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Arte afro-brasileira Mariano Carneiro da Cunha 13.1 Introducio Para uma justa apreciagéo da influéncia alricana nas artes plasticas brasileiras € indispensavel uma incursdo, por répida que seja, na his: t6ria dos povos que para c4 vieram como mfo-de-obra escrava, Sendo as civilzagbes subsaéricas Sgralas, dispde 0 afticanista de relativamen- te poucos recursos para reconstituir a histéria africana anterior a0 con- tato com a civilizagdo ocidental ou com o Isldo. Ao mesmo tempo, a hist6ria que se Saseia sobre essas fontes 86 restitui um passado cuja antiguidade varia, segundo as regiées, entre as séculos X @ XIX Recompée-se igualmente a histéria da Africa negra a partir das tra- dices orais. como tem feito J. Vansina com bastante éxito em seus rabalhos de etno-historia, mas a tradi¢&0 oral nao remonta a muitas geracdes sem mergulhar no mito. Se por um lado existem tal penuria e dificuldades, por outro dispde-se atualmenie de farta documentagao arqueolégica que comega a preancher as lacunas do passado africano, nao sem percaicos contudo. A historia da Africa negra é assim uma historia baseada em dados arqueolégicos, portanto histéria andnima e no factual, bastante precisa quanto 3 evolugdo das técnica e com portando lacunas importantes inerentes 8s proprias fontes de infor mao. Os primeiros trabalhas arqueoiégicos datam apenas do fim do século passado e as pesquisas sistematicas comecam realmente apés © fim da Gitima guerra mundial, Trata-se de uma arueologia ainda em seus comegos, cujos dados sao fragmentarios. As subdivisdes clissicas da Pré-historia ndo se aplicam de modo absoluto a Africa negra oelas razbes que se seguem. A Idade da Pedra antiga é mais velna na Africa do que em qualquer outro lugar: recobre todo 0 periods Paleotitica inferior @ uma parte do Paleotitica médio da Europa ocidental. A Idade da Pedra média estende-se do Paleolitico médio ao comego do Paleolitico superior. Enfim, a Idade da Pedra recente corresponde ao fim do Paleolitico superior, a0 Mesoliico © a0 Neolitico, Este 6 seguido imediatamente pela Idade do Ferro. O Cal- colltico © a Idade do Bronze néo exisiem provavelmente ne Africa ‘negt@, pois os metais qua os representam aparecem na Africa ao mes mo tempo que o ferro, Olduvai, Ifé, Benim, Nok, Igbo-Ikuwu e mais recentemente Zimbabwe sfio os sitios arqueolégicos mais importantes na Africa subsaérica. Apeser do solo precério para a conseivacao dos vestigios arqueolégicos, a Africa negra tom sido extremamente grati cante para aqueles que se tém dedicado a reconstituicdo de seu pas- sado. Se a umidade e os insetos destroem rapidamente certos tipos de artelatos © demais testemunhos de ciuilizag3es que so sucederam no solo africano, outros conservam-se muito bem, como ossos. pedra e, em grande medida, cerémica e metal. Assim, a Africa negra coloca-se hoje em dia em primeiro lugar no plano da paleontologia com as des: cobertas de L.S.B. Leakey e sua familia, em Olduvai, a este da Tanza- nia. Na Africa negra a Idade do Ferro parece suceder sem solucao de continuidade @ Idade de Pedra, De fato, conhecem-se indiistrias liticas negto-africenas de apenas trés séculos de idade. Assim, a origem e difus8o da siderurgia na Attica coloca problemas quase insoliveis para 3 hisi6ria do continente negro. g i nau aan 11937 Figuea sontaca, s8eulo XIU a XI, bronze. 80a, Nupe, Niagia, col, Museu Nacional, Lagos. Segunds iam Fagg este bronee sera oriainsio de M6 6 loved postermanta para 9 reimo Nupe 1938 “Guoroita de Tada", provavelmente secu, bronze, Higéna, ool Museu Bridnico, Loreres lente © verso! ‘A teoria mais aceita até agora era de que o ferro teria sido intro- duwzido do Oriente Médic através de Meroé no alto Nilo, seu principal centro de difusdo para a Arica subsaérica, entre 0 séoulo V a.C. eo IV de nossa era. Ao mesmo tempo no se podia descartar a possibilidade de contatos transaéricos entre os entreposios fenfcios da bacia do Mediterraneo e a Attica ocidental. ou os contaios que viajantes érabes © indo-malaios, conhecedores do ferro, teriam tido com a Africa oci- dental, mais ov menos no mesma periodo Por outro lado, acresitava-se oue @ difus8o da siderurgia negro africane ligava-se 4 expansao bantu que se acompanha igualmente da agricultura € da pecustia, Para alguns linguistas, as civilizagBes banw?, partindo da regio nigero-camaronense, teriam alcangado as savanas da Africa central numa primeira otapa migratoria e de 16 se teriam espalhado para 2 Africa oriental e austral. Tal movimento de populagées s6 teria sida possivel com o auxilio. de insirumentos metélicos capazes de desbravar a floresta equatorial 0 ponto de partida da migragao bantu sugerido polos linguistas coadu: nava-se bem com a existéncia na regido da civilizago de Nok que pra ticava a fundigio do ferro desde 0 século V aC. A segunda otapa migratoria coincidia com a existéncia de varios sitios da Idade do Ferra sobretudo na regio interlacustre que apresentavam uma cerdmica {com depressio na base, canelada), que parecia intimamente ligade entre si, Esta interpretagda ajustava-se bem a teoria segundo a qual a civilizagao teria tid 0 seu inicio no Oriente Médio e de |é se difundido ara 0 resto do mundo: as migragées bantu acompanhavam a expan- so da metalurgia do ferro. Contudo, os fatos subsequentes vieram infirmar essa hip6tese, Mostrou-se em soguida que os sitios da regiéo interlacustre néo tinham conexdes maiores entre si, ndo compondo Portanto um todo homagéneo nem geagrafica nem cronalogicamente. Por outro lado, no hé até agora nenhuma estapao intermediaria entre Nok @ a Africa ocidental, onde foram descobertos varios sitios quase to antigos coma Nok. Enfim, a hipétese linguistico-arqueolégica repousa om UM pressuposto pouco plausivel, o de um imenso porcur 0 que teria sido percorrido pelas migragdes bantu no curta espago de dois ou trés séculos. Assim, seria quase impossivel stribuirse atual- mente a Meroé a origem e difusao da siderurgia da Africa negra, Nes- tes Ultimos anos, novas descobertas sucedem-se na Africa oriental: embora nao tenham sido ainda sistematizadas, parecem indicar que a siderurgia africana seria anterior a0 primeiro milénio a.C., 0 que viria confirmar a hipétese de uma metalurgia autonoma na Africa negra. O que fica historicamente bem estavelecido é que, nos primeiros séculos de nossa era, a metalurgia permeia todo 0 cantinente negro € entre os séoulos V @ XV assisto-se ao surgimento de civilizagdes nogras bastan- te sofisticadas. ifé, centro cultural e religioso dos Yoruba a oeste da Nigéria, jd era povoada desde © século VI, e pouco depois produzia suas obras-primas em bronze, pelo processo da cera-perdida, ¢ em terracota, praticando também o artesanato em vidro Igbo-lkuwu, o leste da Nigéria, dominava igualmente @ metalurgia do bronze desde pelo menos 0 século IX. A partir do século XV, surge a arte do Benim, cujos bronzes levados pela expediogo punitiva briténi- ca de 1897 mostram 4 Europa uma nova face dessa Africa considera- da retrégrada e obscurantista, sem mencionarmos aqui todos 08 bron- ze3 descobertos esvagademente 20 longo do Niger, como o célebre guorreiro de Tada, © que sé denominados bronzes do ‘baixo Niger Esta é @ époce da constituigao dos primeiros grandes Estados da Airica ocidental, descritos pelos viajantes arabes; Gana, Mali, Songai. ‘Quando os portugueses chegaram ao reino do Congo no fim do século XV 36 puderam avaliar urn pasado que fora glorioso. A leste, a5 gran- des necr6palas de Sanga © Katoto, no Zaire, atestam a prosperidade © Virtuosismo dessas cwvilizagdes da Idade do Ferro bem antes do século X. Do século X! falam as ruinas de Zimbabwe, na Rodésia, cujo reina de Monomopata tirava seu poderio do comércio de ouro, martim « ‘escravos com os estabelecimentos arabes da costa do oceano Indico, Deste rapido esbago histérico pode-se conciuir que os africanos que vieram para as Américas como escravos ja se encontravam tecni- camente bastante desenvolvidos, viessemn eles da regidio sudanesa ou bantu. Se no conheceram a rode @ todos os benelicios tecnol6gicos por ola trazidos no quarto milénio a.C., na Mesopotamia, dominaram a metalurgia com bastante sofisticacao @ partir do primeiro milénio a.C. Sem @ roda do oleiro, chegaram no entanto @ uma grande pertei¢#io na arte da ceramica como atestam os mais antigos exemplares conheci- dos até hoje. Contudo, a maior contribuigge do ponto de vista tecnico © artistico da Attica negra foi a sua escultura. Naturalmento a Atrica negra sempre praticou @ pintura rupestre ¢ os desenhos incisos de excelente qualidade na pedra desde o Peleolitico Inferior até os nossos dias, em que as pinturas dos Bosquimanos chegam a incluir até auto- méveis e outros bens de consumo da tecnologia ocidental. Sendo, con- tudo, o,propésito do presente trabalho detectar as relzes africanas nas artes pldsticas brasileiras, vamos nos limitar no momento a escultura negra, pois foi esta que as influenciow definitivamente. _ninevie our 978 13.2 Evoluc&o da escultura africana © mais antigo exemplar de esculture em madeira encontrado na Atrica negra & um objeto que tem toda a aparéncia de um elemento de mascara zoomorla, encontrado perto das nascentes do rio Liavela, em Angola, que foi datado pelo carbono 14 como sendo dos meados do século Vill de nossa era. Bem conservado pela utnidade constante da gua, esse objeto apresenta grande semelhanga com os chifres escul pidos dos antflopes que encimam os adornos-de-cabeca (Ti-waral utili zados pelos Bambaré do Mali em suas cerimGnies agricolas. Em segui da datou-se igualmente, pelo mesmo proceso, fragmento de uma escultura dagom (Mali) chamada tellem, atribulda por esse povo a uma etnia que a tradigo local fazia remontar a alta antiguidade e os teria precedido na regido. Essa iltima datacdo atribuiu a escultura em questo os anos de 1470 + 150 a.D., 0 que a situaria aproximade- mente no periodo dos primeiros contatos dos europeus com a Atrica acidental. 