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20 2 ie 3 £ a DMPANHTA DAS LETRAS Copyright ©2008 Betrie Sato “Tempo pasado ha sid publica originalment en epatolen 0s. Fit traduccion es publ cada mediante acuerdo con Siglo XXL Edtones Argentina Topo pasado plied or sinalmentecmespanhol moos Etatraduste ¢publcada mediante acotdo com Sigs Editors Argentina Thao origina ‘Tiempo paso —Cultuadela memoria gio sbjetive. Una dissin Raul Loureiro Imagem capa Fanfare (1974), de George Danna, gusche ¢ ips sobre ain © Colesio particule! The Bridgeman Art Library Preparagio ‘Marcos La Ferman Revisto CCarmen$. da Casts Isabel orgeCury Decide ne Pano) {Cw intr a "eno uh :ete So meni bin Bi; ns Fe ie ~ Be Re Gme a Bb {hd ik eg 1 Ain Cann sini 19.985 2 Agni Conta iso 3 Maney Apne Bs Se Eldon Haas 3, Vina de esi as ‘reins aa Le007) Todos dirt desta dio reservados Ra Bandera Paulista og 32 ‘0432-002 —S50Palo—st "Befone 37-5 Fax) s707-301 ‘wae companhisdasetras.comn be Sumario L."Tempo passado, 9 2. Critica do testernunho: sujeito e experiencia, 23 3. Aret6rica testemunhal, 45, 4, Experiéncia e argumentacio, 69 5, P6s-memoraa, reconstituigoes, 90 6.Além da experiéncia, 14. Notas, 121 Agradecimento Em 2008 fui membro do Wissenschafiskolleg de Berlim, onde che- {guei para escrever uma biografia intelectual dos anos 1960 ¢ 1970. Com, tempo para examinar milhares de pginas, abandonei esse projeto. Li ‘muitas autobiografias e testemunhes, durante varios meses, e me con- vyencideque queria analicar criticamente as condigsesteérieas dizeur sivas historicas.O Wissenschaftskollegaceita,como uma espécie de tra- digdo liberal que 0 enobrece, essas mudangas de programa. Para essa ‘comunidade intelectual berlinense vai o meu agradecimento. 1, Tempo passado © passado é sempre conflituoso. A ele se referer, em concor- réncia, a meméria ea histéria, porque nem sempre a historia con- segue acreditar na meméria,eameméria desconfia de umarecons- Lituigio que nao coloque em seu centro os direitos da lembranga (Gireitus de vids, de justia, de subjetividade). Pensar que poderia xistir um entendimento facil entre essas perspectives sobreo pas- ado ¢um desejo ou um lugar-comum, ‘Alem de toda decisao piiblica ou privada, além da justiga eda responsabilidade, ha algo inabordavel no passado. Sé a patologia psicoldgica, intelectual ou moral é capaz de reprimi-lo; mas ele ‘continuaali,longe eperto,espreitando o presentecomoalembran- ‘ga que irrompe no momento em que menos se espera ou como a huvem insidiosa que ronda o fato do qual nao se quer ou no se pode lembrar. Nao se prescinde do passado pelo exercicio da deci- ‘io nem da inteligéncia; tampouco ele é convocado por um sim- ples ato da vontade. O retorno do passado nem sempre é um momento libertador da lenbvanya, mas um advento, uma capt tado presente. Propor-se nao lembrar € como se propor nao perceber um cheiro, porque a lembranga, assim como o cheiro, acomete, até ‘mesmo quando nao é convocada. Vinda nao sesabedeonde,alem- branganao permite er deslocadaspelo contrério,obrigaauma per- seguicio, pois nunca esté completa. A lembranga insiste porque de certo modo € soberana e incontrolivel (em todos os sentidos dessa alavra). Poclerfamos dizer que 0 pasado se faz presente. E a lem bbranga precisa do presente porque, como assinalou Deleuze a res- peito de Bergson,o tempo priprioda lembranga €o present:istoé, © tinico tempo apropriado para lembrar ¢, também, o tempo do ual a lembranga se apodera, tornando-o préprio Epossivel nao falar do passado. Uma familia, um Estado, um. governo podem sustentar a proibi¢do; mass6 de modo aproxima- tivo ou figurado ele ¢eliminado, a nao ser que se eliminem todos 0s sujeitos que o carregam (seria esse 0 final enlouquecido que znem sequera matanga nazista dos judeus conseguiu ter). Em con- digdies subjetivase politicas “normais’,o passado sempre chega a0 presente. Essa obstinada invasio de um tempo (antigo) em outro (agora) irritow Nietasche, que o denunciow em sua batalha contra © historicismo e contra uma “historia monumental” dos impulsos do presente. Tepressora, Inversamente, uma *histéria critica” que “julga econdena”éa ue corresponderia “aquele cujo peito é oprimido por uma neces- sidade presente e que,a todo custo, quer selibertar dessa carga”! A denaincia de Nietzsche (que Walter Benjamin ouviu) se dirigia a Posigdes da hist6ria traduzidas em poder simbélico e em uma direcao sobre o pensamento. A hist6ria monumental afogava 0 impulso"a-hist6rico” de produgao da vida, a forga pela qual o pre- Sente arma uma relagso com 0 futuro,enao com o passado. A diae tribenietzschiana contrac historicismo,articuladanocontextode seus inimigos contemporineos, ainda hoje pote faver valer sett alerta, {As iiltimas décadas deram a impressio de que o império do pasado se enfraquecia diante do “instante” (os lugares-comuns sobre a pés-modernidade, com suas operagves de “apagamento”, opicam o luto ou celebram a dissolucao do passado); no entanto, também foramas décadas da museificagao,da heritage,do passado- espeticulo, das aldeias Potemkin’ e dos theme-parks hist6ricos; Aduilo que Ralph Sasnuel Uhaniou de “mania preservacionista"?* do surpreendente renascer do romance histérico, dos best-sellers e filmes que visitam desde Tréia até o século x1X,das historias da vida privada, por vezes indiferenciaveis do costumbrismo, da recicla- jem de estilos, tudo isso que Nietzsche chamou, iritado, de histé- tia dos antiquarios. “As sociedades ocidentais estao vivendo uma ‘era de auto-arqueologizagao’, escreveu Charles Maier? Esse neo-historicismo deixa 0s historiadores ¢ ideslogos in- ‘conformados, assim como a hist6ria natural vitoriana deixava inconformados os evolucionistas darwinistas. Indica, porém, que 1 operagdes com a historia entraram no mercado simbélico do capitalismo tardio com tanta eficiéncia como quando foram obje- 1oprivilegiadv ds instituigesescolares desde o fim do séeulo XIX. Mudaram os objetos da histéria —a académica ea de grande cir- qulagio —, embora nem sempre em sentidos idénticos. De um Jaco, historia sociale cultural destocou seu estudo para as mar- gens das sociedades modernas, modificandoa nogio de sujeitoea hierarquia dosfatos,destacando os pormenores otidianosarticu- lidos numa poética do detalhe e do concreto, De outro, uma linha da historia para 0 mercado ja nao se limita apenas & narragao de Jumma gesta que os historiadores teriam ocultado ou ignorado, mas “© ministrorasso Grigori Potemkin teria mandado construir vlarejos alos de ‘arto: pera 0 longo do percurso da czarina Catarina t durante sua vista & ‘Grima, em 1787,a fim de convencé-la do valor de suas novasconquisasterti- loritis, Desde entio,aexpressdoaldeia Potemkin” éusada paraconstrugdesite- ou figuradas quesedestinam a esconder uma stuagao indesejével.(N.T.) também adota um foco préximo dos atores e acredita descobrir uma verdade na reconstituigao de suas vidas, Essas mudangas de perspectiva nao poderiam ter acontecido sem uma variacao nas fontes: o lugar espetacular da hist6ria oral é reconhecido pela disciplina académica, que, hé muitas décadas, considera totalmentelegitimasas fontestestemunhaisoras(e,por instantes, dé impressao de julgé-las mais “reveladoras”). Por sua ‘ex historias do passaco mais recente, apoiadas quase que apenas em operagdes da memoria, atingem uma circulagao extradiscpl nar que se estende & esfera piiblica comunicacional, 4 politica e, ‘ocasionalmente, reccbem 0 impulso do Estado. f VISOES DE PASSADO As’ isdes de passado”(segundoa formula de Benveniste) sto onstrugoes. Justamente porque o tempo do passado no pode ser er qualquer passado ao presente, uma perspectiva da qual oral que se quer recapturar. As narragées testemunhais sentem loscobre nos fatos pretéritos “uma assemblage de anacronismos se confortaveis no presente porque €a atualidade (politica, soci fibras de tempo entremeadas, campo arqueolégico a deci- cultural, biogréfica) que possibilita sua difusdo, quando nao st tH Nesse sentido, o anacronismo nunca poderia ser totalmen- emergéncia, O micleo do testemunho éa meméria; 0 mesmo nao jinado,¢ s6 uma visio dominada pela generalizacao abstra- se poderia dizer da historia (afirmar que € preciso fazer histori ja capaz-de conseguir aplainar as texturas temporais que no como sese recordasse apenas abre uma hipétese). iasarmam 0 discurso da meméria eda historia, comotambem Otestemunho pode se permitir oanacronismo, é que écom: tram de que substancia temporal heterogénea sio tecidos os {0 daquilo que um sujeito se permite ou pode lembrar, daqui- ue ele esquece, cala intencionalmente, modifica, inventa, Jere de um tom ou género