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COSTA JÚNIOR, Clécio Bernardino da. CAVALCANTE, Leandro Augusto e Silva Miranda
cleciojunior@outlook.com
leandro.miranda@ifrn.edu.br
RESUMO
Considerando o suicídio como um fenômeno complexo e multidimensional, pretendemos, através deste artigo,
compreender como adolescentes e jovens, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – Parnamirim, se colocam
frente a um contexto de suicídio, levando em consideração os efeitos de uma sociedade do cansaço (HAN, 2015),
cada vez mais exigente, dinâmica e segregadora. Para tal, fizemos uma anamnese e criamos alguns jogos teatrais
que facilitaram perceber momentos de afetação acerca da temática, suicídio. Levamos em conta conceitos de
“Teatro do Oprimido” (BOAL, 2005) de Augusto Boal e os “Jogos Teatrais” (SPOLIN, 2012) de Viola Spolin,
além dos estudos de Karina Fukumitsu (FUKUMITSU, 2012) sobre suicídio e psicologia num viés gestáltico.
Diante de tais exposições, dos índices apresentados, dessa reflexão do suicídio como algo contextualizado
socialmente, percebemos acerca do potencial nível de relevância que o ensino de teatro em concordância com a
psicologia, têm para facilitar intervenções em grupos de adolescentes e jovens, afim de discutir e refletir sobre tal
fenômeno social, o suicídio. Portanto, neste estudo, não tivemos a pretensão de trazer uma resposta única sobre o
suicídio, ou método concreto para trabalhar com adolescentes, e sim, principiar algumas perspectivas de
compreensão e intervenção a partir do ensino de teatro em concordância a psicologia.
ABSTRACT
Considering that suicide is a complex and multidimensional phenomenon, it is intended through this research, to
understand how adolescents and young people, from the Federal Institute of Rio Grande do Norte - Parnamirim,
face a suicide context, taking into account the effects of a tired society (HAN, 2015), increasingly demanding,
dynamic and segregating. To this end, we made an anamnesis and created some theatrical games that made it easier
to perceive moments of affectation about the theme, suicide. We take into account concepts of “Theatre of the
Oppressed” (BOAL, 2005) by Augusto Boal and the “Theatrical Games” (SPOLIN, 2012) by Viola Spolin, in
addition to studies by Karina Fukumitsu (FUKUMITSU, 2012) on suicide and psychology in a gestalt. Faced with
such expositions, the presented indices, this reflection of suicide as something socially contextualized, we realize
about the potential level of relevance that theater teaching in accordance with psychology, have to facilitate
interventions in groups of adolescents and young people, in order to discuss and reflect on such a social
phenomenon, suicide. Therefore, in this study, we did not intend to bring a single answer about suicide, or a
concrete method for working with adolescents, but rather to start some perspectives of understanding and
intervention from the teaching of theater in accordance with psychology.
KEYWORDS: Catharsis. Creative Process. Suicide. Theater and Psychology. Theater Teaching.
INTRODUÇÃO
O estudo que aqui segue, dialoga com as potências ligadas ao ensino de Teatro e
Psicologia: Conversando sobre a prática teatral como estímulo da saúde mental no contexto do
suicídio com alunos do Ensino Médio. Para isto, entendendo a grande complexidade
epistemológica das ciências psicologia e teatro, indagamos: Quais possibilidades de diálogo
entre teatro e psicologia na produção de saúde mental no contexto de suicídio com jovens?
