade pessoal”, indo ou dura, ou genial, ou qualquer ou- alguns traços que definem o pro-
muito além dos cursos, do conhe- tro atributo que nos marcou de tal fessor bem-sucedido na forma de
cimento ou das técnicas acumu- forma que tornaram esses profes- tendências: afetuoso, compreen-
ladas. A lém disso, ressalta que as sores importantes, ou mesmo mo- sivo, amistoso, responsável, siste-
vivências e experiências de vida
– pessoais – são fundamentais na
formação docente. O que faz com que alguns professores sejam
Valorização
marcantes para nós? Talvez seja a forma
carinhosa, ou dura, ou genial, ou qualquer
U ma questão fundamental que
discutimos no início deste
artigo é que todos nós tivemos pro-
outro atributo que nos marca de tal forma
fessores. E talvez ainda tenhamos. que tornam estes professores importantes
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mático, imaginativo e entusiásti- David Fontana amistoso, assertivo e gregário, ou
co, o que ele descreve como “um seja, emocionalmente positivo.
assustador catálogo de excelên- escreveu, há O neuroticismo, ao contrário, se
cia”! Jésus Guillén também relata pouco mais de refere a um indivíduo emocional-
em seu livro algumas caracterís- mente negativo, ou seja, ansioso,
ticas, a partir da pergunta “o que duas décadas, hostil e vulnerável. A socializa-
você espera de um bom professor?” um livro intitulado ção se refere aos vários tipos de
a alunos de bacharelado. Os maio- interação social do indivíduo, em
res índices de resposta foram con- Psicologia para especial a altruísta. Na conscien-
centrados em cinco quesitos: “se Professores. ciosidade, pessoas tendem a ser
preocupa com o aluno”, “mostra disciplinadas, bem organizadas,
entusiasmo”, “conhece sua maté- Na obra, ele faz pontuais e confiáveis. Abertura a
ria”, “é compreensivo” e “é sim-
pático”. Estes resultados podem
uma pergunta experiências se refere a curiosida-
de, f lexibilidade, fantasia vívida,
evidenciar que as características importante: como imaginação, sensibilidade artísti-
socioemocionais positivas pos- determinar o ca e atitudes não convencionais.
suem importância dentro da ques- No que diz respeito à questão
tão do professor que é valorizado que é um “bom” da importância dos traços de per-
por seus alunos. Mas será que isso sonalidade na escolha de carreira
é suficiente para designarmos um
professor, que por alunos de cursos de formação
bom professor a partir de suas ca- características ele de professores, Robert Tomšik e
racterísticas de personalidade? Victor Gatial asseveram que os
deveria ter? traços de personalidade socializa-
Big Five e o professor ção, conscienciosidade, abertura

S endo a personalidade uma for-


mação psicológica que pauta
nossa relação com tudo o que nos
são, neuroticismo, socialização,
conscienciosidade (ou capacidade
de realização) e abertura a expe-
a experiências e neuroticismo são
preditores da escolha entre esta-
giários de cursos de formação de
cerca, ela acaba sendo algo que nos riências. Resumidamente, o pri- professores. Porém, não da mesma
define por meio de nossas ações. meiro componente, extroversão, forma. Naqueles que escolhem ser
E é uma característica que, embo- se refere a um indivíduo otimista, professor como principal motivo,
ra mutável, é igualmente relativa-
mente estável. Wayne Weinten,
Dana Dunn e Elisabeth Hammer
definem a personalidade nestes
termos, ao considerarem que “per-
sonalidade se refere à constelação
única de traços comportamentais
de um indivíduo” que, basica-
mente, dependem de dois fatores:
a consistência, ou estabilidade
do comportamento do indivíduo
ao longo do tempo, e a distinti-
vidade, ou diferenças de reação
individuais a situações idênticas.
Em termos das dimensões de
personalidade que podem ser dis-
tinguíveis, os autores citam o tra-
balho de Robert McCrae e Paul
Costa, que elencaram cinco com-
ponentes da personalidade em sua Professores que possuem características de personalidade relacionadas à estabilidade emocional
teoria dos cinco fatores: extrover- costumam apresentar melhor interação com os alunos

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DOCÊNCIA

Sendo a personalidade uma formação apresentar melhor interação com


os alunos, melhor controle de tur-
psicológica que pauta nossa relação com ma e melhor rendimento. Ao anali-
tudo o que nos cerca, acaba sendo algo sarmos os traços do Big Five apre-
sentados como relacionados a um
que nos define por meio de nossas ações. bom trabalho docente, extrover-
É uma característica relativamente estável são, socialização, conscienciosida-
de e abertura a experiências apare-
cem como importantes. Vimos que
altos traços de socialização, cons- personalidade como extroversão, foram identificados subdimensões
cienciosidade e abertura a experi- socialização, conscienciosidade e como otimismo, esperança, tole-
ências e baixos traços de neuroti- abertura a experiências e as sub- rância, f lexibilidade, persuasão,
cismo estão presentes, enquanto dimensões otimismo, esperança, resiliência, altruísmo e autoeficá-
que em outros que escolhem ser resiliência e autoeficácia estão cia como também importantes.
professor como segunda opção en- presentes em alto grau, porém não Considerando que os principais
contra-se exatamente o oposto: al- com o traço de personalidade de traços e subdimensões entendidos
tos traços de neuroticismo e baixos neuroticismo. como importantes elementos de
traços dos demais. Como caracte- personalidade do professor bem-
rísticas importantes, consideram, Algumas aproximações -sucedido na escola nos remetem a
entre outros, autoconfiança, pa-
ciência, f lexibilidade, persuasão,
conscienciosidade, sociabilidade,
N este ponto do artigo já pare-
ce bem estabelecido que há
inf luências da personalidade do
um indivíduo organizado, emocio-
nalmente estável e proativo, pode-
mos supor que tais características
tolerância e altruísmo. professor na aprendizagem em sala podem ter profundas implicações
Em outro estudo com 416 de aula, seja em termos de seu com- no trabalho docente. Quando te-
professores de Istambul, Hasan portamento, seja pela escolha da mos dificuldades para escutar os
Bozgeyik li relatou que traços de metodologia ou de outros procedi- alunos, para dialogar, para termos
mentos em sala de aula. As escolhas sensibilidade emocional em lidar
parecem ser determinadas, parcial- com os (inúmeros) problemas que
mente, por sua personalidade. surgem em sala de aula, estamos
Que fique claro, não se trata também permitindo que nossa
aqui de culpabilizar o professor personalidade inf luencie negativa-
que tem determinada persona- mente nossa ação docente?
lidade por um suposto fracasso Voltando à nossa professora hi-
escolar, ou ainda dizer que o pro- potética do início deste artigo – e
fessor que tem outra determina- creio que você deva ter desconfia-
da personalidade terá garantia de do que não seja tão hipotética as-
sucesso. Já foi mencionado que há sim –, vários destes traços foram
Medição uma multiplicidade de fatores que identificados em sua personali-
A teoria chamada de Big Five é ampla- inf luenciam o trabalho docente. O dade: extroversão, consciencio-
mente aceita como um dos melhores
que se pretendeu neste artigo foi sidade, abertura a experiências e
instrumentos para medir os traços de
determinar até que ponto a perso- socialização certamente estiveram
personalidade dos professores. Embora
as cinco características variem ligeira-
nalidade do professor inf luencia presentes em altos níveis, bem
mente dentro da avaliação de autores, na aprendizagem em sala de aula. como neuroticismo em baixos ní-
estas cinco são consideradas como E como podemos usar nossos tra- veis. Em nosso contato pessoal,
presentes na maioria dos estudos de- ços de personalidade a nosso favor. podemos dizer, tais traços e as
senvolvidos por pesquisadores. E em relação à prática docente, características deles decorrentes
podemos inferir de forma bastan- fizeram uma grande diferença no
te segura que aqueles professores trabalho docente em sala de aula.
que possuem características de E talvez aqui esteja nossa resposta,
personalidade relacionadas à es- pelo menos parcialmente, às per-
tabilidade emocional costumam guntas feitas no início do artigo.

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dade com as ações docentes parece
ser um bom caminho para o sucesso
no ambiente escolar, em nosso pró-
prio benefício. Muitas vezes, uma
mudança de estratégia no lidar com
determinados problemas inerentes
ao ambiente escolar pode impactar
na forma como enxergamos nossas
atitudes e provocar aquelas sutis
mudanças em nossa personalidade.
O que talvez possa ser menos
discutível é que determinadas ca-
racterísticas que estão associadas
à personalidade, como bom humor,
tolerância a frustrações, f lexibili-
dade, paciência/resiliência e per-
suasão auxiliam muito no traba-
lho docente, especialmente em um
momento sócio-histórico em que a
baixa tolerância, o enfrentamento e
a violência, em suas várias manifes-
tações, parecem ser lugar-comum
dentro das escolas.