a outro, daquilo que seus instru- 38 i “fatos”. Reconhecer isso, porém, nao implica que todo relato d fax: muito tempo. Nao é preciso recorrer a idéia de manipula- paniado se entregue @ esoa heterogencidade como a um de para afirmar que as memériasse colocam deliberadamenteno ful as cue wabalis cance pesssliamarumerecondtll io dos confltesatuais e pretendem atuar nee. Por sltimo, inteliggvel, ou seja: que saiba com que fibras est4 construtdaf ij déeadasde 19601970 exsteumamassadematerialesci- como eee tniiese da tama deuin cid, que at ducal tontempordineo 20s fatos — folhetos, reportagens, documen- ude aa Geist neue aca pelea ’ Me reunides e congressos, manifestose programas cartas,jor- Sem duvida, nao é um ideal de conhecimento renunci )partidérios endo partidrins—,queseguiam ou antecipavam densidade de temporalidades diferentes. Isso indicaria apenas’ prrer dos acontecimentos. Sao fontes ricas, que seria insensato desejo de simplicidade que no ésuficiente para recuperat op 1 de lado, pois feqiiente que digam muito mais queaslem- io nam iapoufed "etiedo purd’/Camo diseums re=Alt gas dos protagonistasou, pelo menos,astornem compreens- ser;nao existeo crinio de Voltaire menino, Mas para pensar o p Ji que aerescentam a moldura de um esptito de época. Saber sado também é insuficiente a tendéncia a colocar ai as form leh eaeas y, presentesde uma subjetviade que, sm evindcar uma difeen ee Gas imagina encontrar o “crinio de Voltaire menino” quand, verdade, esta dando uma forma inteiramente nova aos objeto reconstituidos Par dar um exemplor nas décadas de 196019 nao existia nos movimentos revolucionérios a idéia de direite hhumanos. E,seéimpossivel (indesejével extirpé-la do present tampouco € possivel projté-la intacta para o passado. ‘Amemria tal como temos argumentado, suportaa tens astentagbes do anacronismo.lssoacontece nos estemunhossob ‘osanos 1960€ 1970, tanto.0s oriundos dos protagonistas escrito «em primeira pessoa, como 0s produzidos por técnicas etno cas que utilizam uma terceira pessoa muito préxima da prime (o que em literatura se denomina discurso indieet ivr). Di 1 pensavam os militantes Jue agora cles tém de como eram eagiam, ante da subjetividade nem um plano para expulsé-la da his- i Significa, apenas, quea" verdade” nao resulta dasubmissi0a 1 perspectiva memorialistica que tem limites nem, muito Jos, a stuas operagdes taticas. widentemente, esses limites afetam, como ndo poderia dei- se scr, 0s textemunhos de quem foi vitima das ditaduras; esse ero de vitimas, interpela uma responsabilidade moral coleti- que ndo prescreve. Nao é em contrapartida, uma ordem para seus testemunhos permanegam subtraidos da analise, Até que ros documentos aparegam (se é que aparecerdo os que dizem peito aos militares, se €que se conseguirs recuperar os questo 1m destruidos), cles condos, se € que outros vestigios nao fore Wo niicleo de um conhecimento sobre a repressio; além disso, a textura do vivido em condigdes extremas, excepcionais. Por ‘na reconstituicio desses anos. Mas o aten- ( slo insubstituiveis polémicas sobre os projetos de um museu da meméria). Ale das ditaduras contra o cardter sagrado da vida nao transfere disso, os quelembram nao estio afastados da luta politica cont ‘cardter ao discurso testemunhal sobre aqueles fatos. Qualquer pordnea; pelo contrério, ém fortes clegitimas razdes para partich Jnio da cxperitncia éinterpretivel par dela einvestir no presentesuas opinides sobre o que acont 60 Acreditava-se que as velhas lealdades politicas tradicionais, Dyess . mdissolver-se ou modificar-se,e queas tradicbes politicas en tte Jam ser reivindicadas porque sua transformacao ideol6gica as “perp ae j lyyraria em novos marcos programéticas. Essas operagdes no sae a eevee ze era or periodo foi iam ser realizadas sem um forte contingente letrado entre os planes teicher lara eras eee uulros dirigentes e nos setotes intermediarios, e até mesmo na diferencal, uma qualidade que revelaotom da época eque ed ye ds organizagdes.O imagination revlugio co ivresco ese ples tna depresia pando seller nisyé'os texnedfaica wnifestavanaiinsisténcia sobrea formagao te6rica dosmilitantess te politico, o que €dbvio, mas também os joraiserevistas Js discussdes entre organizacbes se alimentavam de citagdes indistria cultural. A televisdo ndo tinha estabelecido uma hef {obviamente, cortadas e repetidas) de alguns textos fundadores, ‘monia completa; a imprensa escrita continuava a ser o princi ueeranccesirioconhecer.A politica dessesanos com diferensis meio deinformagao; quem, numa hemeroteca, dedicar duashor Me periodizacao segundoas nagdes do sul da América, girava tanto consulta dos jornais populares argentinos desse periodo prova velmente fcaré surpreso, tanto quanto quem verificar que Didrios de Ernesto Guevara foram publicados em série na revi Imais sensacionalista do fim dos anos 1960, na qual dividiram péginas com as noticias policais eas vedetes do teatro de revista No infcio dosanos 1970, consumiam-sena Argentina maisjornais por habitante do que atualmente ¢ 0 noticiério televisivo ainda qu ‘no havia substituido o diario popular vespertino, que ofereciaa saclo pela pequena burguesia. Até 0s populismos revolucionérios = sate aneS informagao sindical, num momento aseavam sua agéo num imagindrio cujas fontes eram escritas. Cami : a ie ick 2 Basta ler as centenas de paginas dos movimentos cristaos oe ee onl - i apenas por afinidades prag- tadicais, em que as interpretagbes das enciclicas e dos Evangelhos pe Aa a sideologias longe de decinay, foram verdadeiros exercicios de secularizagao da teologia, influen- specs cme Se ft a atpcon coe tes no s6 nas organizasespoiticas como também entre muitos ane a ee bispos da América Latina.” Cruzando-se, mesclando-se ¢ conta- Pi eaea aca as = ieee politica, por dois minando-se com as versdes marxistas, dependentistas e naciona- ee ta eames ‘médias, esco- lista, ena confluéncia com o peronismo radical, um relato de ori- zagéessindical-polticason Se de organi: ‘gem crista — o milenarismo — produziu uma massa de textos ee a oe que,num extremo, integravaa"teologia dalibertagao” e,em outro, ava o carter lustrado de franjas importantes dos movimentos. eaten ees AS IDEIAS E 0S FATOS ‘gy torno de um texto sagrado, como da vontade revolucionsria. ‘Oy, antes,a vontade revolucionéria tinha em sua origem um livro, ‘como tinha também um pais socialista (Cuba, Vietna, China). A \inportancia da “teoria” (uma versao simplificada para usos prati- (0s), sobretudo no campo marxista, deu cardter singularmente doutrindrioa muitas intervengdes politicas,¢ seria um erro pensar 10 56 acontecia no espayo universitario ou 36 cra protagor 6 oe evatravés de seus profetas, a comecar pela palavra de Cristo, si legides se reconhecem ese organizam. A profecia chega ao presen: tevinda do passado, autorizando a mudanga anunciada nos text sagrados. Na América Latina, 0 cristianismo revoluciondrio dos anos 1960 ¢ 1970 marcou 0 momento mais compacto ¢ de maior penetracdo desse discurso, Leu-se a Biblia na clave terceiro-mun= dlista e se divulgaram versbes secularizadas da mensagem evangé= lica, Osdocumentosdo Movimento dos Sacerdotesparao Terceiro ‘Mundo, a revista Cristianismo y Revolucién, a teologia da liberta- ‘do do padre peruano Gustavo Gutiérrez prepararam 0 solo ideo- légico em que o milenarismo cristao se encontrou coma radicali= za¢%0 revolucionsria." Asidéias eram defendidas como miicleo constitutivo da iden- tidade politica, sobretudo nas facgdes marxistas do movimento radical. A afirmagao da primazia intelectual nao deveria ser toma- da como descrigao do que efetivamente acontecia com os sujeitos, ‘mas como indicagao do que devia acontecer, Mas essa indicagao em si mesma era um elemento ativo da realidade e incidia na con- figuracio das identidades politicas: utopia de uma teoria revolu- cionéria que animasse e guiasse a experineia pressionavaa pri ca didria dos movimentos. Isso nao transformou em eruditos todos 05 militantes, mas assinalou um ideal [Nas faccoes populistas, como foi o peronismo revolucionario nha Argentina, por um lado se reivindicava uma identidade histori- «ca baseada na identificagao com um lider carismatico ese via a ‘oposigdo entre elites letradase povo como uma linha diviséria da hist6ria nacional, to forte como a que opunha a nagao ao impe- rialismo; por outro, difundia-se essa mesma historia em versio escrita, ensaistica, lida e aprendida por milhares de jovens que encontravam em alguns autores “nacionais” ena teoria da depen- dencia de Cardoso ¢ Faletto as chaves para exercer, ao mesmo tempo, umantiintelectualismo historicistae uma