Desta forma, tal diálogo, aconteceu a partir da elaboração de uma oficina teatral,
trazendo ênfase aos estudos de jogos teatrais, da autora Viola Spolin, assim como o teatro do
oprimido, do autor Augusto Boal. Construindo e tecendo uma análise sobre o suicídio, este
estudo tráz um olhar para o suicídio como um fenômeno social, (Dutra, 2010) tendo como base
conceitos arquetípicos, tais como herói e anti-herói, e a catarse, cunhada por Aristóteles (1993)
nas Tragédias gregas. Sobre a catarse como medicina da alma, escreve Aristóteles:
Complementa Chauí,
A tragédia tem uma finalidade educativa e formadora do caráter e das virtudes, por
isso deve suscitar no espectador paixões que imitem as que ele sentiria se, de fato, os
acontecimentos trágicos acontecessem e devem, a seguir, oferecer remédios para essas
paixões, fazendo o espectador sair do teatro emocionalmente liberado ou capaz de
liberar-se do peso de suas emoções. O espectador deve aprender, pela imitação (pelo
espetáculo oferecido), o bem e o mal das paixões, o que podem fazer de terrível ou
benéfico para os humanos. (ARISTÓTELES, apud, CHAUÍ, 1994, p. 338-339)
Sendo assim, analisamos como o Ser1 – lançado num mundo inóspito – constrói
socialmente uma catarse acerca do arquétipo do Herói, dentro de uma sociedade complexa,
cristalizante e aniquiladora de sentidos, e que por vezes traga desejos e escolhas do Ser.
Sabendo ainda, que para Ser-herói, é necessário se abster dos seus desejos e impulsos, para
viver uma vida de gentilezas exageradas, acolhimento incondicional, e uma busca incessante
por ser visto, por estar em ênfase e por salvar algo ou alguém. (CAMPBELL, 1997)
1
Utilizamos a letra “S” em maiúsculo no intuito de trazer a noção de modo de Ser, entendendo que este modo de
Ser é aquilo que vamos nos construindo e sendo durante nossas experiências na vida.
Tendo em vista que o suicídio é um fenômeno complexo e multidimensional (DUTRA,
2010) pretende-se através desta pesquisa compreender e oportunizar reflexões de como os
adolescentes e jovens se colocam frente a uma sociedade contemporânea, cada vez mais
exigente, dinâmica e segregadora. Desta forma, usaremos o conceito anti-herói, como arquétipo
que rompe com grande parte das convenções sociais acerca do conceito de ser herói.
Dados do relatório publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2014),
revelaram que mundialmente são mais de 800.000 pessoas que morrem por suicídio todos os
anos, segunda causa principal de morte na faixa etária entre 15 a 29 anos. No Brasil, de acordo
com os índices coletados (OMS, 2012), tem uma taxa de 5,8 casos de suicídio por 100 mil
habitantes, sendo o oitavo país com mais mortes por suicídio, indicando que cerca de 11 mil
pessoas tiraram sua própria vida por ano. Com isso, no ano de 2016 o suicídio ficou entre as
principais causas da morte no país, sendo a quarta maior causa de morte entre jovens desta faixa
etária, o que impactou em termos de Saúde, na criação de uma agenda pautada em estratégias
de prevenção e redução dos índices até o ano de 2030, conforme Sistema de Informação sobre
Mortalidade (SIM, 2017). Dutra (2010), alerta que o suicídio não é necessariamente causado
por uma psicopatologia e chama a atenção ao contexto socioeconômico onde ocorre o suicídio:
[...] não podemos ignorar o fato de que uma sociedade que exclui os cidadãos do
sistema educacional e de saúde e que elimina as oportunidades de uma melhor
qualidade de vida é também uma sociedade que favorece a perda de sentido de vida
e, desse modo, reforça, em algumas pessoas, o desejo de não mais viver. (DUTRA,
2010, p. 246)
O mito do herói, pode ser considerado um dos mais comuns e conhecidos do mundo.
Essa questão é encontrada tanto na mitologia clássica da Grécia e de Roma, quanto, no extremo
Oriente e em tribos primitivas contemporâneas. Embora este conceito apresente detalhes
contextuais distintos, existem semelhanças estruturais de tal mito, já que, em todos entendemos
a estrutura do Ser herói como essência de uma forma universal, mesmo quando construído por
indivíduos ou grupos sem qualquer tipo de contato cultural. (JUNG, 2008)
No trecho acima vemos algumas características fundantes da história social do Ser herói,
mostrando sua vida como alguém com pouco valor e que traz uma força descomunal o fazendo
acender sobre todos a sua volta e tendo sempre o bem e o mal como polaridades basilares.
