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Anwar Ad Qulw of 0% ehyhio corvhanks mubnecs wo quote pecce) ole Dhrapauede — Se how mudane virile pore 7 . Ufa ges ow Ain bo Pere. ae vy e& Udbtiluko ve plied Valew, cenkste anes 60/80 Gnuits ae Lmperalaave anpaten Je we Aa hewo on tinhy Gus WG A ofurtes Lonlerr le - Corplguo cave alee [WM vue ofe: fea 7 Owuicer dha enfant no proce he? 5 oat mace? Clune? amen fa bre . -Grfokegon bo to poromencice pd, hee Meo worrce * 7 , romance do pees by Crore proce acumeulce 7 be ngprye te & ’ bel rquese,,... 108 - margens | volume 3 - Nova Granada, Yenenuela ¢ Cubs Cansado das vicissitudes que marcaram a minha agitada existéncia no Ultimo terco de minha vida e préximo da decadén- cia, o futuro de meus filhos ocupa toda a minha atengdo e é ob- A INDEPENDENCIA DA jeto de minha ambigao. Eles colherdo 0 fruto e gozarao da honra VENEZUELA: RESULTADOS dos meus trabalhos quando a geragao a qual pertencem, f re ___ POL{TICOS E ALCANCES SOCIAIS ___ das paixdes da geragao presente, julgar-me por meus feitos. ed Inés Quintero Bogots, 25 de maio de 1848. FLORENTINO GONZALEZ Introducao Uma das perguntas que divide a opiniao dos estudiosos com relagio ao processo de independéncia da Venezuela é se, efetivamente, a independéncia foi uma revolucdo que modificou substantivamente a organizaco ¢ 0 ordenamento da nossa socie- dade. Existem aqueles que opinam que, sob a perspectiva das (- motivagées e aspiragées dos seus promotores, dificilmente pode: \ riamos afirmar que o movimento de independéncia teve como objetivo transformar os fundamentos hierirquicos e excludentes da sociedade venezuelana e, portanto, se trataria de uma mudan- | ga eminentemente politica. Mas hi os que afirmam que a resisténcia de um importante setor da populagao, ~ composto na sua maioria por pardos, ~ a0 projeto das elites eriou! revolugo social na medida em que sua aspiragiio era mudar radicalmente a estrutura social e econdmica da sociedade. Nenhuma das afirmagdes anteriores é totalmente correta Aclite crioula, composta de brancos crioulos, descendentes dos conquistadores que tinham 0 controle dos cabidos,* no momento + Consehos muniipais. 11.0 + margens | volume 3 - Nova Granada, Venezuela e Guba da constituigao da primeira Junta, em 19 de abril de 1810, ¢ a0 declarar a independéncia um ano depois, em 5 de julho de 1811, nao tinham o propésito de voltar-se contra a sua propria hege- monia. Pelo contrério, acreditavam que, ao assumir a represen- taco politica de suas provincias € ao romper os lagos com a Espanha e assumir diretamente 0 controle do poder, néo acon- teceriam alteragdes significativas que colocassem em risco a sua supremacia social, econdmica e politica sobre 0 resto da sociedade. Entretanto, ao romper com a monarquia, abolir os privilé gios ¢ fundar uma Reptiblica, sem que houvesse uma mudanca nos seus designios e aspiragoes, a ordem social foi alterada, vol- tando-se contra os valores inalteraveis da tradigao e desenca- deando um processo cujo desenlace fugit do controle de seus promotores. 0 estremecimento foi tao grande que suas conse- quéncias nao se limitaram ao ambito polftico, mas afetaram, de maneira irreversivel, a sociedade venezuelana como um todo, Da mesma forma, 0 reptidio inicial A proposta de independéncia por parte dos grupos pertencentes aos setores mais pobres da sociedade nao teve como contrapartida o surgimento de um pro- jeto alternativo que tivesse 0 propésito de mudar a ordem esta- belecida e favorecer uma “revolucao social” que Thes permitisse obter 0 controle politico da sociedade venezuelana, tal como aconteceu na ilha de S40 Domingos [Saint-Domingue} alguns anos antes. Como indicou Germén Carrera Damasem seu estudo Boves, aspectos socioecondmicos de su.accién histérica,' José Tomas Boves, chefe das tropas que se rebelaram contra a ordem republicana, n Carrera Damas. Boves,axpectassocoecondmleas desu accibn histvica. Caracas, de Educacién, Departamento de Fublieaciones, 1968. RevolugBes de indepen nao era um reformador social. A grande participagao dos pardos € dos setores menos favorecidos da sociedade em suas fileiras, as priticas de saque, a pilhagem e o sequestro de bens, longe de representar uma redistribuigdo da propriedade e uma igualdade social, eram 0 tinico mecanismo para manter os seus exércitos. Sua execugéo néo tinha como objetivo destruir as bases econd- micas da sociedade, nem atacar as antigas hierarquias, mas garantir a sobrevivéncia dos soldados ¢ a manutengaio da guerra Agora, mesmo que nenhum dos setores da sociedade tives- se um alvo especificamente social, nao hé diivida de que a der- rota da Repiiblica em julho de 1812, um ano depois da declaracao da independéncia e poucos meses antes da sangao da primeira Constitui¢do Republicana em 21 de dezembro de 1811, 0 repit- dio ao projeto politico dos brancos crioulos, a participagao das grandes maiorias excluidas da sociedade na guerra, a violéncia ea dissolugio social inerentes ao conflito armado, as promogdes militares obtidas no desenvolvimento da luta, 0 desmantelamen- t da