Você está na página 1de 4

A BÊNÇÃO DAS CRIANÇAS

– O amor de Jesus pelas crianças e pelos que, por serem filhos de Deus, se fazem
semelhantes a elas.

– Vida de infância e filiação divina.

– Infância espiritual e humildade.

I. JESUS AMOU COM PREDILEÇÃO – assim no-lo mostra o Evangelho em


várias ocasiões – os doentes, os que mais precisavam d’Ele e as crianças.
Quanto a estas, amou-as com verdadeira ternura porque, além de precisarem
sempre de ajuda, possuem as qualidades que Ele exige como condições
indispensáveis para se fazer parte do seu Reino.

Em duas ocasiões o Evangelho da vida pública nos mostra Jesus


abençoando as crianças e apresentando-as aos seus discípulos como
exemplo. Uma foi na Galileia, em Cafarnaum, e a outra na Judeia,
provavelmente perto de Jericó, quando o Senhor se preparava para subir a
Jerusalém. O último desses relatos está contido no Evangelho da Missa de
hoje1: Apresentaram- lhe umas crianças, diz São Mateus. Quem as levou eram
certamente mulheres: as mães, avós ou irmãs. Entraram na casa onde Jesus
estava, provavelmente empurrando as crianças para a frente, e puseram-nas
diante do Senhor, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas, como
se se tratasse de um gesto habitual de Jesus. Talvez com isso tivessem
distraído os ouvintes que escutavam o Mestre, porque diz o Evangelho que os
discípulos as repreendiam. Mas o Senhor interveio: Deixai vir a mim as
criancinhas, e não as impeçais, porque delas é o reino dos céus. E tendo- lhes
imposto as mãos, partiu dali.

Ao declarar que o Reino dos céus pertence às crianças, o Senhor ensina em


primeiro lugar, com o sentido próprio das palavras, que as crianças não estão
de maneira nenhuma excluídas do Reino e que, portanto, devemos ter um
grande cuidado em prepará-las e conduzi-las a Ele. Antes de mais nada,
devem ser baptizadas quanto antes, como o tem repetido a nossa Mãe a Igreja
em todas as épocas2, pois deseja tê-las quanto antes no seu seio. “O sentir
comum dos Santos Padres – ensina o Catecismo Romano – prova que esta lei
deve ser entendida não só em relação aos que já estão na idade adulta, mas
também às crianças na infância, e que a Igreja a recebeu por Tradição
Apostólica. Deve-se crer, além disso, que o próprio Cristo Nosso Senhor não
quis que fosse negado o sacramento e a graça do baptismo às crianças, das
quais dizia: Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais...”3 O dever dos
pais inicia-se com “a obrigação de fazer com que os filhos sejam batizados nas
primeiras semanas de vida”4.

Nessa passagem do Evangelho, o Senhor diz-nos também que o seu Reino


pertence aos que, como as crianças, têm um olhar limpo e um coração puro,
sem complicações nem orgulho: diante de Deus, somos como crianças, e
assim devemos comportar-nos diante d’Ele. “A criança está, no começo da
vida, aberta a qualquer aventura. Também tu; não ponhas nenhum obstáculo
para avançar na vida do Evangelho e para continuar durante a tua vida nessa
novidade”5.

II. NA SUA PRIMEIRA VINDA à terra, na Encarnação, o Filho de Deus não


se apresentou como um anjo nem como um poderoso; veio sob a débil e frágil
condição de uma criança. Embora tivesse podido manifestar-se de outra forma,
preferiu a debilidade de uma criança, como se necessitasse de protecção e
amor.

Deus quis que nós, imitando o seu Filho, nos comportássemos como aquilo
que somos: filhos débeis, que necessitam continuamente da sua ajuda. O
Pai quer que sejamos chamados filhos de Deus, e que o sejamos na
realidade6, e nessas poucas palavras está contido um dos pontos centrais da
nossa fé, que nos dá a pauta para o nosso comportamento diante de Deus.

Para sermos como crianças, é necessário que nos disponhamos a mudar


profundamente, que deixemos de pensar, julgar e agir à maneira das pessoas
mais velhas; e que assimilemos o ensinamento divino e nos impregnemos dele
com a espontaneidade e a inocência de um filho pequeno, sem os
preconceitos, a malícia e as espertezas dos adultos. Para isso, temos de
cultivar em primeiro lugar uma firme vontade de nos comportarmos como filhos
de Deus, dóceis à sua Vontade, com pureza de mente e de corpo, humildade e
simplicidade de espírito.

Fazer-se semelhante às crianças na vida espiritual é mais do que uma boa


devoção: é um querer expresso do Senhor. Ainda que nem todos os santos o
tenham manifestado de uma maneira explícita, essa foi a atitude de todos eles,
porque o Espírito Santo desperta-a sempre, inspirando-nos essa rectidão de
coração que as crianças possuem na sua inocência7.