Numa sociedade onde a busca incessante pelo pertencimento tem se tornado
fundamental, Costa e Forteski (2013), discorrem que, o Dasein (HEIDEGGER, apud, WERLE,
2003) – ser-no-mundo – em sua auto constituição temporal pode assumir uma existência alheia
a si mesmo, sendo aquele que ele não é, ou não pode ser, tendendo a frustrar-se e se perder
daquilo que lhe é próprio. Neste emaranhado social, encontramos o arquétipo do herói, como
um guia para muitos, e ao mesmo tempo aniquilador das vontades e desejos fora dos padrões
do Ser-herói. É a partir deste olhar, que o Ser começa a negar-se, limitando-se a uma vida
construída dentro de um padrão social.
Segundo Dutra (2014), vivemos numa sociedade segregadora e aniquiladora de
sentidos. Já que esta sociedade, que nomearemos de contemporânea, traz a ambivalência de
existir, pois ao mesmo tempo que, proíbe o indivíduo de ficar triste ou sentir dor, é “gera-dor”
de sentidos vazios, num mundo saturado de soluções materiais, que padroniza emoções, afetos
e desejos, criando a ilusão de uma felicidade aonde a realização pessoal possa ser adquirida
como mercadoria por meio de ofertas atrativas. Para Dutra, considerando Baudrillard (2001),
Hoje, a vida é preservada na medida em que tem valor, isto é, valor de troca. Mas se
a vida é preciosa, é justamente porque ela não tem valor de troca porque é impossível
trocá-la por algum valor final. O mundo não pode ser negociado como mercadoria,
nem trocado por qualquer outro mundo [...] (DUTRA, 2012, p. 933).
É neste viés, que se conceitua o suicídio como um fenômeno social, fruto de uma
construção social acerca de um viver, pautado num modo especifico do Ser trazendo a imagem
do Ser herói evoluindo e refletindo em cada momento de vida do ser humano. Aprofundando,
Jung (2008), se debruça sobre os estudos do Dr. Paul Radin, constatando uma clara progressão
do mito, desde o conceito mais primitivo do herói até o mais elaborado, e levanta algumas
características de ciclos heroicos. Segundo Jung (2008), os ciclos estudados pelo Dr. Randin,
tomaram como exemplo uma tribo de índios norte-americanos, os winnebagos, pois nela, pode-
se observar nitidamente as quatro etapas distintas desta evolução do herói.
Assim, o primeiro ciclo, Trickster, corresponde aos primeiros momentos de vida, quando
a criança e seus desejos mais primitivos, a dominam a partir de impulsos e desejos, com o
propósito da satisfação das suas necessidades mais elementares, tornando-a um ser cruel, cínico
e insensível. Já o segundo ciclo, Hare, vem como fundador da cultura naquele Ser,
representando um avanço distinto sobre o ciclo Trickster, pois é nele, que o ser se torna mais
civilizado, corrigindo os impulsos infantis e instintivos encontrados no primeiro. (JUNG, 2008)
O terceiro ciclo, Red Horn, atende aos requisitos do herói arquetípico, já que este vence
difíceis provas e batalhas com seu poder sobre-humano. Um ponto fundamental, é que neste
ciclo, o herói tem a ajuda de um companheiro vigoroso (para a tribo forma de pássaro-trovão),
assemelhando-se as orientações e ensinamentos que temos na juventude. Isso se associa como,
potencializador de poderes “sobre-humanos” que precisamos ter para vencer batalhas na vida,
tais como fazer um exame de ingresso na universidade, buscar emprego, se tornar bem-
sucedido, constituir uma “bela” família, e assim, trilhar o caminho de um he-rói. Tendo, ainda,
que ser “re-conhecido”, “re” num amontoado de muitos outros he-róis que já viveram e
seguiram uma já conhecida trilha, afim de serem conhecidos. “Os perigos que ameaçam a
felicidade e a segurança do homem nascem, agora, do próprio homem” (Jung 2008, p.146).