formaciollivres- “4 {jeronismo foi laramenteideologico ¢ marcado por intervenes {ntelectuais eacadémicas.” sllavans ou se opunham em eeu trajto (xs frentes, a direc, as eta- jpassastarefas segundo o vocabulério da época) eotipo deorganiza- {0 (partido, movimento, exército evolucionsrio,esuasrespectivas ‘¢dlulas, formagoes,hierarquias, comunicacio ecompartimentasa0) tna tradigdo de lutas nacionais que os velhos setores populares Wo tinham aprendido nos livros, mas que os recém-chegados a0 mento deviam aprender neles. © debate sobre a natureza do ‘Os caminhos da revolucio (as “vias”), as forgas sociais que se também eram capitis doutrinarios fundamentais € objeto de debate nao s6 na imprensa partidéria.” : ‘Acmergéncia da guerrilha motivou, no.caso argentino, revis- tase semandrios do mercado a colocarem essa discussio, de longa {radigao no movimento comunista e socialista, a disposigao de seus leitores. O vazamento de temas da teoria revolucionéria para ‘a imprensa de informagao geral, que se verifica quando se exami- ‘nam jornais da €poca, marca também um processo de dfusio para as lasses médias, que ndo necessariamente ce incluiam nas orga- nizagBes. As vanguardas politicas desse periodo participaram de lum movimento mais amplo de renovacio cultural que acompa- hou osprocessos de modernizagao socioeconémica da década de 1970, As mudangas culturaisenoscostumes foram impulsionadas por uma geragdo que deixou sua marca também no jornalismo,em novas formas de vida e nas vanguardas estéticas, ‘Tudo isso é sabido. Pois bem, se 0 periodo foi cenario de uma importante guinada nas idéias, que nao se viveu apenas no “esté- gio pratico’, mas sob formas discursivas,textuais,livrescas; se © imaginatio politico,longe dese configurar contra oerudito, recor riaa uma cultura iustrada para articular impulsos, necessidades seo mito revoluciondrio sesustenton nnma hist6riaescri- crengass taenum debate que ja tinha atravessado boa parte do século 1,0 65 ‘quese pergunta é: quanto do peso eda reverberagio dasidéias ies ‘nas narragdes testemunhais, ou melhor, que sacrificio do: blante intelectual eideol6gico do movimento politico-social impoe na marrasio‘m primeira pessoa de uma subjetividade éoca? Quanto subsistedesseteorideol6gico da vida politica pasragaes da subjetividade?” Ou, caso se prefira, qual 60 géne ist6rico mais afim com a reconslituiya Dee ivau de uma época com Nao se trata de discuti os direitos da expressdo da subjeti ‘mentalmente como drama pés-moderno dos seus partida ios. CONTRA UM MITO DA MEMORIA Paolo Rossi esereve quc ccpuis de Rousseau “o passado sera concebido como sempre reconstituido’e organizado sobre a base de uma coeréncia imagindria. O passado imaginado torna-se um problema nao s6 para. psicologia, mas também (e se deveria dizer sobretudo) para a historiografa[...] A meméria, como se disse ‘coloniza’o passado co organiza nabase dasconceprdeseemogBes do presente’ citagio vai ao cerne de meu argumento.A narra- 0 a sentido ao passado, mass6 se,comoassinalou Arendt,aima- Sina visas soltadeseuimedtismo denttis todos os pro- lemas da experiéncia (se se admite que ha experiéncia) abrem-se ‘numa atualidade que oscila entre sustentar a crise da subjetivida- deem um mundo midiatizado ea persisténcia da subjetividade como uma cspécie de artesanalu de resistencia Seja como for, se nao se pratica um ceticismo radical e admi- 66 “Vins dasubjetividaderememorativa ede uma historia sensivelacla, Jas quesedistingue conceitual e metodologicamente de suas nar aeoes. Essahistria,como assinala Rossi vivesob a pressao de uma eméria (realizando,de modo extremo,o que Benjamin solicitara domo refatagao do positivismo reificante) que reclama as prerro- urivas de proxinuidade e peropectiva;acssas prermgativas talvez a neméria tenha direitos morais, mas nao outros. Os discursos da mneméria, se submetem, como os da disciplina histérica, a um controle que ‘corra numa esfera pablica separada da subjetividade. dade. O que quero dizer € mais simples: a subjetividade ¢ histérica e,seacreditamos possivel tomara capté-la em uma narragao,€seu diferencial que vale. Uma utopia revolucionéria carregada de {dias recebe um tratamento injusto se éapresentada s6 ou funda- soa possibilidade de uma econsttuigio do passado,abrem-seas tio impregnados de ideologias como os da hist6ria, nao ‘A memaéria tem tanto interesse no presente quanto a historia ou aarte, mas de modo distinto. Mesmo nesses anos, quando jé se feverceu até as tiltimas conseqiéncias a critica da ideia de verdade, as narragées de meméria parecem oferecer uma autenticidade da {qual estamos acostumados a desconfiar radicalmente. No caso das memérias da repressio,a suspensio dessa descontfianga teve causas juridicas politicas. O importante nao era compreender 0 1s, mas conseguir a condenazie dos culpados. moras, ‘mundo das vit ‘Mas quem esti comprometido numa luta pelo esclarecimen- to dos desaparecimentos, assassinatos e torturas difcilmente vai limitar-se, depois de duas décadas de transigao democratica, a estabelecer o sentido juridico de sua pratica. As organizagoes de direitos humanos politizaram o discurso porque foi inevitavel que procurassem um sentido substancial nas agdes dos mifitantes que sofreram o terrorismo de Estado. © Nunca mais parece, entao, insuficiente ¢ pede-se nio sé justiga, mas também um reconheci- ‘mento positivo das agbes das vitimas. Entende-se 0 sentido moral dessa reivindicagao. Mas, como isso se transforma numa interpretagio da historia (¢ deixa de ser apenas um fato de mucméria), custa admitir que ela se mantenha alheia ao principio critico que se exerce sobre a historia. Quando o ‘uma narragdo memorialistica concorre com a hist6ria e apoia: cxighncia nos prvilégios de uma subjetividade que seria garantia (como se pudéssemos voltar a crer em alguém que sim: plesmente diz:“Falo a verdade do queaconteceu comigo ou doqu vvi que acontecia, do que fiquei sabendo que aconteceu com me amiigo, meu irmao”),ela se coloca, pelo exercicio de uma imaging. ria autenticidade testemunhal, nut a |, numa especie de limbo interpre Existem outras maneiras de trabalhar a experiéncia. Alguns textos partitham com aliteraturacasciénciassociaisasprecausoes dante de uma empiria que nio tenba sido construida como pro- ‘blemase desconfiam da sinceridade e da verdade da primeira pes- soacomo produto direto deunn relato.Recorrema uma modalida dle argumentativa porque nao acreditam de todo no fato de queo vivido se tornesimplesmente visivel, como se pudesse fluir de uma narragao que acumula detalhes no modo realsta-romantico, Sio textos raros ¢ me refiro a dois: “La bemba”, de Emilio de Ipola,¢ Poder y desaparicién: Los campos de cncentacion en Argentinas de Pilar Calveito. les pressupdem letores que buscam explicagdes no apoia- dasapenasno pedidode verdade do testermunho, nem no impacto moral das condigBes que colocaram alguém na stuagao deser tes temunha ou vitima, nem na identificaglo, Pressupdem autores que nfo pensam que aexperiéncia confer diretamente uma inte- Jecco dos elementos que acompoem, como see tratase Ae ma espécic de dolorosa compensasio do softimento. Contra a idéia 6 Iunclos, De toda maneira,o livo de Calero foi amplamente Ascutido, a0 passo que oartigode fpolaestéesquecido, como que ‘wcondido em outta dobra do tempo. exposta por Arendt, de que sobre certos fatos extremas s6 € posst veluma reconstituigdo narrativa, reservam-seo direito, que Aren também fez seu, de buscar principios explicativos além da exp. rigncia, na imaginagao sociolégica ou historica. Afastam-se de ‘uma reconstitui¢ao sénarrativaedasimples nogaoconsoladora de quea experiéncia por sis6 produz conhecimento. JWORIA DO RUMOR CARCERARIO implicam um distanciamento dos “fatos”. Em primeiro lugar, nfo privilegiama primeira pessoa do relato nem dio uma posigao espe- ciala subjetividade daquele que o enunciasasremissdes tebricas ea perspectiva exteriorao material sio tio importantesquantoasrefe- réncias empiricas; a visualizagdo da experiéncia se sustenta num, ‘momento analitico, num esquema ideal anterior a narracio. Em segundo lugarsa experiencia ésubmetidaa um controle epistemo- ico que, € claro, nao surge dela, mas das regras da arte pratica- das pela historia e pelas ciencias sociais. A perspectiva éfortemen- te intelectual e define textos que buscam um conhecimento, antes ‘de um testemunho. Diferentes em quase todos os aspectos, tanto ipola como Calveiro se separam do discurso memorialistico 20 aceitar restrigdes no uso da primeira pessoa, da anedota,da narra- ‘20 de forte linha argumental, do sentimentalismo, da invectiva e dos topos. Por isso, trata-se de textos excepcionais, nao simplesmente emtermosde qualidade intelectual, mastambém porque exigiram autores previamente exercitados (Emilio de Ipola) ou decididos a se exercitar para a escrita e para as fungGes que esta cumpriria (Pilar Calveiro).! Como se pudessem por provisoriamenteem sus- penso o fato de terem sido vitimas em termos diretos e pessoais da represso, ambos escrevem com conhecimento disciplinar, ten- tando se ater ds condigoes metodolégicas desse saber. Justamente por isso mantém uma distancia exata em relagao a experiencia de seus pr6priossofrimentos. Também porisso nao sio os textos mais, 70 Calveito e fpola escolheram procedimentos expositivos que {quando Emilio de Ipola reso quase dois anos.’ F ‘i rr continuavaa ser um cientista social, alguém que nao [Aprimeira versio de*Labemba” foiescrita emmaio de 1978, praticamente saia da prisio onde estivera ‘oi um desafios ele procurou provar que o perde- fa seus conhecimentos e podia continuar 2 exercé-los. [pola axis recuperar um passado universtérioe empregar suas capaciades, ddemonstrando que prisdo nao havia conseguido anular as habi- lidades adquiridas numa época anterior & repressio, O onan ‘em cena um drama da identidade s6 na medida em que é produto fe um capital intelectual cuja utilizagao nao se riagao de meee fpola escreve da sma primeira pessoa narrativa. Fide gecesi mr no de quem quer tee mo vitima ou denunciador. i ran gs Tneduga?dovlume ‘em quese inelui“La bemba’, um texto hiperte6rico, com grande afinidade com os que Ipola escre- yeu no infcio dos anos 1980, chama atengao que o estudo seja ‘aracterizado “simplesmente como um testemunko ¢ também como uma espécie de matéria-prima para elaborages ulteriores (nossas ou de outros)”. A condescendéncia com que, em 8, fpolajulga seuartigo pode explicar-sede duas maneiras: hi, ee lado,a modéstia de um autor que preferiria evitar as objegdes dis- ciplinares que seu artigo poderia evocar em futuros leitores (fan- ‘edo convencional de uma introdugdo,em que. captatio benevolen- ‘mas, de outro lado, também € rocuta antoeipar criticas)s a pria de um primeiro mo- possivel acetar essa modéstia como pré n ‘mento dos textos sobrea repressa0.eavi a repressto ea violencia de Estado, quando. Jemba” com a desculpa de que é um texto preso demais a um vo da experiencia, [pola exige mais dele, Os lei- ap meas ann ser hegeménico, dei= i cata dese ic lado outras perspectivas sobre os fates. pola di penta descr ie [eri Uoisn doe) cin Gace pola diz que sea ores, daquela época ede hoje, tem a impressio contrria: rats seco qumslfeieriel-Taleeie de vegypulr oe “Natural thea texto fortementeinspirado em teoras,em que experien- ee ee 0 podiaconhecer os tex= tlada prsio€construda como objeto (t6rico,comose dria nos eee = sera Cee ‘com que sc 1980) que permite 0 extudo do rumor edas condicBes carce- i resentaria sua “matéria-prima”. No ita soadifus 1 ih entanto,a"Introducio” deixa. : Fiviasque possbilitansoadifuatoevustentamsua verossimilhan= suporqueotextocomesouaserescri- {4.0 quelpolaconsieraem 1983 muito proximoao estemunho ‘uma tona cadeia, “cumprin« : : sumprindo o papel proprio aos intelectuais'na pri {comparado com qualquer testemunho realmente exstente ei eto snl econ 1c oes datestemunbaronaapase 0) cape maleerscapeuss Biles Nessa divisio entre produ yesmo como lugar importante de enuncia¢de. Na“Introducao’ fpola ee mminbaleitura, ‘O rumor é um tema caracteristico da semiologia eda teoria prilign es iran ts cae aca as nogdes de verossi- dacomunicasao,disciplinas devanguarda nos anos 1960¢ 1970.85 pic pamerne, tans julgind| ae 7 femque onttiee trabalha_ quais tpola chegava a partir de uma formagio filoséfica e social. : iciente a perspectiva tebrica Tinboraincorpore outrasinguéncias,“Labemba” seapsiaem dots dos, de Goffman, sobre 0 textos caracteristicos da época: Interna sanatbrio psiquistrico como insttuicao total (e por conseguinte, como expelho da prisio),€ Vigiare punir, de Foucault (embora ° rumor seja uma fissusa no controle absolnta). Mas, citados na bibliografia, ostrabalhossobresemiologiaeideologiasiotambém tum quadro dentro do qual as nogbes vindas do campo) éacomuni- cagdo se eruzam com as do marxismo estruturalist, Fsse era vim “losmiicleos de uma nova semiologia, com outta vertente que che- strutural de Lévi-Strauss. Menciono esses ‘Teoria (Althusser dominava 0 espago narzsta) ndo simplesmente para reconstituirasfontesteéricasde wa bemba’ mas para assinalar de que modo o texto corresponde rum espitito de época marxista-estruturalistaesemioldgico,cujo ddenso aparelho tebrico opera como defesa diante de qualquer ver- so ingénua e “realista” da experiéncia. Dessa experiémcia carceréria,fpola anaisa s6 um aspecto da dimensio comunicativa da vida cotidiana.O “objeto tebrico”(Pro- inicial, desenvolve“algo que [...] Eapenas insinuado: o processo de producdo-circulagao das bembas tem uma clara analogia com 0 que a psicandlise chama de ‘elaboragao secundaria. Do mesmo ‘modo que o paciente, na narragdo deum sonho, tendeaapagar seu aparenteabsurdo, precnchendoosbrancoxeconsruindo um relax to continuo e coerente, o trabalho das bembas consiste em elimi- a ‘03 absurdos aparentes (‘duas mil iberda- Set de ue pré-versio inicial, para ir dando forma, por esse ccnihos# versdo aceitavel: verossimil”. A “Introdugio” alienta, na verdade, que o artigo nao foi suficientemente teérico gava da antropologia nomes ¢ a que era entioa ‘ou que, dentro do espago tebrico, nao acentuow uma dimensi que, no momento de publicé-lo em livro, interessa em especi i pola: psicanalitica. Em suma,a introducdo de 1983 voting "La Bemba discursosfragmes . -agmentérias, rumors. A origem da pal igem da palvraseriamas rade bembas, os boatos que crculavam de boca em boca antes da , boca ntesda Revolugio Cubans, B n duto de uma construgio, e nao. i ane i¢io, e nao da experiencia, porque esta ndo. nfere as mensagens tacos que nao se atem eee ‘de mercadorias) define a pes ara ta algeeiapielan eae quea produgio (como na producio ) 0 carater analogico do anterior prisio: A prisdo: [pola conhecia 0s estudos semiologicos antes i\fusio ea recepgB0. [pola forga(exagers jodelo comunicacional inspirado no modelo econdmicos che- and as raias do desms inal para definir fp proceso de circulagao. procugao:"Em cesto sent Jasalgo muito parecido cor ser preso¢, por isso, nao escolhe: eee eee eee ja mas justamente aquele para o qual pensa estar preparadoe gue interesante emtermos terion. snes, pla inh uments anal ana F icos para escutar “cientificamente” a be Nowlehacm cepa nasooalin como foe rita dour clcado-s extee opto do ese cembora sua matéria-prima: O que mais. oe Caan : franifestacomo'a continuagao de um processo de produgao den- alyo que nao serepetcer aaa a sua estratégia expositiva ro do processo de citculagio e para este” Seria possivel ler nessa jpol ay Co etrececea oreo ‘iltimas titagto de Marx uma perspectivairdnica se cla nao estivesse er experitncia de pristo em matéria do artigo registrando sug {otal sintonia com os esforgos realizados entdo por semidlogos € fora do corpo principal ea pagina, ostensivamente narxistas que sublinhavam a subordinagao de todo processo ibcio:semiidldgiang artundt texto em que ocorrem as operaceq tocial sob o capitalismo &s condighes definidas pelo trabalho assa- nowdepeat aes - ca lises eas hipdteses. A experiéncia et Jariado na produgao de mercadorias. afeal sias mioateada ern a ida € uma base empirica indispen- Por sua excepcionalidade, a pelea oyearpecionsa : nama conjuntura terica de modelos fortes implica eee by a circulagio e recepgio srochema conta une Forgagto. pola analisaapartirdesses modelos ae lo esses trés momentos com 0 fovtese,por conseguinte,a bembalhe apresentaproblemasa resol ico da produsao e circulagao de mercadorias Jancia de prova das possiblida- mediante o i da yer, O rumor carceririo é uma inst mdi ales stn 0 su ees seer porque dierent dtodasasottasmensges as ee nO cei commie sre mesmo tempo é descrto naquilo que corresponde e naquilo clrculaclo erecepeao das mensagens por inculo entre produgao, que se desvia de suas rogras. Esso justamente que permite; desco- comunicativa em: eae que ndo éuma produgio brit em que consiste sua excepcionalidade, ou se persisténcia tie cetrenmodsentaaeitl inet neem acne relagio dacomunicagao num espago de proibigdes quase totais, Para con- confidvel, erossimil ou verdad Pelaescassez deinformagao Siderar essa excepcionalidade, [pola nfo tornao caminho dost" conhivehye cra peas difculdadesmateraisda lo etmogréfico dainventiva dos presos;nada etd mais distane de runicagio e pela forte pressio de um tema (oda liberdade ou a