autoridade ¢ das antigas hierarquias, alteraram de maneira irreversivel 0 desenvolvimento da sociedade ao incorporar, na definicio do proceso, os que até aquele momento nao tido nenhuma influéncia na conducao do pals, SS Neste artigo, nos interessa examinar os conteiidos ¢ resul- tados politicos da independéncia e, ao mesmo tempo, interrogar- mo-nos sobre seus alcances sociais. Aconteceram mudangas irreversiveis na nossa sociedade como resultado da guerra de independéncia? As frmulas sociais e politicas do Antigo Regime mantiveram-se inalteradas? Qual foi o impacto da independén- cia? Depois da independéncia a sociedade venezuelana conti- \ nuou sendo a mesma? Isto tem algum valor ou relevancia para o presente? nos nas Amétiees © 1 11 112+ + imargens | volume 3 - Nova Granada, Venezuela € Cubs A sociedade venezuclana antes da independencia ‘A sociedade venezuelana do final do século XVIII estava regulada e funcionava de acordo com os prineipios e fundamen- tos das sociedades do Antigo Regime. A honra, a desi dee as hierarquias eram a garantia da ordem social. Estabelecida desta maneira desde o momento da conquista, 0s brancos criou- Jos, descendentes dos conquistadores, ocupavam um lugar privi- legiado na sociedade? Eles formavam a aristocracia local, beneficidria direta das prerrogativas estabelecidas ha muito tempo, ¢ tinham sob sua responsabilidade a diregao politica ¢ administrativa do governo das cidades nos cabidos. Como herdeiros dos conquistadores, também eram os maiores proprietérios de terra, os principais produtores e os beneficidrios diretos das relagdes comerciais que se desenvolviam na provincia ¢, como tais, dedicaram-se a preservar a harmonia desigual da sociedade. Os brancos crioulos também eram os que podiam fazer parte do clero, do quadro de altos offciais dos exércitos do rei, adquirir um titulo de nobreza de Castela ou pertencer a qual- quer das Ordens Nobilidrquicas, sinais inequivocos de qualidade e distingao social. © comportamento social desta aristocracia provincial a sua condigéo: hierdrquico ¢ excludente, como correspond nao admitiam easamentos com ninguém que nao fosse de igual estirpe e casavam-se entre primos préximos e distantes com a finalidade de preservar o estatuto de desigualdade e consolidar seu patriménio dentro da mesma rede familiar. Uma sintese sobre a origet eo comporiamento polio e social da nobreza crioula pode ser ‘voto no ensalo de minha autora intlado Lae Noble de Caracas Caracas, Academia Nasional ria, 2005, disponivel em wwwanhistorevenenscla.org/pd/discurss/disS4,p. ‘Revolugdes de independénciase nacional Eram muito suscetiveis na hora de fazer valer a sua impor- tancia social em ceriménias e celebragées piiblicas, ¢ mantiveram- se totalmente fidis monarquia nas ocasides em que ocorreram perturbagSes que puseram em perigo a ordem estabelecida. Assim aconteceu en(1797) quando foi desmascarada a cons- piragio de Manuel Gual e José Maria Espafa, organizada em La Guaira, porto préximo a capital. Em seus documentos, 0s orga- nizadores da revolta almejavam instaurar uma Repitblica, abolir a escravidao, consagrar 0 principio de igualdade ¢ a indepen- déncia da Espanha, 0 documento doutrinério mais ‘a edigdo em espanhol dos Direitos do Homem e do Cidadao, extraidos da declaragao francesa, amptiados com um texto preli- minar expressamente dirigido aos americanos no qual desenvol: fluente era viam e defendiam os principios republicanos.3 Imediatamente depois de a noticia ser divulgada em Cara- cas, a “nobreza da cidade”, composta de brancos crioulos, enca- minhou uma representagao ao rei na qual declarava sua lealdade & Coroa ¢ Ihe oferecia nao sé 0 apoio de fazendas, mas também formar no momento companhias arma- das as nossas custas para custodiar a sua pessoa ou qualquer outro destino, ou fangdes que considere oportunas para a tran- da autoridade puiblica’* “mossas pessoas © lade e 0 respei assim como muitos outres expedienes reatvos a0 acontecimento podem servistos ex Hbstor Garcia Chuesos. Documentos relatoos ata Revolucion de Gua 4 Bspavta, Coracas, Insito Panamericana de Geograiae Histra, 1049. Um estudo com- ‘Refornasyrebelionesen la eis del tase San Blas (Madi, 1799) a La se de Dowtorade, 200 Uma nova compl publicada com de thule Gual yBxpaia, La Independencia frustrada Caracas, Pundacién Empresas Pla, 2008, “+ Representagdo da nobrera da cidade de Caracas a0 re de Hepanha, 4 de agosto de 1787, ex ‘Santas Radula Cts, Antologte Documental de Venezuela 1492-190, Caracas, 1968, pp 154185. 114. margens | volume 5 ~ Nova Granada, Venezuela ¢ Cuba Da mesma maneira responderam alguns anos depois, em abril de 1806, quando souberam em Caracas da tentativa de invaséo de Francisco Miranda nas costas de Ocumare, ¢ quando finalmente desembarcon em Coro, poucos meses mais tarde. 0 cabido da cidade pronunciou-se contra a invasdo © organizou uma coleta puiblica para pagar a recompensa pela cabega do traidor. 