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PASSANDO A TESOURA: COMO OS LEITORES DE


QUADRINHOS SOFREM COM AS TRADUÇÕES E
ADAPTAÇÕES NAS REVISTAS BRASILEIRAS
Fernando Passarelli [*]

Resumo

Uma história em quadrinhos norte-americana a ser publicada no Brasil passa por um processo de tradução / adaptação que vai da
redução do formato das revistas até a modificação das cores

Palavras-chave

Histórias em quadrinhos - Tradução; Histórias em quadrinhos - Versão; Cultura de massa.

Abstract

Before a North-American comic can be published in Brazil, it is necessary to develop a translation / adaptation process, which
involves the reduction of the pages, color changing, a new diagramation of pages and texts changes. This article analyses comi

Keywords

Comics - Translation; Comics - Version; Mass culture; Popular culture.

Introdução

Alguma coisa parece estar errada quando, no meio daquela sessão de cinema, você percebe que o personagem disse uma frase
muito longa, com pelo menos três linhas de script, e na tela só apareceu um breve : "Estou irritado !"
Quem se irrita, na verdade, é você e o resto da platéia, com a nítida impressão de que está sendo passado para trás pelo tradutor
do filme. No processo comunicativo, esse tipo de alteração só pode ser identificado quando a mensagem original está em poder do
receptor ou ao seu alcance, como a fala original do filme e sua legenda simultânea. Distanciadas a mensagem original e sua
versão, o receptor fica desprovido de parâmetros para analisar a veracidade ou a qualidade da comunicação. Assim ocorre nos
livros, nos textos jornalísticos, nos filmes dublados e nas histórias em quadrinhos.
Os protestos contra os cortes e incorreções na tradução são comuns nos filmes de cinema e TV, bem como nas versões de livros.
Contudo, pouco se fala sobre os problemas da tradução de histórias em quadrinhos. Como elemento artístico, ela não recebe a
mesma atenção que a de um livro ou a de um filme, quando ocorrem erros na sua transposição para a língua portuguesa. Não se
corrige o texto de uma HQ para uma segunda edição ou se refaz a diagramação. Subcultura, conforme pensam as empresas, não
tem controle de qualidade.
Quem não conhece esse meio de comunicação de forma profunda ignora que mais da metade das revistas vendidas nas bancas
brasileiras foram originalmente produzidas nos Estados Unidos e aqui são publicadas após a tradução e adaptação das histórias.
Desconhecem, por exemplo, que o personagem Batman não é feito em São Paulo e até os desenhos feitos por brasileiros para
editoras americanas precisam ir para esse país antes de chegarem até nós.
"Então esse problema é muito maior nos casos de filmes que chegam ao cinema ou às videolocadoras, quase todos estrangeiros",
retrucariam alguns. Nos quadrinhos, infelizmente, a situação parece ser ainda mais grave, porque envolve a modificação da
mensagem em seu conteúdo e morfologia, pelas alterações ocorridas no formato das revistas, colorização e diagramação, e não
apenas na tradução dos textos, como acontece no cinema, na TV, na literatura ou no jornalismo. As alterações, portanto, não se
limitam apenas aos textos e mensagens veiculadas nas HQ's (conteúdo), mas agem também sobre o aspecto visual (morfológico).