0 estilo dos tellem parece realmente ser 0 ponto de partida da escultura dogam atual. Com exceg3o dessas duas pagas sabe-se muito pouco ainda da génese da escultura em madeira na Arica negra, mas conhece-se bem, a0 contrério. a sua distribuicao espacial. Enquanto a pintura rupestre e a petrogratia distribuem-se em geral nas regides das savanas abertas, a escultura om madeira encontra-se de preferéncia nas florestas da Africa ocidental e da bacia do Congo. Esculturas em terracota encontram-se isoladamente em quase toda a Atrica, néo formando aparentemente tradi¢ao continua. Por outro lado, existem duas tradigées na Africa ocidental, a de Nok e a de Ifé, que permi- tom avaliar @ ovolugdo da escultura durante um periodo de 2.500 anos. A mais antiga tradigao de escultura africana fora do Egito fai des- coberta, com efeito, no nordeste da Nigéria, nas minas de estanho per- to da aldeia de Nok, na provincia de Zéria: figuras de terracota foram encontradas misturadas com machados de pedra polida junto aos res: tos de uma inddstria de artofatos de ferro. Mais tecentemente, um sitio de ocupacdo dessa cultura foi encontrado em Taruga, na mesma regido, onde verificou-se intensa atividade sidertrgica em razdo da pre- senga de dez fornos. Assim a industria do ferro, acompanhada de esculturas em terracota, existiu em Nok desde o século V aC. As dimensdes das esculturas de Nok variam entre algumas pole- gadas @ as proporgdes quase naturais dos sores humanos e animais representados. Os membros e corpos da figura humana séo geralmen- te tratados coma cilindras recobertos de fieiras de contas; a cabega humana habituelmente cilindriea, estérica ou cOnica com penteados claborados © orelhas colocadas om grande variedade de posigées; boca, orelhas, narinas © pupilas geralmente vazadas; olhos represen- tando segmentos de esfera, as vezes assumindo forma triangular; as representagies humanas sao estilizadas ¢ os animais naturalistas, mas com 0 mesmo tipo de olhos..A cultura material de Nok jé aparece como um produto formalmente acabado, sem que hajam elementos historicos que permitam reconstituir a evolucdo que a precedeu, faltan- do também toda uma infra-estrutura técnica e artistica que a apdie. Para compreender melhor esse fato jé se emitiu uma hipotese das mais convincentes*: a técnica da escultura em terracota de Nok supée toda uma tradie&o de escultura em madeira que infelizmente nao tote Elmont de masa Ta gou até nés pelas razes acima assinaladas. De fato, se se 2.5%57 x85, Bembars, Mal, col Tago, Gamer da Cunha em depesito no WREIUSP. ticos, a escultura em madeira exige a técnica inversa: vai-se desb do um bloco de madeira, tirando 0 que o artista considera supérf Suplicante garantiré a abund8ncia das impedimento 8 sua obra, constituindo-se o que se poderia char Sinvolsam poe‘es dosone'a préfes’ ‘técnica subtrativa. Nesse sentido, algumas escultures am terrauy TRee ee, ane Aaeaaeat: Madera, Nok suporiam realmente um substrato de escultura em madeira 728%85, Mal, col ABUSE anterior, pois apresentam-se sempre como uma reformulagio co te de cubos, esferas, cilindros e outros elementos geométricos ea teristicas da esoultura africana em madeira, com sua inclinacdo nai Para um certo cubismo. Se, por um lado, faltam ainda evid XVI-XVIL, martin, ait. ¢. 11 € 12, teitos por arqueolégicas que provem a continuidade de Nok com outros ¢ {tea wol thcos ites Lender Negras culturais da Africa ocidental, por outro tedo, certas. caracterieties 44s convengtes de olhos e pescoca do salero —_gstilisticas de sua estatudria podem ser detectadas entre grupos 6tn pares G08 atuais da Nigéria que apontam para uma origem comum ou uma filiac&. Nesse sentido F. Willett observa com acuidade que e: tipo de cabega tubular pousado em pescoco igualmente cilindrico dip 1340 Pora de ceeico Dogom, representando ancesiras cola attude 4961 Paquens cabors, 500 a.C 8 200 40, teracote. Nok. Nigéna, col, Museu Beitnien, Landes. 1942 Pildo de pimenta e sale, século 1¥343 Nomoli possvelmente sfculo XVI esteatie, Serra Leoa, col Musau Brténico, Londres das de Esie, nos marfins afro-portugueses do século XVI esculpidos e Sherbro @ entre os chamados nomoli da Serra Leoa. As propored corporais — cabeca grande © pernas curtas —, troquentes em tod escultura_negro-atricana, aparecem também nos exemplares menores proporgées de Nok. Vérios detalhes de vestuarios e estilos de Penteados encontram-se ainda entre povos do planalto Nigeriano. Os Tiv, Dakakari e Ham, da mesma regio, praticaram até muito reee mente um tipo de terracota que, embora diferente nos detalhes esti ticos, poderiam francamente associar-se a tradic8o escultorica de Diga-se de passagem que, a esse nivel de evidéncias, © mais releva para 0 presente trabalho é que vérios tracos estilisticos, entre os qua a forma dos olhos da estatuéria de Nok, so semelhantes & das ma Caras atuals Yoruba chamadas Gueledé e que existiram na Bahia a comege do século. Por patentes que sejam essas conextes estilstie estabelacidas por Willett, no se dispe contudo até agora dos escal ~arqueolégicos intermediarios entre Nok ¢ 0 resto da Arica negra, po dendo tratar-se portento aqui também de casos de convergéncia 144 Mascara Gueledé, anterior 2 1928, madeita-apievomada, 23 x 19.5 » 31 RepiolePooular do Benim, cal. Musou Nacional Fig de Vane, NIGERIA REPOBLICA DEBENIM (" (DAOME) IRUTEIE = NOES Jean tuna desea Vex anes sto Yoruba | Nass ti NIGERIA Yorubs Igbo eH aK BENIN Igbo CAMAROES CT reat sic A outra tradic&o escultérica que apresenta continuidade como a de Nok € a de Ife, centro religioso e antiga capital politica dos Yorubé Nao mencionamos aqui os bronzes do Benim por se tratar de des- dobramento historico e estiistico de Ifé Léo Frobenius, antropéiogo e africanista alemao, escavando aci- dentalmente em Ifé, na primeira década deste século, descobriu alguns, desses notbrios bronzes que considerou — por serem vazados em estilo de um naturalisme cléssico — de fatura nao africana mas atribui vel a0s portugueses, ou mesmo a uma possivel coldnia grega situada na hipotética Atléntida! Datacdes posteriores, pelo carbono 14, 1da- : via, situaram-nos no século Xi a.0., época em que os portugueses néo conheciam ainda aquele tipo de técnica de fundigéo. Comparacdes fei- tas em seguida por especialistas mostraram que, do ponto de vista for- mal @ técnico, as cabecas de bronze de Ifé chegavam a suplantar os methores exempiares de Benvenuto Cellini 81 HADI LY ‘wl 1308 Ceheca, stew Xl ou XIV, bronze, funcido pelo proceso de core pardiga, 36 ait, ancentrade perio Gos palicios dos eis Se Me. Nigeria, col. Museu Bran, Londres Embora a civilizagéo de Ifé seja atualmente bem estabelecida como genuinamente africana, ainda persistem controvérsias quanto a sua otigem, pois, como Nok, Surgiu no cenario histérico africano como produto formalmente acabado. Frank Willett, que escavou sistematica- mente alguns pontos da cidade de Ifé, encontrou em Ita Yerioo artefa- tos em tetracota © bronze que o carbono 14 datou entre os séculos Vie X, perfodo que poderia perfeitamente ser ainda contemporéneo de Nok Por outro lado, Thrustan Shaw®, escavando em Igbo-lkuwu, no Estado central do leste da Nigéria (regido do Bislra), descobriu uma colerdo importante de bronzes ornamentais, fundidos e forjados, depo- sitados em um timulo do século IX 2.0, Embora o estilo © a liga metdlica sejam diterentes dos de If6, sua existéncia @ apenas duzentos @ poucos quilémetros deste sitio apoiaria a possibilidade de uma datagao mais antige para o comeco da fundig&o do branze em ié (+ século X a.D.). Assim a referencia! cronolégico mais plausivel tende a recolocar Ifé no plano da tradi¢ao oral Yoruba que a faz 0 berco de seu pavo. Frank Willett®, analisando a cultura material de Nok e confrantan- do-a com a de If6, ressalta aspects estilisticos de ambas que. ao que tudo indica, mostrariam no ter havido solue&o de continuidade do maior relevancia entre os dois sitios, embora faltem ainda as etapas TY arqueolégicas que um dia as uniram, Dentre as varias semelhancas estilisticas detectadas por F. Willett na expressao artistica dessas duas tradic6es, ressalta-se um esforgo para atingir as proporeées naturals de corpo humana, fato Gnico em todo © contexto negro-alricano, Apesar do grande naturalismo que informa a arte de Ifé, existe, a0 gue parece, aqui como em Nok, uma tendéncia estilizante exacerbada’, ndo que, as vezes, a estilizacdo em Ifé 6 ainda mais acentuada do gue em Nok. Nesse sentido, Willett escolhe uma série de esculturas Para