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Vivian Maria Andrade Flavia Heloisa Dos Santos logia foram em grande parte constituidos a partir da convergéncia de varias ciéncias, para citar algumas: medicina (neurologia, neuroanato- mia e neuroquimica), fisiologia e psicologia. Os pardgrafos introdutérios sobre 0 assunto, no entanto, relatam mais freqtlentemente os acontecimentos que fizerem parte das origens da neuropsicologia vistos pela ética das disciplinas médicas, estes relatos sio menos comuns do ponto de vista da psicologia. Uma sintese dos fatos nos mostra que, apés ter transcendido as origens fi- loséficas utilizando-se do experimentalismo — no sentido de submeter afirmagées te6ricas a testes pela observagio sistemética e controlada dos fatos (D'Oliveira, 1984) ~ a psicologia foi reconhecida como ciéncia. A partir deste perfodo e du- rante todo o século XX, suas demais reas de pesquisa também solidificaram-se, permitindo que esta conjungio de fatores e de conceitos psicolégicos se somas- sem aos de outras ciéncias e se constituisse a neuropsicologia. PSICOLOGIA EXPERIMENTAL oO 's constructos responsdveis pela fundamentagao teérica da neuropsico- A tentativa de aprimoramento e uso do método experimental vinha ocorrendo de forma rudimentar desde os séculos XVII e XVIII pela fisica e pela quimica, respectivamente. Enquanto a psicofisica de H. Weber e G. Fechner no século XIX serviu de base para que W. Wunde utilizasse 0 mesmo método em experi- mentos, envolvendo a mente e as sensagées, surgindo destes princfpios aplicados, © primeiro laboratério de psicologia - psicologia experimental -, na Alemanha de 1879 (Vaissére, 1938). Vale ressaltar que a psicologia, além de um método, buscava clarificar também seu objeto de estudo, resvalando entre mente e com- portamento e sobre as questées pertinentes as influéncias da hereditariedade e do meio (inato x aprendido) sobre estes fendmenos' (Morgan, 1977). ‘A formagiio de Wundt perpassava pela filosofia, fisiologia e pela medicina, mas foi ele o precursor da primeira escola de psicologia — 0 estruturalismo — in- jseussGes filosdficas da antigGidade - envalvendo a diade mente-crpv 0 racionalismo de cempirismo de J. Locke: o dualism cartesiano mente-aima ~ marcaram fortemente as questdes primordiais da pricologis © permanecem subjacentes nos dias de hoje, teressada em investigar a mente, utilizando para este fim, estudos controlados ¢ 9 método de andlise introspectiva, semelhante ao experimental — a partir deste marco, estava tragado um caminho novo para a psicologia® (Vaissiere, 1958). Nos Estados Unidos do inicio do século XX surgiram outras correntes de pensamento, entre elas o funcionalizmo © 0 comportamentalismo, Na dtica fun- cionalista de W. James ef al, 0 objeto de estudo ideal seria formado por mente comportamento (como funcionam, se relacionam ¢ favorecem a adaptacio do individuo ao meio). Mas, na visio comportamentalista de J. Watson e demais colaboradores, s6 0 comportamento observavel seria adequado como objeto de investigagio cientifica. O uso do método experimental — caracterizado como rigoroso, capaz, de mensuragio e descricio clara e precisa, de maneira que 0: ex perimentos pudessem ser replicados e os fenémenos a serem estudados pudessem ser manipulados e controlados pelo experimentador — passow a ser utilizaclo nes- tes trabalhos. A psicologia, entdo, se estruturou como ciéncia definitivamente. Extraturalistas e funcionalistas, interessados ainda na diade mente ¢ com- portamento, mas utilizando-se do método experimental em suas pesquisas, inspi- raram o sungimento da puicolegia cognitiva, responsével por estudos relacionados A percepgfio, intelecto, meméria, originando outra forte vertente da psicologia ‘experimental, 0 cognitivismo (Borkowski & Anderson, 1977), ‘As premissas comportamentais de J. Watson, B. Skinner, dentre outros famosos bebavioristas, néo permitiam inserir em suas teorias estruturas ou pro- cessos internos para explicar 0 comportamento. Pelo contrério,, enfatizavam as relagGes estabelecidas com 0 meio ambiente ¢ a utilizagio do paradigma SR (estimulo-resposta — importante para a explicagao de uma série de processos psicalégicos). Estas lacunas deixavam espago para outras idéias. As teorlas pas: sarath a levar em conta a mediagio cerebral para comportamento, bem como ‘a existéncia de células ¢ fibras nervosas interagindo entre sie formando redes complexas. Embora nesta época a compreensio destes fendmenos fosse dificil « limitada, estes grupos mostravam-se cada vez mais engajados na busca de respostas. Era 0 caso dos psicélogos que encaminharam suas pesquisas para & psicologia da forma, Gestalt, salientando as leis e principios perceptuaiss daqueles que inerementaram a picologia faiolégica’; e dos que passaram a utilizar ‘metéforas c modelos de caixas (boxolagia) para explicar 0 funcionamento cognitivo, solidifi- cando outras dreas da puicolagia cagnitiva. © fancionamento do computador e 0 uso de terminologia relacionada & informatica (processamento de informagao, codificagio, decodificagio, entre ou ros) levaram ao uso de analogias para a compreensio do cérebro. Modelos de atengio ¢ de meméria de curto prazo, respectivamente apresentados por Broadbent Na segncly cas eacolas lems tbe veram papés importantes = Waraburg de Kulpe « Gestalt ae aaeeree ohler« Kefla, clas surgiram em reagHo ao estruturalismo —uslizavam o método introspec Se oeereeperimentos, com o objetivo de andise de fenbmenos mentas. No caso da Gestalt, estavam mais vpcimos do metodo experimental, rente 2 invesigasto fires da porcepsso (Morgan, 197 [Hobs (bay sagen a Intelecto [As teorias e técnicas provenientes da escola russa e seus expressivos inter- ocutores, tais como Vygotsky, Luria e seus colaboradores, também se mostraram fundamentais para a consolidagio da neuropsicologia no meio.cientifico.-Passa- ram-se anos até que a avaliagio psicométrica de Cattel, Spearman, entre outros (final do século XIX e infcio do século XX, respectivamente), dessem lugar a uma avaliagio que abordasse também os aspectos qualitativos (Pasquali, 1999). De modo mais sofisticado do que havia proposto a psicologia cognitiva, a avaliagao realizada nos moldes de Luria privilegiou a influéncia dos fatores socioculturais sobre o desempenho e a andlise dos erros; e desta maneira favoreceu o estudo e a compreensiio dos mecanismos ¢ estratégias envolvidas na execugio da resposta, A literatura proveniente dos achados deste neuropsicélogo possibilitou ainda o refi- namento da nogo de red, “o cérebro agindo em concerto, dinamicamente”, em contraposig&o as idéias de um localizacionismo mais estanque. ‘As unidades funcionais de Luria sio abordadas no capitulo: “Inteli- géncia: um conceito amplo”, 0 qual retoma os mais variados conceitos de inteligéncia, por exemplo, de Piaget, Gardner, Wechsler; discute de forma erf- tica o conceito de Quociente Intelectual (Ql) e algumas baterias que avaliam inteligéncia. O capitulo "Bases estruturais do sistema nervoso” cita também a organizacio cortical proposta por Luria; mas trata especificamente da orga nizacdo e das porgdes que constituem 0 sistema nervoso de forma didatica € ricamente ilustrada. O capitulo “Atengio” traz um visio critica dos miltiplos conceitos, teorias e modelos relacionados a esta fungio. No capitulo “Neurobiologia da atengao visual”, testes comportamentais e os paradigmas mais utilizados em estudos com roedores, primatas e humanos sao discutidos; e, ainda, a interagdo funcional com outras habilidades cognitivas como a meméria