transfertacia) que,se anunciamud: sua perspectiva do que uma reconstituigdo Ue coloque no centro truliras pide se anuncia mudancas, pode entorpecer ou des- os sueitos. Antes, no centro ele coloca uma estrutura de relagoes. proprias condigdes de circulagao das mensagens. edido, como ao citar O cap da bemba como parte de seu processo de do, caberia dizer do ‘trabalho’ das bem- smo que Marx (0 capital, vol.2) firma sobre o transporte de mercadorias, isto é que esse trabalho se bemba nao corresponde 20 modelo que, Nao estuda as presos escutando ou exposta conceitualmente. ‘que estes conseguem Ocardterexcepcional do mei excepcional do meio ondese produzacomunicagio apathando rumores, mas as condigdes 7 B significar alguma coisa, Einteressam-Ihe particularmente os pres supostos da verossimilhan, poss da eosin do rumor Com sa andise de ni ‘quer provar que sempre, em todas as condigées, uma pequena sociedade consegue alcangar um pequeno mas significativo obje« tral sim ques bembaalera as sequéncias normals da cicuagag le mensagens deum modo que a teoria seré obrigada a consideran Trata-se do estudo ce uma excegzo comnicacional, no simples- ‘mente de uma experiéncia comunicativa i "a Ipola caracteriza a prisao como um espago em que“a 0 do esperado em termos comunicativos € uma marca impos: ta pelo poder carceratio para que os sujeitos vivam num re in semiolgicn de escaser A qualquer momento pode aconteet qualquer coisa por dois motivos:a fragmenta¢ao da informagao ‘que chega defora,distorcida por redes de difusio fracas ou amea- sadas, ea escassez de mensagens que podem se produzir dentro, agra por um regime de proibigdes fortes mas oscilantes,to- lo-poderosas e,a0 mesmo tempo, instaveis.O rumor é a re tadescassere&indetnigo das condigSescomumnicaivs, (Como sespostaa uma probigdo ea uma escaser,abembase sae por seu “nomadismo”, A mensagem nao se estabiliza elas nnenhum nem pode serarmazenada em nenhum registro dle meméria, Se nto circular, more. A diferenca das mensagens nnormais'.a bemba sempre sobrepie a produsio ea difust, por- ue nao ha bembas guardadas pelos sueitos, como eles pode guardar as mensagens subtradas do creulto comunicativo, Fora. deste, a bemba nao existe. B, assim como nao pode ser guardada como contetido de memoria, esa propria imposs papa tequeos temas da bemba (mas nfo as mensagens) possam ae tir sem que se esgote seu interesse, diferentemente do que one ceemecondigdes"normais’.em quea repetiaoafeta ointeresse desgaste da novidade informativa, 7 76 in define cruamente o elenco de ar nunca se coneretizam, {ocdas as mensagens com os mesmos tems Naturalmente,o grande tema da bemba sio as liberdades, os sdultos eas transferéncias. O espago carceririo de sua produgdo jgumentos; ¢, como as bembas co cardter desses arguments faz com que as devam ser esquecidas ura novas mensagens com os mesmos temas, que mais para darluga jqueo novo apagao na ver serdo esquecidas. Sem esse circuloem inicio o rumor estaria marcado pelo descrédito. que envelhece anterior desde ‘A bernba , basicamente, uma promessa de futuro para dar lugar @ outra promessa idéntica, morre no mesmo sas fraseada com variagbes argumentais obrigatorias. {pola se interroga sobre as condigbes de verossimilhanga cas bases da crenga, a0 fazé-lo, processa de modo analitico e inter pretativo a crculagdo de rumores que ele enfrentou como preso- Em seu estudo, 0 vivido de uma experiéncia se faz presente s6 numa configuracio descritiva que corresponde anormasdisepli- mares, Porexemplo,quando,emagosto de 1976 seespalhaa bemba ddalibertagdo de? mil presos, [pola analisa como o exagero, 0 caré- ter“imuderado” dese rumor impediu que se acreditasse nele. Na «introdugio" ele volta a essa regra da moderagdo, que the parece cama chave para explicara verossimilhanga do rumor. Masa reji- io de uma bemba que comunica uma transferéncia em massa im como se desconfia das bembas exige explicacio diferente: asi “otimistas demais, ndo se acredita naquelas de negatividade exage- ‘ada, que excluem qualquer esperanga. ‘Nessa recusa, pola observa algo maisimportante:uma trans feréncia em massa destruiria as proprias condigdes de circulagdo de qualquer bemba, porque sua difusto s6 €possivel entre pessoas muito conhecidas. Portanto, a resisténcia em aceitar um rumor de transferéncia ver do fato de que cle ameaga 0 circuito eas condi- cpesile produgao comunicativa.A observagio faz pensar queocir cuito comunicativo se preserva além do desejo dos sujeitos que 7 rele intervém, A bemha é 0 “grau zero” da resisténcia a0 proc de desinformagao carceréria. Nesse grau zero, “essas pobres| thas de informacao” devem estar sempre inscritas na logica de: processo de produgiio e circulagdo, porque ali também alcan ‘um grau de verossimilhanca queevita sua transformagao em men- sagens frustradas, completamente descartiveis, na medida em q contradizem laulu aseapectaivas da recepeao como as condico em que devem ser produzidas e difundidas. No papel de soci6logo da prisio, [pola afirma quea recep da bembadepende das categoriasde presos quea escutam edifun- dem. A crenga no rumor est ligada as qualidade e habilidades intelectuais de seus receptores, que [pola define, na estrutura sociedade carceréria, recorrendo a uma tipologia sociolégica, corganizada com incisos identificados de aa h: membros orgini- cos de partidos de esquerda ou revolucionarios; sindicalistas de alto nfvel edelegados sindicais médios;profissionaise intelectuais, de esquerda sem militancia; membros do governo peronista der= rubado; simpatizantes distantes; e garrones, que ele descreve cou mmo reveladoves dla verdad do sofrimento carcerario, na medida em que nao podem, ao menos em principio, dar razdo nem expl car em termos politicos o que thes coube softer; 0 garrén é, para {pola, uma condensagao da prisio, ¢ cle dedica uma extensa nota 4 suas diversas categorias ¢ procedéncias (digamos que o garrén ‘evoca, sem a mesma tragicidade, a figura do “mugulmano” nos. Teremunbis de Primo Levi). A tipologia da sociedade carceraria niio s6 exibe seu pretendido efeito de cientificidade, mas corrobo- 1a,como outros recursos do texto,a distancia que Ipola querman- ter da lembranga de sua experiéncia, Mais que revivé-la, ee pro- ‘cura imprimir-Ihe as categorias e a ret6rica expositiva de uma disciplina que permita pensé-la em termos gerais, extraindo-a da esferadinneiatsino eda sensibllidade para po-lanaeesferainte- lectual. a “ceriria e seus guardas expli fer esse trabalho sobre a experiencia sem se submeter a ela. Os grcereirosreconhe {o,geralmente politico, queclesno conseguem extrair (aocontré- lo da informagao, que pode ser extraida sob tortura), um conhe- imentoxprendido nos livros, que nao ce perdeesohreoqual fpola funda sua identidade ao sair da prisio. Livre, nao se considera um ex-preso da ditadura, mas um intelectual que esteve preso. “La Jpemba” apresenta os fundamentos desse saber nas fontes te6ricas ‘ sociol6gicas, citadas com uma abundancia que remete nao s6 sua necessidade conceitual, mas também a essa definiga fia: lembramasarmas do preso politico diante deseus carcerciros. comessa convicsao,especialmenteem sintonia com olugar ocupa- Acaracterizagao das relacoes entre setores da populagao car- de algum modo por que Ipola pode .cem que o preso politico tem um conhecimen- entit- ‘A teoria ilumina a experiéncia, O ensaio de Ipola se constréi do pela teoria no marxismo estruturalista, na antropologia estru- tural, na semiologia, em que as crengas nao sdo uma base de apoio porque nunca esto livres da falsidade da ideologia, cuja confidvel, apoiada contaminayau sé pode ser dissipada por uma interven no conhecimento. Por isso a experiéncia pessoal nao faz parte do corpo do texto, mas esté onde Ihe cabe, nas notas de pé de pagina, ‘como “matéria-prima” da andlise. O espaco da pagina apresenta graficamenteahierarquia que subordina aexperincia ao conheci- mento, E a primeira pessoa nao tem outro privilégio além do que ganha pela sofisticagao de sua capacidade analitica. “La bemba” invertea relagdo que caracteriza tanto o testemunho como o quese cescrevesobre ele.A experiéneia se mede pela teoria que pode expli- cé-la,a experiéncia nao é rememorada, mas analisada, Examinando o artigo de Emilio de [pola, ni parece estranho que tenha sido esquecido como texto que apresenta a experiencia carceréria durante a ditadura, Suas qualidades se singytlarmente alheias massa testemunhal edshist6rias pessoaise coletivas sobre ~ 0 periodo, : ; Steck eee ghettos models dc consti spo” possibilitada pela forma de poder inerente as Forcas seoitido camecp dosands1970, singula nae he mades, com o estilo da