ilustrar esse grau crescente de estilizacéo na representago do feste humano, em que os olhos comegam a se tornar salientes, os Id. Bios a se projetarem em duas protuberancias horizontais, enquanto uma variedade de formas simpliticadas so utilizadas para representar as orelhas. Finalmente, 0 que interessa mais diretamente ao presente allo € a sua constatagto de que escas trés titimas caracteristicas, auadradas a tradicgo de um naturalismo moderado, s80 as carac. tices principais da escultura vigente até os nossos dias entre os Yoruba. Esse fato & de grande importéncia porque ndo s6 tenta Mostrar a filiacdo de Ifé a Nok mas aponta para uma tradigao escultéri 2 africana durante um periodo de mais ou menos dois mil e quinhen OS 8NOS, € que Se prolongou com feicdo peculiar entre nés, em sua moress&0 afro-brasileira Nap podemos terminar este esboca histérico, todavia, sem cons. Jatarmos que permenece a interrogagéo quanto as origans da civil: 22080 de Nok Vimos, por um lado, que escultura em madeira oxpli aria €m parte o acabamento formal da cultura material de Nok Por ousra lado, 08 argumentos de Willett s8o convincentes quanto ao seu Brolongamento espaco-temporal, mas quais s8o os seus reais antece- 8? De inicio, pode-se afirmar que a arqueologia africana nao se neontra ainda aparelhada para responder convincentemente a essa GUESIB0. AIé 0 inicio do século, quando os estudos cientificos dos Povos e culturas atricanas encontravam-se ainda balbuciantes, © em fezdo des teorias difusionistes prevalecentes entdo, todos os fatos cul- ®wrais afticanos de alguma relevancia eram atribuidos ao Oriente Mé- io, 20 Egito ou, por tabela, a Grécia, Responséveis, em grando parte Ber esse estado de coisas foram os estudos de W. J. Perry © E. Smith, gue pretendiam derivar as grandes civilizagées mundiais a partir do aio. Por outro lado, no havendo nenhum quadro raterencial cronolé ara os periodos mais antigos da historiografia africana © para as gens de sua cultura, o expediente mais fécil era o de atribui-las a aiguma civilizacdo prestigiosa da antiguidade, e privilegiadamente a0 Egle. cua historia ja repousava em bases mais firmes. Assim, elemen. eulturais africanos, vigentes até os nossos dias, como a realeza Suna Por exemplo, eram atribuidos ao Egito, de onde se teriam difun Sido pela Africa ocidental e oriental: estudiosos atuais ainda hé quo sistem no engano, Ora, H. Frankfort®, muito bom egipt6logo que cenfrontando a realeza do Egito com 8 do Oriente Médi Gemonstrou glaramente tratar-se de realidade negro-africana assumida pela civilizacdo egipcia Noturalmente 0 Egito, dispondo de textos abundantes @ circuns- Senciados sobre a origem e fungo da realeza divina, ¢ as civlizagéos neg2s sendo Agrafas, uma comparacdo dos mesmos com os fatos @%e2n0s atuais iluminaria certamente aspectos miituos importantes Bessa InstituicSo milenar africana. Como este, varios outros aspectos td anteriormente bastante povoado, permitia, sem divida, um trétego importante nos dois sentidos, como se pode supor ainda hoje com o movimento migratbrio dos mercadores Haussé que transitam facilmen- te ontro 0 Senegal e a Africa ocidental, levando com suas mercadorias novas idéias, novas técnicas etc. Foram eles, aliés, um dos elementos importantes na difusdo do Islo na Africa negra. A talta, contudo, de dados arqueolégicos que venham confirmar uma eventual influéncia egipcia, impe-se uma reserva prudente a todo tipo de afirmacao apressada nesse sentido. Muito a0 contrério, as evidéneias cientificas atuais tendem a mostrar precisamente que a Africa negra ter-se-ia desenvolvido de modo bastante auténomo e anterior 4 constituigdo da civilizacao egipcia. Nesse sentido, a resposta & interrogacso que Nok levanta hoje e que Ifé suscitou igualmente nas primeiras décadas deste s6 ‘culo deve ser pacientemente esperada do préprio solo da Africa negra 13.3 Compreensao da arte africana Embora o interesse central do presente trabalho sejam as artes plasti- cas, isso nao significa que a Africa nao tenha praticado, e com muito Sucesso, outros tipos de arte, como as artes decorativas e seculares Sua musica e danga que tanto influenciaram as Américas sorao trata- das quando falarmos da arte afro-brasileira, Falaremos igualmente da literatura oral africana que deixou marca bem nitida nos contos Populares baianos, reformulada depois na obra literéria de alguns autores brasileiro, sobretudo do Nordeste™. Para uma compreenséo global, pois, da arte africana impée-se considerd-la em trés niveis: a) o formal e técnico; b) a finalidade ¢ 0 sentido; c) sua capacidade de influir sobre outras culturas. a) 0 formal @ técnico Como vimos anteriormente, a escultura em madeira faz-se pelo proce: So subtrativo, enquanto 2 terracota @ cerdmica séo modeladas pela técnica aditiva, Essa primeira técnica marcou de tal modo o artista afri ccano que, ao trabalhar a pedra, modela-a como um tronco de madeira, mesmo quando se trete de material t80 dura coma 0 quartzo. Isto nao impede, contudo, que o artista africano mantenha uma grande fidelida- de @ propria qualidade do material trabalnado (direcdo dos veios da madeira, forma da pedra etc.), muito pelo contrério, enfatiza-a esta- belecendo um contato mais direto entre ele © a obra, As ferramentas Utilizadas so sempre um conjunto de enxés que reinem as tungdes de cinzel ¢ malho. Essas perfazem o trabalho mais importante de des- baste, © 0 acabamento & todo feito por pequenas faces. A escultura em madeira, feita em tronco de madeira verde por ser mais facil de tra- balhar, compreende desde estatuetas de algumas polegadas apenas até postes esculpidos que ornamentam as varandas, e os impluvia da cenas casas 1869 MSscaras tipo Janus. modeira revestida do coura de antlope, Eko, Nigéra, fet Museu Btaniea, Londres, Dentre as esculturas em madeira sobressaem-se, de maneira par- ticular, as mascaras que apresentam irés formas principais: as que eto apostas a0 rosto, as que S80 pousadas no topo da cabeca e as més. caras-elmos; estas recebem a cabeca do portador através da abertura da base e 80 muitas vezes do tipo Janus. Todo 0 bronze 6 trabalhade pelo jé relerido processo da cera-perdida™?, que é uma técnica essen cilmente aditiva: a um ndcleo de argila vao-se aplicando os desenhos om cera. Q ferro ¢ forjado ©, em alguns casos, fundido. Certes regides fazam uso importante da extruséo manual para obtencdo de tics de de finalidades diversas. © minério de ferro bruto é ritualizado entre alguns grupos e certas divindades tém a sua paraferndlia tfeite desse material, 0 que pode valer também para outros metals 1350 Canjunio de enxds para contecezo & acabamenta das mdscdras, ferro ® madeir, onxé c. 45 ¢ facas do 17 6 24, Pots, Fepiiiea Popular do Benim, col MAG/USP. 1251 Fases de fabroagdo de uma méscara Gueledé. madera, da esquerda para a diets: 25 x 23,295 26,286 4 26 obs. Ropobics Popular do. Benim, col 1352 Basins do fer a6 astatvetas. ‘Cod MAEIUSP, 9 part dos quais Baro cam a torma Bara tundigso do 13530, 5 Etopes de cere perce a) forma basiea da lhe de cara racobro 6 & ‘madelada om volts da forma de arg, S80 esculpidos 0s detaies @| aplicamse decoragdes em cera 8) 0 modelo 6 coberto de argla 8 quando S200 aquecido de cabece pare bala ‘cera derreta tormanda assim @ molde, © bronze deratida & entomado Gente mold & quebrado revelanda a peca de 6) a finalidade ¢ 0 sentido Os africanos ritualizam n&o s6 os metais mas varios outros objetos. A vida do africano é pontilhada de rituais, e esta 6 uma das razdes que levou varios antropélogos e criticos de arte & afirmacao do ser a arte africana essencialmente religiosa. Estudos atuais mostram, contudo, que a realidade 6 bem mais matizada do que possa aparentar Se a arte africana tem uma conotagao religiosa, € igualmente informada de aspectos politicos, econémicos ou domésticos, Sao precisamente tais rétulos que dificultam uma compreenso maior da arte africana ou de qualquer outra arte chamada ‘ex6tica’. Existem aliés exemplos de obje- tos de arte atricana sem fungéo religiosa alguma E claro que a arte africana tem uma conotagdo religiose profunda, mas este ndo & um critéria suficiente para defini-la, sobretudo se tal critério for acompanhado de toda uma conceituaco da estética ocidental. Esta, de fato, s6 obscureceré 0 sentido de uma realidade que nao foi concebida em seus termos. A arte alricana é basicamente funcional, mas qual outra ndo 0 6 em certa medida? "A arte pelo amor a arte” & um conceito recente ©, mes- mo nessa perspective, © produto artistica adquirs uma tungao social quando mais no fosse a de decarar ou conferir status a seu possui- dor. Mesmo ao nivel da fungao, nem todos os abjetos de arte africana tém uma finalidade claramente definida, Nessa linha de argumentagio colocam-se os bronzes fon, do Daomé, representando cenas da vida Cotidiana sem nenhuma finalidade didética ou religiosa, e alguns similares baulé "entre outros. Tais objetos estabelecem simplesmente Prestigio ou status para os seus detentores, pois o material usado é considerado precioso. Quando a arte africana apresenta finalidade essencialmente religiosa, este assume toda uma gama de signiticados @ praticas diversas, Algumas esculturas africanas so vistas apenas por pequeno grupo de iniciados, como os bronzes