0 documento qualificava de “escandalosa e atrevida” a expedicdo tentada pelo “perverso Mirand: agravo inadmissivel contra a lealdade dos habitantes da Vene- zuele & monarquia e ao Nao estava, assim, entre os planos e projetos dos brancos crioulos, apoiar ou promover ages que pudessem alterar a har- ‘monia ea estabilidade que a antiga ordem Ihes oferecia. (1808, com a crise da Monarquia Espanhola, os crioulos de Caracas romperam com a Corea. Pelo contrario, fizeram demonstragbes claras de lealdade a Fernando VII ¢ de repiidio & usurpagdo francesa, Antes de terminar 0 ano, re se uma Junta de notaveis na qual participaram no 86 os criou- Jos, mas também alguns peninsulares. 0 texto da representacdo comegava declarando a lealdade da “Nobilissima cidade de Caracas”, contra a “criminosa felonia” cometida pelo Imperador dos franceses contra a pessoa do “nosso amado rei”, sua real familia e contra a honra ¢ a liberdade da nagao. A proposta de constituir uma Junta, de acordo com 0 documento, tinha como {inico objetivo seguir 0 exemplo das Juntas que tinham se for- mado nas principais provincias da Espanha pela Unido dos is ¢ pela integridade da monarquia.® 1808, reprodusido em Marqués de Rojas, EL nanos, 18, p. 180 La Conjura de fos montuanos Utomo iversidad Catlen Andrés Belo, 2000 4 Este tema foi bastante trabalhado pela avior ct de field la Monarqul Bspatola, Caracis Cada uma dessas manifestagdes, expressbes ine lealdade dos crioulos para com a monarquia, no entanto, nao implica que, este grupo tivesse se inibido em manifestar as suas reservas ¢ queixas sobre as restrig6es que limitavam 0 seu forta- lecimento ¢ consolidacao econdmica, ¢ sobre as suas aspiracdes de obter uma maior representagio nas insténcias de poder da monarquia. Entretanto, nenhuma dessas manifestagées foi sufi- cientemente contundente, nem questionavam a antiga ordem ou colocava em xeque a fidelidade & Coroa, fundamentos essenciais do predominio que tinham na sociedade. \ Tensées e contradigdes na sociedade provincial A historiografia sobre a independéncia sempre insistiu em que 0 movimento dos crioulos de Caracas surgiu como conse- quéncia de um conjunto de fatores que justificavam a determi- nagdo independentista de seus promotores. A politica refort dos Bourb ‘ivo era reforgar os mecanismos de controle sobre as provincias; 0 reptidio, por parte da Coroa, & solicitagiio dos crioulos de administrativa dos funcionérios peninsulares sobre os criow a \s, cujo ol yerar 0 comércio; a supremacia 08 seguidos conflitos de competéncia e de autoridade que entre eles ¢ as autoridades peninsulares; 0 visiv criado entre os criowlos em razéo da aprovacdo ¢ apl Real Cédula de Gracias al Sacar (Decreto Real] a favor da ascen- sio social dos pardos, foram as razdes diretas dos aconteci tos ocorridos em 19 de abril de 1810. Assim o expressa nao s6 wda no tema, uma parte importante da historiografia especi como também é esta a verséio que aparece nos manuais de no, que as definem como as “causas internas” da independéncia junto com as chamadas “causas externas”, entre as quais as mais + margens | volume 5 ~ Nova Granada, Venezuela ¢ Cuba independéncia dos Estados Unidos, a Revolugo Francesa, as ideias da Mlustragao ¢, finalmente, a invasdo da Espanha por Napoleso. Nao hé diivida de que as reformas bourbénicas, a resistén- cia ao livre-comércio, 0 monopélio peninsular dos cargos ¢ a “igualdade” dos pardos geraram entre a elite crioula incbmodo, inquictagao e, também, um claro repttdio. Entretanto, a oposicao dos crioulos as disposigdes reais que afetavam os seus interesses econdmicos ¢ os seus privilégios politicos e sociais foi orientada por mecanismos regulares, mediante o envio de representagbes a0 monarca dirigidas desde 0 cabido, remetendo comunicados ao rei assinados por toda a “nobreza da cidade” ou a titulo indi- vidual por algum habitante de prestigio da Em algumas ocasides, a discord jiciativas da monarquia foi expressa de maneira mais belige- rante, como aconteceu quando foi constitufda a Companhia Guipuzcoana de Caracas, entidade responsivel por fixar os pre~ {gos € que tinha 0 monopélio do comércio do cacau produzido na provincia, prejudicando claramente os interesses econdmi- cos dos produtores locais, todos eles membros das principais familias da capital. O enfrentamento terminow, anos mais tarde, com a dissolugao da companhia pelo decreto real de 10 de rovineia, ja diante de algumas margo de 1785.7 Os crioulos também se pronunciaram de modo beligerante contra a execugao da Real Cédula de Gracias al Sacar (Decreto Real], em 1795, colocando-se frontalmente contra a possibilida- de que permitiria aos pardos obter a dispensa de sua condicao mediante o pagamento de uma pequena quantidade, que o decre- to fixava em 150 pesos. 