operacional. ‘Atualmente muitos pesquisadores tém se interessado pela investigagao do cértex pré-frontal, © qual estaria relacionado a habilidades como planejamento, solugio de problemas, meméria operacional, entre outras. O capitulo “Fungées Executivas” descreve a organizaciio dos lobos frontais, ressaltando as sindromes ¢ prejuizos decorrentes de lesdes em regides epecificas. Conceitos tedricos, aspectos comportamentais ¢ neuroquimicos séo mencionados, bem como avaliagdo ¢ rea- bilitagdo neuropsicolégica em sindromes disexecutivas. y T wn F f NEUROIMAGEM © mérito como precursor da neuropsicologia poderia ser reclamado por varios cientistas desde os primérdios do localizacionismo, ainda na Grécia. Este conjunto de idéias, que teve em Franz Josef Gall um de seus principais expoen- tes — entre os séculos XVIII e XIX -, ainda hoje tem seus adeptos, embora mais flexiveis e mais bem equipados. A localizagao de regides cerebrais é objeto de muitos estudos de neuroimagem, utilizando técnicas como Tomografia por Emissio de Pésitron (PET scan) e Imagem por Ressondncia Magnética funcional (IRM), as quais possuem magni- tude de resolugio espacial suficientemente alta para visualizar agdio de massa relacionada & fungao cerebral. Mas ainda ndo possuem resolugao temporal e oferecem apenas limitada informagdo quanto a dinamica da atividade cortical. Por esta razdo, alguns estudos complementam os dados de neuroimagem fun- cional com outras técnicas, por exemplo, Potencial Evocado e Eletrofisiologia Cognitiva (Clark ef al, 2001). Em um estudo clissico com PET scan, Paulesu et al, (1993) mediram 0 fluxo sangtiineo cerebral em voluntirios saudéveis em duas tarefas de ativagio ¢ suas respectivas condigdes-controle. Na primeira tarefa, os participantes foram instrufdos a estudar os estimulos silenciosamente, apés cada seqiléncia, a con- soante-alvo — letra B — aparecia e os participantes julgavam se a mesma estava presente na seqiiéncia previamente apresentada ou no. A condigao controle seguiu 0 mesmo procedimento, mas com letras coreanas. Na segunda tarefa, era solicitado aos participantes o julgamento de rimas de consoantes em relagio consoante-alvo. A condigao-controle era a similaridade de formas entre letras coreanas ¢ a letra-alvo coreana. Os resultados deste estudo demonstraram pela primeira vez a neuroanatomia do componente verbal da meméria operacional em voluntérios sadios, isto é, como armazenador fonolégico, 0 giro supramarginal esquerdo (lobo parietal), enquanto o ensaio subvocal foi associado com a drea de Broca (lobo frontal). “>> Os neuropsicélogos tm contribufdo para avangos no uso das técnicas de neuroimagem funcional, desenvolvendo( paradigmas) pelos quais fungées cognitivas como meméria, percepgao e controle inibitério, entre outras, so investigadas. ; Uma vez que a IRM é uma técnica de mapeamento cerebral n&o-invasiva, tem se mostrado apropriada até para 0 uso em criangas. Guardadas as restrig6es éticas © o controladas as variéveis comportamentais, a aplicagéo da IRM£ em amostras pedidtricas, recentemente, vem sendo empregada para localizacéio de fungées eriticas (Logan, 1999), avaliagdo de correlatos neurais da plasticidade cerebral (Hertz-Pannier ef al, 2000), bem como para examinar a relagdo entre fungao ¢ estrutura no decorrer do desenvolvimento cognitivo cerebral (Nelson et al, 2000). Resultados mais aprofundados a partir da neuroimagem funcional foram largamente discutida no capitulo "Redugio da assimetria hemisférica em adul- tos mais velhos: 0 modelo HAROLD”, neste capitulo uma série de teorias fo- ram abordadas com o intuito de compreender as mudangas na atividade cerebral decorrentes da idade. ‘SA neuropsicologia tem como preocupagio constante se especializar cada vex mais para atender as necessidades do organismo, mesmo