da Sociedade Secreta Ogboni dos Yoruba. Certas estatuetas de santuérios ou certas mascaras néo séo expostas 208 figis, enquanto outras nao S80 vistas polos proprios sacerdotes como ocorre com a escultura do orixa Iko de Ifé. Outras esculturas so guardadas ou escondidas no intervalo dos festivais, quando entdo aparecem. Acontece também que certas esculturas, quando em uso, 86 podem ser vistas por certos membros da sociedade. Hé cartas mas- caras usadas no topo da cabega que ndo devem ser fitadas pelos espectadores ou fiéis mas somente pelos espiritos! Enfim, os exemplos poderiam ainda multiplicar-se e talvez néo esgotés- semos 0 assunto. Portanto, pode-se concluir que nem a religiosidade nem a funcionalidade s&o critérios bastante abrangentes para definir 2 arte africana, Talvez @ definicdo nativa seja realmente a mais pertinente. Assim 6 necessério saber-se 0 que 0 consumidor eo critica ou 0 critico-consu- midor pensam da mesma, pois raramente na Africa o artista 6 ao mes- mo tempo seu. proprio esteta como costuma ocorrer no Ocidente. Pesquisas nesse sentido foram feitas recentemente, algumas com bas- tante sucosso"*. A primeira tentativa de estabelecer uma estética afri- cana foi feita por H. Himmelheber"® entre os Gufo e os Atutu, da Costa do Marfim. Para grande surpresa e decepgio suas, 0 artista marfiniano no sentia nenhuma “alegria criadora” mas trabalhava para ganhar dinheiral Dessas pesquisas pode-se concluir, apesar do desnorteamen- ai tbs, Vouss Nowe aa hag lo de H. Himmelheber, que a arte africana é uma arte conceitual, Bat oee en wee Septona ns interessada em comunicar idéias e relacbes. € claro que os africanos ndo a formulam assim desse modo intelectualizado, mas na pratica 6 1985 P*0cissHo eel, bronm, 23 x 62.4 Fon, Abomd, Fepuoica Popular oo Benim Iss0 que ocorre, A intengao, consciente ou no. do artista afficano a0 wale 987 fepresentar uma mulher amamentando uma crianga, por exemplo, & 2 antes a de mostrar o principio da maternidade em agdo do que retratar 3 um individu particular qualquer. Essa atitude pode estender-se a a todas as representagées coletivas atinentes aos grupos aos quais per. 2 tencam os artistas. Nesse nivel, cada objeto de arte africana é um [co- ne, isto é, algo que representa, que est no lugar de outra realidade. O artista africano nao sé permanece fiel 4 estrutura organica da matéria @ ser trabalhada, como acima nos referimos, como identifica-se com ela de tal sorte que jé no sobra espago entre um e outra. A obra de arte tona-se um discurso cujo idioma exprime o mais diretamente Possivel as representacdes coletivas presentes no universo mental do aftista. abolindo qualquer necessidade de mediagéo. € precisamente se imediatismo (directness) que Paul Bohannan considera detinir toda obra de arte chamada primitiva’®. As duas realidades tornam-se unificadas no produto final, residindo al, a nosso ver, a impossibilidade Ge 0 artista africeno ser 20 mesmo tempo seu critico: entre artista e obra ndo se cria o espaco, a distancia necessaria a reflexdo estética © didlogo, como aludimos acima, dé-se entre a obra eo mercado con. sumidor, que de certo modo vai estabelecendo, fixando as normas do estilo, cooperando também no proceso criador. Como todas as classi- ficagées de estilos africanos tém uma finalidade sobretudo académica Por falta de comunicagao direta, utilizaremos aqui aquela feita por W. Faga"’, que trabalhou durante mais de dez anos na Africa. Para esse autor a arte africana melhor conhecida do Ocidente e melhor represen. tada nos museus é @ do sdculo XIX, Ele divide-a em trés 4reas princi- pais: 0 Sudo, @ costa da Guiné @ 0 Congo, A arte do Sudéo é mais abstrata e apresenta quietude, interiorizagao e intensidade. 0 Congo tem uma arte mais exagerada, decorada, extrovertida. A costa da Guiné fica estilistic&e geograficamente entre as duas primeiras. Deter-nos-e. mos um pouco mais sobre @ arte sudanesa através do grupo Yoruba Por ter sido ela, ao que tudo leva a crer, que mais influenciou as artes, plasticas brasileiras. Nao queremos afirmar com isso que as outras Na etnias ndo as tenham influenciado também, mas por tratar-se de reali- dade menos nitida no estado atual da pesquisa no Brasil, cingir-nos-e- mos 20 estilo Yorubé. Os povos antigamente chamados bantu trou xeram imensa contribuigéo cultural que s6 agora comega a ser posta em realce. A questao do estilo nas artes africanas 6 bastante delicada, comportando varias controvérsias. Afirmou-se durante muito tempo ser a arte africana anénima por tratar-se de arte tribal. Ora, estudos atuais mostram a improcedéncia de tais afirmagdes. Hoje pode-se mesmo identificar as esculturas segundo seus autores, como 0 mestre de Buli entre 0s Baluba, do Congo; lemi Bisri, entre os Yorubé, @ muitos outros, Contudo, trata-se antes de estilos ligados 2 certos ateliés do que aos individuos, pois © mesmo estilo ligeramente modificado trans- mite-s0 de pai para filho, Mostrou-se também que a nooo de tribo ‘como ‘um universo fechado’ no que conceme arte no é inteiramente verdadeira porque os estilos fluem facilmente de um ponto para outro em toda a Africa negra. Tais evidéncias no impedem, todavia, que cada grupo tenha, em linhas gerais, um estilo préprio, capaz de identi: ficé-lo por opasicao aos outros e de definir seu universo estético. R. F Thompson, trabalhando entre os Yoruba, solicitou @ opinigo critica de cerca de duzentas pessoas 3 respeito de um certo niimero de escul- turas. Obteve o referido autor uma série de conceitos que detinem per- foitamente a obra de arte, fato de grande relevéncia para os estudos africanos, pois até bem recentemente afirmara-se no haver nas lin- guas do continente negro vocabulério capaz de aprender a realidade estética. Dezenove conceitos foram emitidos, os mais freqiientes sendo Jjora, a semelhanga moderada ao modelo, equilibrio entre os exiremos do retrato ¢ da abstragéo. /farahon, visibilidade: 0 plano inicial do tra balho devia segui-lo at& os menores detalhes finais. Didon, luminosida- de: brilho suave da superficie, de modo a se ter um todo conveniente de luz @ sombra. Gigun, uma postura correta e arranjo simétrico das partes da escultura sem excluir um minimo de assimetria nos detalhes menores. Odo, representagao do individuo em pleno vigor da vida (ver © que foi dito sobre a arte egipcia) que Thompson traduz por efebismo, Tutu, compostura, serenidade (coolness), qualidade igualmente requerida do comportamento humano™. Destas tis asiatueras, & primeira & do fescultar lem Bish @ ae duae outras 330 bres de seu Filho. Noterse 2 cortinudade a8 dilerangas de esto, 41386 Estatuets Ogbon, bronse, 23,4 alt, liobu, Yorubs, Nigéia, col Pere Verger em repiita no MBEIUSP, 1357 Estatueta Ogboni, bone, 17.2 al Nobu, Yoruba, Nigéri, ea. Tiago Carne de Cuntia em depésito no MABIUSP. 1388 Esttueta Ogbon), brome, 17.3 ait. llobu, Yorubé, Nigéria, col. Mateus Carneiro d3 Cunha am depose no MIABIUSP. ©} sua capacidade de influir sobre outras culturas Segundo Frank Willett @ primeira peca de arte africana a cheger Europa foi uma escultura trazida por navio mercante portugues om 1804. De outra parte, dada a antiguidade do comércio transaérico, Nada impede que outtos artigos de arte africana tenham atingido a Europa muito antes. Foram sobretude as colectes trazidas das colé- has, no fim do.século pasado. e que se constituiram depois nos acer: vos de arte ‘primitiva’ dos museus da inglaterra, Franca e Bélgica que despertaram a atengtlo do Ocidente para esse tipo de arte. A arts européia se esclerosande num academismo repetitive viu-se, de repente, diante de um universe formal, por assim dizer, caleidoscopica, em que as formas habituais eram quebradas, reduzidas ou ampliadas em processe criador continuo € sempre renovado. Foi esse aspecto protéico da arte africana e ‘exdtica’ em geral que permitiu a certos artistas europeus renovarem inteiramente a arte ocidental e dar-lhe uma orientaedo que marca’? seu proceso criador até hoje Assim esse impacto atingiu em maior ou menor grau escultores € pintores que se encentravam em Paris no inicio do século, dentre os quais des. tacam-se Braque, Viaminck, Derain, Picasso, Matisse, Vollard © Maillol Entre nés a influéncia africana fez-se sentir desde 0 cameo de nossa colonizacao, sedimentou-se hd varios séculos @ é parte intogrante de nosso proceso culturél € hist6rico. Resta-nos agora examiner em que medida esses dados africanos prolongaram-se no Brasil, reformularam- Se @ integraram-se no que se chamou depois de arte afto-brasileira g se oRar UY vu 13.4 Esbogo histérico: 0 elemento negro nas artes plasticas Se levarmos em conta © dominio da escultura em madeira da metalurgia que jé possutam os alricanos que vieram para o Brasil, de um lado, © de outro a documentagao — fragmentéria ainda — atirman- do a presenca de pardos © pretos nas obras de talha e douracso das. grejas barrocas desde @ segunda metade do século XVI, conclui-se que a infiltraco do elemento escravo nas artes plasticas brasileiras coincide com a prépria eclos8o das mesmas no Brasil Em outras palavras, 0 negro contribuiu de modo definitive na des. culagao das artes pléstioas brasileiras de sua tutela metropolitane, quando essas assumem as caracteristicas proprias que as definem