1 este respete, veja Roland Denis Hussey, La Compata de Caracas 1726-1784, Caracas, Hanco Central da Venezuela, 1062. Revolugbes de independéncas e nacionalismes nas Américas + Para os membros do cabido, 0 conteddo do Decreto Real i “desgracado”, “fatal” ¢ capaz, de promover as “mais graves alteragies na ordem pitblica’: Se esta premissa crucial fosse modificada, se produziria um transtorno “espanto- s0” e de consequencias terriveis para a provincia. Porque s6 0s vizinhos ¢ naturais da América “..conhecem, desde que nascem ‘ou no decorrer de muitos anos de vida nela, a imensa distancia que separa os Brancos e os Pardos: a vantagem ea superioridade daqueles ¢ a baixeza e a subordinagao destes”* A discérdia dos brancos crioulos contra o Decreto Real pro- longou-se durante varios anos e envolveu nao s6 0 cabido, mas também o claustro da Real e Pontificia Universidade de Caracas € as antoridades eclesidsticas mais importantes da provincia, que se manifestaram contra. Entretanto, 0 decreto foi mantido. A resposta do Conselho das indias foi categérica, j que a medida néo pretendia “igualar” os pardos: seu propésito era favorecer aqueles pardos “beneméritos” que por sua lealdade, virtudes bons procedimentos mereciam a outorga desta graga real. AL Apesar das discérdias ¢ dos visiveis enfrentamentos entre crioulos ¢ a monarquia, antes dos acontecimentos da indepen- dencia nao houve por parte dos brancos crioulos a menor ten- tativa de contestar a ordem monérquica, nem propiciar uma mudanga que Ihes desse 0 comando dos assuntos pitblicos-da provincia mediante a ruptura definitiva do vinculo que os unia & Peninsula. Tudo parece indicar que a sociedade do Antigo Regi- me dava-Ihes mais estabilidade e garantias. © Relatorio que o Ay Real de 10 de feverero de 170 tema fo inicatmente tatado por Sant Sacar en Venezuela durante el periodo hispdnic, 1078, 2 vols Também se pode ver 0 ensaio Academia Naconal de Histéria, 2005 eno de Caracas digit ao tel da Espanta referente a0 Decreo 1x8, 28 de aovenbro de 1706, AI, Caracas, 1576. 0 odulfo Cortes em 8! Régimen de Las Gracias at ras, Academia Nacional de Histia, do Los Nobles de Caracas, Caracas, 117 118+ margens | volume’5 - Nova Granada, Venezuela Cuba Mas se os erioulos nao fizeram agbes que pusessem em perigo a antiga ordem e a integridade do império, também nao ha evidencias de que os pardos estimulassem iniciativas nem movimentos tendentes a romper 0 vinculo com a Espanha, ou que tivessem como objetivo a transformacdo radical do status hierdrquico e desigual da sociedade, exceto a rebelido de Manuel Gual e José Maria Espafia, que nao foi promovida pelos pardos, apesar de muitos dos participantes do movimento serem pardos. : possivel que os pardos tenham se manifestado contra o estatuto hierérquico da sociedade, que estabelecia claras entre brancos, indios € descendentes de escravos. Entre- tanto, é muito dificil afirmar ¢, ainda mais, demonstrar, que J tinham aspiracdes comuns e que estas foram concretizadas ou | propostas como parte de um projeto politico coletivo. Seria um cia de uma ferengas anacrot | “consciéncia de classe em si e para si” - como se diria no jargao " marxista - por parte dos pardos, capaz de conduzi-los a conquis- ta da liberdade e da igualdade. Pelo contrério, 0 que ¢ posstvel perceber é a maneit se reproduzia nas camadas inferiores da sociedade a apropria- edo ¢ assimilacdo da ordem desigual como um principio que regulava a relagao entre os individuos. Numerosas causas ci- como vis promovidas pelos zambos, mulatos e pardos demonstrat a forca desta ordem e de como eles procuravam ascender social- mente pelas vias que o sistema oferecia, ou seja, apelando aos tribunais, as possibilidades que o Decreto Real oferecia, fazendo parte das milicias de pardos ou tirando proveito das atividades econdmicas que Ihes eram permitidas. Dessa forma, nao houve, antes da independéncia, um movi- social promovido pelas camadas inferiores da sociedade evolugtes de independéacas e naconalismes nas Américas + que tivesse 0 propésito de contestar a hegemonia dos crioulos ou a autoridade do monarea e, muito menos, que tivesse 0 obje- tivo de incitar uma ruptura com a Espanha colocando-os em uma situagdo de vantagem com relag&o aos outros setores da sociedade. Mas, se nem os brancos crioulos, nem os pardos promove- ram um movimento de ruptura com a Espanha, e nem tiveram 0 propésito de modificar a ordem da sociedade, como se explica a independéncia e a polarizacdo social dos primeiros anos? Da opgio pela autonomia juntista a independéncia absoluta a Os acontecimentos de 19 de abril de 1819, dia em que foi constituida a Junta Suprema Conservadora dos direitos de Fer- nando VII, nao tiveram como propésito romper os vine provincia com a peninsula, O vazio de poder surgido com as abdicagdes de Baiona, a reagao das provincias contra 0 usur- pador francés, a constituigdo de numerosas Juntas ¢ 0s fortes confrontos criados entre os diferentes setores politicos que dis- putavam 0 controle da situagso na Espana tiveram consequén- cias inevitaveis do outro lado do Atlantico, ea Capitania Geral da Venezuela nfo foi uma exceco. Desdé.1808 se fazia em Caracas um debate importante a res- peito de como reagir diante da crise da monarquia, até qu mente, acordou-se reconhecer a Junta Central como depositaria da soberania na auséncia do rei, mesmo tendo 0 cabido manifes- tado reservas a esse respeito. Desta forma, quando Caracas as noticias sobre a dissolugéo da Junta ¢ a Conselho de Regéncia, o debate foi feito nos mesmos