1 - Mudanças derivadas do formato das revistas

Os problemas do leitor de quadrinhos do Brasil começam no formato escolhido pela editora para a publicação das histórias
americanas. As opções são basicamente duas: o chamado formatinho, de 19 X 13,5 cm, e o formato americano, de proporção
idêntica às revistas originais, de 26 X 17 cm. A incidência de deturpações nos processos de adaptação é somente observada nas
revistas de formato pequeno (formatinho).
A explicação para isso é simples. Cada página de uma revista americana, ao ser reduzida de seu formato original (26 X 17 cm)
para a proporção brasileira (19 X 13,5 cm), permanece em dimensões equivalentes a pouco mais que a metade de sua área
original. Essa redução do tamanho da página da revista afeta o espaço destinado ao texto da história. Assim, os balões ficam
menores e o letrista brasileiro tem à sua disposição metade do espaço originalmente destinado ao texto.
E como fazer uma frase de vinte palavras, de uma língua considerada compacta, tornar-se uma frase de apenas nove? Da mesma
forma que o tradutor do filme a que nos referimos no começo fez com que as três linhas de script de um filme se tornassem
menos que uma linha de legenda: pelo corte. Vai caber ao tradutor / editor da revista brasileira o enxugamento das falas dos
personagens e da narrativa, a fim de que estas possam ser acomodadas dentro dos balões dos quadrinhos. Tal problema não
ocorre quando as revistas são publicadas no Brasil no formato original americano, justamente pela possibilidade que se tem da
acomodação de um volume de texto pelo menos idêntico dentro dos balões.
Desta maneira, na página 04 da revista The Incredible Hulk 334, publicada nos Estados Unidos em agosto de 1987, o alter-ego
do protagonista, Dr. Bruce Banner, medita, no texto original:
Eu odeio esconder os fatos reais de Leonard, mas algo me diz que quanto mais eu evitar contar para ele que estou me
transformando de novo no Hulk será melhor. Uma vez de volta à base Gama, talvez eu possa encontrar uma maneira de me curar

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do Hulk rapidamente, completamente. Antes que eu tenha que perturbar alguém com isso. [1]
A explicação do personagem para o seu desejo de retornar ao laboratório, a fim de continuar suas pesquisas de radiação, não
chegou ao leitor brasileiro. Na versão publicada no Brasil em O Novo Incrível Hulk 91, em janeiro de 1991, Banner diz apenas :
Odeio ocultar coisas de Leonard, mas algo me diz que quanto mais tarde eu revelar que voltei a me transformar no Hulk, melhor.
O mesmo problema ocorreu na página 11 de Captain America 377, em setembro de 1990, na qual o leitor norte-americano leu o
seguinte diálogo:
- Não o matei, no entanto.
- O dinheiro vai estar no lugar de sempre, saia de vista por pelo menos três meses, não venha aqui sob nenhuma circunstância; vou
avisar quando eu quiser você. Entende ?
- Sim. [2]
Esta mesma seqüência chegou ao leitor brasileiro na forma de um monólogo, em Capitão América 178, publicado em março de
1994, com a omissão da resposta do segundo interlocutor da conversa :
- Mas o cara não morreu. Certo.
No original, fica claro ao leitor o motivo que levará ao desaparecimento do primeiro personagem nas próximas edições da revista.
No Brasil, soube-se apenas que o assassino não havia completado o crime da forma planejada.
A modificação de sentidos notada nos dois exemplos acima constitui o que se convencionou chamar de ruído dentro do processo
comunicativo, uma interferência que modifica a mensagem original transmitida da fonte (o roteirista) para o receptor (o leitor
brasileiro).
Em outros casos, quando o texto traduzido não pode mais ser eliminado, o estúdio brasileiro interfere no desenho original e
aumenta o balão. A arte da história é "violentada" e o balão redesenhado sobre o fundo original da página.