REFERÊNCIAS
BOZGEYIKLI, Hasan. Big Five Personality
Traits as the Predictor of Teachers’
Organizational Psychological Capital. Journal
of Education and Practice, v. 8, n. 18, 2017.
CODEA, André Luiz de Britto Teles.
Quando o professor tem dificuldades para escutar os alunos, para dialogar, ele está permitindo Neurodidática – Fundamentos e Princípios. Rio
que sua personalidade influencie negativamente na ação docente de Janeiro: Wak, 2019.
FATEMI, Mohammad Ali; SAZEGAR, Zeinab.
Robert McCrae e Paul Costa elencaram The Relationship between Teachers’
Personality Traits and Doing Action Research.
cinco componentes da personalidade Journal of Applied Linguistics and Language
Research, v. 3, Issue 1, p. 144-154, 2016.
em sua teoria dos cinco fatores: FONTANA, David. Psicologia para Professores.
São Paulo: Loyola, 1998.
extroversão, neuroticismo, socialização, GUILLÉN, Jesús C. Neuroeducación em el Aula:
conscienciosidade (ou capacidade de de la Teoria a la Práctica. Barcelona: Amazon
Fulfillment, 2017.
realização) e abertura a experiências MARTINS, Lígia Márcia. “A personalidade do
professor”. Trabalho apresentado na 33ª
Reunião Nacional da Anped. Caxambu/MG,
Mas a grande questão que se você não é a mesma pessoa que há out. 2010.
impõe agora é: temos então que mu- cinco anos. Mesmo que sutilmen-
TOMŠIK, Robert; GATIAL, Viktor. Choosing
dar nossa personalidade para ter- te, seus interesses provavelmente teaching as a profession: influence of big
mos sucesso na ação docente? Não mudaram, e a forma como você lida five personality traits on fallback career.
creio que se trate disso, até porque com as pessoas também. Problems of Education in the 21st Century, v.
76, n. 1, 2018.
vimos que a personalidade envolve A ref lexão sobre nós mesmos
características relativamente per- transformadas em ações, e sobre WEINTEN, Wayne; DUNN, Dana S.; HAMMER,
Elisabeth Yost. Psychology Applied to
manentes, embora também sejam como podemos equalizar nossas Modern Life: Adjustment in the 21st Century.
possivelmente mutáveis. De fato, questões pessoais e nossa personali- 12. ed. Boston: Cengage Learning, 2016.

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divã literário por Carlos São Paulo

PREFIRO NÃO FAZER


UMA FRASE QUE AFIRMA E NEGA AO MESMO TEMPO
É O MOTE DO LIVRO BARTLEBY, O ESCRITURÁRIO:
UMA HISTÓRIA DE WALL STREET, QUE TRAZ ELEMENTOS
DE ANTINOMIAS QUE COMPÕEM A NOSSA PSIQUE

A
existência pode ser um “prefiro tinha, à sua frente, uma janela que lhe “Prefiro não fazer”: uma frase que
não existir”, quando estamos permitia enxergar apenas um muro. afirma e nega ao mesmo tempo. Ela
limitados por um “muro” que Um dia, Bartleby nega-se a fazer qual- contém a antinomia que compõe a nos-
nos separa de uma vida criati- quer outra atividade diferente de apenas sa psique. Essa dimensão em que toda
va, para nos transformar em um instru- copiar. E, tempos depois, nem essa tarefa unidade é separada pela consciência,
mento mecânico e assim atender as am- ele quer fazer, mas não abandona o es- em opostos irreconciliáveis. O muro é
bições de outros homens. critório. Sempre questionado pelo patrão um não. Um não à formação tribal dos
Bartleby, o Escriturário: uma Histó- sobre a razão desse seu comportamento, humanos, que ainda imaginam muros
ria de Wall Street, publicado em 1853, é apenas repete a frase: “Prefiro não fazer”. para separar países, ideologias, orien-
uma novela do escritor americano Her- A falta de um motivo que atenda a algu- tação sexual e outras diferenças dentro
man Melville, que ficou conhecido pela ma lógica deixa o narrador encabulado, de uma só raça. Um muro que separa
sua obra Moby Dick. A história é narra- tentando entender o que está oculto. Esse um homem extraviado da vida, de ou-
da por um advogado, que relata as suas oculto, por sua vez, é a alma de outro ser tro, criativo, capaz de encantar-se com a
memórias sobre o estranho caso de um algo que só se revela por meio da lingua- existência e transcender qualquer limite.
dos seus funcionários, chamado Bartleby, gem enigmática das metáforas, ou por “Prefiro não fazer”. Afinal, o que é a
uma pessoa do tipo que parece oferecer meio daquilo que nos afeta. Sobre esse vontade livre? Uma personalidade, em
sua vida em sacrifício para levar o outro rapaz, o que obteve como informação foi seus diversos aspectos, não age sem a
a compreender sua própria humanidade. que antes ele trabalhava nos correios, in- intervenção do que lhe é inconsciente.
Em seu escritório, localizado na Wall cinerando as cartas que não chegavam ao Experiências esquecidas, mas guarda-
Street, o advogado mantinha dois fun- seu destino. das pelos afetos, funcionam como um
cionários encarregados de copiar docu- O psiquiatra C. G. Jung, um cientista cimento, que vai unindo os elementos
mentos, além de um office boy de 12 anos. empírico, aprendeu e nos ensinou sobre que se associam por suas similarida-
Enquanto um dos seus funcionários era a natureza humana observando as ma- des e contiguidades, como um verda-
produtivo pela manhã e à tarde se tor- nifestações da loucura. Foi assim que ele deiro complexo de registro de nossas
nava histriônico, com resultados pífios descreveu de que é feita a matéria dos experiências e suas emoções. Podemos
em suas atividades, o outro só conse- nossos sonhos. Reduzir a rica história de dizer que a vontade humana pode inter-
guia produzir à tarde e também reagia Bartleby a um diagnóstico psiquiátrico ferir, até certo ponto, no comportamen-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK, DIVULGAÇÃO E ARQUIVO PESSOAL DO AUTOR

de forma neurótica. Com o aumento empobreceria a compreensão desse re- to final das pessoas, mas Jung põe em
da produtividade, o patrão contrata um trato de nós mesmos, pois essa história é dúvida a existência dessa vontade livre
novo funcionário, o Bartleby, para ser o uma metáfora sobre a vida. que pensamos ter.
terceiro copista. Bartleby, antes de ser copista, incine-
Bartleby deixa seu chefe contente, rava as cartas que não chegavam ao seu
uma vez que é o primeiro a chegar e o Bartleby, o Escriturário: destino. Assim como essas correspon-
último a sair. Cumpre, de forma metódica uma História de dências, também podemos não chegar
e eficiente, o seu trabalho monótono de Wall Street ao destino que nascemos para cumprir.
copiador. Instalado próximo ao patrão, Autor: Herman Melville Nem sempre compreendemos o muro
Editora: L&PM
para servi-lo em situações emergenciais, que separa as expressões subjetivas da
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REDUZIR A RICA HISTÓRIA DE BARTLEBY O “Bartleby” que carregamos pode
nos levar a uma vida de insatisfação,
A UM DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO pela repetição incessante em transferir
EMPOBRECERIA A COMPREENSÃO DESSE mensagens falsas e verdadeiras, sem
saber distinguir uma da outra, tornar a
RETRATO DE NÓS MESMOS, POIS ESSA realidade subjetiva em realidade obje-
HISTÓRIA É UMA METÁFORA SOBRE A VIDA tiva. Nada vai adiantar se apenas o cor-
po e as aparências são levados em con-
alma das que são tidas como objetivas mos, como um modo de ser que preci- ta. Precisamos olhar mais para nossas
pelo nosso eu. Daí a dificuldade em co- sa do nosso respeito, pois talvez seja o imagens internas, em lugar daquelas
nhecer a si mesmo, testar a realidade e que há de melhor em nossa alma. É uma que olhamos e transferimos aos outros
censurar a consciência. máscara que, como um muro, separa a por meio dos nossos celulares. Estes,
No princípio da humanidade, nenhum imagem que temos de nós mesmos da- sim, um muro que, como Bartleby,
muro separava o público do privado. Os quela que usamos para impressionar até habituamo-nos a olhar sem perceber
IMAGENS: SHUTTERSTOCK, DIVULGAÇÃO E ARQUIVO PESSOAL DO AUTOR

deuses estavam por toda parte e tudo o quem não conhecemos. Queremos ser que estamos envelhecendo, deixando
que permanecia em mim se animava lá aceitos, alimentamo-nos de likes e não de enxergar o sorriso dos nossos entes
fora. Com a evolução, o Eu precisou des- percebemos quando estamos perdendo queridos, antes que se tornem fotos de
se muro, que separa o que escondemos a noção de nossa singularidade e respei- recordação nesses mesmos instrumen-
do outro, o privado, e criamos uma outra to pelo que verdadeiramente somos. tos de separação.
personalidade para ser mostrada do ou-
tro lado do muro, o que pode ser público.
No lado público, inventamos uma Carlos São Paulo é médico e psicoterapeuta junguiano.
máscara para ocultar, muitas vezes, o É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia.
carlos@ijba.com.br / www.ijba.com.br
que não compreendemos em nós mes-

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cinema Por Eduardo J. S. Honorato e Denise Deschamps

Capricho
nas sutilezas
BIG LITTLE LIES MOBILIZA AS
PESSOAS, ESPECIALMENTE SOBRE
A FORÇA DAS MULHERES E SEU
COTIDIANO COM EXIGÊNCIAS
BEM DISTINTAS. É UM ROTEIRO
IGUALMENTE ACESSÍVEL AO
FEMININO E AO MASCULINO

N
ão foi surpresa que a série foi altamente indicada e pre-
miada, cogitando uma segunda temporada de Big Little
Lies – A Mentira é a Amizade. Mesmo tendo a história
original do livro, se encerrado com a minissérie. Essa pas-
sou então para a categoria de seriado, com possíveis continuações.
A princípio, para os fãs do livro e que se encantaram com a
produção, com essa continuação talvez não fosse possível manter
o mesmo nível, mas nada que uma boa equipe de roteiro, super-
visionada pela autora e com uma adição ao elenco, não tornasse
viável. A série retorna em sua segunda temporada mantendo o fô-
lego e um bom enlace com o espectador. As “cinco de Monterey”
continuam capturando a atenção e compondo boas tramas. Sem
se afastar da história da primeira temporada, o enredo se mantém
bem alinhavado e em um fio lógico que se sustenta com maestria.
Ganha a grande presença de Meryl Streep, que é introduzida nessa
temporada como a mãe (Mary Louise Wright) do falecido Perry
Wright (Alexander Skarsgård). Além da sempre prazerosa possibi-
lidade de ver a atuação da atriz, a personagem vem acrescentar ao
roteiro maior aprofundamento e consistência, dando um passado
à violência que gerou toda a trama. Acreditem ou não, é possível
odiar Meryl pela sua personagem. O que torna toda a temporada
muito ambígua, porque somos sempre inclinados a idolatrar tudo
o que ela faz. E como faz tão bem, sua personagem se torna tão
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

rejeitada quanto seu filho na temporada anterior.