nos séculos XVII e XVIII. Na feic&o peculiar que apresenta o Barroco bra- sileiro desse periodo, em sua tropicalidade, como diria Gilberto Freyre, J se encontra 0 elemento africano. Este sera uma constente que acompa hard de modo claro ou velado 4 curva evolutiva das artes plasticas no Brasil, pols @ um componente essencial de sua dindmica interna ee Nao se pode. portanto, negligenciar ou descartar 0 negro, quando Se pretenda fazer historia da arte, tanto quanto qualquer outro tipo de andlise de fatos histéricos, antropolégicos. sociais ou econdmicos do Brasil, Embora tal afirmativa expresse apenas o dbvio, ndo se tem insistide bastante ou explorado com a devida profundidade toda diversificagao @ extenso do elemento africano na cultura material bra- sileira, Quando nos referimos a presenga negra ou ao efomento negro, entenda-se que se trata freaentemente das habilidades ou do génio Rogro ou mestigo a servico de projetos @ cénones de uma visio de ™mundo branca nas artes plésticas. Ocorre, todavia, as vezes, que a pro- ducdo artistica mestica ou negra apresente claramente caracteristicas africanas, como, por exemplo, anjos ou santos barracos de “tacos Regréides ou madonas negras como aquela restaurada por F. Barreto a pintura do teto da Igreja de Nossa Senhora do Rosério dos Protos, em Recife, datando da segunda metade do século XVIII, Mais fre. Quentemente, entretanto, os temas ou a imagem africana escondem: se, distarcam-se nas dobras des mantos ou sab 0 peso do aura da estatuéria ou da tala bartoca, como os ot? em sous. nichos. Exemplos sugestivos igual mente sao @ iconogratia dos santos Cosme 6 amido. € sabido que esses nunca foram irmaos, mas, segundo a hagiologia catdlica, dois médicos norie-africanos ou médio-orientais que a igrejs, para substituir 0 culto pagao dos |beyi (Gémeos). "tornou gémeos'. N3o & do nosso conhecimento que jamais esses santos tenham sido representados em um 36 pedestal, na peninsula loérica: ‘no havia razdes para tal, No Brasil, no entanto, Cosme ¢ Damio sic geraimente representados juntos, e quando se trata de imagens de peque- nas dimens6es, aparecem em (nico pedestal. Ora, tal iconogratia 6 es: cialmente africana como 0 mostra exemplares do Daomé (atual Reptibica Popular do Benim) ¢ da Nigéria: 0 Museu de Arqueolagia @ Etnotogia Ga Universidade de So Paulo possui um desses exemplares Da mesma forma, embora com outra énfase, so certos detalhes ou simbolos da imaginéria catélica que aparacem doslocados e dentro de nova linguagem plastica, como crescente da Virgom da Con. i980, configurando-se em cornos @ compondo o emblema de Xango ~ deus do raio nagd — que surge na estatuéria afro-brasileira de Ala goas**. Jesus, menino branco, com faixa vormelha pintada na barriga, cores heréldicas de Xang6, distarcadas sob signo catdlico®, ou sexos apotropaicos, intencionalmente enjatizendo a fecundidade na esta- tuaria africana @ pudicamente recobertos de saias esculpidas ou tapa- -rabos dos exemplares mais antigos da escultura atro-brasileira do Nor- te @ Nordoste. H4, portanto, toda uma arqueologia, uma decodificacdo © anélise formais @ serem feitas para acompanhar a evolugdo plastica € 0 itinerério histérico desses elementos. Impée-se pois salientar ossa realidade, ndo sé nas artes plésticas eruditas @ rituais @ que acabamos do aludir, mas também pdr em rele- vo 0 alricano do cotidiano, dos objetos familiares manipulados, por vezes, ausomaticamente, distraidamente, ou reunidos nas vitrines dos nuseus. € 0 objeto das feiras, da arto popular, das expresses folclor: cas, so 0s ex-votos das capelas sertanejas, como bem viu Luis Saia?® © quantos outros. Nestes, 0 cone ou a forma africana exprime-se, no aro, mais claramente. Ao mesmo tempo, quanta desinformagdo no gue toca 85 suas origens, quanta resisténcia, por vozes inconsciente, em atribuir-thes uma procedéncia negra, quando facilmente cole-se. 1980 Por do gémeos bei. madeirs, 14 x 3, Repibiies Popular do Berio eo MAEIUSP. 1360 Nosca Senhora do Resto / Xana ‘madeira, co. Insituta Histénco de Alagoas, Macess'Peca sprocndice pela police em 1310, -Ihes uma etiqueta européia, cabocla ou indigenal A africana, entretan- to, como por uma espécie de conaturslidade de destino, perrnanece na sombra Nao precisamos ir até & Europa em busca do imagindrio surrealis- ta para redescobrir uma Africa exética, como fez Oswald de Andrade, Quando 0 exttico € 0 nosso cotidiano. Dentro dos limites pois de uma documentacgo ainda no sistematizada, embora farta, e auxilados pela cultura material africana ainda existento, tentaremos detectar e enlati- Zar temas © icones africanos em sua evolugo formal ¢ varias refor- mulagbes locais, Esve elemento negro. portanto, dependendo das regides, pode incluir desde utenstlios domésticos até jéias e outros aderecos de uso pessoal, como ocorre em Salvador @ no Recéncavo baiano, pera men- cionarmos apenas uma regio onde @ presenca negra é inequivoca & englobante. Todavia, essa presenca pode sor tacilmente porcebida embora ainda no estudada, no centro do Brasil, com tambores, instru. mentos musicais @ outros objetos que acompanham o ritual © a danca dos Candombes, de origem bantu; na parafornélia Gege (Fon) utilzada no culto da Casa da Mina, no Maranhao, ou seus similares nos Tem- bores do Rio Grande; finalmente os emblemas das divindades aftica- nas que se espalham por todo 0 pais com a penetracdo umbandista, criando novas formas, estilos locais € novo idioma pléstico ainda n&o decodificado. Nesse sentido so quase nulas certes publicagies de elencos rituals afro-brasileiros, sem @ menor preocupacao de fornecer sua provéyel evolugao formal, nem ao menos seu contoudo simbélico. Assim continuamos na ignoréncia nfo s6 das circunstancias em gue surgem, como de quaisquer outros dados que possibilitem uma eventual reconstituigao histérica, Por outro lado, alirmar-se. por exemplo, que a iconogratia de Exu, nos moldes em que a conhecemos atualmente, data da expanso da umbanda depois da altima guerra nao ajuda muito, quando se quer dar um minimo de gerspoctiva his torica 20 fato, Tais exempios poderiam multiplicar-se. Portanto, quem se dispuser a fazer histéria da arte efro-brasileira, encontra-se fatal- mente diante de enorme documentacdo extremamonte dificil de ser menipulada, por caréncia quase total de situé-la no tempo 0, multas vezes, espacialmente. Esse trabalha entre nés coloca-se ainda no plano do desafio. Para contornar tais dificuldsdes e tentar extrair 0 mAximo de informagées de material 180 divorsificado, impée-se, em primeiro ‘ugar, tentar conhecer 0 protétipo african que deu origem a0 objeto brasileiro, depois constatar quais os seus elementos que aqui foram reformulados para, finalmente, perceber-se o leque evolutive formal em suas varias etapas, dontro de um minimo de reterencial cronol6gico Em outras palavras, 56 uma anélise iconografica ¢ formal em nivel hi torico-cultural é capaz de nos dar conta da riqueza desse material Diante do que acabamos de expor pode-se concluir que urge fazerem-sa inventérios sisteméticos do que resta ainda da cultura material africana ou j4 afro-brasileira, em vérios pontos do pais e dos ceniros tradicionais de culto coma nos menos ortodoxos, pata que se possa fixar a meméria historica desses dados culturais basicos entre n6s, © para que possamos igualmente avaliar 2 evolugdo formal & esiilistica dos mesmos. Um levantamento de tal envergadura possibili- taria pesquisas em vérios niveis @, ao mesmo tempo, conferiria dimen- so histérica indispensével a justa apreciagdo do elemento negro na constituigdo de nossa cultura material. Dispondo-se de tais elemantos, Ago sO farlamos justica ao negro como fator determinante da nossa formagio étnica e cultural, como esclareceriames fatos importantes de nossa hist6ria, Seria igualmonte instrumental importante na erradi- cacio de certos habites rangosos de ex-colonizadores, de sistematica- mente atribuir tudo 0 que se considera bom ou apreciével 8 metrSpole, sobretudo em se tratando de bens culturais cuja origem se des. conhega ou se conheca mal. Assim, objetos hoje zelosamente guarda- dos © bem etiquetados om alguns muscus, exibindo origem europeia mostrariam sua verdadeira procedéncia: dos excelentes artistas e arte: 80s das sendalas, que sempre quisemios escamotear. A falta de informa 0 historica exata, aftmaodes gratuitas perduram, que marginalizam 0 ne- 70 até naquiio a que tom dircita inconteste, tal seja, o produla de sua arte Nina Rodrigues, no que pesem os oreconceitos que informam sua obra © que ndo mais resistem a critice atual, continua sendo, quanto & informagéo @ ao método, a fonte mais segura para os trabaihs pos. teriores sobre 0 negro no Brasil, J4 no comego deste século, fornecia este autor dado concreto extremamente relevante para a avaliagso da participacso decisiva do negro, ndo somente nas artes plésticas como nas artes industriais brasileiras. Se osse elemento no se destacava mais, era consequéncia da prépria politica econdmica do colonizador ue sé empregava ou permitia desenvolver-se a mao-de-obra que con vinha ao sistema, Dat surgirem “lutas empenhadas entre a produgdo escrava e a produgdo livre da colénia, entre os seus interesses e os da metrépole, de onde por muitas vezes se originaram intervengées