termos de 119 120 la, Venezuela e Cubs irgens | volume 3 ~ Nova 6: 1808. Com o rei ausente, a soberania recafa sobre a nacao, daf a nogativa em admitir a legitimidade da Regencia, o que ficou claro na Ata de 19 de abril: “..0 Conselho de Regencia nao pode exer- cer nenhum mando nem jurisdigo sobre estes paises, porque nao foi constituido pelo voto destes figis habitantes, quando j4 foram declarados, nfo colonos, mas sim partes integrantes da Coroa da Espanha e como tais foram chamados ao exercicio da soberania interina ¢ a reforma da Constituigio Nacional”? Foi constituida, entéo, a Junta Suprema de Caracas, deposi- téria provis6ria da soberania, até que se reunisse um Congreso Geral que seria 0 depositario legitimo da soberania. Neste senti- do, todas as provincias que pertenciam @ Capitania Geral da Venezuela foram convidadas a somar-se & iniciativa de Caracas, ¢ foram convocadas eleigies para designar os representantes {que participariam do referido Congresso. As provincias de Mara- caibo e Guiana e a cidade de Coro recusaram 0 chamado de Caracas e mantiveram-se fiéis 4 Regéncia. Maracaibo elegeu enviou scu representante as Cortes de CAdiz, e Guiana e Coro enviaram comissionados 4 Cédiz para solicitar representagio na assembleia gaditana. Os reveses da guerra na peninsula, a resposta da Regéncia diante da iniciativa de Caracas, a reagdo contra o movimento de Caracas por parte das provincias dissidentes, a reunido das Cor tes em Cadiz, a instalagao do Congresso Geral da Venezuela ¢ 0 debate sobre o futuro das provincias geraram nos meses poste- tiores um acelerado e inevitavel distanciamento. Rapidamente 0 movimento juntista iniciado em 19 de abril de 1810 transfor- mou-se em independentista e, em 5 de julho de 1811, 0 Congreso 4+ “ht de 19 de abril de 1810" (wwrwanalitcacom/atbioteca/vencouclat9abril1810.a6), Geral da Venezuela declarou a independéncia ~ com apenas um. voto contra, © processo até aqui foi conduzido principalmente pelos setores privilegiados da sociedade. A maioria dos membros da Junta de Caracas, assim como os representantes que foram elei- tos para fazer parte do Congresso, era parte da elite provincial: fazendeiros, comerciantes, militares, clérigos e advogados. O regulamento eleitoral aprovado para a realizagio das eleigées estabelecia que 86 poderiam votar e ser eleitos os vardes livres maiores de 26 anos que tivessem domicilio fixo, casa aberta povoada e que fossem proprietarios de pelo menos 2 mil pesos em bens méveis ou bens de raiz. \_A Republica dos Notaveis A Constituigao dé 1811 estabelecen como forma de Estado a Federacio, sancionou a separagio de poderes,fixou um sistema cleitoral pelo voto, consagrou a liberdade, a igualdade, 0 direto & propriedade e a seguranca, eliminou os foros ¢ privilégios e pro- clamou 0 nascimento da Repiiblica, Entretanto, a aprovagho desta primeira Carta Magna nao provocou imediatamente uma mudan- ca na sociedade nem na maneira de conduzir seus individuos. Dificilmente aqueles que, as vésperas da independéncia, tinham criticado a aprovagao e a execugio do Decreto Real, aqueles que se assumiam como condutores naturais da ordem, aqueles que tinham a intengao de capitalizar a decisio da inde- pendéncia e conduzir 0 processo até seu término bem-sucedi- do, podiam imaginar que, separados da Espanha e sancionada a Reptiblica, convinha integrar os pardos ¢ consagrar o principio de igualdade, Em todas as provincias que se somaram a inicia wos nas Américas - 12 1 12.9 +margens | 15 ~ Nova Granada, Venezuela © Cuba tiva de Caracas, 0 controle do governo estava nas maos dos bran- cos crioulos e todos compartilhavam uma visdo hierérquica da sociedade, olhavam com reserva e distancia as classes inferiores e viam com horror a “infausta igualdade”. Consequentemente, na hora de iniciar a independéncia, reproduziram esta mesma atitude, tinica garantia de manter-se como cabegas visivels hegemdnicas da nova sociedad. Por deciséo da Junta de Caracas, as milicias de pardos icias dos brancos; nos batalhdes negros foram separadas das ‘de negros, 08 dois oficiais de maior patente deveriam ser bran- cos € 0 solo era diferente: os brancos ganhavam mais do que 0s _ pardos ¢ os negros. Na convocago para 0 alistamento militar de 15 de julho de 1811, a segregagao foi man niriam na frente da igreja, na praca da Trindade, 0s pardos se reuniriam no leste e os morenos no sul; os escravos deveriam se os brancos se reu- manter sob as ordens de seus amos, em suas casas, até nova ordem do governo. Como medida de contengao, foi aprovada a Ordenanca de Los Llanos, que estabelecia a perseguigio ao abigeato’ e restrin- gia a livre circulagio de seus habitantes mediante o sistema de tada ha anos pelos propri passes, formula de controle s rios brancos. 