RAÍZES FAMILIARES
Muitos são os pontos que a nova temporada sublinha, os
mais evidentes seriam: a violência como fruto de uma história de
agressões, como as famosas teias e raízes familiares que carrega-

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mos ao longo da vida. O quanto nossas
histórias estão entrelaçadas com nossas
vivências mais infantis.
Outro ponto seria o de homens que
entram no casamento ocupando lugar de
filho, como é o caso do marido Gordon
de Renata Klein, interpretada por Laura
Dern. O longa aborda também o com-
portamento de transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT) em vítimas de
estupro, com Jane Chapman, vivida por
Shailene Woodley. A violência emocional
e a do abandono é debatida no relaciona-
mento mãe e filha de Bonnie Carlson, in-
terpretada por Zoë Gravitz. A dificulda-
de da parceria isonômica se apresenta no
relacionamento de Madeline Mackenzie
(Reese Witherspoon) com o marido Ed
Mackenzie (Adam Scott) e alguns outros. A série ganha a grande presença de Meryl Streep, que é introduzida nessa temporada como a mãe (Mary Louise Wright)
O fato é que a série realmente capricha do falecido Perry Wright (Alexander Skarsg�rd), com a sempre prazerosa possibilidade de ver a impecável atuação da atriz
nas sutilezas.
A amizade e a cumplicidade femini- MUITOS SÃO OS PONTOS QUE A NOVA
na, questão difícil até mesmo pelo modo
como a cultura insere entre as mulhe-
TEMPORADA SUBLINHA, TAIS COMO A
res um aspecto permanente de disputa, VIOLÊNCIA COMO FRUTO DE UMA HISTÓRIA
tomam o roteiro como a costura que
DE AGRESSÕES E O QUANTO NOSSAS
amarra tudo.
A produtora de Reese Witherspoon, HISTÓRIAS ESTÃO ENTRELAÇADAS
a Pacific Standard, tem sido descrita COM NOSSAS VIVÊNCIAS MAIS INFANTIS
como uma produtora primordialmente
feminista e que busca contar histórias rey para ficar próxima dos netos. O que construindo, o roteiro é delicado, nada
de mulheres que não costumam apa- num primeiro momento parecerá até um sentimentaloide ou ilusório, vai com es-
recer muito como mote de produções. alento se transformará em conflito com a mero e com altas doses de realismo, fa-
Ela já foi responsável pelos filmes Ga- espionagem e o julgamento da sogra em zendo aparecer uma mulher muito dife-
rota Exemplar (Gone Girl/2014) e Livre relação ao comportamento da nora, da rente, uma nova personagem nessa trama
(Wild/2014), despontando ainda mais revolta dela em relação às histórias nar- estranha, dona da sua voz e do seu lugar
com o grande sucesso de Big Little Lies, radas sobre seu filho e, mais adiante, na de fala. Quando, por exemplo, resolve
primeira e segunda temporadas, que já disputa pela guarda dos gêmeos. advogar em sua defesa, na audiência de
angariou prêmios importantes como os Essa atitude por parte dela fará sur- custódia de seus filhos, faz ver a muitas
quatro dos seis troféus que disputava gir uma Celeste que poucos conheciam, mulheres que é possível recuperar-se de
no Globo de Ouro. A HBO apostou na com novos padrões de comportamento uma relação violenta e abusiva, há sem-
produção e parece que acertou, tem sido que ela assumirá agora, longe do jugo do pre uma reserva de energia que pode
reverenciada por isso. violento marido. Veremos uma mulher fazer com que surjam novos dias brilhan-
A história da segunda temporada se- altiva se erguer por detrás dos escombros tes. O luto existente na saída de um péssi-
gue a da primeira, após a morte suspeita da antiga, é bonito ver como isso vai se mo relacionamento não precisará jamais
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

de Perry Wright e a investigação sobre ela


que envolverá as quatro mulheres. A vida
Prof. dr. Eduardo J. S. Honorato é psicólogo e psicanalista, doutor
segue, tentando voltar ao normal após a em Saúde da Criança e da Mulher. Denise Deschamps é psicóloga e
tragédia. Celeste (Nicole Kidman) é sur- psicanalista. Autores do livro Cinematerapia: Entendendo Conflitos.
preendida pela chegada da sogra Mary Participam de palestras, cursos e workshops em empresas e
universidades. Coordenam o site www.cinematerapia.psc.br
Louise, que pretende morar em Monte-

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A AMIZADE E A muitas vezes alimentar um casamento Jane Chapman terá que enfrentar
no qual o parceiro acaba se acomodan- seus traumas ao iniciar uma amizade
CUMPLICIDADE do em uma posição de “filho mimado”. com seu colega de trabalho que a en-
FEMININA, QUESTÃO Gordon e seu passatempo com maque- volve amorosamente. Cada toque físico
DIFÍCIL ATÉ MESMO tes de ferrovias é o próprio meninão a joga na vivência do estupro, a angústia
irresponsável brincando com a vida e e a ansiedade tomam conta, impedindo
PELO MODO desobedecendo a autoridade materna, o estabelecimento de novos laços e de
COMO A CULTURA agora colocada na parceira. Ele faz um um envolvimento sexual. Para completar
INSERE ENTRE péssimo investimento, acaba preso por o momento delicado, Mary Louise des-
fraude e é decretada sua falência, o que cobre que também é avó de Ziggy (Iain
AS MULHERES leva seus bens, economias e todos os Armitage) e iniciará um verdadeiro as-
UM ASPECTO investimentos de Renata. Claro que a sédio tentando se aproximar, ao mesmo
mulher surta completamente com a des- tempo questionando a veracidade quanto
PERMANENTE DE
truição da nova história que construíra ao fato de seu filho ser um estuprador e
DISPUTA, TOMAM para si com a certeza de dar à filha uma culpabilizando a fragilizada Jane. É mui-
O ROTEIRO COMO perspectiva bem diferente de sua infân- to sensível essa parte na temporada, mas
cia pobre. O quanto de alguma forma o não incorre no erro de exagerar nas cores
A COSTURA QUE masculino está ali posto para brincar e nem de vitimizar por demais Jane, que
AMARRA TUDO destruir todo o poder erguido por uma luta para, assim como Celeste faz, reto-
forte mulher, na disputa entre os gêne- mar sua vida, seu afeto e sua sexualidade,
ser a sentença final de uma disposição ros. A parceria muitas vezes não salva, rompendo o isolamento no qual havia se
de viver bem, de amar e de ser sujeito não prepondera. Tem uma tremenda lançado e ao seu filho, isolamento este
livre no mundo. Celeste é a síntese das força essa personagem dentro da trama, que já havia sofrido uma abertura na
questões femininas e uma seta apontada traz à tona uma armadilha a que o femi- temporada anterior, quando sua história
para o alvo no sentido de que é preciso nino deve estar atento, de não se colocar é revelada. Monterey para ela foi e é o
se afastar da opressão como único cami- a partir de um lugar de poder, sob a alie- susto e a libertação.
nho onde os pés das mulheres podem nação de um centro masculino, de não Madeline, a grande líder do grupo,
tocar. Não é preciso se machucar porque identificar-se com um modelo que rouba também atravessa um momento delica-
se tem energia sexual, desejos, fantasias tudo aquilo que se reconhece como ca- do. Seu marido Ed a escuta discutindo
e fetiches. A sexualidade feminina é tão racterísticas da feminilidade. com a filha que fala sobre sua traição.
autoral, autônoma e inventiva quanto a
masculina costuma se vangloriar de ser.

FEMINILIDADE ROUBADA
Foi muitíssimo comentado pela crí-
tica especializada e nas redes sociais o
quanto Laura Dern teria arrebatado o
público nessa segunda temporada, e o
fato é que ela realmente dá um show de
interpretação e sua história na trama foi
valiosa. Aliás, Renata é a personagem
que rouba a cena na temporada. Laura
Dern tem sido apontada como principal
destaque e suas cenas são as melhores.
Há quem diga que conseguiu desbancar
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

Meryl em uma das cenas finais da tem-


porada. Veremos quando saírem as indi-
cações dos prêmios, brevemente.
Podemos pensar no quanto sua per- Nesta segunda temporada, Celeste (Nicole Kidman) é surpreendida pela chegada da sogra Mary Louise que
sonagem Renata Klein, a típica mulher pretende morar em Monterey para ficar próxima dos netos. O que em um primeiro momento parecerá até um
executiva e bem-sucedida, costuma alento se transformará em conflito