mediante as altera- 6es originadas a partir do processo evolutivo. DESORDENS NEUROPSICOLOGICAS INFANTIS O estudo da crianga exige formagio especial, levando-se em conta os pro- cessos de crescimento e maturagio cerebral, o desenvolvimento neuropsicomotor, bem como as variveis eriticas que determinam e interferem nestas habilidades, tais como as ambientais. Portanto, abrange a compreensio do desenvolvimento normal e a intervengao nas fungdes cognitivas alteradas. Assuntos referentes a neuropsicologia infantil foram tratados por especialistas nos capitulos: “Neu- ropsicologia do desenvolvimento”, “Meméria operacional e estratégias de meméria na infincia”, e “Avaliag&io neuropsicolégica infantil”. DESORDENS NEUROPSICOLOGICAS EM ADULTOS A adultez representa um perfodo em que as habilidades e capacidades gerais do individuo devem estar mais definidas do que no perfodo infanto-ju- venil. Desordens neuropsicolégicas em adultos sio consideradas anormalidades especificas do comportamento apresentadas pelo individuo, anteriormente sadio, enquanto um resultado de uma disfungio (de natureza neuroanat6mica, neu- rofisiolégica ou neuroquimica). Este assunto foi amplamente abordado por um conjunto de capitulos, os quais trataram sobre a avaliagio neuropsicolégica de doengas especificas, tais como a “Epilepsia”, “Aspectos cognitives da esclerose miiltipla”, “Avaliagio neuropsicolégica em traumatismo craniencefélico” ¢ “Doenga de Parkinson: aspectos neuropsicolégicos. Alteragées cognitivas em conseqiténcia do abuso de substncias foram abordadas no capitulo “Aspectos neuropsicolégicos associados ao uso de cocaina”. DESORDENS NEUROPSICOLOGICAS EM IDOSOS Com o aumento da expectativa de vida das populagées, o interesse e 0 niimero de estudos geritricos tm aumentado. O envelhecimento é um proceso natural ¢ inevitavel do ser vivo. Uma série de fatores diminui a adaptagio dos diferentes érgios e como conseqtiéncia ocorrem modificagses morfolégicas, fisio- logicas e bioquimi ata de,event Biblioteca "Prof. José Sioropéli” ecidos € outros ainda nao desvendados pela ciéncia. A neuropsicologia estuda a influéneia destes processos sobre o sistema nervoso e suas implicagées funcionais, e tem como metas av. r ° funcionamento cognitive do idoso: determinar o tipo e 0 grau de incapacidade Fancional (se houver) e estabelecer um profgrama de reabilitagdo. Para tanto, os capitulos “Envelhecimento e meméria’; “Avaliagio © reabilitagéo neuropsico- Iégica no idoso” e “Redugio da assimetria hemisférica em adultes mais ve- Ihos: © modelo HAROLD" discutem o fancionamento cerebral na senescéncia, suas alteragdes ¢ modelos tedricos. REABILITAGAO COGNITIVA A reabilitagio neuropsicoldgica objetiva a adaptagio do individuo ao seu Ambiente. Tem um caréter “artesanal’, no sentido de que cada paciente ten Prejufzos cognitivos espectficos ¢ demandas ambientais préprias, por exemplo re- lacionadas a sua idade, profiso, tipo de acometimento cerebral vfncalee ¢ mea Ponsabilidades sociais. Modelos e estratégias para programas de (re)habilitagao de fungdes cognitivas so apresentados nos capitulos: “Reabil itagdo cognitiva Pediatriea”, “Reabilitagio em lesio cerebral adquirida”, “Reabilitagdo: um modelo de atendimento interdisciplinar em esclerose méltipla”, « “Avaliagio neuropsicolégica e reabilitagio cognitiva no idoso”, © conjunto de informagées contidas em Neuropsicologia Hoje é atua- lizado, porém, intencionalmente reduzido, uma ver que nao tem a pretensiio de abranger todos os temas da area. Um dos intuitos deste livre € invetnnn a investigacao cientifica, bem como contribuir para a formagio e a praticn elinice de profissionais em neuropsicologia, os quais escreverio futuros capitulos nas Neurociéncias. 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