E assim, Jung (2008) traz o último ciclo, o Twins, sendo representado por dois modos de
Ser: a) Flesh, como conciliador, brando e sem iniciativas; b) Stump, como dinâmico e rebelde.
Segundo Jung (2008), são respectivamente, representações do introvertido, cuja força principal
está na reflexão; e extrovertido, sendo este um Ser de ação capaz de realizar grandes feitos.
No entanto, exatamente como os deuses guerreiros dos índios navajos, tornam-se,
eventualmente, vitimas do abuso que fazem de sua própria força. Não deixam sobrar
mais nenhum monstro no céu ou na terra sem ser derrotado, e sua conduta desvairada
acaba recebendo troco. Os winnebagos contam que, por fim, não restou mais nada que
lhes escapasse - nem mesmo os suportes que sustentam o mundo.(JUNG, 2008, p.146)
Todavia, este ciclo, traz o herói eventualmente vítima do abuso que faz de sua própria força.
Estando este, numa busca incessante por ser o melhor, vencendo todos os obstáculos que estão
à sua frente, acaba destruindo sua própria vida, afim de preencher um buraco cavado pelo
próprio herói. Contudo, é nesta busca, que se encontra a consonância entre o ensino de teatro e
a psicologia, construindo um olhar atento para esta catarse arquetípica deste modo de Ser herói.
Além disso, não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de
todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua
extensão. Temos apenas de seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo
abominável, encontraremos um deus. E lá, onde esperávamos matar alguém,
mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro
da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia
do mundo todo.” (CAMPBELL, 1997, pag.138)
É justamente na busca pelo re-conhecimento, por algo ou alguém, que somos levados a
trilhar um caminho que é uma forma já existente vivida por outros. Tememos não sermos
aceitos em nossos desejos, já que, o primeiro ciclo do herói, o Trickster (JUNG, 2008), é
conhecido como algo infantil e imaturo, pois temos que seguir cada fase à risca, sem nos darmos
conta, de que estamos na trilha do herói. Modelos de vida, que nos sujeitam a uma série de
referências culturais e midiáticas, modos de ser, que começam a nos moldar quando crianças.
Levantamos, a seguir, modelos de heróis difundidos socialmente para crianças e adultos.
A indústria cinematográfica, é um grande agente social de construção de modos de Ser,
se consolidando a partir de grandiosas catarses, que acontecem quando assistimos e nos
apropriamos de um personagem, tendo-o como um referencial para vida. Exemplo disso, é o
personagem heroico “Capitão América”, que tem seu nascimento nos quadrinhos e acaba
tomando conta das telas de cinema por todo o mundo. Ele, como um jovem franzino que atinge
uma visão grega simétrica de “perfeição” humana e sobre-humana após aplicar um soro
experimental, precisa constituir-se como imagem de super herói para ajudar os Estados Unidos
contra as potências do Eixo. Segue a sinopse do filme:
“Steve Rogers é um jovem que aceitou ser voluntário em uma série de experiências
que visam criar o supersoldado americano. Os militares conseguem transformá-lo em
uma arma humana, mas logo percebem que o supersoldado é valioso demais para pôr
em risco na luta contra os nazistas. Desta forma, Rogers é usado como uma
celebridade do exército, marcando presença em paradas realizadas pela Europa no
intuito de levantar a estima dos combatentes. Para tanto passa a usar uma vestimenta
com as cores da bandeira dos Estados Unidos, azul, branca e vermelha.” (CAPITÃO
AMÉRICA. 2011)
A partir desta sinopse, podemos ter a noção de como, dentro da história do filme, o
símbolo do herói, do homem perfeito, do supersoldado, foi usado como motivador de vitórias
na guerra. Estimulando outros soldados a se alistarem para a guerra. Outro herói surge no
mesmo universo de filmes da Marvel DC, o Homem de Ferro, diferindo do ser super humano,
pois o Homem de Ferro traz um universo de glamour e riquezas como potencializador para ser
um super herói. Sua identidade é a de um empresário bilionário, Tony Stark, que usa uma
armadura de alta tecnologia no combate ao crime e se promove como grande empresário bélico.