disciplina, a obediéncia ea burocratiza- singular pela perspicicia ans ; ' : cay"Labemba’ na : yimpliitana rotina militar. excess seria“ verdadeiranorma oa nie /* poder desaparecedor.Também sugere a presenga de ma ee lent cor striz concentracionéria na sociedade argentina, idéia que, ees rag aay \gomenosqi pice a teri trea, ume ei deconate ge culivel, porque a originalidade do regi- supera as diferencas,€ ‘ne do campo, justamente demonstrada por Calveiro, rejeita a hipdtese de uma reiteragao com variantes.Se Calveiro tem razto,0 fampo é uma invengao t20 nova como a figura do desaparecido ue deriva de sua existéncia. Entre repressio e desaparecimento, imtre regime carcerdrio e regime concentracionério ha distingoes sisténcia de uma matriz. A descrigio A PXPERIENCIA DE OUTROS Publicaclo em 1998, Poder y desaparicion: Ls campos de cet en retin ea Cain sine decmateng Be pce pensar pe! joutorado apresentada n “ q e impedem pensar a per oe ites de Caer serve para provariss. oe ee 1977, Diante das Forcas Armadas, 2s formagées guerriheiras S20 ee eee ees oe je Massena squase a condigao sine qua non dos movimentos radicals da (essa). fectnien daiMary poci" Reconhecida por muitos nio como uma opeio equivoct- livre courbcal oot aaiaicarncesia cl tks, mascomo “a expressao maxima da politica, primeiro, a pro- rayon oe vielen pia politics, mais tarde’ a guesiha comegaw a “repro em Estado, parapolcial, parapolitiea eguerr spelled eg eenbeira duranteo gon fewinterior pelo menos em parte,o poder autoritario que tentava ria de forma diferenciada os Montoneros pon tka alienate enue caarduel jstérica conhecida:a primeira interven questionar” Calveiroav elena es a ‘co Exército Revolucionério do Povo (exr) quando assinala que partidos politicos, elites socioecond- Roberto Santucho lider do Exp, em jullho de 1976, pouco antes de micas e F hie a cipal equivoco dessa formagio foram 0 produto de seguidos encontros de interesss, impulsos mi sade Been . arm Inte cited Aquino guest deumd aovvovimento de mesar’acstratéga sociedade pence ae : a existdncie de ul sacio, fer prevalecer “uma lice revolucionéria conta todo sen- it a zesporssbllidade nasinrervery tido de realidade, partindo, como premissa inquestiondvel, dacer- Boe a . pret nel iin do livre tambien ae cstend ay tera absoluta pean hie catia eraa forma rea ditadura em 1976. ; vero afr : vincipal da politica revolucionaria no comeco da década de 1970 ee ae Pe cist lata siglomeste ort a= perecimento} €"um ctiglo perifétene modular en mec quede loucuracoletiva; por outros dua principals organizacbes sua morte, afirmou que o prin« ada foi “ndo ter recuado” e ter menosprezado seu isolamento montonera, em compen- a 80 cum conhecimento que, de certo modo, tem cariter indiscuti- Mas nao era tio simples. A méquina inexordveltinha se apr : J, tanto pelo imediatismo da experiéncia como pelos principios do zelosamente da vida e da morte de cada um’. Teresa Msc ‘Susana Burgose outros: nessa curta enumera¢ao, Calveiro faz} dos outros, Seu objetivo nao € provar que o campo foi tio terriy que ela tentou se suicidar; no quer usar seu corpo como base temunhal. Quer provar, de modo mais amplo e intelectual, que ‘gomoabsurdo) que foi uma detida-desapares condigbes do.cimpo podem conduzir & tentativa de suicigil quem se exerceram todas as viol2nvas do tertorismo de Feta. munitos presos ¢ que todos os desaparecedores reagem diante de Mas, em vez do eu, surgem os testemunhos de terceiros. Calveiro gestotltimo de iberdade com o exercicio mais extremo da viol iio assume o lugar que Ihe cabe para eserever seu livro porque cia. Calveiro nao se apresenta como uma testemunha, mas Jprocura ume interpretagao que € mais possivel se suas fontes si0 uma mulher em cuja vida houve o desaparecimento ea tort putras,Analisaaexperiéncia eas condigBesquea provocaramsmas que recupera como matéria de uma andlise que ela mesma reali filo pde sua experiéncia no centro. A vitima nao procura uma identidade em sua biografia, mas coasted una distancia go ’ go autobiogrifica quase ausente cede lugar & dimensio yrais que foram violados. Calveiro renuncia a essa prote i ao 56 impos Claro, nao poderia ocultar (seria nao 36 imp ida, torturada, sobre .¢10 de uma auto-referéncia ivel litica com respeito aos fatos. A dispositive intelectual com que monta seu argumento, idimensi Laelia placentae eee rgumentativa: onde se devia falar em primeira pessoa false em eee terccira,O tempo passado nto 0 do testemunho edesua dimen ee ee sho autobiografica, mas o daanilise daquilo que outros narraram ssificacies € categorias: 0 tipo de tortura, os ‘9s da delagav,:tlgica do campo, que repro totalitério,a vida cotidiana dos desaparece- truco que tem como fundo sonore 1éncia do legal do ilegal, do com- dade nem a simpatia, mas exclui Calveiro desse dom, porque eda claboragio de cla procura ser reconhecida em outro lugar e por outros motivos) passos da resisténciae claramente indicada nas fontes testemunhais que o texto men duzado pensamento nae cuja procedéncia seesclarece em notas. ores, jogando uma partida de’ ‘Mas hi umas poucas minimas inscrigdes autobiogrficas: os discursos de Hitlers a coexist seu proprionomee seu ntimero de presa, 47,20 lado do de Lila Pas- pletamente secretoe da quebra do segredo para induzir a um te torizas uma dedicat6ria:“A Lila Pastoriza,amiga querida peritana rorgeneraizado;a categoria de subversivo queproduzemsimetria arte de encontrar brechas ¢ disparar contra o poder com duas. 4 do desaparecido. Uma sociedade concentracionéria se desenha armasdealtissima capacidade de fogozo riso eo deboche” Sua vida com suas leis eexcegbes,com os espagos entregues ao impulso dos estdali, mas Calveiro se recusaa cité-la,como citaaslembrangasde ddesaparecedores os espagos regulamentadlos até nos detalhes outros presos. Se urna detida-desaparecida fala de sua experiéncia ais insignificantes. carcerdria em primeira pessoa,o discurso resiste discussao inter- Calveiro nao escreve pretativa (como assinalou Ricoeur); seu cardter extremo € uma dar ou discordar do que firma, espécie de blindagem que o cerca, transtormando-o em algo que gerais. A liberdade de leitura (uma liber 2 deve ser visto antes de analisado. O texto em primeira pessoa ofe- se encontra mais segura nesse terreno do que no da primeira pes- uma “*fonte’, Por isso & possivel concor- sobretudo em suas hipéteses mais dade intelectual e moral) oa 86 peritncia intransmissivel, irrecuperével, da tipica vitima, Tam- siaqui hd uma reticencia: Levise vé obrigado a falar em lugar dos \ue nao falam. Calveiro, cercada pelos que sobreviveram para falar esponder assim, indiretamente,®idéia de Levi, pega outro cami- ho igualmente complexo: nao falar em nome proprio, Nessa ces- 9 da primeira pessoa, Calveiro sacrifica nao apenas, como se oderia pensar; a riquezs detalhada c concreta da experiéncia, mas in autoridade imperativa, seu carster,afinal, intratavel. 50a, justamente porque a primeira pessoa tem um direito e capacidade impositiva, de presenca, que faltam a terceira pessa Diferentemente do eu de um testemunho, cuja relagao com’ fatos é dificil de por em diivida (deveria se demonstrar, por ex plo, quese trata das memérias de um vigarista) eem que é pr ‘muita desconfianga ou mé-fé para discutirstas assergoes, Ci nao se apresenta como testemunha, mas como analista do ‘munho de outros. Nessa posigao ela pode se mover com allegit dade de quem expulsouo préprio testemunho para incluir seu gamento, nao sua experiéncia,nostermos deuma ede uma condenagéo moral ¢ politi sofrimento para ser justa. Seu livro ndo decorre da prisio ¢ dato tura, mas do exilio no México, onde ela pesquisow e incorporo instrumentosintelectuais para escrevé-Io,situando-seem pri ‘ro lugar no mais académico dos espacos e no género mais pes mente escolar: a tese de doutorado, que ordena a exclusio do et ‘sem excegbes. ‘Oque Calveiro faz com sua experigncia éoriginal com to a0 espago testemunhal. Ela afirma que a vitima pensa, ‘mesmo quando esté a beira da loucura. Afirma que vitima dei de ser vitima porque pensa. Renuncia a dimensio autobiogr porque quer escrever ¢ entender em termos mais amplos que 05d experiéncia softida, Primo Leviescreveu extensamente sobre como as condigh do Lager afetavam os “muculmanos’, aqueles presos que ja m pertenciam ao mundo dos vivos porque tinham abandonado tod pulsao de vida, até em seus niveis fiscos mais elementares. nalou quea verdade do Lager estava nesses homens no vives que nas categorias de presos nas quais ele mesmo se inse Assinalou também que, sobre a verdade final do Lager, 96 os mi 10, sto 6, aquelescujo testemunho jamaisse poder