2 - Alternativas editoriais: novas opções

No Brasil, os problemas de tradução / adaptação de histórias em quadrinhos não são recentes. Em 1972, a Editora Bloch, por
exemplo, já substituía show business (mundo artístico) por teatro e bedroom (quarto) por quarto de dormir, produzia cortes nas
artes e trocava as cores originais. Foram, aliás, problemas semelhantes de colorização que fizeram com que, muito antes da
Editora Bloch, a roupa do personagem Fantasma, de Lee Falk, mudasse, nas revistas brasileiras, do lilás original para o vermelho.
Os teóricos da tradução estabelecem diferentes conceituações para essa atividade. As opiniões divergem no que diz respeito ao
resultado final do trabalho, se existe ou não a possibilidade do autor alcançar perfeição estilística em qualquer trabalho que lhe
chega às mãos.
Geir Campos [3] coloca em uma lado o escritor norte-americano Werner Whinter, o qual afirma, categórico, que "tradução
completamente exata não existe", e o francês Alfred Malblanc, com a declaração de que "uma tradução deve ser correta, não
exata". Do outro lado, Campos destaca o brasileiro Breno Silveira opondo-se a esses posicionamentos ao defender que " a
fidelidade é o ponto mais importante de qualquer tradução". Entre os adeptos de cada linha de trabalho se distribuem grandes
nomes das letras, de Cícero (43 a. C.) a Manuel Bandeira, partidários das versões artísticas e despreocupados com a fidelidade ao
original.
"Tal como acontece com as demais doutrinas, as posições extremas erram sempre o alvo", afirma Erwin Theodor. "As normas de
uma tradução apropriada", prossegue Theodor, "são ditadas pelo público leitor, e o tradutor deve possuir perceptividade especial,
que lhe permite captar as preferências do ambiente para o qual traduz e constatar quais as peculiaridades do autor a traduzir, que
mais se afinam nesses gostos". [4]
No caso das histórias em quadrinhos, as editoras brasileiras se exumam da culpa pelos erros ao justificar a adoção do tamanho
inferior como necessidade de mercado, a fim de que o leitor compre um título em tamanho menor, mas de volume maior, com três
ou quatro histórias de revistas americanas diferentes. A velha relação da qualidade versus a quantidade.
No entanto, observando-se o nível gráfico e de conteúdo de texto das minisséries e graphic novels publicadas no Brasil, pode-se
concluir que existe a possibilidade da publicação de histórias com um resultado final muito próximo ou semelhante ao das revistas
originais.
A comprovação total desta hipótese veio através da minissérie Marvels, publicada nos Estados Unidos em 1993 e no Brasil em
1995, pela Editora Abril. Escrita por Kurt Busiek e ilustrada por Alex Ross a partir de fotografias, Marvels foi premiada como uma
obra artística pelo realismo que transmite. No Brasil, tanto como nos Estados Unidos, a minissérie recebeu uma edição em formato
americano e foi revestida por uma capa de acetato transparente, semelhante àquela que protege a edição original.
Para evitar retoques na arte de Alex Ross, a editora optou, nos quatro volumes, pela inclusão de um glossário na página posterior à
capa de cada revista. Assim, todas as frases e palavras que aparecem em inglês no cenário da história possuem suas devidas
traduções no início de cada um dos volumes.
Por se tratar de um título publicado em formato americano, Marvels foi impressa a partir de fotolitos originais, portanto com as
mesma colorização, formatos de balões e onomatopéias das revistas norte-americanas. Cada número da edição brasileira de
Marvels conseguiu até mesmo chegar ao leitor brasileiro por um preço - R$ 4,90 (US$ 4,65) - inferior ao pago pelo leitor
americano pela mesma série - US$ 5,95.
Como que satisfeita pelos resultados alcançados - e consciente de suas deficiências até então - a Editora Abril Jovem investiu seus
esforços em um processo de controle e aprimoramento da qualidade em suas revistas de linha, como fez com Marvels. Se em
1992 a implantação do Plano Collor foi responsável pelo fechamento de pequenas editoras de quadrinhos e pelo cancelamento de
diversos títulos, foi a partir de 1994 e do Plano Real que este segmento editorial começou a reagir.
Em 1996, a Editora Abril rompeu um jejum de duas décadas e passou a somar às linhas Marvel e D.C. uma terceira série de
quadrinhos, a Image. Notoriamente, todas as versões brasileiras para os títulos da Image foram compostas por revistas em
formato norte-americano, proporção esta que também foi adotada para um título regular da linha X-Men e para as minisséries da
editora, cada vez mais freqüentes. Recentemente, a Editora Abril surpreendeu o seu público ao decidir manter alguns títulos da
linha infantil, como Pernalonga, Frajola e Piu-Piu, e da linha Disney, como o Superpato italiano, em formato original americano.
Se a questão gráfica parece estar sendo resolvida e o leitor começa a ter esperanças de encontrar melhores versões das histórias
originais, dois problemas, no entanto, ainda parecem sem solução imediata no universo das HQs : as onomatopéias e os nomes
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originais, dois problemas, no entanto, ainda parecem sem solução imediata no universo das HQs : as onomatopéias e os nomes
próprios.