do governo bem maléiicas @ nocivas aos progressos da nossa cultura’? Dat surgirem igualmente decretos reais como o de 20 de outubro de 1621, que ilustra bem esse atitude: “Nenhum negro, mulato ou indio Pode trabelhar como aurives”. Fica implicito que esse estada de coisas 8 existia havia algum tempo, pelo menos. Apesar de tais restricdes. Negros @ pardos teimeram em mostrar sua capacidade criadora Pereira da Costa lamemtando 0 atraso (giilo nosso) das artes em Per- nembuco, atribuilhe a causa precisamente ao elemento negro que delas se havia apodorado, dando-nos 4 sua revelia informagdo relevane te para a raconstituipSo histérica da questo. Citando Koster, esse autor diz que em 1810 os negros crioulos eram geralmente os Obreiros de todas as artes: “eles no conseguiram chegar ainda as ele- vadas classes dos burgueses, agricultores @ negociantes, Aiguns tém conseguido ajuntar grande soma de dinheiro © comprado escravos, aos quais ensinam o5 seus oficios, assim como @ outros, com o fim de tar maior proveito. Esses escravos trabalham para os seus senhores @ pro- porcionam-Ihes grandes rendimentos*®, porqua a mao-de-obra é goral- mente cara @ os trabalnos que dependem de ume certa habilidade e gosI0 S80 pagos mais iiberalmente que os outros. © mestre pintor de 'greja © de imagens mais atamado am Pernambuco 6 um preto de muito boas maneiras, com ares de homem de importancia e muito orgultogo dos seus dotes’® Alén disso, segundo o mesmo autor, as artes industriais tais como as de carpinteiro, marceneiro, ourives, ferreiro, sapateiro, alfaia te, etc., eran geralmente exercidas por pretos © pardos. Acrescenta Nina Rodrigues, com razo, que essa situa’ em Pernambuco “se Pode astender a tado o Brasil, onde os faios se repetiam exatamente nos mesmos moides"* Assim, © elemento negro tem acompenhado como parte ativa evolver das artes no Brasil e fecundado os momentos mais ricos de Sua histéria: suas figuras mareantes nas séculos XVII e XVIII 0 provam cabalmente. f nesse perfode que a arquitetura ¢ a escultura desenvol vern-se acentuadamente @ & ent8o que gardos e negros mostram o melhor de sua capacidade criadora Antdnio Francisco Lisboa (1738. ~18141, © Aleijadinho, mulato tamoso por sua obra arauitetGnica escultérica nas igrejas das cidades mineiras e de quem, aliés, falare- mos mais detidamente no decorrer deste trabalho; Valentim da Fanso ca (1750-1813). que trabalhou no Rio de Janeiro na segunda metade do século XVItI, ou Francisco das Chagas, — Chagas, 0 Cabra —, escul- tor natavel do século XVII, para citar apenas trés nomes dos mais conhecidos Esse rapido sumério histérico indica a atividade do negro desde o século XVII ao XIX mas, desse momento para cd, sua presenca nas artes plasticas rarefaz-se, mantendo-se, contudo, para alguns artistas no século XIX, como Miguel Arcanjo Benicio da Assuncéo Dutra {1810-75}, de hu Por outro lado, © que afirmara Koster em 1810 de que “os negros crioulos eram geralmente os obreiras de todss as artes”, continua valido igualmente para 0 final do século. Endo sé nas artes, mas obreiros de varias outras profissdes, como se pode ver do recenseamento da populacéo, no ue concerne as ocupagdes dos escavos para o ano de 18723 Todavia, os artistas negros s8o menos notados nas artes plasticas eruditas no decorrer daquele século e isto por varias razdes, destacan- do-se dentro estes os fatores econémicos. De fato, a mesma situagso compatitiva da méo-de-obra escrava e livre, apontada por Nina Rodri gues, ressurge depois da Aboligéo com a vind dos emigrantes euro ous. Estes, j4 bem mais qualificados do que os negros na perspectiva econdmica de entéo, por serem o produto de meic europeu industriali- zado, apresentam-se como elemento competitive superior a0 que o negro devera enfrentar ao longo de todo o periado colonial. Ao mesmo tempo. @ velho expediente do colonizador em s6 empregar mao-de- Obra adequada a seu sistema econdmico continua, apesar da Inde- Pendéncia e da Abolico, porque o proprio sistema econémico nio ore quase nenhuma elteragao. Se o elemento negro perrnanece mais aparente nas artes industriais do Norte e Nordeste, @ ovidentemente Porque se trata de zonas menos industrislizadas endo englobadas sis tematicamente no sisiema imigratério, onde portento a mao-de-obra européia penetrou menas: no Sul do pais raramente vé-se 0 negro nes- Se tipo de atividade. Esta marginalizacdo sistemética do negro dentro do sistema ecanémico e social brasileiros, recorrente tal circulo vicio- 80, no deixa de ter suas vantagens também, pois tem funcionado como forca motriz e regeneradora de sue criatividade e fermento para sua Identidade. £ 0 desafio constante que o negro tem tido, para se alirmar como elemento integrante e criader da cultura e civilizagdo bra- sileiras Qual a cidade do centro-sul do pais que apresente uma ‘ladoira da Conceicao da Praia’, entra outras, onde as oficinas de ferreiros Regros © mesticos sucedam-se do comeco ao tim, onde as formas ancestrais 680 recriadas ao ritmo das paneadas do malho na bigora que sé0, 80 masmo tempo, o gesto inconsciente, talvez, de um grupo atirmando a sua autenticidade, crianda nas formas um espaco que Ihes ey ssc ag tem sido sempre negaceado, mas sempre reconquistado com a paciéncia © pertinécia do artesto. caracieristicas do ethos negro? Por outro lado, a demanda da produgao artistica negra era canali zada, via de regra, para as igrejas ©, com frequéncia, para as igrejas das irmandades @ confrarias de pretos e pardos. Ora, o século XIX assiste a introducSo do neoclassico acompanhando © declinio do Barroco, fatores esses causadores da rebaixa do negro nas artes plast- cas. Em seu final, 2 Abolio&o retira muito do sentido que as irmanda des e confrarias tinham para os negros, que sobre serem agremiagées Feligiosas, funcionavam igualmente corn clubes © centros onde aqueles podiam, em certa medida, conservar suas diferencas culturais @ manter sua identidade étnica, Acrescente-se a isso que naquele eriodo 0 artista ja comece a definir-se de modo diferente: 6 no se trata do artesdo% capaz ndo somente de dourar um painel de talha sacra, como de esculpir uma imagem, pintar um teto de igroja ou cin. zelar um tocheiro de prata, acumuiando frequentemente as habilidaces de arquiteto © mestre-de-obras. Iniciam-se jé as especializactes e, com elas, 0 artisia redefine-so © passa a ser, sobretudo nos grandes eontros, come bem viv Ciarival Vailadares, “aquele capaz de educacdo dispendiosa, necassariamente no estrangeiro ¢ de acordo cam 0 gosto dominante da sociedade consumidiora’®*, Pré-requisitos esses que ‘obviamente exciuiam nao s6 0 elemento negro, como todo aquele que se encontrasse em idénticas condipées s6cio-econémicas. A presenca negra, contudo, iré emergir nas artes pldsticas novamente, de modo mais aparente e marcante, a partir dos anos 40, mas dentto de con digdes socizis aiferentes, como veremos depois. Vale insistir, no ontan- to, que nunce houve solugéo de continuidade na produgao artistica negra do anonimato das forias das oficinas de marceneiros, carapinas’ € de ceramistas do Norte, Nordeste @ Centro do Brasil. De onde as for- ‘mas ancestrais, embora frequentemente distorcidas, ndo escondem eontudo a matriz geradora e diversilicam-se no que se chamou depois 6 afro-brasilciro, 13.5 Arte afto-brasileira: definigao Arte atro-brasileira @ uma expressdo convencionada artistica que, ou desempenha fungao no culto dos orixds, ou trata de tema ligado ao culto. Esta maneira de definir o campo, ligando-o a raligides vivas que apelam para uma ascendéncia africana, traz agarentes anomalias, liga Jas precisamente a vitalidade e, portanto, & apropriacéo de simbolos novos por essas religides. Dentro desse critério so, com justica, incl dos no campo afro-brasileiro iconogratias do ‘cabocla’ ou da umbanda que nada tém de africano, nem no estilo nem na técnica, $40, porém. autenticamente afro-brasileiros por iratarem de temas ordenados, fe segundo um esquema de pensamento de origem africana. No caso de umbanda s6 0s temas sao africanos, enquanto no do caboclo, nem tema nem iconografia: trata-se porém de simbola de brasilidade, visto por olhos africanos @ inserido em cosmologie nagé-yorubs Por outro lado, e8s¢ critério ligado ao religioso — de componentes tanto miticos como historicos — deika na sombra outras continuidades «@ influéncias, por exemplo, na ourivesaria e nas artes decoretivas, que sero consideradas & medida do progresso de nossa anélise, como ficou assinalado acima. Convém frisar desde jé que 0 cue se afirmou da arte africana & igualmente valido para a arte afto-brasileira, isto 6, trata-so de uma arte conceitual, icdnica: para a sua juste opreciacao, impde-se conhecer-Ihe 0 universo simbélico subjacente, as roprasen. tages coletivas orientadoras de seu processo criador. Esta arte nos é fornecida de maneira mais direta na parafemalia das divindades afo- -brasileiras, no culto dos orixés, logo, em uma arte cansiderada ‘po: pular’. Antes de prosseguirmos em nossa anélise precisamos, primeira monte, clarficar esse concsito, Uma vez que as nacdes estétices trad cionais so de pouca valia para a apreensio das chamadas artes ‘pr mitivas’, como apontamos na primeira parte deste trabalho, natural menie as nogdes de popular