0 projeto de independéncia nao contou, em um primetro momento, com 0 apoio majoritério da populagde, composta em mais de 60% por pardos. A resposta dos brancos crioulos foi desqualificar todos aqueles que tinham aderido a defesa da cau- sa do rei, Na Gaceta de Caracas, ainda que nao exista mengao expressa aos pardos, condenaram-se os inimigos da Repdblica + Abigeato = fart de gndo por terem se deixado “prostituir pelos satélites da tirania”; foram alvo de critica por terem se colocado sob as ordens “dos mesmos que devoraram a nossa esséncia”. Bolivar, em 1815, Jamentou que muitos dos habitantes das provincias tivessem se prestado a ser instramento dos “malva- dos espanhéis” ¢ que ndo se colocaram sob a protegio de um governo que sé desejava trabalhar por seu bem. Mais tarde, em setembro de 1814, no chamado Manifesto de Cardpano, acusou- 0 por stta “inconcebivel deméncia ao pegar em armas para des- truir os seus libertadores e restituir 0 cetro aos tiranos”, € chamou-os de “seres fandticos, cuja depravacdo de espirito os faz amar as correntes como se fossem vinculos sociai ‘Tentou-se também o recurso de polarizar 0 conflito como uma guerra entre espanhdis e americanos. Ao denunciar 0 abso- lutismo espanhol e condenar 0 submetimento de que tinham sido objeto aqueles povos por parte da monarquia, os docunen- tos oficiais procuravam legitimar a decisio emaneipadora como ‘uma causa justa dos americanos contra a Rspanha. A expresso mais radical deste propésito polarizador foi realizada por Bolivar pelo seu Decreto de Guerra & Morte. Na proclama, propunha-se o confronto como uma guerra de exter- minio entre americanos e espanhéis. Os primeiros, assistidos pela justiga de sua causa: a conquista da liberdade; os segundos, sem direito vida por serem os tinicos responsavels pelos infor s e desgragas dos american Em 1815, derrotada a segunda tentativa republicana, Simon Bolivar, em sua conhecida “Carta da Jamaica”, reiterava 0 desig- 124+ margens | ne’ ~ Nova Granade, Venezuela ¢ Cuba rio de supremacia dos brancs crioulos na condugao do proces- so om virtude de sua inevitavel superioridade hist6rica.!? ‘A proposta dos mantuanos’ néo contemplou a integracio ‘ampla e em igualdade de condigbes de outros atores sociais. Entretanto, o repitdio & independéncia e sua escassa popularida- de entre as classes sociais nao foi produto da “deméncia inexpli- cavel” de alguns individuos empenhados em manter sua posicso mesmo com a opressao de seus inimigos, como defendia Bolivar, nem foi o resultado inevitavel do estado de ignorancia em que se encontrava @ maior parte da populagio por culpa do sistema espa- nnhol, como manifestaram muitos documentos politicos naquele ‘momento € como foi referendado posteriormente pelas hist6rias patrias. Tratava-se de um assunto muito mais complexo. N ; ‘i Os pardos ante a proposta da independéncia 0s primeiros protestos contra a independéncia aconteceram nas provincias que ndo acompanharam 0 movimento de Caracas = Maracaibo, Guiana e a cidade de Coro - ¢ também comegaram em({810) Um ano mais tarde, logo depois da declaragio de inde- pendéncia, em 5 de julho de 1811, houve uma revolta na cidade de Valencia. Os promotores da insurreigdo eram de diversas proce- dencias e tinham interesses ¢ motivagdes diferentes. Alguns esta- da cidade ¢ eram nativos do Pafs Basco, das Ihas Canérias e da Catalunha; outros eram crioulos, residen- tes em Valencia; um grupo importante era composto de sacerdo- tes ¢, finalmente, um niimero significativo provinha dos pardos. ime terpretagto deste documento 43 Fino Jamaica, Caracas, Monte Avila Baitores Latincamsericand, 1998. am snes = braneascxioalos da colts ‘Revolugdes de independéncias ¢ mactonalismos nas Américas « 1 2 6 ‘A agitagéo imps uma resposta armada do governo, envian- do o marqués de Toro, branco, crioulo, membro do Congresso € nobre, simbolo ¢ sintese dos valores da antiga sociedade. As for- ‘cas fiis se fortaleceram no Ocidente, receberam 0 apoio macigo da populagdo ese dirigiram ao centro sob o comando de Domin- go de Monteverde, oficial da Real Marinha de Guerra da Espa- nha. O Congresso colocou a responsabilidade de defender a Reptiblica nas maos de Francisco de Miranda. 0 bem-sucedido avango de Monteverde foi favorecido por uma rebelido de negros que se proclamavam fiéis a Fernando Vil e pelo apoio da maioria dos habitantes que se uniram as tro- pas reais ¢ declararam-se figis ao monarca. Em 94 de julho de 1812, terminow a primeira tentativa republicana com a capitula- ‘go de Francisco de Miranda diante de Domingo de Monteverde, chefe das tropas reais. ‘Até aqui a guerra néo tinha adquirido contornos dramati- cos. Passara-se um ano desde a declaracao da independéncia. Entretanto, como era de se esperar, 0s defensores do projeto republicano tentaram recuperar 0 controle. Santiago Marinho, chefe militar do Oriente, organizou uma expedigfo e invadiu 0 territério da Venezuela pelo leste, em janeiro de 1815, ¢ Simon Bolivar, que se refugiara em Nova Granada, obteve 0 apoio deste governo para entrar no territ6rio venezuelano pelo oeste. Em agosto de 1813, a Venezuela encontrava-se novamente sob 0 Con trole dos republicanos, mas nao seria por muito tempo. Ef precisamente no contexto desta ofensiva republicana que 03 pardos, 0s zambos, 08 negros € os mulatos ingressaram de ‘maneira significativa na guerra para defender a causa do rei e se opor ao projeto dos