Tony Stark (Robert Downey Jr.) é um industrial bilionário, que também é um brilhante
inventor. Ao ser sequestrado ele é obrigado por terroristas a construir uma arma
devastadora, mas, ao invés disto, constrói uma armadura de alta tecnologia que
permite que fuja de seu cativeiro. A partir de então ele passa a usá-la para combater o
crime, sob o alter-ego do Homem de Ferro. (HOMEM DE FERRO, 2008)
Em outra via surge nos cinemas Deadpool, quebrando totalmente os padrões do Ser
herói, pois Deadpool é um personagem fictício do universo Marvel, que atua geralmente como
anti-herói e ocasionalmente como vilão. Deadpool, cujo nome verdadeiro é Wade Winston
Wilson, é um mercenário canadense marcado por ser falastrão, violento e comediante (bufão),
e com isso, ser chamado de "mercenário tagarela" e sua principal habilidade é o fator de cura
que o faz sobreviver a ferimentos. Podemos nos aprofundar um pouco com a sinopse do filme.
Esse personagem assume o lugar do anti-herói, quebrando o padrão social do ser herói,
por mostrar um modo de Ser mais próximo do humano. Ao decorrer desse capítulo podemos
perceber o desmantelar do herói, e quando trazemos des-mantelar, focamos no que existe nesta
palavra relacionando-a ao padrão do herói. Esse padrão que exige um corpo sobre-humano, um
corpo ideal, um modo de Ser perfeito, um modo de Ser salvador, um modo de Ser modelo para
outros, (Capitão América); ou um modo de Ser pautado nos bens materiais e no glamour da
riqueza e status (Homem de Ferro). Analisando, esses são alguns dos modelos que estão sendo
construídos na sociedade de atual, além de potencializados na indústria cultural e midiática.
Tudo isso, nos leva a catarse que temos com personagens heroicos e re-conhecidos socialmente,
trazendo um movimento de reprodução de características e modo de Ser próprio, podendo
conduzir a frustração decorrente desta busca incessante por ser um Ser sobre-humano, um herói.
A partir deste olhar trazido por Mitchell (2013), o anti-herói é alguém que assume seu
modo de Ser próprio, escolhe fazer algo a partir de meios eticamente questionáveis para atingir
finalidades eticamente válidas. Desta forma, num movimento catártico, a sociedade entende o
herói como uma versão melhorada de si, todavia, o anti-herói mostra-se como o ser humano é
no real, com defeitos, já que este modo de Ser, faz coisas que qualquer um desajaria fazer.
Um exemplo próximo de anti-herói que surgiu na atualidade, é o filme “Esquadrão
Suicida”, lançado em 2021, baseado na equipe de mesmo nome da DC Comics. Produzido pela
DC Films, Atlas Entertainmennt e The Safran Company, e distribuído pela Warner Bros
Pictures, é uma sequência independente de O Esquadrão Suicida 2016, o filme é escrito e
dirigido por James Gunn, contando a história de uma força-tarefa de peculiares condenados
que para reduzir seu tempo de prisão e fazer algo pela humanidade, foram enviados para destruir
um laboratório da era nazista numa ilha remota, todavia, encontraram o alienígena gigante
Starro, que também estava sendo patrocinado pelos “bonzinhos”. Segue a sinopse do filme:
Liderados por Sanguinário, Pacificador, Coronel Rick Flag, e pela psicopata favorita
de todos, Arlequina, o Esquadrão Suicida está disposto a fazer qualquer coisa para
escapar da prisão. Armados até os dentes e rastreados pela equipe de Amanda Waller,
eles são jogados (literalmente) na remota ilha Corto Maltese, repleta de militantes
adversários e forças de guerrilha. O grupo de supervilões busca destruição, mas basta
um movimento errado para que acabem mortos.