3 - As onomatopéias

As onomatopéias são as representações de ruídos sonoros através de palavras, as quais sempre estiveram nos originais das
revistas, em língua inglesa. Demorou-se para descobrir que as expressões que foram convencionalmente mantidas do original para
a representação dos sons, nas revistas brasileiras, nada mais são do que os verbos ingleses que significam o ato desenhado,
alguns dos quais relacionados ao ruído emitido na ação. Para os leitores de quadrinhos do Brasil, as palavras passaram a
representar o som emitido em determinada cena. Assim, o leitor brasileiro relacionará a palavra bang ao ruído ocorrido em uma
explosão ou disparo de arma de fogo, e não ao verbo que implica nesta ação e cof ao som de sufocamento e não ao ato de se
tossir.
Isto significará que, enquanto as histórias em quadrinhos norte-americanas utilizam as onomatopéias como a transcrição dos
verbos que representam os sons, os demais países que consomem as histórias produzidas nos Estados Unidos absorverão as
palavras como abstrações, às quais o leitor passa a relacionar o fato que ocorre em determinada cena.
Os desenhistas brasileiros que descobriram isso começaram a adotar uma forma própria de escrever os sons das histórias, criando
seu conjunto onomatopaico, fora do padrão norte-americano. Ziraldo foi um dos precussores, nos "Zérois", e apostou em palavras
sem nenhum sentido literário / etmológico, apenas se limitando à transcrição dos ruídos. Entre estas estão "procotó", "whow",
"zing", "aaaa" , "yep" e exageros como "AAAUEeEEeEE / EIIIIAOOOOO / IIIEEUUUUEAçIA / IAAEEOOOII-IUU /
ooOIIIEEIEEAAOiAAAAEooo / zAAUUUUIUOOOOIIA / IIAAAAOiAAAAEooo / zAUUUIUOOOOIIA /
IIAAEEEEEEEEEeeeeeeeeeee" ou ainda o absurdo "bababadalgharaghtakamminnarronnkonnbronn-
tonnerronntuonnthunnthunntrovarrhounawnskawantoohoohoordenenthurnuk !".
A Maurício de Sousa Produções adota um estilo pessoal para as onomatopéias que utiliza nas revistas da Turma da Mônica,
adaptando algumas expressões norte-americanas para a língua portuguesa, ou transcrevendo os ruídos da maneira que soam aos
ouvidos do leitor brasileiro. Assim sendo, o "gulp" americano transforma-se em "glup", o "splash" em "chuáá", o "atchoo" em
"atchim" e etc.
Entre os artistas da nova geração brasileira de quadrinhos, destaca-se a vanguarda de Laerte Coutinho, nas suas tiras e HQ's. Na
série "Condomínio", colocou diversas vezes sobre o casal de gatos protagonistas da série, em cenas de namoro, as palavras
"beija", "beija", "amassa". É a atitude brasileira baseada nos princípios norte-americanos de representação do sons.
Apesar de se constituirem palavras inglesas que fogem à nomenclatura brasileira convencionada para a representação dos sons (o
brasileiro não espirra "atchoo", mas "atchim") , a tradução das onomatopéias poderia causar problemas de interpretação ao leitor
acostumado a encontrar signos "importados". Não entenderia, talvez, ainda, o porque de aparecer as palavras "soco", "socar" ou
"golpe pesado" durante uma luta, muito menos ver um canhão abrir fogo sob uma palavra "atirar" ou "explosão", ou, ainda,
observar um personagem beber água sob o fonema "engole".
A postura ideal consistiria na criação de um conjunto de onomatopéias genuinamente brasileiras, adotadas e empregadas,
inicialmente, nas revistas e tiras nacionais. A partir do momento que os signos forem absorvidos e identificados pelo leitor o ponto
de suplantarem as palavras e expressões estrangeiras, haveria a substituição gradativa destas últimas.
Para que a arte das histórias não sofra alterações, as palavras precisariam ser colocadas no mesmo espaço destinado às
onomatopéias norte-americanas, no mesmo procedimento adotado na substituição dos balões de textos. Isto é, sem alterar a arte
original das páginas. Caso isso não possa ser feito, a não-tradução é preferida à mutilação das histórias pelo desenho de novos
ruídos sobre os antigos, de forma inconseqüente.