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HÁ INÚMEROS
CASAIS NOS DIAS
DE HOJE QUE
DIARIAMENTE
EMPREENDEM UM
ENORME ESFORÇO,
MAIORIA DAS VEZES
ÀS CEGAS, PARA
COMPOR LAÇOS MAIS
CONDIZENTES COM
O QUE SE IDEALIZA
COMO UM ENCONTRO
O conflito emocional é debatido de forma latente. A dificuldade da parceria isonômica se apresenta no relacionamento
AMOROSO ENTRE
de Madeline Mackenzie, interpretada por Reese Whiterspoon, com o marido Ed Mackenzie, vivido por Adam Scott GÊNEROS
Isso lançará o casamento em uma possi- poderosas que as áreas de silêncio e os mulher, mas que destila descontrole, in-
bilidade de dissolução. Vemos nesse casal não ditos tão traumáticos, formadores da júria e uma crítica que parte de um lugar
o terreno instável que uma parceria mais ira e da hipocrisia. Ao revelar sua própria ilusoriamente construído. A história da
condizente com a atualidade traz para a história, que dá lugar à defesa agressiva, mulher revelada nessa personagem que
cena principal, em que a isonomia entre cerne da trama, sua relação complicada, não se sustenta em seus contidos gestos
os gêneros está mais presente e por isso reveladora da extrema ambivalência que de aparente dedicação e bondade e que
mesmo mais explosiva e delicada. Em um costuma estar presente na relação mãe na verdade revelam mesquinharia e im-
momento quando tudo ainda se inscreve e filha, a história se comporá ainda com paciência, dor e solidão.
em uma espécie de ensaio e erro, a deli- mais veracidade. O gesto impensado re- A forma como a série resolve abor-
cada construção de uma parceria igualitá- vela em si uma longa trajetória de dor e dar essas histórias femininas toca ques-
ria é complexa e cheia de momentos de agressividade contida, e o acaso é na ver- tões dolorosas e fundamentais e faz
compreensão e perdão ou de derrota e dade o desfiar de um longo fio histórico isso tudo com cuidado, generosidade,
afastamento. Há inúmeros casais nos dias em que várias formas de opressão se reu- competência e carinho. Mas, com cer-
de hoje que diariamente empreendem niram em uma cena. teza, não é uma história somente para
enorme esforço, na maioria das vezes às mulheres, muito pelo contrário, os ho-
cegas, para compor laços mais condizen- PAPEL SOCIAL mens retratados por ela, aparentemente
tes com o que se idealiza como um encon- Meryl Streep e sua atuação sempre de propósito personagens coadjuvantes,
tro amoroso entre gêneros. Quem pensa impecável fecham a história dando-lhe alimentam também reflexões muito ne-
que isso seja “natural” desconhece a mão sentido, não há violência que não traga cessárias se não quisermos ter que fechar
pesada dos costumes que lançam estratifi- histórias ocultas e repetições de traumas. opinião nos teóricos que querem lançar
cados papéis de gênero desde muito cedo. Ela traz ao espectador com maestria a se- essa época como tempos da solidão e
A delicadeza com a qual Madeline espera nhora contida, recatada, aparentemente do desencontro amoroso. Big Little Lies,
o tempo do parceiro, a coragem do olhar dedicada à família que oculta uma insatis- apesar do título, lança esperança de que
de Ed para Madeline, a generosidade que fação explosiva e de certa forma violenta. o amor, a amizade, a fraternidade e a
amarra a união que refaz os votos são A típica mulher conservadora, adaptada paixão sejam igualmente acessíveis ao
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

muito bonitas e lançam esperança aos de- ao convencional papel social reservado à feminino e ao masculino.
sesperançados no amor contemporâneo.
Bonnie, de certa maneira, completa Big Little Lies. ANO DE PRODUÇÃO: 2019. DIREÇÃO: Andrea Arnold.
essa história com a insistência do quanto DURAÇÃO: 347 minutos. CLASSIFICAÇÃO: 16 anos. GÊNERO: Drama,
suspense. PAÍS DE ORIGEM: EUA
é preciso revelar para que haja uma liber-
dade verdadeira. Não há amarras mais

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psicologia social por Dayse Serra

Saúde mental
no convívio familiar
A FAMÍLIA É UM SISTEMA EM QUE SE ESPERA
QUE TODOS ESTEJAM APTOS A DESENVOLVER SUAS
FUNÇÕES. COMO LIDAR COM A RUPTURA DESSA
ENGRENAGEM QUANDO HÁ ALGUMA DISFUNÇÃO?

O
que significa ter saúde cialmente quando o grau de gravidade la criança trabalhosa agora é um adulto
mental? O que significa da doença mental torna o indivíduo in- com pais mais envelhecidos e frágeis.
“ser normal”? Quando essa capacitado para amar e trabalhar. Va- Os principais impactos que podemos
questão foi feita a Sigmund mos utilizar o conceito de Freud para citar podem ser financeiros, uma vez que
Freud ainda no século XIX, ele respon- comentar essa matéria, pois, apesar de os tratamentos e medicamentos têm alto
deu: “normal é a pessoa capaz de amar parecer reducionista e simplório, resume custo, somado a uma queda de receita,
e trabalhar”. muito bem o que acontece com o indiví- pois alguém que poderia estar no merca-
A partir dessa resposta de Freud duo e seus familiares. do de trabalho é escolhido pela família
podemos imaginar o quanto a doença Sendo a família um sistema, também para cuidar do membro que necessita de
mental pode impactar o ciclo familiar. A é um ciclo hierárquico. Vamos refletir atenção e vigilância.
família é um sistema como se fosse uma sobre alguns exemplos. Se a pessoa com As famílias que não possuem recur-
engrenagem, na qual os membros pos- doença mental é uma criança, ela preci- sos buscam apoio na rede pública, e a
suem funções, missões e expectativas de sa de duplo cuidado. Além dos cuidados maior queixa que recebemos é que nem
futuro, ou seja, se espera que todos es- naturais do ser criança, o tempo da fa- sempre há eficácia, porque as consultas
tejam aptos a desenvolver suas funções mília é dedicado às visitas médicas, tera- possuem intervalos grandes entre uma e
esperadas para cada idade e que amem pias, medicação. Em geral um membro outra, e a impossibilidade de arcar com
não só os seus parentes, como tenham paralisa suas atividades laborais para o custo dos remédios.
empatia pelas pessoas que não fazem cuidar, sem nenhum prazo objetivo de A inversão da hierarquia familiar
parte da família, mas que ocupam um quando essa situação vai terminar. também é algo muito comum, pois,
lugar de importância em nossas vidas. Na adolescência não é muito diferen- quando são os filhos que cuidam dos
São os colegas de escola, amigos, vizi- te, pois o adolescente tende a querer a pais, esse filho fica descoberto da prote-
nhos e até parentes distantes. Pode não sua independência e liberdade para ir à ção familiar e muitas vezes, mesmo sem
haver amor, mas há afeto e empatia. rua sem companhia, frequentar festas e maturidade e condições adequadas, cui-
Pensemos agora em uma família que eventos, mas nem sempre isso é possível. da de quem deveria cuidar dele.
possui algum membro com uma questão A decorrência é a revolta do adolescente O estresse familiar acontece pelos
que interfere e atrapalha a homeostase e mais tensão dentro de casa. comportamentos antissociais, impul-
da casa. São inúmeros os casos. Parentes Na fase adulta, quando a medicação sos, precisar vigiar por quase 24 horas
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ACERVO PESSOAL

com depressão, ideação suicida, bipo- não faz o efeito desejado do sujeito poder a pessoa com ideação suicida, vigiar os
laridade, distimia, psicose, esquizofre- ter autonomia e empatia, a vida incapa- remédios para evitar abusos e cumprir
nia, dependência química de qualquer citante permanece imobilizando um ou os papéis familiares que pertenceriam
ordem, transtornos de personalidade e vários membros da família para cuidar a quem está doente.
tantas outras questões que tensionam e sempre. Temos uma situação de conge- Em famílias com mais de qua-
atingem diretamente as famílias, espe- lamento do tempo, pois parece que aque- tro membros, encontramos também a

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A OMS POSSUI DADOS ALARMANTES, TAIS COMO: Finalizamos perguntando: quem cui-
da de quem cuida? Sem dúvida que os
A CADA TRÊS PESSOAS, UMA APRESENTA DOENÇA cuidadores precisam de apoio terapêuti-
MENTAL. MOSTRA TAMBÉM QUE EM 2020 A co, descanso e lazer. Só cuida bem quem
está bem, e viver em alerta todo o tempo
DEPRESSÃO PODERÁ MATAR MAIS QUE O CÂNCER
adoece o cuidador, interfere na conjuga-
descrença e a falta de colaboração a par- A Organização Mundial da Saúde lidade e na relação com os demais filhos,
tir das expressões de opiniões como: “eu possui dados alarmantes, tais como: a quando o filho que apresenta o quadro
não quero saber dele”, “é falta de vergo- cada três pessoas, uma apresenta doença mental rouba toda a cena e os demais
nha, pois deve ser ótimo ficar na cama mental. Mostra também que em 2020 a precisam exercer o autocuidado.
todo o tempo enquanto é sustentado depressão, o mal do século, poderá ma- Ações preventivas sempre são o me-
pelos outros!”. É fato que a revolta nas- tar mais que o câncer e as complicações lhor remédio. Como prevenir? As ações
ce do cansaço de cuidar ou do ambiente do HIV. Não são dados animadores, mas cotidianas e aparentemente comuns nos
estressante, e exatamente por isso que a é preciso exercer a nossa cidadania para protegem do adoecimento, a constru-
psicoeducação da família é indispensável. a formulação de políticas públicas para a ção da resiliência: estudar, trabalhar, ter
Por psicoeducação entendemos a orien- saúde mental. oportunidade de lazer e ter um amigo. O
tação sem interrupção que será dada aos Somos conhecedores do colapso da outro fraterno. Pessoas que têm amigos
membros familiares para estimular a so- saúde no Brasil, mas na saúde mental o adoecem menos, sem dúvida. É fato que
lidariedade e a divisão de tarefas. Assim quadro é muito pior. o amor cura.
ninguém fica sobrecarregado. Orientar
IMAGENS: SHUTTERSTOCK/ ACERVO PESSOAL

sobre a evolução do quadro e o que se


pode esperar do futuro. Orientar quan-
do novos quadros surgem e sobre os ris- Dayse Serra é doutora em Psicologia pela PUC-Rio, mestre em Educação
Inclusiva pela UERJ, professora da Universidade Federal Fluminense. Escritora,
cos que todos correm e, principalmente, terapeuta de família e casal pela Logos Psi, membro da Comissão Científica da
orientar sobre como podemos vislumbrar Abenepi, membro do Conselho Editorial do Colégio Pedro II.
a melhora e a vida produtiva do parente.