crioulos. O chamado para se unir a favor da Republica contra o absolutismo espanhol nfo oferecia nenhuma 126+ Jargens | volume 3 ~ Nova Granada, Venezuela e Cuba atragio; teve mais poder de convocago o chamado do chefe rea~ ista José Tomas Boves para lutar contra a aristocracia crioula, cabega visivel da rebelido contra 0 rei Acaréncia de recursos impos a pratica do saque, o butim de guerra em troca da prestagao de servigos, as extorsdes, 0 seques- tro de bens e a proviso de viveres como as Unicas fontes para sustentar a guerra. Tudo isto unido a exacerbagio das contradi- Ges sociais constituiram 0 fundamento da popularidade do che- fe real e foram um incentivo para a aco, o estimulo para entrar em um conflito cujo desentace traria beneficios diretos para os que participassem da contenda.!> Houve uma diviséo politica entre os que eram fieis a monar- quia e os republicanos, divisdo que teve, ao mesmo tempo, um forte contetido social. S6 a partir de 1815, com a chegada da Expedigao Pacificadora de Morillo, enviada por Fernando VIL a fim de recuperar 0 controle de seus dominios, ocorrett uma revi- ravolta na oferta social do bando republicano. ™ A oferta social da Repiblica Enh1818) apés os sucessivos fracassos dos rebeldes e diante da impopularidade do projeto republicano, B pésito de reverter 0 processo ea fim de nno, ofereceu um tipo de satisfagio escravos no Exército republ ‘social para aqueles que se juntassem a causa da independéncia: lutassem pela independencia e a a liberdade dos escravos q partilha de terras para os soldados como pagamento pelos s gos prestados ao Exército da Reptiblica. lendo no ivr ctado de German Carrera Damas, Hoves, as ‘ocibn istdrica, 1968. Revolugaes de independéncias € nacionalismos nas Arr Em 2 de junho de 1816, em Cartipano, foi decretada a liber- dade dos escravos, intimados, porém, a somar-se as fileiras do exército sob seu comando. No ano seguinte, em 10 de outubro de 1817, foi sancionado o decreto no qual se estabelecia a repartigao de bens como recompensa aos oficiais ¢ soldados que fizessem parte do Exército republicano, Desta maneira, substituiu-se a figura andrquica do saque e da pilhagem por uma formula insti- tucional que regulava a distribuigo dos bens sequestrados e dos terrenos baldios entre os soldados e 08 oficiais de acordo com a patente militar. Esta mesma férmula fora posta em pratica wm ano antes, em Los Llanos, pelo chefe patriota José Antonio Paez, que gozava de grande popu atre os habitantes da regia. A escassez de recursos para satistazer a divisdo de bens dinheiro que a guerra exigia ¢ a impossibilidade de pagar imedia- tamente as tropas obrigaram que a repartigio de terras fosse feita por meio de vales e, quando a situagao estivesse regularizada, esta seria feita tal como estava previsto no regulamento aprovado. wridade _ Entretanto, a oferta de libertar os escravos ¢ a promessa de repartir as terras entre os soldados nao queria dizer que tinbam | desaparecido as reservas com relacdo as classes inferiores e que fossem ignoradas tentativas que procurassem dar um conteiido social & diregdo € orientagao do processo. Os argumentos apresentados por Bolivar em 17 de outubro de 1817, ao justificar a execucao de Manuel Piar,!* “por procla- as 127 128- ‘margens | volume 8 - Nova Granada, Venezuela ¢ Cuba guerra civil e convidar a anarquia’, tiveram o objetivo de impe- dir qualquer tipo de iniciativa que colocasse 0 conflito no terreno social, o qual, sob a sua 6tica, encontrava-se resolvido, tal como expressa aos soldados na mesma proclama: _.Nossas armas ndo quebraram as correntes dos escravos? A. odiosa diferenca de classes e cores ndo foi abolida para sempre? Os bens nacionais nao foram repartidos entre vés? Nao sois iguais, livres, independentes © honrados? Podia Piar obter-Ihes bens maiores do que esses? Nao, nao, nao.!? Se as reivindicagies sociais tinham sido resolvidas, 0 pro- blema era concluir a guerra, derrotar a Espanha e consolidar a Reptiblica, \. A vitéria das armas republicanas 0 temor A dissolugdo social que preocupava os chefes repu- blicanos também era motivo de preocupagio entre as autori- dades da monarquia, responsiveis por manter a ordem nos territérios sob sua responsabilidade; sendo assim, nao viam com simpatia os métodos de guerra de José Tomas Boves. José Fran- cisco Heredia, ouvidor e regente interino da Real Audiéncia de Caracas entre 1812 1817, em suas Memérias e relatérios, qua- lificava a agdo de Boves nos Llanos como “uma insurreigie de outro tipo”. Quando Pablo Morillo, comandante geral da expedicao & Costa Firme chegow A Venezuela, constatou com estupefacdo 0 Simin Botfvar, “Manifesto sobre a ejecucién de Manuel Par”, Angostura 17 de ae 1817 Revolugdes de independéncias e nacionalismos nas Américas + 1 2 Q) estilo de guerra que se praticava nesses territorios, assim como a composicao das forgas reunidas por José Tomas Boves, antes de cair em combate, em dezembro de 1814, Ao assumir 0 comando, no reconheceu muitas das promogées militares dadas a pardos e mulatos; pretendeu disciplinar e normatizar 0 