2. METODOLOGIA
3. O HERÓI GERA-DOR
O herói gera dor, esse modo de Ser herói acaba nos conduzindo para uma trilha sobre
humana, fazendo com que a humanidade se construa a partir de suas capacidades humanas,
sendo algo, sobre a capacidade do real, desta forma podendo gerar dores imensuráveis. No
dicionário, podemos ter que o herói é um indivíduo notabilizado por suas realizações, seus feitos
guerreiros, por sua coragem, abnegação, magnanimidade, sendo visto como filho de um deus
ou uma deusa com um ser humano (Dicionário). O autor Campbel (XXXX), traz em seus
estudos sobre esse herói, que é na maioria das vezes, um protagonista que descobriu ou realizou
alguma coisa além do nível normal de realizações ou de experiência, sendo ele também, alguém
que deu a própria vida por algo maior que ele mesmo.
Esse arquétipo do mito do herói, foi algo notório na prática vivencial na qual essa
pesquisa se propôs. Percebemos, através da entrevista semi-estruturada e jogo teatral, que os
dois jovens participantes da pesquisa, demonstraram bastante interesse pela temática abordada
acerca do mito do herói, anti-herói e contexto de suicídio. “J”, responde que o herói:
“é aquela pessoa que está disposta a fazer o bem independente das consequências, que
isso vá machucar ele, principalmente, quem sabe outras pessoas, mas ele vai estar
sempre pronto para fazer o correto” (PART. J)
“O herói talvez seja aquela figura do salvador, que além de cumprir as expectativas
dos outros, ele ultrapassa também esse sentido de se dar, né, se doar para o outro nesse
sentido de salvador mesmo, aquela pessoa que de uma certa maneira vai levar outras
do estado quo para algo melhor”. (PART. G)
A partir das duas falas podemos perceber o arquétipo do herói sendo formado, no qual,
mostra-nos um especifico modo de Ser que está sempre disponível para salvar e doar-se,
independente das consequências que essa total disponibilidade possa ocasionar em si mesmo,
ou no meio em que vive.
Trazendo referência sobre os estudos de Campbell (1997), o herói é alguém que dá a
vida por algo maior. Todavia, não paramos para analisar as consequências de tal ato heroico
para o próprio Ser humano, que num movimento catártico, acaba interrompendo seus modos de
ser próprios, para assim, viver uma trilha heroica sobre humana, é o que percebemos na fala de
“J” quando perguntado se “Em algum momento, já se sentiu conduzido a um caminho heroico?”
“Sim, com certeza, acho que boa parte da minha infância foi assim, nesse quesito de
estar sempre fazendo a coisa certa e não poder errar, acho que, minha mãe foi de
cobrar muito isso, então, eu sempre me sentia fazendo algumas coisas que eu não
queria fazer, para estar certo, para estar fazendo o que era certo.” (PART. J)
“sim, várias vezes. Uma coisa que eu sempre comento com a minha irmã, era que em
dia de receber nota, que independentemente de como estivesse, a gente iria levar
bronca por que não era bom o suficiente, que ainda tinha como melhorar, ainda tinha
como ser perfeito. Então era sempre um momento de muita tensão e chateamento
quando dava errado, mas teve alguns outros momentos também, mas esse é o
principal.” (PART. J)
Nesta fala podemos perceber vários pontos importantes para esta pesquisa, pois, é
notória a dor gerada pelas imposições e pressão transgeracional dos pais e responsáveis de “J”,
no qual necessitam de um herói na família, e colocam toda a carga de expectativa sobre a sua
prole, cobrando um resultado e modo de ser sobre humano. Todavia, não percebem a dor que
essa cobrança está gerando, pois, os mesmos são apenas mais um que buscam essa trilha heroica
que como mostra-nos Campbell, já é conhecida por outros, sendo ela, apenas passada e
transformada a partir do contexto histórico no qual a sociedade se encontra.