“O menino bobo chora e esperneia, quando a mãe carinhosa lhe espeta um


alfinete no dedo para lhe tirar o espinho que se cravou... O menino ajuizado,
talvez com os olhos cheios de lágrimas – porque a carne é fraca –, olha
agradecido para a sua boa mãe, que o faz sofrer um pouco para evitar maiores
males.

“– Jesus, que eu seja menino ajuizado”8, pedimos-lhe nestes minutos de


oração: que eu saiba compreender que na doença, na dor, no aparente
fracasso profissional..., encontra-se a mão providente de um Pai que nunca
deixou de velar pelos seus filhos. Aceitemos com um coração alegre e
agradecido tudo o que a vida nos queira oferecer, o doce e o amargo, como
enviado ou permitido por quem é infinitamente sábio, por quem mais nos ama.

Esta vida de infância espiritual exige simplicidade, humildade, abandono,


mas não é imaturidade. “O menino bobo chora e esperneia...”: a criancice é
falta de maturidade da mente, do coração, das emoções, e está intimamente
ligado à falta de auto-disciplina, à falta de luta. É uma atitude que pode
acompanhar as pessoas durante toda a vida, até à velhice, até à morte,
impedindo-as de ser verdadeiramente crianças diante de Deus.

A verdadeira infância espiritual traz consigo maturidade na mente – que é


ponderar os acontecimentos à luz da fé e com a assistência dos dons do
Espírito Santo – e, juntamente com essa maturidade, a simplicidade, a
descomplicação: “O menino ajuizado olha agradecido...”

Por contraste, não progride no caminho de infância quem vive na teia da


complicação, com todas as flutuações da imaturidade nos seus desejos, nas
suas ideias, nas suas imaginações, com uma conduta variável a cada
momento. Esse está permanentemente preocupado com o seu “eu”..., que é a
única coisa que lhe importa, ao contrário do menino ajuizado que, na sua
simplicidade e na sua fraqueza, está totalmente ocupado na glória de seu
Pai-Deus, tal como viveu sempre o seu Mestre aqui na terra: a verdadeira
criança, o verdadeiro filho, vive e fala com seu Pai9.

III. A NOSSA PIEDADE deve estar impregnada de amor, e como


poderíamos amar se não começássemos por reconhecer o Senhor como um
Pai cheio de amor para com os seus filhos pequenos? Talvez muitos cristãos
vivam afastados de Deus ou mantenham com Ele umas relações dificultadas
pela imaturidade dos seus caprichos, ou marcadas pela rigidez e pela frieza,
por não terem descoberto nas suas vidas o sentido da filiação divina e o
caminho da infância espiritual, que para tantas almas foi o começo definitivo de
uma verdadeira vida interior.

Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança
não entrará nele10. “Por que se diz – pergunta Santo Ambrósio – que as
crianças são aptas para o Reino dos céus? Talvez porque geralmente não têm
malícia, não sabem enganar nem se atrevem a enganar-se; desconhecem a
luxúria, não desejam as riquezas e ignoram a ambição. Mas a virtude de tudo
isto não consiste no desconhecimento do mal, mas na sua repulsa; não
consiste na impossibilidade de pecar, mas em não consentir no pecado. Por
conseguinte, o Senhor não se refere à infância como tal, mas à inocência que
as crianças possuem na sua simplicidade”11.

Na vida cristã, a maturidade dá-se precisamente quando nos fazemos


crianças diante de Deus, filhos pequenos que confiam e se abandonam nEle
como uma criança se abandona nos braços de seu pai. Então encaramos os
acontecimentos do mundo como são, no seu verdadeiro valor, e não temos
outra preocupação fora a de agradar ao nosso Pai e Senhor.

A vida de infância espiritual é um caminho que exige a virtude sobrenatural


da fortaleza para vencer os ímpetos do orgulho e da auto-suficiência, todos
esses movimentos interiores que, à vista dos nossos fracassos, nos podem
levar ao desalento, à aridez e à solidão. A piedade filial, pelo contrário,
fortalece a esperança, a certeza de chegar à meta, e dá-nos paz e alegria
nesta vida. Perante as dificuldades da vida, não nos sentiremos nunca
sozinhos. O Senhor não nos abandona, e esta confiança será para nós como a
água para o viajante no deserto. Sem ela, não poderíamos prosseguir viagem.

Peçamos à Virgem, nossa Mãe, que nos segure sempre pela mão, como aos
filhos pequenos, com tanto mais cuidado quanto maiores forem a maturidade
humana e a experiência que os anos nos forem dando.

(1) Mt 19, 13-15; (2) cfr. S. C. para a doutrina da fé, Instrução sobre o baptismo das crianças,
20-X-1980; (3) Catecismo Romano, II, 2, 32; (4) Código de Direito Canónico, can. 867, 1; (5)
Ch. Lubich, Palabras para vivir, Ciudad Nueva, Madrid, 1981, pág. 47; (6) 1 Jo 3, 1; (7) cfr. B.
Perquin, Abba, Padre, pág. 142; (8) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 329; (9) cfr. B.
Perquin, op. cit., pág. 143; (10) Lc 18, 17; (11) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de
São Lucas, 18, 17.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

Você também pode gostar