escutar ter ‘uma palavra a dizer. Seus textos ocupam esse vazio deixado py 88 5. Pés-mem6ria, reconstituicdes James Young, no comeco de At memory’s edge, perguntac como “lembrar” aqueles fatos que nao foram diretamente experi -mentados, como “lembrar”o que nao se viveu. As aspas que eng) drama palavralembrarindicam um uso figurado:o quese“lemb €0 vivido, antes, por outros. “Lembrar” se diferencia de lemb pelo que Young denomina caréter vicério da“lembransa’. ‘A dupla utilizacao de“lembrar” torna possivel o deslocamen: toentrelembrarovivido.e“lembrar” narrasdes ouimagensalhei €emaisremotas no tempo. Eimpossivel (ano sernum processo de identificagao subjetiva inabitual, que ninguém consideraria nor: mal) lembrar em termos de experiéncia fatos que nao foram expe- rimentados pelo sujeito. Esses fatos s6 sao “lembrados” porque fazem parte de um canone de meméria escolar, institucional, poli au até Lami (@ lembranga em abismo:“lembro que meu pa smbrava’, “lembro que na escola ensinavam’y ie eae = scola ensinavam’,“lembro que aquele Alertado intermitentemente pelomarcoqueenquadraolem- brado, Young assinala o carster “vicdrio” dessa memoria. Mari 90 sgnne Hirsch chama de “pés-meméria” esse tipo de “lembranca’, anc por inaugurada uma categoria cuja necessidade deve ser Jrovada- Interessa a Hirsch salientar a especificdade da “pés- neméria” nao parase referira meméria publica, essa formadehis- {dria transformada em relato ou monumento, que nao designa- nos simplesmente com a palavra histéria porque queremos salicutar svadimenado afetivaemoral,emsuma,identitiria. Ela di 40 verbo “lembrar” usos distintos dos que receberia no caso da tmeméria publica; ndo se trata de lembrar como a atividade que prolonga a nagéo ou uma cultura espectfica do passado no presen- te através de seus textos, mitos, herGis fundadores emonumentos; tampouco € a lembranga comemorativa e civica dos “lugares de mem@ria” Trata-se de uma dimensio mais especffica em termos dle tempo; mais intima e subjetiva em termos de textura. Como pos-meméria se designaria a meméria da geracio seguinte quela que sofreu ou protagonizou osacontecimentos (quer dizer: pOs- neméria seria “memoria” dos filhos sobre a meméria dos pais). ‘idéia percorreu um longo caminho nos estudos sobre o século 3x. Aqui me proponho a examiné-la Hirsch e Young assinalam que o traco diferencial da pés- meméria 60 cardter ineludivelmente mediado das “lembrangas". Mas 0s fatos do passado que as operacdes de uma meméria direta dda experiéncia podem reconstituir sio muito poucos ¢ est30 u dosas vidas dos sujeitos e de seu entorno imediato. E pelo discur- $0 de terceiros que 0s sujeitos sto informados sobre o resto dos fatos contemporancos. eles esse discurso, por sua vez, Pode estar apoiado naexperincia ou resulta de uma construso baseadaem fontes, embora sejam fontes mais préximas no tempo, como 0 clissico de Fustel de Coulanges sobre os rornanos ou o de Burck- hardt sobre o Renascimento. Nas sociedades modernas, essas fon- res sau iescentemente midisticas, desvineuiladas da escuta direta de uma hist6ria contada ao vivo por sew protagonista ou por alguém que ouviu seu protagonista. A oralidade imediata (as t6rias do narrador que Benjamin pensa que deixaram de exis praticamente inencontravel, exceto sobre os fatos do mais cotidiano. O resto sao histérias recursivas: historias de hist recolhidas nos meios de comunicagao ou distribuidas pelas i ‘uigdes. Por isso a mediacao de fotografias, em Hirsch, ou 0} tro de todos os tipes de distursu a partir dos quais a mem constréi, em Young, no marcam um trago especifico que: a necessidade de uma nogao como a de pés-memeéria, até inexistente. |isticos” nao sio a ttima novidade, como parecem acreditar Iyuns especialistas em comunicagio, mas @ forma como foram nhecidas, para mencionar exemplos que tém quase um século,a wyolugdo Russa e a Primeira Guerra Mundial. Jornais, televisao, lo, fotografia sio meios de um passado tio forte e persuasivo noalembranca da experiéncia vivida,emuitas vezes se confun- smcom ela Young se estende acerca dos problemas colocados pelo caré- 1 vicirio da lembranga de um passado que nao se viveu, como se 1c um trago inédito que pela primeira ver caracterizasse osfatos ma histdria recente. Mas € Gbvio que toda reconstituicio do \sado & vicdria e hipermediada, exceto a experiéncia que coube ‘corpo ea sensibilidade de um sujeito. ‘A palavra pés-meméria, empregada por Hirsch ¢ Young, no Jo das vitimas do Holocausto (ou da ditaduraargentina, a quese jendewa esses fatos) descreve o caso dos fli que reconstituem experincias dos pais, apoiados na meméria deles, mas nao s6 Ja A pos-memeéria, que tem a meméria em seu centro, seria a constituigao memorialstica da meméria de fatus recentes ndo vidos pelo sujeito que os reconstitui e, por isso, Young a quaifica ‘gomo “vicdria”, Mas mesmo caso se admita a necessidade da nogao the pis-meméria para descrevera forma como um passado no jd, embora muito préximo, chega ao presente, é preciso admi- tirtambém que toda experiéncia do passudo é viciria, pois implica Aujeitos que procuram entender alguma coisa colocando-se, pela {maginacao ou pelo conhecimento, no lugar dos que a viveram de {ilo. Toda narragio do passado é uma representagao, algo dito no ugar de um fato. O vicério nao é especifico da pos-meméria. ‘Tampouco a mediagio (ou “hipermediagao”, como escreve ‘Young para fortalecer por hipérbole seu argurnento) €uma quali- dade especitica. Numa cultura caracterizaila peta wunnunicagso de massa a distancia, os discursos dos meios de comunicagao sempre Seo que se quer dizer & que os protagonistas, as vitimas fatos ou simplesmente seus contemporaneos estritos tém. uma experiéncia direta (por mais direta que possa ser uma riéncia), bastaria denominar memeéria a captura em relato ou argumento desses fatos do pasado que nao ultrapassama dur de uma vida, Esse € 0 sentido restrito de meméria. Por «ssa meméria pode se tornar um discurso produzido em. ‘rau, com fontes secundarias que nao vem daexperiéncia des ‘exerce essa memdria, mia cla esc ua da vor (ou da visto das gens) dos que nela estdo implicados. Essa éa meméria de segu .gera¢ao, lembranca piblica ou familiar de fatos auspiciososou aicos. O prefixo pésindicaria o habitual: é 0 que vem depois ‘meméria daqueles que viveram os fatos e que,ao estabelecer la essa relacao de posterioridade, também tem conflitos ecor digdes caracteristicos do exame intelectual de um discurso sobi passado e de seus efeitos sobrea sensibilidade, Apresenta-se como novidade algo que pertence a ordem cevidente: se 0 passado nao foi vivido, seu relato s6 pode vir: conhecido através de mediagdes; e, mesmo se foi vivido,as me .g0es fazem parte desse relato. Obviamente, quanto maior o p dos meios de connunicaya ina eonstrugao do publico, maior influéncia que terdo sobre essas construcées do passado: os “ le 9 % funcionam e nao podem ser eliminados. $6 a extrema pri isolamento biraem ales ‘ ot to completo ou a loucura se subtraem a eles. Por: lado, a construgao de um passado por meio de relatos en tagdes que Ihe foram contemporincos é uma modalidade viainsums coral da memsria. O historiador Fre 0s jornais, assim como o filho de adenine nas Oguron diner an ‘p6s" daatividade que realizam,mas oenvolvimento subjeti fatos representados, ’ _ Drediferenca de um lado, busca que oss vestigios de um pai ou mae desaparecidos e, de outro, a prati ‘uma equipe de arquedlogos forenses no sentido do esclareci to.