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utilidade pública Por Araceli Albino

Alta exigência sobre um IDEAL


A PRINCIPAL CARACTERÍSTICA DA SÍNDROME DE
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

BURNOUT É O ALTO ESTRESSE PROVOCADO POR


CONDIÇÕES DE TRABALHO QUE EXIGEM ENVOLVIMENTO
INTERPESSOAL INTENSO E ATIVIDADES LABORAIS

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existem atualmente comportamentos EXISTE UM
que se caracterizam por uma certa
exaustão emocional, um afastamento
PROCESSO DE ALTA
das relações pessoais, baixa autoesti- INSATISFAÇÃO
ma relacionada com a diminuição de
sentimento de realização pessoal no
E DESILUSÃO
trabalho. Existe um processo de alta COM O FUTURO
insatisfação e desilusão com o futuro PROFISSIONAL,
profissional, que vem sendo denomina-
da de síndrome de burnout. QUE VEM SENDO
O Manual Diagnóstico e Estatístico de DENOMINADO
Transtornos Mentais – 5ª edição (DSM-
5) não reconhece a síndrome como DE SÍNDROME DE
uma doença, e ela não consta em sua BURNOUT, MAS
classificação.
O termo psicológico refere-se à
O DSM-5 NÃO A
exaustão prolongada e à diminuição RECONHECE COMO
de interesse em trabalhar. O termo
DOENÇA E ELA NÃO
vem do idioma inglês, burn (queimar)
e out (inteiro), e foi utilizado para re- CONSTA EM SUA
lacionar com o esgotamento mediante CLASSIFICAÇÃO
uma atividade laboral.
Os sintomas apontados pela clas-
sificação da CID-10 são: esgotamento incerta, e não se tem ao certo dados su-
causando estresse físico e psicológico, ficientes para se fechar um diagnóstico
com apresentação de dores, cansaço, e nem dados estatísticos que mostram
desânimo, apatia, irritabilidade, altera- o quanto de pessoas são acometidas
ção no sono e tristeza profunda. Ainda pela síndrome. Alguns dados sugerem
apresenta um desgaste no empenho e que aproximadamente 40% dos profis-
na qualidade do trabalho, afetando a sionais atualmente apresentam muito
autoconfiança, abalo na perserveração estresse, mas não se pode afirmar que
e dedicação. Se relaciona também com passaram a ter a síndrome ou não.
a falta de repouso e de lazer, habilidades O alto grau de estresse pode ser
sociais inadequadas e conflitos sociais. compreendido pelo movimento inefável
Os três componentes principais da pós-modernidade preconizado pelo
apontados pelas CID-10 e 11 são: es- capitalismo contemporâneo. Hoje tudo
gotamento físico e mental, sensação é muito rápido, volátil, a sociedade se li-
de impotência e falta de expectativa. quidifica a cada instante, espalhando seu
Pode-se dizer que é um colapso físico e piche que objetaliza as relações pessoais.
emocional e em muitas vezes é necessá- As pessoas estão inseguras, angus-

A
síndrome de burnout é um ria atenção médica imediata devido ao tiadas, individualistas, competitivas até
estado emocional e de estres- risco de suicídio. consigo mesmas, as ideias de produção
se crônico que vem acome- Geralmente o diagnóstico é reali- desenfreada tomam conta do sujeito
tendo muitos profissionais, zado por profissional de saúde mental, que trava verdadeiras lutas internas e
principalmente das áreas da saúde, que pode ser o psicólogo e/ou psiquia- externas para dar conta das exigências
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

educação, assistência social, policiais e tra. É feito a partir dos sintomas apre- capitalistas. Hoje, se vale o que se tem,
agentes carcerários, mulheres que en- sentados, a história pessoal e a contex- e aquele que não tem vai tentar conse-
frentam jornadas duplas, entre outras tualização atual. O tratamento é por via guir de qualquer forma, vale até tirar a
profissões que lidam com altas cobran- medicamentosa e psicoterapia. Mesmo vida humana por causa de um celular.
ças e pressões constantes de produ- para os pesquisadores da área da saúde O ser humano está se desumanizan-
ção. Estudos realizados apontam que que tratam a síndrome, a sua etiologia é do, está no processo de coisificação, se

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deparam com suas próprias necessida-
para saber mais des, e com as péssimas condições para
o trabalho e a impossibilidade de exer-
O aumento da ânsia de prazeres cer dignamente sua profissão, isso leva
o sujeito ao mais alto grau de estresse,
F reud, em seu artigo de 1908, “A moral sexual civilizada e a doença nervosa
moderna”, já se referiu à exaustão produzida nos sujeitos como o aumento
da ânsia de prazeres materiais, que a cobiça e o descontentamento, bem como
e acaba no adoecimento.
Considerando as perspectivas do
mundo pós-moderno e o sujeito vis-
a redução do tempo de recreação, sono e lazer promovidos pelo capitalismo,
to pela Psicanálise, entende-se que
aumentava as exigências feitas aos sujeitos e poderia adoecê-los. Ele também
fala, em O Mal-Estar na Civilização (1930), que o homem está sempre ligado com os sintomas evoluem de acordo com
a pulsão de vida e a pulsão de morte e busca uma completude infinita, que não a cultura. Pode-se dizer que a síndro-
existe, isso pode levá-lo à destruição. me de burnout é um desses sintomas
modernos.
Associando os conceitos freudianos e o sistema sociocultural atual pode-se
O olhar da Psicanálise se volta para
entender a produção dos novos sintomas que trazem os sofrimentos atuais.
um ego decepcionado, por sua alta
exigência sobre um ideal que busca re-
alizações constantes e se decepciona
NO CASO DA incerto em que os profissionais vivem. consigo mesmo, provocando sintomas
Trabalha-se muito, sem condições ma- como uma defesa depressiva do narci-
SÍNDROME DE teriais e humanas, paga-se pouco, o sismo despedaçado.
BURNOUT, PELA profissional precisa trabalhar em dois Ego é uma forma de funcionamen-
ou três empregos, a ética impõe que to em decorrência de um conjunto de
PERSPECTIVA
faça um trabalho decente, mas o Es- representações inconscientes, é uma
PSICANALÍTICA, tado não dá as condições mínimas; as parte do psiquismo que lida com a
É UMA FERIDA expectativas e cobranças sociais são realidade e tenta de alguma forma
enormes, deixando o profissional em neutralizar os impulsos incessantes do
NARCÍSICA, UMA uma sinuca de bico. Os profissionais se id, que é uma outra instância movida
DAS PIORES DORES
PSÍQUICAS, QUE
RESULTA DA
DISTÂNCIA ENTRE
OS PROJETOS IDEAIS
(EGO IDEAL) E A
REALIDADE

transformando em um robô de trabalho


para não ser descartado como um mero
objeto inútil.
Esse sinal de desumanização deixa
o sujeito longe das relações humanas,
ele não sabe mais como lidar com o ou-
tro nem suportar as frustações mínimas
que fazem parte do humano.
Como exemplo, pode-se tomar
a rede pública de trabalho no Brasil,
como a saúde e a educação, e nem pre-
cisamos falar de outros setores, vamos As pessoas estão inseguras, angustiadas, individualistas, competitivas até consigo mesmas. As
compreender perfeitamente o universo ideias de produção desenfreada tomam conta do sujeito que trava verdadeiras lutas internas

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somente pelo princípio do prazer, é o A alta exigência
lugar que aloja o inconsciente huma- sobre um ideal e a
no. É um campo de força constante decepção consigo
que exige do ego um enorme esforço mesmo provocam
para não o deixar tomar conta das nos- sintomas como uma
sas emoções, e uma das maneiras en- defesa depressiva
contradas de defesa contra essa pulsão ao narcisismo
são os mecanismos de defesa psíquica, despedaçado
sendo os sintomas uma delas.
No caso da síndrome de burnout,
pela perspectiva psicanalítica é uma
ferida narcísica, uma das piores dores
psíquicas, que resulta da distância en-
tre os projetos ideais (ego ideal) e a re-
alidade. Uma experiência de fracasso,
mesmo sendo algo impossível, leva o
sujeito a uma frustação visceral, a um
processo de autodepreciação, como se
ele perdesse uma parte de si próprio.
Ele se sente o pior dos seres vivos, os NO CASO DE Mas também é necessário um acompa-
fatos não são observados, as faltas não nhamento psíquico para ajudá-lo a se
são sentidas como uma contingência TRATAMENTO PELO reconhecer e promover mudanças na
da condição humana, mas uma derro- VIÉS PSICANALÍTICO, sua vida pessoal e interpessoal.
ta pessoal. A Psicanálise não vê o sujeito como
Tem casos que podem chegar até a
TERIA QUE SE uma doença, mas uma maneira de se
uma despersonalização, na qual o ego TRABALHAR O conduzir na vida mediante a história de
cinde para não lidar com a realidade, é cada um, é a novela familiar vivida na
SUJEITO EM SEUS
uma defesa para lidar com o outro de primeira infância que norteará a manei-
uma maneira saudável. MAIS PROFUNDOS ra de existirmos no mundo. E às vezes
Voltando ao texto freudiano, O SENTIMENTOS essa história vivida leva às profundida-
Mal-Estar na Civilização (1930), ele diz des das dores. Mas tem saída, uma aná-
que o convívio humano impõe sacrifí- RELACIONADOS lise ajuda o sujeito a viver melhor.
cios e renúncias que geram mal-estar COM A IMAGEM DE A Psicanálise é um processo te-
e infelicidade. E no caso especificado rapêutico que trabalha os conteúdos
neste texto, a síndrome seria uma for- SI E COM O DESEJO inconscientes que são as causas do
ma de sobreviver ao mal-estar inerente DOS OUTROS sofrimento; isso faz com que o sujeito
às relações humanas. sustente o seu desejo, que lide com a
No caso de tratamento pelo viés psi-
QUE PERMEARAM realidade de uma forma possível, que
canalítico, teria que se trabalhar o sujei- A SUA VIDA conheça os seus sentimentos, que re-
to em seus mais profundos sentimentos conheça suas potencialidades e impos-
relacionados com a imagem de si, ima- estrutura egoica melhor. Há casos que sibilidades, que estabeleça laços so-
gem do corpo, com o desejo dos outros precisam de ajuda médica e medica- ciais, que conheça principalmente as
(figuras parentais), que permearam a mentosa para poder preservar a saúde causas do seu sofrimento e assim possa
sua vida. Trabalhar a onipotência, a física e psíquica do sujeito que está mer- eliminá-las para ter melhor qualidade
impotência, onisciência, onipresença, gulhado em um sofrimento profundo. de vida.
que são as formas primitivas do incons-
ciente, para que esse sujeito possa lidar Araceli Albino é doutora em Psicologia pela Universidad del Salvador (Buenos Aires,
Argentina). Presidente do Sindicato dos Psicanalistas do Estado de São Paulo –
minimamente com a realidade. Somen- Sinpesp. Psicóloga e psicanalista, pós-graduada na PUC. Possui especializações
te um processo analítico que permita em: Psicoterapia/Psicodinâmica de adultos e adolescentes; Psicopatologia
que esse sujeito se veja e faça suas res- Psicanalítica e Clínica Contemporânea; professora e coordenadora do Curso de
Formação em Psicanálise do Núcleo Brasileiro de Pesquisas Psicanalíticas.
significações é que pode levá-lo a uma