4 - Os nomes próprios

No que se refere aos nomes dos personagens, a situação é diferente da observada em relação às onomatopéias, porque não há
padronização. Somente em uma revista, Daredevil (Audacioso) é chamado de Demolidor e Hawkeye (Olho de Falcão), Gavião
Arqueiro, para se aproveitar as iniciais gravadas nos uniformes. Em outra, Batman não é Homem-morcego e Robin não é
Andorinha. Num terceiro caso, contracenam Wolverine com Noturno e Gambit com Vampira. No Brasil, não se convencionou a
manutenção dos nomes em inglês ou em português.
Problema semelhante enfrentou Edoardo Bizzari quando trabalhava na adaptação de Grande Sertão: Veredas para a língua
italiana. Não achava um sinônimo para a palavra veredas naquele idioma e recorreu ao autor, Guimarães Rosa, que lhe respondeu
com um termo que havia criado : "traduzadaptação". [5]
Numa lição de respeito com o trabalho de Guimarães Rosa e para com a cultura do Brasil, Brizzari preferiu manter o termo
veredas na versão italiana, em função da inexistência de uma palavra equivalente. "Não vou traduzi-la para o italiano", justificou-se
Edoardo, "aliás, procurarei introduzi-la na minha língua, como iniciativa de uma realidade típica e intransponível".

5 - Outras interferências

Além dos pontos levantados acima, outras questões também intererferem na recepção, pelo público leitor brasileiro, da mensagem
originalmente proposta nos quadrinhos produzidos em outros países. Entre elas, destacam-se as mudanças de cores e as
alterações na diagramação das histórias.

5.1 As cores

O processo de redução do formato das revistas também é responsável pela diferença das cores empregadas nos títulos
brasileiros. Quando uma revista de quadrinhos é publicada no Brasil em formato americano, existe a possibilidade da utilização do
fotolito original, pela cessão / cópia das matrizes americanas, com a marcação das tonalidades que foram empregadas no título
estrangeiro. A estas chapas originais são adicionados apenas os balões com as falas em português.
Contudo, a adoção de uma proporção inferior (formatinho) exige que seja refeito o processo de distribuição das cores nas revistas,

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Contudo, a adoção de uma proporção inferior (formatinho) exige que seja refeito o processo de distribuição das cores nas revistas,
a fim de que se encontrem as tonalidades que melhor se aproximem daquelas empregadas nas histórias originais. O resultado
observado nas revistas brasileiras, em comparação com as norte-americanas, fica muitas vezes aquém do original. Isso é
importante porque até mesmo a modificação de uma cor na adaptação de uma história americana pode modificar o sentido da
mensagem transmitida.
Por exemplo, a composição de verde empregada no Brasil para colorir o personagem Hulk em O Incrível Hulk 78 é composta por
50% de cyan e 60% de amarelo, contra os 30% de cyan e 70% de amarelo na revista original, The Incredible Hulk 324.
Segundo Israel Pedrosa, "o verde é ponto ideal de equilíbrio da mistura do amarelo com o azul. As potencialidades diametralmente
opostas das duas cores - claridade e obscuridade, calor e frio, aproximação e afastamento, movimento excêntrico e movimento
concêntrico - anulam-se e surge um repouso feito de tensões". [6]
Assim, conforme esse autor, o verde escurecido (como adotado no Brasil) cria possibilidades de enriquecimento cromático, mas é
com o clareado (como adotado no original americano) que o resultado torna-se mais ativo. A cor do Hulk "brasileiro" seria
responsável, portanto, pelo obscurecimento da personalidade do personagem, tornando-o sombrio, noturno e negativo, em
contraste com o Hulk "americano", cujas cores lhe conferem atitudes enérgicas e luminosidade.