funcionamento dos oficiais e das tropas sob sua responsabilidade; regularizou 0 abastecimento de recursos; combateu a pilhagem; inibiu os saques e, no final de 1817, enviou para a Espanha o capitdo par- do Alejo Mirabal, por ser inimigo dos brancos e porque tinha muita influéncia sobre as pessoas de cor. ‘Ainda que, em 1820, em uma falida tentativa de incremen- tar suas tropas, tenha oferecido a nacionalidade espanhola as pessoas de cor que se unissem aos seus exércitos, era pouco pro- vavel que tal oferta mobilizasse 0 Animo dos negros ¢ pardos a favor dos Exércitos do Rei. Entretanto, o desenlace final da guer- raa favor da independéncia nao esteve diretamente relacionado ‘com as medidas adotadas por Morillo, nem com as ofertas sociais de Simén Bolivar, anteriormente descritas. © contingente de Haneros' comandados por Paez, a entrada de oficiais britanicos, o recrutamento forgado como meio de au- mentar as fileiras do Exéreito republicano, a resposta da Coroa ao conflito e, finalmente, a rebelido liberal que aconteceu na peninsula, em 1820, contribuiram de maneira decisiva para o triunfo das forgas republicanas sobre o Exército do Rei na bata- tha de Carabobo, travada em 24 de junho de 1821. Aqui é importante perceber a influencia dos acontecimentos que ocorreram na Espana, em 1820. Os liberais espanhdis esti: mavam, equivocadamente, que ainda era possivel uma saida 104 = da regio de Los Lanes, 1.30 + margens | volume 5 ~ Nova Granada, Venezuela ¢ Cuba negociada com as provincias rebeldes, restituindo o sistema liberal que a Constituigdo de 1812 consagrava e, dessa forma, evitar a dissolugao definitiva do império. Com esse espirito, pro- moveram a celebragdo de um armisticio que foi assinado em novembro de 1820. A trégua permitin a Bolivar reforgar suas posigdes e organizar a recuperagio definitiva do territério vene- zuclano. Ao mesmo tempo, esta resolucdo colocon os exércitos reais que se encontravam em terra firme em desvantagem, porque nao tinham provisdes e estavam em condigbes abso- lutamente precérias. A assinatura do armisticio agravou esta situagao. Quando 0 armisticio foi rompido pelas forcas republicanas eaconteceu 0 combate em Carabobo, 0 general Miguel la Torre, 1u ajuda das Cortes espanho- que comandava o exército, soli las, queixou-se da negligéncia do governo ante a situagdo ameri- cana, informou sobre o estado de desmoralizacao no qual 0 exército se encontrava c pediu algum tipo de apoio para continu- ar resistindo. Nao obteve resposta e os focos reais que ainda maneciam em Maracaibo e Puerto Cabello viram-se condenados a0 fracasso. Isto se deu em 1825. Um ano mais tarde, em dezem- bro de 1824, travou-se o combate de Ayacucho, que liquidou as aspiragées da Espanha na América. 0 que determinou a vit6ria de Carabobo nao foi produto de uma virada maciga e popular em direcdo & causa da inde- pendéncia provocada pelas ofertas de Bolivar, mas sim, nova- mente, a da crise espanhola ~ a dificuldade de reverter um ica e militar dificultava bastante proceso cuja dinémica po! sustentar a integridade de um império debilitado ¢ em vias de extingao, desde 0 momento em que sucumbiu diante dos exér- citos de Napoleao. Revolugtes de independéncias¢naco \ A sociedade resultante Concluida a guerra de modo favordvel as Armas da Repit- blica, foi preciso ajustar a sociedade, controlar a dissolugto social, recuperar a ordem, conter os pardos, normatizar a igual- dade e colocar algum tipo de limite ao exercicio da liberdade. A escravidéo nao foi abolida ¢ 0 Congresso de Citcuta, em 1821, aprovou um regime que contemplava a sua extingdo gra- dual. 0 propésito da medida era que, em seu devido tempo, todos 6s habitantes da Colombia fossem livres, sem que isto compro- metesse a tranquilidade publica ou vulnerasse os direitos dos proprietarios. Na Venezuela, 0 tempo devido levou 33 anos: a escravidao foi abolida em margo de 1854. A divisao de terras aos soldados foi aprovada pelo Congres- 80 de Ciieuta. Na Venezuela, José Antonio Paez obteve poderes especiais para executar a medida. As terras destinadas a este firm nio foram as melhores e muitos soldados vencidos pela necessi- dade venderam seus vales. A imprensa da época denunciou que 08 beneficidrios dessa medida tinham sido os altos oficiais do ito. Antonio Bricefio, representante da Venezuela no Con- gresso colombiano, acusou Paez de ser um dos piores especula- exél dores, pois sua fortuna escandalosa se devia & apropriagio das terras dos seus préprios soldados. Na Convencao de Ocafta, em 1828, tratou-se do mesmo assunto em razdo do fracasso da divi- sao de terras € suas funestas consequéncias. Nao houve, pois, ‘um processo de outorga de terras que transformasse em peque- nos proprietérios aqueles que participaram da guerra. ‘Também nao desapareceu o sentimento de reserva ante ds aspiragdes de ascensao social dos pardos ca necessidade de exe- cutar medidas para conté-los. Bolivar, em varias ocasibes, fez mencio ao perigo da “pardocracia”: “..a igualdade legal nao é 0 los nas Amériens « 131

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