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perfil Por Anderson Zenidarci

J
Dippel teve uma ohann Conrad Dippel nasceu no Cas-
vida tumultuada, telo de Frankenstein em 1673, em
muitas vezes Darmstadt, Alemanha. Na época, o
se metendo em
lugar estava sendo usado como um
confusão por
suas opiniões
albergue para inválidos e feridos da guerra
contestadas franco-holandesa, onde seu pai, um rigo-
roso pastor luterano, buscou refúgio por
causa das intensas perseguições religiosas
de então. Portanto, Dippel cresceu em meio
a pessoas em sofrimento: mutilados, ampu-
tados, feridos e muitas mortes. E esse fato
será determinante em sua vida. A obsessão
do pai por dogmas da sua religião obrigou
a família a passar longos períodos de jejum
e penitência, alguns tão duros que provoca-
ram a morte do filho mais novo. O pai de-
terminou que Johann fosse pastor como ele
e o matricula, com 9 anos, em uma escola de
formação religiosa para iniciar seus estudos.
Morou toda a infância e adolescência
no mesmo castelo e, por gostar muito do
lugar, acrescentou por um período de tem-
po “von Frankenstein” em sua assinatura.
Enquanto estava na Universidade de
Giessen estudando Teologia, ganhou re-
putação por ser confrontador, mal-humo-
rado e antissocial.
Esse comportamento lhe rendeu pou-
cos amigos, que admiravam sua disposição
em entrar em desacordo, e muitos inimigos,
que desprezavam sua vontade de sempre

Uma figura argumentar e polemizar. Era evitado, na


maioria das vezes, no campus da faculdade.
Esse padrão iria segui-lo ao longo de toda

ENIGMÁTICA
sua vida e em seus estudos como cientista.
Envolveu-se em uma exaltada dispu-
ta com o pregador da Corte Reformada,
Conrad Broeske, com quem compartilha-

do século XVIII
va a esperança da necessidade urgente de
renovação da cristandade, mas com visões
totalmente diferentes do que seria essa
renovação. Broeske o acusava de ser um
teólogo desvairado, sem base para susten-
AUTOR DESCONHECIDO/WIKIMEDIA COMMONS

DIPPEL TEVE A OBSESSÃO DA tar suas crenças.


A reputação de Dippel como teólogo
IMORTALIDADE E A BUSCAVA NA controverso (e que nunca se tornou pas-
COMBINAÇÃO DE MÉTODOS CIENTÍFICOS tor) lhe rendeu alguns poucos defensores
e muitos opositores em toda a Europa.
E CONHECIMENTOS OCULTOS Seus pontos de vista confrontavam os

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dos teólogos tradicionais da época, sendo para saber mais
inclusive banido de alguns países como a
Suécia e a Rússia. Paralelo a todas essas AS DIVERSAS PERSPECTIVAS DA ALQUIMIA
controvérsias, decidiu cursar a faculdade de
Medicina, ao mesmo tempo em que se en-
cantou e começou a pesquisar e se envolver
A lquimia é uma prática milenar, mística e extremamente abrangente, pois reúne ele-
mentos do que chamamos hoje de Química, Física, Biologia, Medicina, Semiótica,
Misticismo, Espiritualismo, Arte, Antropologia, Astrologia, Filosofia, Metalurgia e Mate-
com a alquimia.
mática – porém sem o rigor cientifico e técnico dessas ciências.
Com o passar dos anos, Dippel começa
a dar sinais de um processo de desrealiza- Existem alguns objetivos principais na sua prática:
ção, criando seu universo muito pessoal. A “transmutação” dos metais inferiores em metais nobres (ouro, prata);
Mistura e funde as suas formações: Teolo- A obtenção do “elixir da longa vida”, um remédio que curaria todas as doenças, até
gia, Medicina e alquimia de forma nebulosa. a pior de todas (a morte), e daria vida longa àqueles que o ingerissem;
Pouco a pouco, a percepção que ti- Criação de um solvente universal, capaz de dissolver qualquer outra substância,
nha da religião como uma expressão de chamado de Alkahest;
fé tornou-se estranhamente complexa e
Criar vida humana artificial, seres por alguns chamados de homunculus;
confusa, e pode-se dizer que rompeu com
os dogmas do pai (luteranismo), desenvol- A criação da “Pedra Filosofal” era chamada pelos alquimistas de “A Grande Obra”: a
vendo seus “próprios conceitos” religio- partir dela todos os pressupostos alquímicos se realizariam;
sos, sendo esses muito influenciados pelo Trazer o enriquecimento rápido (contestado e negado por muitos).
estudo da Medicina e por uma obsessão É reconhecido que, apesar de não ter um caráter científico, a alquimia foi uma práti-
de controlar a morte ou até mesmo des- ca importante na qual se desenvolveram muitas das ciências que hoje existem.
cobrir a fórmula da imortalidade através Ela foi praticada na Mesopotâmia, Egito Antigo, Império Persa, Índia Antiga, China
da alquimia. Acreditava que a fé era uma Antiga, Grécia Clássica, Império Romano, Mundo Islâmico, América Latina Pré-Colombia-
somatória dos elementos: amor intenso na, Europa Medieval e Renascentista. Portanto, uma prática universal.
e sacrifício contínuo. E que a religião era
Cerca de 4 mil livros foram escritos no período entre os séculos XVI e XVIII explo-
não apenas uma maneira de alcançar co-
rando e explicando a alquimia de diversas perspectivas diferentes.
nhecimento misterioso, mas também uma
expressão de heroísmo pessoal.
Dippel teve uma vida tumultuada, mui-
tas vezes se metendo em confusão por suas
A REPUTAÇÃO DE DIPPEL COMO
opiniões contestadas. Foi preso por here- TEÓLOGO CONTROVERSO LHE RENDEU
sia, julgado e condenado. Cumpriu uma
sentença de sete anos de detenção. Nesse
ALGUNS POUCOS DEFENSORES E MUITOS
período dedicou-se ao estudo da alquimia e OPOSITORES EM TODA A EUROPA
escreveu alguns “tratados” e artigos.
Seus inúmeros e sucessivos problemas ter dois pseudônimos significa um indício mia e era conhecido por utilizar técnicas bi-
com o gerenciamento de dinheiro, por não de cisão em sua identidade. zarras. Nesse período elaborou um óleo que
conseguir ter controle financeiro, o fize- À medida que se tornava mais absorto e chamou de “Óleo de Dippel”, feito a partir
ram ter a fama de desonesto, mas não era reservado em seus experimentos, foi fican- de ossos, sangue e vísceras de animais, e
o caso, e sim a dificuldade em “lidar com do cada vez mais retraído, direcionando a acreditava estar desenvolvendo o que seria
a realidade”, demostrando o início de um maior parte de sua atenção para a alquimia. o “elixir da longa vida”, chegou a montar um
estado de transtorno mental que iria con- Obcecado por essa ciência, começou laboratório para isso. Ele garantia que quem
sumi-lo (a esquizofrenia). a se interessar também por quiromancia. o usasse viveria até os 135 anos (não se sabe
Dippel utilizava dois  pseudôni- Com o tempo, abandonou a dissertação como chegou nesse número). Tentava tam-
mos: Christianus Democritus (só publican- teológica e dedicou grande parte de seus bém desenvolver o Arcanum Chymicum, um
AUTOR DESCONHECIDO/WIKIMEDIA COMMONS

do livros sobre religião com esse nome) e esforços a todos os tipos de experimentos composto alquímico que seria a fonte da
também Ernst Christoph Kleinmann (pu- científicos, baseados amplamente em “tex- juventude eterna e da imortalidade.
blicando livros sobre alquimia e outros as- tos ocultistas” que começou a compilar Com a ruptura com os dogmas religio-
suntos). Acredita-se que utilizava pseudô- com meticulosidade obsessiva. sos, surge uma angústia existencial profun-
nimos porque sua imagem pública havia Quando morou em Bergstrasse (na Ale- da em Dippel, que o faz dedicar anos em
se deteriorado e especula-se que o fato de manha), praticou exclusivamente a alqui- busca de uma resposta para sua incerteza

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perfil

Johann Conrad Dippel nasceu no Castelo para comprar o castelo, então propriedade
de Frankenstein em 1673, em Darmstadt, da família Von Breuberg. Os proprietários
Alemanha. Na época, o lugar estava sendo que já o conheciam ficaram sensibilizados
usado como um albergue para inválidos e
com seu estado emocional e permitiram
feridos da guerra franco-holandesa
que ele voltasse a residir em uma parte iso-
lada do castelo e montasse seu laboratório
em um dos porões.
Usou fórmulas “geradas pelos delírios
e alucinações místicas” para encontrar a
imortalidade, as tentativas tornaram-se
cada vez mais extremas e desconexas.
Os últimos anos de sua vida são uma