Assim, fazemos relação com o que já foi trazido anteriormente no tópico “ A torre
inalcançável do Herói”, onde Costa e Forteski (2013), discorrem sobre, este Ser que em sua
autoconstituição temporal pode assumir uma existência alheia a si mesmo, sendo aquele que
ele não é, ou não pode ser, é o que podemos notar na fala de “J”, quando o mesmo fala “...eu
sempre me sentia fazendo algumas coisas que eu não queria fazer, para estar certo, para estar
fazendo o que era certo...”, diante disso, o que acontece é que este Ser seguindo um caminho
que não é seu, frustra-se e se perde daquilo que lhe é próprio.
É neste movimento que o Ser começa a negar-se para assim como um bem visto herói,
doar-se acima de qualquer situação, todavia, o mesmo limita-se a uma vida construída dentro
de um padrão social. Padrão social este, que segundo Dutra (2014), segrega e aniquila sentidos.
É esta busca incessante pelo modelo perfeito, que conseguimos compreender na fala de “J”,
quando foi perguntado “Se essa cobrança dos pais é algo generalizado, no sentido, de conhecer
outros colegas que também passavam por situações semelhantes?” “J” diz:
Sim, sim, vários, vários e vários. Não necessariamente do mesmo jeito, nem com as
mesmas coisas, mas, todos os colegas, posso generalizar, todos os colegas, tirando
pouquíssimas exceções, se sentiam cobrados pelos pais de ser um modelo perfeito em
muitos quesitos, fazer o que eles queriam, por exemplo, jogando futebol muito bem,
ou indo muito bem na escola, ou estudando o que eles queriam que eles estudassem,
ou ganhando dinheiro da forma que eles queriam que ganhasse. (PART. J)
Provocamos, “Estar sempre sendo o melhor né?”, foi então que “J” respondeu: “Sim,
isto é sempre uma questão, os pais querem sempre que as crianças sejam a número um
independente da situação”. Falamos, então, sobre este movimento transgeracional em que
ocorre uma transferência de expectativas dos pais para os filhos, e vai-se acumulando e sendo
passado adiante na família, “J” então comenta:
“definitivamente é algo que acontece, minha mãe por exemplo, sofreu muito isso com
o pai dela que queria que ela estudasse X, Y, Z para ser X, Y, Z. Isso se conecta com
a ideia do herói também, porque por exemplo, meu avô via um médico cirurgião como
um herói, uma pessoa ali eximiu. E ele queria que os filhos dele fossem heróis, que
nem um médico era, por exemplo. E minha mãe quando ouviu isso pensou a vida
inteira e queria isso.” (PART. J)
“Sim, sim, ela era uma pessoa que se pressionava extremamente para ser esse herói,
ela tentava ser a melhor sempre, não aceitava qualquer coisa menor que a perfeição e
eu tive pouco contato com a família dela, o contato que tive foi com a mãe, e eu não
percebia aquela pressão direta da mãe dela, mas obviamente dava para perceber uma
expectativa, você via que a mãe dela percebia que ela era desse jeito e conseguia
sucesso sempre que tentava e percebia que ela via a filha como alguém que iria ter um
futuro que correspondesse às expectativas.” (PART. J)
Já o participante “G” trouxe uma pontuação interesse quando foi questionado sobre a
relação do contexto de suicídio com a temática do herói e anti-herói, “G” respondeu:
“Eu acho também que a figura do herói, ela de um certo modo, além de representar as
expectativas ela não parece em momento algum, pelo menos na construção do
arquétipo, que é uma figura que você vai ver decaindo né. E nesse sentido eu acho que
a gente enquanto ser humano e não herói, quando a gente vai indo bem em alguma
coisa na vida e de repente entra em alguma situação diferente dessa expectativa do
herói, eu acho que se relaciona também a isso, e você acaba caindo numa situação que
vai te prendendo.” (PART. G)
É sobre ter a sensação de estar preso em algo imutável, e não alcançar as expectativas
do outro para você. É sobre frustrar-se e não saber lidar com a frustração. Portanto, romper a
torre inalcançável do herói e desmantelar este herói, nos faz trilhar um caminhar que gera dor,
e no surgimento do anti-herói, tecemos uma subversão a este modo de Ser pautada no heroísmo
inflexível de uma moral e ética cristalizada na sociedade.