5.2 Alterações de páginas e rediagramações

As alterações mais relevantes encontradas na comparação entre as revistas norte-americanas e suas versões brasileiras estão nos
casos de redistribuição de quadrinhos nas histórias e à omissão total de páginas originais. Um estúdio brasileiro de tradução /
adaptação de quadrinhos encontra mais facilidade para enxugar histórias nas quais os quadros de narrativa apresentam tamanhos
semelhantes entre si, possibilitando a edição (movimentação) das cenas.
Foi o caso observado na versão brasileira para a história The More Things Change, em The Incredible Hulk 324. Na versão
publicada em O Incrível Hulk 78, o leitor brasileiro deixou de ler três tiras da narrativa, quando três páginas foram transformadas
em duas. Desta maneira, as páginas 4, 5 e 6 da edição norte-americana foram condensadas nas páginas 6 e 7 do título brasileiro.
Desapareceu, com isso, uma seqüência em flashback que recapitulava os acontecimentos das edições posteriores.
Quando as páginas não possuem, como no caso citado, quadrinhos de tamanhos semelhantes, o estúdio brasileiro opta pelo corte
total de uma ou mais páginas da revista.
Alguns exemplos:
[diamond] a versão brasileira para a história Bizarro, publicada em Super-homem 130, chegou às bancas sem as páginas 3 e 12
(seqüências de narrativa) do título original, Superman 87;
[diamond] em Homem-Aranha 132 também não aparece a página 27 (seqüência de combate) da revista norte-americana The
Web of Spider-Man 69, da qual a história foi retirada;
[diamond] a página 9 da revista Captain America 377 não aparece na história editada para Capitão América 178. Neste caso,
foram suprimidos sete quadros referentes à internação do herói, assim como a explicação de que este não havia sofrido danos
maiores durante uma ação. O leitor brasileiro deixou também de saber, com o corte desta página, que a personagem Cascavel
mantinha uma preocupação pelo estado de saúde do herói, insinuando um relacionamento afetivo que se iniciaria nas edições
posteriores.
[diamond] em Novos Titãs 102, as duas páginas da história original, publicada em New Titans 93, desapareceram, omitindo a
seqüência na qual o personagem Fantasma é assassinado por um misterioso vilão. Essa última parte da história, que teria o
objetivo de introduzir o leitor à próxima minissérie nas quais os heróis estariam envolvidos, não foi apresentada ao leitor brasileiro,
encerrando abruptamente a narrativa.

Conclusão

Este estudo foi apresentado, de forma mais aprofundada, como Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo da Universidade
de Taubaté (Unitau) em 1995 e não teve participação direta no processo de melhoria da adaptação das histórias em quadrinhos,
observada nos últimos três anos (pelo menos, não com o conhecimento deste autor...).
As revistas que hoje chegam às bancas brasileiras apresentam mais qualidade nos textos, na colorização, na diagramação e na
escolha dos formatos. A quantidade de títulos no tamanho americano já faz frente às revistas em formatinho. Entre os leitores, as
reclamações deixaram de ser a respeito da cor incorreta deste ou daquele herói para se direcionar ao roteiro de uma história ou ao
traço de um artista.
No cinema há o risco de se perder o público para as emissoras de TV a cabo, que oferecem melhores traduções, mais títulos e
preço acessível. O mesmo acontece nos quadrinhos. A distribuição de revistas importadas se aprimorou tanto que elas já fazem
frente hoje a suas similares nacionais. Se um título da Abril não agradar a um leitor, este tem possibilidade agora de adquirir a
edição original, por preço similar, e acompanhar a história em outro idioma. Daí vem a necessidade de se melhorar o serviço
prestado pela editora brasileira, a fim de não se perder toda uma geração de leitores.

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[*]
Formado em jornalismo pela Universidade de Taubaté e especialista em Teoria da Comunicação pela Faculdade de
Comunicação Social Cásper Líbero, de São Paulo.

[1] Texto original :


"I hate hiding the full facts from Leonard, but something tells me the longer I can avoid telling him I'm reverting to the Hulk again,
the better. Once back at Gamma Base, perhaps I can find a way to cure myself of the Hulk quickly, completely. Before I have to
bother anyone about it".
[2] Texto original :
" - Didn't kill him, though.
- The money will be in the usual place. Drop out of sight for at least three months, do not come here under any circumstances. I'll
send word out when I want you. Understand ?
- Yep."
[3] CAMPOS, Geir. O Que é Tradução. São Paulo, Editora Brasiliense, 1986, ps. 14-15.
[4] THEODOR, Erwin. Tradução: Ofício e Arte. São Paulo, Cultrix, 1976. p. 120-1.
[5] ROSA, João Guimarães. Correspondência com o tradutor Italiano. São Paulo, Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1972. p.9.
[6] PEDROSA, Leo. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro : Léo Christiano Editorial, 1977. p. 111-2.

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