¢ da justiga em termos gerais é a intensidade da dimensio_ jetiva, Sese quer dar o nome de pés-memoriaa historia do des recimento do pai reconstituida pelo filho, esse nome s6 aceitavel por duas caracterist por di teristicas: 0 envolvimento do sujeito sua dimensto psicoldgica mais pessoal eo cariter nao “prof nal” de sua atividade. O que o diferencia do historiador ou de pena senio 0 que decorr da orciem daexperiénca subje 7 formagao disciplinar? $6 a memoria do pai. Seé para chat le pds-membria o discurso provocado no filho, isso se deve a ‘ma biogrfica e moral da transmissio, dimensao subjetivae ne Em principio, ela nao é necessariamente nem mais nem menk Fagen nem mais nem menos vicéria, nem mais nem me mediada do que a reconstituigio realizada por um tercei mas dela se diferencia por ser perpassada pelo interesse subj vvivido em termos pessoais. ’ i °. ae faz Art Spiegelman senao por em cena, numa hist6r mmaquadrinhos,osavataresespecifcas da construgio de uma “his ‘t6ria oral” em que sua subjetividade esté envolvida,jé que se tr de sua propria familia, mas onde aparecer,além disso, mull problemas do historiador? E, quando descreve as etapas de sul 94 prefixo pds pergunto apenas se: saqisa,a over arquedloga que chega da Franga pare descobrir tcondligoes da morte do pai no est de certo modo reduplican- ‘os metodos da tese que foi realizar no planalto pampiano® Se «forte envolvimento da subjetividade parece suficiente para s¢ vnominar um discurso de pOs-meméria’ ele o serd no pelo nriter lacunar dos resultados, nem por seu carter vicitio, Sim flesmente se ted escothido chamnar pos meméria o discurso em jquehaenvolvimentodasubjetividadede quem escutaotestemu hnho de seu pai, de sua mae, ou sobre eles. (0 gesto tedrico parece entao mais amplo que necessir to tenho nada contra os neologismos criados por aposicdo do ‘correspondem a uma necessidade pceityal ou se seguem um impulso de inflagioteérica, Desde 0 jéculo xixaliteratura autobiogrificaabundaem memérias dame- dria familiar Sarmiento,er Recuerdos de provincia,comera els historia desua familia ea reconstitui (ber arbitrariamente,deve- nos admitit) partir de fontes familiares uns poucos dacumen- tos, Hoje, esses capitalos de seu livzo receberiam o nome de pos: neméria, o que parece completamente desnecessérin para se compreendera relao complexa econflitasa de Sarmiento com seu pao esteticisme ca vibragto moral doxetato desua mic 68 operagoesdeinvengio-recriagao deumafamiliaque,por seusbra- shes Ihe permite afirmar-secomofilho de uma linhagem,endos6 ide seas obras. Victoria Ocampo comesa sua autobiografia como favo, que eraamigo deSarmiento;para entender essecomego €P&T- feitamente instil o conceito de “pés-meméria’, que, em teoria, deveria ser aplicado. ‘Ofato deessas memorias familiares de Sarmiento ou Ocampo no terem sido traumaticas,serd que isso queasseparadosrelatos dda pos-meméria? Se assim fosse, nao setretara de uma nogao de sé serve parasereterir a fatostcrivcis do paseado (oqneimplicaria defini-la por seus conteios)? Tendo a cre, de preferéncia, que & 95 teoria da pés-memséria nao levou em conta esses avatares classical da autobiografia — sobre os quais se escreveram bibliotecas d ‘queo tema foi inaugurado por Gusdorf e Starobinskie seincorpa: oud moda critica por Lejeune —,mas foi elaborada no quadro do estudos culturais, especificamente naqueles que dizem respeito a Holocausto. nogao foi pensada nesse espaco interdisciplinare alise poderiam afirmar suas pretensbes de especilicidade, tanto qualidade do fato rememorado,como no estilo co-memorativo d atividades que mantém sua lembranga. Mas os estudos de meméria (nos iltimos anos desenvol ‘em quantidades industria, sobre todos os temas e identidade: citam a nogao de “pés-meméria” (sobretudo tal como Hirsch apresenta) como se ela possutsse alguma especificidade he além do fato de que se trata do registro, em termos memorialist 0s, das experiéncias e da vida de outros, que devem pertencer geracao imediatamente anterior eestio ligados ao pés-memori lista pelo parentesco mais estreito. Essa nogio setornou umano dade te6ricasintonizada com outroapogeu disciplinar:odos. dos sobre subjetividade e sobre as “novas” dimensdes biografica —um deslocamento feito pelo proprio livro de Hirsch, com caph tulosem queassistimosaandlisecautelosa de fotos dela coma tiradas pouco antes por um fot6grafo deimprensa que,na opini de Hirsch, nao soube captar o cariter da relagao que une filha;sem falar da explicagaodecomo Hirsch construiu odlbum fotos familiares oferecido aos pais num aniversario importa (paraa familia Hirsch, éclaro).A inflacao tedrica da pés-meméria se reduplica, assim, num armazém de banalidades pessoais :madas pelos novos direitos da subjetividade, que se exibem nao: ‘no espago tragico dos filhos do Holocausto, mas naquele amivel de imigrantes centro-europeus que se deram bem ni ‘América do Norte ¢ encontram poucos traumas em seu pas quenaoserefiram a como integrar-seaos novos costumesemod 96 (pelo menos essa éa versao de Hirsch, que passa pelo centro exato do que aconteceu com sua propria familia No entanto, uma observagao de Hirsch, no final de seu livroy apresenta uma relagaiomenosnarcisista com ascategorias.Elaafir- ta que, no caso dos judeus laicos ¢ urbanos,a identidade judaica se constr6i como conseqiiéncia da Shoah. Nessa dimensio identi- Léria, a pés-meméria cumpre as mesmas fungoes clissicas da meméria: fandar um presenteem relagdo com um passado. Arela- a0 com esse passado nao é diretamente pessoal, em termos de familia e pertencimento, mas se dé através do puiblico eda memé- ria coletiva produzida institucionalmente. E essa a dimensto em ‘que se mover os ensaios de Young, que discute apenas a pés- meméria do Holocausto e as estratégias de monumentalizagao (refutadas pelasestratégias simétricas dos contramonumentos). ‘A questo é se a qualidade “pés” diferencia a meméria de outras reconstituigdes. Como se viu, 05 teéricos da pés-meméria argumentam de duas maneiras, oferecendo duas razoes para a cspecificidade da nocio. A primeira € ue se trata de uma mem6- ria vicéria e mediada (esse é o argumento central de Young, que tende a considerar como um trago especifico aquilo que € proprio do discurso sobre o passado); a segunda é que se trata de uma ‘memeéria em que estao implicados dois niveis de subjetividade (esse é 0 argumento central de Hirsch, que tende a acentuar a dimensdo biogrifica com valor identitério das operagdes de pos- ‘meméria). Ambos coincidem no aspecto fragmentirio da pés- ‘meméria eo consideram um trago diferencial, como seos discur- 403 sobre o passado nio se definissem também por sua radical incapacidade de reconstituir um todo, ‘Abandonando-se o ideal de uma historia que atinja a totali- dade por meio de ertos principiosgerais que the dariam unidade, toda historia ¢ fragmenta Se o que se quer afirmar é que as his- tris ligadas a0 Holocausto 0 sto ainda mais, teremos de buscar 7 as raz®es para admitir que sua memoria tem mais lacunas do ‘outras. Primo Levi avanca por esse caminho, porque acredita q verdade do Lageresta nos mortos, que jamais poderio voltar| ‘enuncié-la, Mas, fora dessa conviceao de Levi, seria preciso. ‘monstrar a incompletude da meméria sobre o Holocausto, acontecimento macicamente cercado de interpretacio: a pr alavracom que édesignado é uma interpretagao desentidot cendente ¢ inflexao religiosa. Na verdade, hoje o Holocausto nf parece lacunar, a menos que se pense que seu aspect fra tio vem do fato de nao se ter conseguido reconstituir eada um acontecimentos (pretensio algo primitiva em termos de m¢ embora epresenteum valor moral no sentido de quecada uma vitimas tem direito& reconstituigao de sua hist6ria, que, no: to pessoal, é obviamente tinica), Ou também que o centro da quina de morte, as cmaras de gis e os crematorios s6 podem reconstituidos arqueologicamente. (© aspecto fragmentario de toda meméria é evidente. O deseja dizer algo mais que isso, ou simplesmente se est jo sobre a pés-memséria aquilo que se accita universalmente ‘momento em que entraram em crise as grandes sinteses es g des totalizagoes: desde meados do século xx tudo é fragmenta _ Esse aspecto fragmentirio decorre, na opinio de Young; vazio entrea lembranga eaquilo queselembra.A teoria do vacut ignora.ofato de queesse vazio sempre marca qualquer experién de rememoracio, até a mais banal. Young passa sem a menor culdade por cima do vazio deixado pelo Holocausto, do vazio. judeus na Alemanha e do vazio que esta no centro da experiéi dalembranga, Arma-se assim uma espécie de corrente metonti seulad ‘le me dizia: ‘Nao, nio,ande atris dessa bandeira, ¢ eu dizia Nao, tie, no quero ir atris de nenhiuma bandeira, poraue 50 0° xa peo politico, quero ficar com vod# ele como que me 0 No, woce tem de ir atrés dessa bandeira! e eu dizia’Ndos qi ada” ficar com voce, mais : a Ness relat deur sono,a politics, como mandsto nasi contrapoe-saforga do desejo,tal como na insolve perleride Mhstas perguntas: “Durante muitos anos pensei qe eles SUH eae eis melhor;masfiqueisem minha mae porseisanos eno eo veas meu pai-O que valia mais a pens? Lutar por um Pals ten nota format uma familia? Tadoisso sao. contradigoes. N20 0s ma mao cn prin cones ene 109 ‘Tampouco eles tém ou tinham a resposta. Nao previram até onde chegariam os militares. Nao podiam saber" As vezes, no lugar ‘yazio dos desaparecidos nao ha nem havers nada,excetoalembran- ga de um sujeito que ndo lembra:“ dificil dar forma a algo que a gente ndo conhece, que a gente nao sabe, a nomes de pessoas que no tém um timulo para quea gente diga que eles estao ali. Nao se pode por nome em algo que nao se conhece, eu tinha dois anos ‘quando eles desapareceram, nao me lembro de nada deles, lembro

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