Em suas contribuições acerca dessa temática, suicídio, Dutra (2014) traz questões
importantes sobre o existir de forma autêntica, onde tantos padrões de subjetividade e
corporeidade nos são impostos cotidianamente por uma cultura determinista e impiedosa em
seus julgamentos. Fazendo-nos trilhar um caminho a partir de uma forma já existente. “J” traz
em sua fala, o pesado relato de alguém que já vivenciou um contexto de suicídio,
“numa situação onde tudo dava sempre muito certo, onde as coisas sempre
funcionaram, você tem toda aquela expectativa de que você é indestrutível que seu
contexto é indestrutível, e quando dá tudo errado, muito errado, aí você tem aquela
decepção, e você se vê tão impotente diante daquilo tudo, que dá aquela sensação de
apatia, que nada mais faz sentido nenhum. Que você só quer desligar tudo e
recomeçar.” (PART. J)
Podemos aqui refletir sobre esse anti-herói que “G” encontrou em si, mesmo diante de
um contexto de expectativas, na fala “...eles não querem que eu deixe florescer esse meu
lado...” o lado que não está sendo aceito, que socialmente não está dentro do padrão. Todavia,
“G” acaba tomando um lugar de anti-herói, pois ante a uma situação de pressão, ele escolhe
um modo de ser autêntico, a partir de seus desejos e impressões de realidade pessoais. “G” em
sua fala finaliza trazendo o que é ser um anti-herói,
“eu entendo que as vezes, para ser bom para si mesmo, acho que é mais necessário a
gente ser um anti-herói do que um herói, porque, entrando nessa questão de
expectativas, é sobre botar o pé no chão e vê sobre essas expectativas que são
refletidas para você ou estão com você, se elas fazem sentido e que você não precisa
suprir essas expectativas.” (PART. G)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão trilhada até este momento nos coloca diante de uma indagação: Será, que
estamos considerando o Ser anti-herói numa sociedade que nos conduz ao Ser herói? Cardoso
(2017), reflete em seus estudos que o heroísmo na modernidade é uma figura de grande
importância para o homem, já que este, está sempre buscando superar seus problemas, suas
necessidades e suas “deficiências” de acordo com seu ideal de vida. Desta forma, o mesmo
autor citando Eco (1998), traz que o herói é uma projeção daquilo que o homem quer ser, porém
não é, “é a projeção do que gostaríamos de ser”. (ECO, 1998, p. 253)
Cardoso (2017), mostra que um indivíduo comum, funcionário, sem recursos, dotes e
força, se identifica imediatamente a um personagem heroico que diante de uma situação difícil
da vida, encontra forças sobre-humanas para enfrenta-las. Todavia são forças sobre-humanas.
É nesse movimento que Cardoso (2017), indaga sobre a propagação de ideais de
comportamento, beleza e consumo, refletidos nos valores da cultura de massa através heróis
como o Superman, Capitão América e Homem de Ferro.
Sendo assim, estes conceitos refletem sobre o “Ser” diante de um mundo repleto de
modos de “Ser” pré-estabelecidos, incluindo o arquétipo do herói, que por vezes nos leva para
uma trilha de expectativas inalcançáveis, nos conduzindo a falta de sentido e a possibilidade do
findar num contexto de suicídio. Desta forma, nos atemos para os estudos de Kubler-Ross
(1991), pois a mesma traz que é a partir da reflexão da sua própria morte que o homem será
capaz de mudar sua realidade, e isso só poderá ser individualmente, mas não em nível de massa.
Nos posicionando acerca da fala da autora supracitada, nos propomos a pensar este fenômeno,
do suicídio, para além de uma lógica individual, já que, enquanto sociedade, necessitamos olhar
o Ser em todas as suas possibilidades de existir; levando em consideração as construções
contextuais que permeiam este Ser, sendo ele em muitas das vezes conduzido ao heroísmo,
vivendo assim numa forma que imprensa este Ser até caber ou ser descartado, ou então
descartar-se.
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