PASCAL REHFELDT/WIKIMEDIA COMMONS


mistura complexa de lendas e fatos incer-
tos sobre sua loucura, sua longa reclusão
no porão do castelo e uma série de tenta-
tivas desesperadas de reanimar cadáveres
por “meio de seus métodos científicos” e
uso de suas misturas químicas. Foi obriga-
do a se retirar do Castelo de Frankenstein
sobre a natureza do homem, sua existên- COM O PASSAR DOS quando foi pego cercado por pedaços de
cia e, acima de tudo, a noção sobre a per- cadáveres em uma tentativa de “descobrir
ANOS, DIPPEL DÁ SINAIS
manência da consciência humana após a os mecanismos da morte”, completamente
morte. Nesse período, com o raciocínio DE DESREALIZAÇÃO, sem contato com a realidade.
lógico comprometido pela esquizofrenia, CRIANDO SEU Dippel morreu em 1734, aos 61 anos,
e obcecado por encontrar a fórmula da no Castelo de Wittgenstein, perto de Bad
vida eterna, começa a fazer experimentos UNIVERSO MUITO Laasphe, por envenenamento com cianeto
bizarros, como tentar criar homúnculos PESSOAL. MISTURA de potássio, provavelmente em um experi-
(homens minúsculos), fertilizando ovos de mento a que se submetia.
galinha com sêmen humano e tampando
E FUNDE AS SUAS Dippel é, com certeza, uma das figuras
com menstruação o orifício feito na casca. FORMAÇÕES: mais enigmáticas do século XVIII. Sua na-
Faz inúmeros “experimentos” com cadá- tureza independente, controversa, mas aci-
TEOLOGIA, MEDICINA
veres humanos (muitas vezes roubados do ma de tudo crítica, tem uma semelhança
cemitério, quando recém-enterrados) na E ALQUIMIA DE incomum com a personalidade do fictício
tentativa de trazê-los de volta à vida. Por FORMA NEBULOSA Victor Frankenstein, personagem criado
esses fatos, que logo se transformaram em pela escritora Mary Shelley, cuja busca por
rumores que se perpetuaram, as pessoas receita secreta do pigmento, que se tornou respostas sobre a vida e a morte estava inti-
acreditavam que ele havia vendido sua conhecida como “azul da Prússia”, fundan- mamente relacionada à sua necessidade de
alma ao diabo em troca de conhecimentos do uma fábrica e conseguindo obter bons descartar o dogma católico.
secretos. Sua reputação de feiticeiro perigo- lucros. Esse pigmento é usado até hoje na Acredita-se que a família da escritora
so o fez ser expulso da cidade, sob ameaça coloração de tecidos e tintas. Mary Shelley viajou pela região a caminho
de linchamento. Dippel sempre desejou voltar a morar de Genebra, onde ela ouviu sobre Johann
Um fato alterou a vida financeira de no Castelo de Frankenstein, e em seus delí- Dippel, inclusive (embora não confirmado
Dippel. Seu amigo e pintor, Heinrich rios começou a tentar transmutar chumbo por ela) que chegou a visitar o castelo e es-
Diesbach, tentava produzir um pigmento em ouro (uma crença alquímica medieval) cutou o folclore do local.
vermelho, mas, devido ao uso errado de
uma porção impura de carbonato de potás- Anderson Zenidarci é mestre em Psicologia pela PUC-SP, supervisor e
sio, o pigmento tornou-se azul, cor de difí- palestrante. Coordenador e professor do curso de especialização em Transtornos e Patologias
Psíquicas pela Facis, professor de pós-graduação no curso de Psicologia de Saúde Hospitalar
cil obtenção na época. A porção contami- na PUC-SP. Atua há mais de 30 anos em atendimento clínico em diversos segmentos da
nada foi cedida de Diesbach para Dippel, Psicologia, com especial dedicação à psicossomática, transtornos e patologias psíquicas.
e ambos trabalharam para aprimorar a

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MOMENTO DO LIVRO

A RELÍQUIA
“Ele é o Proust da língua portuguesa”, afirmou
o jornal The New York Times ao se referir a Eça de
Queirós. Assim como o escritor francês, o mais
importante romancista português do século XIX
trabalha sua narrativa a partir da observação das
vidas interior e exterior de seus personagens, sem
perder o olhar crítico dos valores e costumes, da
política e da religião. Com a obra A Relíquia, ele
concorreu ao prêmio D. Luis da Academia Real de
Ciências. Em 1887, época da publicação do livro,
Eça já entendia que seu tempo era consumido
pelas incertezas da inteligência e angustiado pelos
tormentos do dinheiro. Como um verdadeiro
clássico, ele continua atual.
Livro: A Relíquia
Número de páginas: 180
Editora: Lafonte

À venda nas bancas e na loja Escala: www.escala.com.br

A RELI QUIA.indd 5 25/07/2019 14:02


em contato

DESAFIOS DA ADOLESCÊNCIA
Todos sabemos o verdadeiro estrago que o período da adolescência pode causar. Trata-se
realmente da fase mais difícil da vida do ser humano. Não sou apenas eu quem diz isso. Já
li e assisti diversos especialistas falando sobre o tema. Talvez o motivo principal seja o fato
de ser um momento de transição entre a infância e a vida adulta, que envolve uma infi ni-
dade de mudanças: biológicas, cognitivas e socioemocionais. O artigo que saiu no número
162 da Psique mostra que o processo biológico abrange mudanças físicas no corpo do
indivíduo; o processo cognitivo se refere a alterações no pensamento e na inteligência e,
por último, o socioemocional, que traz mudanças nos relacionamentos com as pessoas, na
emoção, na personalidade e nos contextos sociais. Ou seja, são muitas novidades na vida
de uma pessoa que ainda não está totalmente formada.
29/07/2019 13:46
Plínio Sartori, por e-mail
CAPA162_aprovada.indd 1
NOTÍCIA

BRASIL LIDERA RANKING DE MISTÉRIOS DO CÉREBRO


PAÍSES MAIS ANSIOSOS DO Um dos maiores desaf ios da his-

ACONTECE
MUNDO, APONTA OMS tória da humanidade é tentar en-
tender o cérebro. Af inal de contas,
A ansiedade é um dos principais se trata de um sistema complexo e
problemas da vida moderna e o
dinâmico, dizem os especialistas.
Brasil comprova a tese. Levanta-
Compreender seu funcionamento
mento realizado pela Organização
é uma atividade que atrai pesquisa-
Mundial da Saúde (OMS) aponta
que o país está em primeiro lugar dores desde que o mundo é mundo,
no ranking de pessoas ansiosas no talvez porque permita diversas aná-
mundo: são 18,6 milhões de bra- lises e sínteses, relacionadas com
sileiros, o que representa 9,3% da diferentes abordagens. Na minha
população, que convivem com o infância ouvia sempre que “o ser
transtorno. O estudo de 2019 indica, humano não usa nem 10% da capa-
ainda, que a ansiedade é a segunda cidade do seu cérebro”. Mas parece que essa informação não procede. Estudos
condição mental, depois da depres- recentes e aprofundados demonstraram que usamos todo o nosso cérebro para
são, com maior incidência de inca- qualquer pensamento ou ação, conforme publicado na edição 162 da Psique. Por-
pacidade na maioria dos países ana-
tanto, “os indicadores de que determinadas regiões cerebrais estão relacionadas
lisados. A OMS revelou, também,
a pensamentos específ icos mostram diferenças sutis em relação à totalidade de
que o Brasil ocupa a liderança de
sinapses neuronais ocorrentes, para qualquer pensamento”, diz o artigo.
outro ranking, quando o assunto é
o tempo de convivência com a inca-
Simone Oliveira, por e-mail
pacidade provocada por transtornos
psicológicos. O novo trabalho, que VIOLÊNCIA CONTRA POPULAÇÃO LGBTQIA+
analisou os efeitos e as consequên- Estarrecedores os dados divulgados pela Psique, em sua edição de número 162:
cias dos transtornos mentais nas o Brasil é o país onde se registram os maiores índices de violência contra a cha-
Américas, apontou que não é ape- mada comunidade LGBTQIA+. É, de fato, impressionante. Imagino que tenha
nas o brasileiro no continente que relação com a onda de intolerância às diferenças que vem tomando conta do país.
sofre com os transtornos de ansie- A abordagem da entrevista com a prof issional Mariana de Camargo Penteado foi
dade. O Paraguai, por exemplo, foi bem interessante, pois ela revelou a importância da participação do psicólogo
eleito recentemente uma das nações junto a esse segmento da população. Ela diz que “a atuação do psicólogo deve
com maior índice de felicidade do
sempre se basear na defesa dos direitos humanos. A comunidade LGBTQIA+
mundo. Entretanto, os paraguaios
é uma das pautas centrais dessas discussões. A prática deve, portanto, visar a
ocupam a segunda colocação no rol
promoção de direitos, a laicidade, o combate à patologização e a crítica aos
de países mais ansiosos, segundo a
OMS. Ele é seguido por Chile, Ar- processos de naturalização das questões de gênero”. Isso deveria ser ouvido por
gentina e Colômbia. algumas autoridades no país.
Tereza Corrêa, por e-mail

80 psique ciência&vida

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PSIQUE CIÊNCIA & VIDA é uma publicação mensal da EBR _
Empresa Brasil de Revistas Ltda. ISSN 1809-0796. A publicação não

LINHA DIRETA se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados ou


por qualquer conteúdo publicitário e comercial, sendo esse último
de inteira responsabilidade dos anunciantes.
Uma abordagem a respeito do sofrimento ANO 12 - EDIÇÃO 163
na sociedade brasileira, unindo teoria social morar em um condomínio fechado produz
DIRETORA EDITORIAL
e Psicanálise, e concluindo que a privatiza- monstros. Com suas estratégias de controle Ethel Santaella