por oposi¢ao a erudito, de artista versus artosdo, de puro ou espirio ov de casualidade estética serdo con: aUentemente eliminadas de nossas consideragées. Partiromos pois do principio de que uma arte s6 faz sentido na medida em que exprima padres culturais, ofereca uma viséo de mundo e as idéias que a acompanham®, Esse sentido, entretanto, deve ser vazado em formas, que sejam 9 expresso mais adequada possivel do dominio técnica da matéria trabalhada, visando tal finalidade. Ha aqui matiz importante a ser estabelecido porém: esse dominio técnico nao implica necessaria~ mente numa violacdo sistemdtica do material usado. Muito pelo contrario. N&o raro 0 produto final mostra extremado respeito pela for- ma priméria da matéria, de modo que a presenca do artista é notada na reorganizagao formal @ nos detalnes de decoracao e acebamento™. Dominio técrico © identificag3o com a matéria tabalheda n8o se excluem, portanto, mas so elementos indispensaveis na criago do cone € inserapéveis na transmissao do conceito Assim, no serdo sempre as solugdes formais opresentadas peia fatura da obra que a definirdo como obra do arte, mas os varios ele mentos que a tornam essencialmente icone. Tais formas s80 conse- Wientemente inevitavels e verdadeiras em relagdo a matéria™”. Poder sea objetar que se trata entéo de uma arte limitada. Sem duvide, enquanto obedega a protétipos formais fixos, mas néo no que concer ne a rica gama de novos tipos deles decorrentes, revestidos de lingua gem especttica, igada a cada artista ou oficina, ou a contexto sécio -histérica 13.6 As primeiras colecdes conhecidas: sua cronologia relativa Os primeiros exemplares de arte afro-brasileira conhecidos foram 0 coletados @ analisados por Nina Rodrigues e publicados em 1904, na revista Kosmos**, mas que teriam sido recolhidos por esse autor a partir de 1890. Parte do acervo de Nina Rodrigues encontra-se na coleeao Arthur Ramos, na Universidade Federal do Cearé. Em 1949 Arthur Ramos analisa alguns exemplares coletados por ele nos can domblés da Bahie, em 1927°%, que se acham atualmente também na Universidade Federal do Cearé. Vinte anos depois, Clarival do Prado Valladares estuda as pecas mais antigas encontradas em Alagoas, apreendidas pela policia em 1910 e integrantes dos cultos locais nas Ultimas décadas do século XIX. Do come¢o desse século ou do tinal do século passado perecem ser igualmente as pecas reunidas no Museu Nacional, do Rio de Janeiro. Do inicia da década de 1930, 20 que tudo indica, so as trés pagas — dois oxés Xangé e um exu de ferro — da antiga coleg’io Mario de Andrade, hoje no Museu do Institu- to de Estudos Brasileiros da USP. Desse mesmo periodo 6 também um conjunto de sete pecas de ferro — simbolas de vérios orixas — adquiridas pelo Museu de Arqueaiogia e Etnologia da USP em 1978, da antiga cole¢3o Edmundo Correia Lopes, de Séo Paulo. O Instituto Geografico @ Histérico da Bahia tem pequeno e expressivo acervo, apreendido pela policia, do candomiblé de Pulquéria (Gantois), parte do qual est atualmente no Museu Estacio de Lima, do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, de Salvador. Acervo extremaments importante 0 do Museu da Discoteca de Sao Paulo que abriga séries de ‘terramentas’ dos orixés — emblemas — coletados em 1937-38 em Recife, Maranh3o e Salvador. Enfim, dadas como do século XVIII séo es conhecidas pulseiras ‘copo’, em ouro ou prata, € outros aderacos crioulos do Museu Costa Pinto, de Salvador. Alguns desses exemplares encontram-se também no Museu Imperial de Petrépolis € no Museu de Arte da Bahia, Embora esse material seja apresentado como europeu, veremos em seguida que se trata de modelos atricanos repensados crioulamente, mas cuja forma, funcdo e grande parte da técnica utilizeda revelam sua origem real Essa 6 a documentagao mais acessivel, reunindo pecas africanas @ airo-brasileiras © que oferece maior possibilidade de anélise, par apresentar cronologia aproximativa. Farto material, entretanto, existe ainda nos recessos dos centros de culto, de abordagem dificil porém, & nas colegdes particulares. 1361 Crioula om grande gla. A mte do terrae do Gantoss, Pulgués Maria da Cancoigio. (in duering, Manus, Costumes shrcanas no 13.7 Bidimensionalidade dos objetos €o0 problema do ‘sincretismo’ Predominam em nosso material as esculturas em duas dimen- sées, sendo mais raras as de relevo completo. N&o cremos, no entan- to, como argumentam alguns autores”, que seja em razao de pro bigdes ligadas 4 condic&o servil que o africano, no Brasil, tenha limita: do sua capacidade criadora no que tange 4 escultura tridimensional. Isto deve-se, 20 que parece, a fatores de outra ordem, sobretudo de ordem sécio-econémica: a clientela dos cultos do Nordeste ¢ Norte 1&0 parecia comportar, em principio, um corpo de artesdos que the fornecessem esculturas de alto nivel e fossem na mesma medida recompensados, como na Africa. Tais cultos ali ligam-se, via de regra, as chefias e a realeza, 0 que significa clientes que remuneram bem. Aqui nunca se tratou de uma religiéio de Estado, mas sim de religiao sem apoio institucional © que parece ter ocorrido quanto & pobreza relativa de esculturas om relevo completo nos cultos afro-brasileiros, releva, portanto, de fatores s6cio-econémicos. Por outro lado, a énfase posta na herdldica dos cultos a predominancia de esculturas em duas dimensdes — leques, coroas, ferramentas etc., que funcionam tacilmente como emblemas — parecem ligar-se &s necessidades de identidade étnicas © acessério passa a ter fungéo precipua para marcar a diferenca cul- tural dos grupos. © oxé de Xangé ou o ibiri de Nand nao funcionam mais apenas como estandarte das procissées dos fiéis, no primeiro caso, e, no segundo, como mera vassoura ritual. Complicam-se em um leque de significados varios: étnicos, ‘estéticos’, religiosos e ‘sincréti- cos", entre outros, provocando igualmente varios tipos de indagacdes. H& uma carga simbdlica nova, decorrente talver das necessidades de identificagdo étnica, que atinge até os mais banais objctos de uso (ves tuario, comida). © pano-da-costa passa a ter fungao liturgica, como a estola ou outro paramento catdlico, Essa linguagem religiosa que informa os objetos rituais no & ‘mais africana, mas jé afto-brasileira, dai falar-se facilmente de sincre- tismo. Este 6, na realidade, apenas aparente, porque o essencial da mensagem religiosa continua afticano, isto 6, a cosmologia ordenadora do real capaz ao mesmo tempo de incorporar novos elementos e per- manecer africana, R. Bastide'?, P. Verger# e outros acentuaram a con- tinuidade, a ortodoxia dos cultos mais preservados como os can- domblés de origem Nagé, negligenciando sua capacidade inovadora, ‘ou mesmo angola, como fica implicito no trabalho de Ordep T. Serra “*: 0 que nao impede, contudo, que elementos brasileiros se tenham emertado em elementos africanos dando-lhes conotacdes diferentes das originais, sem tirar-Ihes nada da fungio basica, como parece ocorrer com toda @ probabilidade nos candomblés de caboclo. O culto 97 ‘waniswsouy ae 43362 Yornonjé-Sereis, 96 alt, co. Gooardfco © Histérica spar Fon, cobra, col, Margaret 8. Willan & Pla 5eg8, cobre, 45 at. 37 abies Popular do Benim, ca 1365 Altar funorério port Repiblics Populer Maxous Carmairo da Cunha de Oxossi, aliés, & um exemplo interessante nesse sentido como mostra, até certo ponto, Clarival do Prado Valladares**. No tocante a iconografia, os abebés-ostensérios de Obatalé, as Yemanjé-sereias, Vir- gens dessa ou daquela apelagdo, ou os Exus-demdnios 0 so igual mente. As fungdes reais dessas divindades, todavia, continuam africa- nas, bastando para constaté-lo @ mais superficial das anélises. Final mente, € sobretudo, as relagdes que ordenam essas divindades em uma cosmologia orgénica so africanas, restando para o propésito da investigagao a anélise do contedido semantico que assume a arte att cane no Brasil, tornando-a afro-brasileira. Na realidade. para esse pro- BOsito toda a idéia de sincretismo, como ainda insistem alguns. é irele- ante porque o que & sinoretizado ¢ a aparéncia externa da imaginaria ca téliea, © anedético portanto, havendo vez por outra mera aparéncia de iden tidada funcional entre a divindade atticana ¢ 0 santo catdlico. Portanto, pax 4.0 aprofundarnento do estudo dessa dinémica cultural, impde-se uma o Codificagéo da parafernélia desses culios e de sua iconogratia Reconsiderando-se, pois, a bidimensionalidade preponderant nesses objetos rituais, vale frisar que ola existe também na Africa — os simbolos dos orixs [ferramentas) s8o os mesmos aqui e Id, Dentre os Objetos de duas dimensdes hé exemplos muito originais onde se véem figuras planas, cinzeladas, fazendo parte integrante do bojo de vasos de bronze, cujos torsos elevam-se em trés dimensdes para otnamentar @ parte superior do recipiente**. Outros exemplos significativos so: um cagador Gege (Fon) portando coroa trabalhada em repoussé que ilustra 0 livro de William Fagg", idéntica as adé afro-brasileiras, @ um altar funerério portatil Fon (Assen), encimado por figura em duas dimen- sdes, de propriedade do Museu do Arqueologia © Etnologia da USP. 13.8 Anilise de alguns dos exemplos mais antigos: continuidade estilistica e sentido cultural 4266 Ont de XangS brasileko, madeira, 