ção do espaço público transforma a pró- de todo tipo de mal-estar, o “novo espíri-
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pria vida em formas de condomínio, com to do capitalismo” impede as pessoas de GRANDES, MÉDIAS E PEQUENAS AGÊNCIAS E DIRETOS
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regulamentos, síndicos e muros. Estes são reconhecerem a aspiração de liberdade,
REPRESENTANTES Interior de São Paulo: L&M Editoração,
os temas do livro do psicanalista Christian apresentando um novo sintoma social bra- Luciene Dias – Rio de Janeiro: Marca XXI, Carla Torres, Marta
Pimentel – Santa Catarina: Artur Tavares – Regional Brasília:
Dunker, que recebeu o título Mal-estar, So- sileiro. Entrevista completa, publicada na Solução Publicidade, Beth Araújo.

frimento e Sintoma: a Psicopatologia do Brasil edição 114, pode ser conferida no site www.
COMUNICAÇÃO, MARKETING E CIRCULAÇÃO
entre Muros. Ele acredita que o sonho de se psiquecienciaevida.uol.com.br GERENTE Paulo Sapata

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a sugestão e a indução de falsas memórias. será realizado nos dias 6, das 18 às 21h30, e 7
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Abordará todas as etapas do Protocolo de En- de setembro, das 8h30 às 18 horas. A promo- EDITORA: Gláucia Viola
EDIÇÃO DE ARTE E DIAGRAMAÇÃO: Monique Bruno Elias
trevista Forense do NICHD, que é o modelo ção é do Instituto Cognus. Mais informações: COLABORARAM NESTA EDIÇÃO: André Codea; Araceli
que oferece o melhor suporte para conduzir (51)3573-3012 / (51)99416-6378. Albino; Fabiola Salustiano; Gabriela Sayago; Lucas Vasques
Peña; Maria Tereza Maldonado; Priscila Romero. REVISÃO:
Jussara Lopes. COLUNISTAS: Anderson Zenidarci; Carlos
São Paulo; Denise Deschamps; Dayse Serra; Eduardo J.
S. Honorato; Flora Victoria; Guido Arturo Palomba; João
CONSELHO EDITORIAL Oliveira; Júlio Furtado; Marco Callegaro; Maria Inere Maluf;
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AICIL FRANCO é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia KARIN DE PAULA, psicanalista, doutora pela PUC-SP, professora Conselho Editorial e a Redação não se responsabilizam pelos
Clínica pela USP. Professora no IJBA e na Escola Bahiana de e supervisora clínica universitária e do CEP, autora do livro artigos e colunas assinados por especialistas e suas opiniões
Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA. $em? Sobre a Inclusão e o Manejo do Dinheiro numa Psicanálise, e neles expressas.
de vários outros artigos publicados.
ANA MARIA FEIJOO é doutora em Psicologia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro, autora de livros e artigos científicos, LILIAN GRAZIANO é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP,
parecerista de diversas revistas e responsável técnica do com pós-graduação em Psicoterapia Cognitiva Construtivista. FALE CONOSCO
Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do RJ. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia
DIRETO COM A REDAÇÃO
Positiva e Comportamento. Atua em clínica e consultoria.
ANA MARIA SERRA é PhD em Psicologia e terapeuta cognitiva psique@escala.com.br
pelo Institute of Psychiatry, Universidade de Londres. Diretora LILIANA LIVIANO WAHBA, psicóloga, PhD, professora da PUC-
do Instituto de Terapia Cognitiva (ITC), atua em clínica, faz SP. Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. PARA ANUNCIAR
treinamento, consultoria e pesquisa. Presidente honorária, ex- anunciar@escala.com.br
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ANDRÉ FRAZÃO HELENE é biólogo, mestre e doutor em MARISTELA VENDRAMEL FERREIRA é doutora em Audiologia SP/RIBEIRÃO PRETO: (16) 3667-1800
Ciências na área de Neurofisiologia da Memória e Atenção pela University of Southampton – Inglaterra, mestre em RJ: (21) 2224-0095
pela Universidade de São Paulo, onde também é professor no Distúrbios da Comunicação pela PUC-SP, especialista em RS: (51) 3249-9368
curso de Biociência e coordena o Laboratório de Ciências da Psicoterapia Psicanalítica pelo Instituto de Psicologia da USP. BRASÍLIA: (61) 3226-2218
Cognição no Instituto de Biociências. SC: (47) 3041-3323
MÔNICA GIACOMINI, presidente da Sociedade Brasileira de
CLÁUDIO VITAL DE LIMA FERREIRA é psicólogo, Psicologia Hospitalar – biênio 2007/09. Especialista em ASSINE NOSSAS REVISTAS
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doutor em Saúde Mental pela Unicamp, pós-doutorado em Psicologia Hospitalar, psicóloga clínica junguiana, psicóloga www.assineescala.com.br / (11) 3855-2117
Saúde Mental pela Universidade de Barcelona-Espanha, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HCFMUSP e
professor associado de Psicologia da Universidade Federal de supervisora titular do Aprimoramento em Psicologia Hospitalar VENDA AVULSA REVISTAS E LIVROS
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DENISE TARDELI, graduação em Psicologia e Pedagogia. PAULA MANTOVANI é graduada em Psicologia pela Universidade ATACADO REVISTAS E LIVROS
Mestrado em Educação e doutorado em Psicologia Escolar e Paulista, psicanalista, consultora editorial do programa de (11) 3855-2275 / 3855-1905
do Desenvolvimento Humano, ambos pela USP. Pesquisadora entrevistas da FNAC e membro correspondente do Espaço atacado@escala.com.br
na área da Psicologia Moral e Evolutiva. Professora Moebius de Psicanálise de Salvador (BA).
universitária. LOJA ESCALA
PEDRO F. BENDASSOLLI é editor da GV Executivo, psicólogo Confira as ofertas de livros e revistas
DENISE GIMENEZ RAMOS é coordenadora do Programa de graduado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e www.escala.com.br
Estudos Pós-Graduados da PUC-SP e membro da Sociedade doutor em Psicologia Social pela USP. É também professor da
Brasileira de Psicologia Analítica. Fundação Getulio Vargas e da ESPM. ATENDIMENTO AO LEITOR
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psiquiatria forense por Guido Arturo Palomba

Perícias e firmas FALSAS


O PERITO PODE OBSERVAR A ASSINATURA
A FIM DE SURPREENDER ANORMALIDADES
GRÁFICAS, AS CHAMADAS GRAFOPATOLOGIAS,
MAS ESSE NÃO DEVE SER O ÚNICO CRITÉRIO

N
ão é raro pessoas acharem que
por meio da observação da assi-
natura é possível reconhecer tra-
ços da personalidade do assinan-
te. Será verdade? Não e sim. Não porque
a assinatura, isoladamente, costuma ter
poucos elementos de análise, e a maioria
das firmas normalmente é estabelecida na
adolescência e pouco se modifica ao longo
da vida, automatizando-se, ou seja, a pes-
soa assina automaticamente.
Por outro lado, o exame atento da as-
sinatura e da escrita pode revelar aspectos
interessantíssimos para o perito, normal-
mente quando se trata de perícias póstumas
retrospectivas, por exemplo em casos de ta retoques e, o que é muito importante, se Há ainda outro tipo, que consiste em
anulação de testamento, quando o testador é falso ou verdadeiro. colocar a matriz e o papel suporte sobre
falece e os herdeiros descontentes alegam, Nesse ponto, os falsários estão cada vez um vidro e, por baixo do conjunto, uma
em juízo, insanidade mental do testador. mais aprimorados. Hoje usa-se o computa- luz forte. Dessa forma a imagem da fir-
O perito deve, nessas horas – além dor para a falsificação de firmas, e os mé- ma verdadeira será vista por transparên-
de examinar vários elementos, como o todos são deveras variados. Porém, ainda se cia, permitindo a sua recobertura direta
conteúdo do testamento, as causas da veem falsificações manuais, algumas bem- com caneta. E tem a dita imitação livre,
morte do testador, possíveis tratamentos -feitas. Existem vários tipos de ardil. Todos ou exercitada, quando o falsário repro-
psiquiátricos pregressos (quais remédios exigem uma matriz, ou seja, uma assinatura duz muitas vezes a firma da vítima, a fim
foram ingeridos etc.) –, observar a assina- que tenha sido feita pela vítima. Uma forma de automatizá-la até ficar satisfeito com
tura aposta na ata das últimas vontades, a simples de copiá-la é colocando essa matriz o resultado.
fim de surpreender anormalidades gráfi- sobre o documento a ser produzido, inse- Porém, se o perito for experiente e tiver
cas, as chamadas grafopatologias. rindo, entre as duas peças, folha de papel outras assinaturas verdadeiras para analisar
Lembremos que a escrita manual é a carbono, calcando sobre a matriz uma ponta e comparar, a farsa sempre vai aparecer.
impressão de pequenos movimentos psico- dura e deslizante, a fim de marcar o docu- Hoje em dia, com os recursos digitais, em
motores do indivíduo no papel, o que vale mento falso. Após, cobre-se o debuxo (papel que se tem variadas ferramentas de análise
ARQUIVO PESSOAL/ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL

dizer, são gestos gráficos, os quais podem marcado pelo carbono) com tinta e apagam- caligráfica, é fácil descobrir a fraude.
ser devidamente analisados. -se as marcas do carbono com uma borracha
Entre os dados que se observam é macia. Outro método é usar a ponta dura e Guido Arturo Palomba
preciso atentar para o traço, se é forte ou deslizante sobre a matriz, pressionando-a é psiquiatra forense e
membro emérito da
fraco, vigoroso ou trêmulo, hesitante ou fortemente. Terminando esse ato, no papel
Academia de Medicina
resoluto, rápido ou lento, alinhado ou de- suporte ficará o sulco da firma transferida, de São Paulo.
salinhado, indeciso, oscilante, se apresen- que será coberto por tinta.

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