45 alt © 11 base, co. Instauta Gaogrdfico © Hicté-co da Bahia, Salvador 1967 Oxé de Xangb trasero, madera 40.6 alt. 11.3 base, col Insttuto Geogr 8 Hitorico da Bah, Salvador 1268 Ox de Xangd brasileiro, madeira 36 alt, 11 base, cl. Instituto Geogratcn © Histsico da Bahia, Savador 1369 Oss de Xango, madara 6 vontas de vioro ¢ louca, 65x 18.5 x 9. col Museu Nacional, Flo de Janeiro. © aprofundamento da evolucdo farmal @ iconogrdtica exige, naturalmente, elenco razoavel de pecas da mesmo tipo. Como tal ndo ocorre com frequéncia na documentagao mencionada acima, ater-nos ~emos as pecas ou grupos de pecas que possam oferecer os elemen- tos indispenséveis anélise que nos propusemos. Oxés de Xango Inicisremos pois @ nossa investigago com um grupo de oxés Xango, de fatura brasileira. Compde-se este de trés exemplares baia. nos, da calecdo do Instituto Geagrafico e Histérico da Bahia, em Salva- dor, @ um do Museu Nacional, do Rio de Janeiro. Trata-s¢ de pacas em relevo completo e que se mantém o mais préximo possivel das Convengées plasticas nagé-yorubs, sobretudo se vistas de perfil. S40 todas vazadas om estilo tendente ao naturalismo. Sua altura varia entre 49 © 53cm, @ s8o patinadas de cinza claro e marrom. Sao feitas a par tir de seefo cilindrica, inteiriga, de madeira nao muito consistente, que ofereca menor resisténcia aos golpes das ferramentas — enxS, goiva 3370 Ox6 de Xango Yorubs, madeira, 36 forméo @ malho. Duas representam mulheres ajoelhadas sequrando os Sei0s (Bahia), duas so masculinas. Estas, também de joelhos, repov. san 3 nA0s nO abdome, em diagonal, com os peitos bem configura. dios, alids, para © sexo que representam. Das esculturas moseulnae ima & baiana @ a outra do Rio de Janeiro®. A guisa das caboleires bem esculpidas dos modelos atricanos, trés portam coroas estilizades compostas de cauris justapostos em uma ou duas fileiras, as vezes tun, clidos 20 meio ¢ alongados. Um dos oxés baianos tem uma coron eva forma de cones superpostes 8 maneira das coroas dos ris Yorube Duas estatuetas esté despidas © dues portam saiotes decoradve de cauris. Todas s8o naturalmente encimadas pelo machado duplo, esti zacio de meteorite © emblema da divindade a quom so dedicadias, erquanto a extremidade inferior das pecas termina em punho de onde S40 manuseadas Essas esculturas organizam-se formalmente como na Africa, isto 6.2 partir de um eixo — este no caso presente acha-se bem delimitado elo machado duplo ~ de onde surgem as massas osculpidas, os voli. ines anteriores ~ seios — equilibram-se perfeitamiente com as nédegas epousando nos pés, de plantas para 0 exterior, em razio da posicao aloelhada tipica. Dai a importancia da viséo de perfil para uma melhor avaliac6o da fatura dessas peces. Por outro lado, a assimilacso de aigumas normas nos padrées estéticos brancos ja fo notavels no Fant aaulino, na boca, no formato dos seios e no volume de cabeca Esta jé bastante proporcional ao corpo, contrariamente as convensdes atrivanas. Os olhos saltados em forma do aro de café seguem entre {ante tradi¢go escultérica nagé-yorubé, S80 pecas de muito bos fatura 0 bela pétina. Parecem provir sendo do mesmo atelier, da moe. mma tradicdo. O oxé do Museu Nacional mostra, contudo, um trabalho ‘mais bem cuidado quanto aos detalhes dos tracos fsiondmicos, das rméos © da coroa: & sem duvida produto de excelente artista A mesma tradie8o escultérica apresentada pelas pecas referides esté também presente na Yemanjé © num bei libel) do Museu Estécie, Ge Lima, num oxé Xeng6 baiano, do Museu do Instituto de Estudos Brasileiros, ¢ num par de ibeji analisados por A. Ramos'®, Trata-se mur erdurado até @ década de 1930. Desde a época de Nina Rodrigues, entretanto, essa iconografia vai se abrasileirando cada vez mais. Ag gstetuetas de Oxum @ Yansan¥® que ele ¢ A. Ramos respectivamente analisaram, j8 apresentam todas as caracteristicas das futures Pom. bas-Giras das umbendas atuais: basta retirar a saia da primeire 6 acrescentar biquinis as duas No estado atual da nossa documentago, a0 que parece, hé um hiato de algumas décadas na escultura de madeira em releve comple to Esta reaparece, porém, em nossos dias com os oxés de Xango encontraveis no mercado baiano, dentre os quais destacam-se os de Nezinho, alabé do candomblé Op6 Afongé, em So Gongalo do Retiro Mesmo em se tratando de producto feita em série, nao @ menos digna de nota. O exemplar do Museu de Arqueologia © Etnologia da USP & tuma pera de 26.6cm de altura, representando figura feminina, de pé 1371 Yemanja, madera, 47 x 17.5, Bahia, colegdo Nina Rodrigues, col Musou Estacio de Lima, Savacor, sobre pequeno pedestal quacrado. Tem tracos fisiondmicos brancos ¢ 6 pintada de preto. Cama os exemplares an esculpida a partir dos tragos fision lisados anterio de um monabloco cilindrico de mi micos © dos seias que mastram um certo "a € UM conjunto organizado de formas gf métricas. Em certo sentido, essa pega representa um campromisso entre os oxés de Xangé que analisarnos acima e as estatuetas de Ya san e Oxum publicadas por A. Ramos e N. Rodrigues. O oxé Xangd de Nezinho liga enire a cabeca € 0 corpo @ no conjunto das solucé joda a aparéncia se haturalismo, toda a sobretudo, aos modelos africanos na despropor formais, embora a de uma colegial bem comportada com laco na cabera Predominam na peraferndlia atual de Xangd os objetos bidimen: sionais porém. Alguns centre estes atingem grande harmonia formal & dominio técnico notavel, que o digam 0 oxé de cabre amarelo do car domblé de Pulquéria, ou os xerés Xangé feitos por Mario Proenca, Caixa d’Agua, na Bahia. Esses ultimos apresentam forma esférica, igeiramente elipsaidal, lembrando as cocos-de-agua de prata batida e cinzelada da melhor fatura colonial. Indicam esses objetos todo o Fequinte © prestigio assumido pelo culto de Xang6 no Nordeste. Cam eieito, 0 orixa do raio foi um das primeiros a ser cultuado na Bahia com a fundacao do Terreira do Engenho Velho, em torno de 1830" Betia, col. MAE/L madera, 26.5 x 2.2, 1373 er6 Xang® de Miro Proenca da Caixa D’Agua, Savedsr 1974 Estatustas de candomblé,tahadas m 1940 por Jose Afonso de Santa Ise Madeira, da escuerda pare a 33 @ 40 alt, col. Musau nal, lo de Jenova. A estatuete da cobre amarolo, 32 al col. Instituto Googratico © Histneo' da. Baha 1001 isnuB ue cr Aestatuatia dos Ibeji Outro grupo de esculturas de madeira em relevo completo que merece igual tengo compde-se de alguns ibeji da Bahia. Estes, co gue tudo indica, fliam-se estilisticamente @ um exemplar orovavelmen- te africano, apreendido do candambié de Pulquéria e que se encontra atualmente no Museu Estécio de Lima, A peca em questo é um ibeji feminine, de 30cm de altura, em madeira policromada, clare. A cabeloira foi cuidedosamente esculpida em penteado tipico de mulher fagd-yorubs. Diga-se, aliés, de passagem, que os penteados conti- nuam a fazer parte do simbolismo do corpo, obedecem a normas @ 26m nomes proprios. Essa esculture segue, portanto, nos menores Getalhes, @s convensdes formais nag6-yorubs, mesmo na alternancia Ge massas ¢ espacos vazios, Segue também os cdnones estilisticos de 4m naturalismio mitigado, caracteristica da arte desse grupo étnico. Asrematando sua procedéncia africana. esté a éntase posta na ela- Boracao do sexo recoberto de faixa de pano, pacientemente esculpido ©m todos os detalhes fisioldgicos @ pintado de vermelho. Os alhos 4 flor da pele, grandes, pintados de branco, levam-na quase certamente Pare a regio de Queto®® Ora, os ibeji da colegao A. Ramos, por ©utro lado, 0 Unico exemplar existente no Museu Estécio de Lima (do candamblé de Pulquéria) e os que se encontram num candomblé tradi- onal da Bahia, cujo nome por discrico omitimos, além da semelhanca genérica com a peca de Queto (7), mesmo quando masoulinos, tém Penteado semelhante embora executado mais canhestramente, Este detalhe técnico é muito relevante porque de todas as pecas Mencionadas acima nenhuma apresenta o cuidado de execugdo da Gabeleita © do sexo, indicadores da carga simbélica que comportam #255 elementos nas esculturas africanas, A negligéncia que apresentam 95 eos discutidas até agora no tocante a esses dois pontos parece deverse principalmente a perda desse sentido original. Compensa-o Sntetanto o artista aro-brasileiro apondo coroas as suas esculturas, Por outro lado, tal expediente j4 indica 0 processo que mencionamos Ge reformulacdo dos dados africanos no Brasil: isto 6, a arte ritual atro- 1376 Ibe) proveniente eo eandombls usta, madera polieromada, 30 alt. co fusou Esticio de Lima, ‘Sawador Yorubs, col particular’ No exoriplr aricano, 36 a énlase no tratamento do cabeles brasileira iré pouco @ pouco condensando a conjunto simbélico varia do dos protétipos africanos na simbolo mais determinante da divinda: de representada; ou entéo reduzi-lo-4 a signo, este néo raro camuflado pela signo catdlico. Em outras palavras, 0 que permanecera é 0 ele- mento incorporador do conceito: na caso dos ibeji, a gemelidade, ogdo fundamental do pensemento alricano, deslocada para a ico: nografia dos santos Cosme e Damido; quanto @ Xango. a relacao do fiel com a divindade, ou @ conjungao do masculino e do teminino for malmente configurada no oxé esiilizado A visto do mundo subjacente @ iconografia dos oxés de Xango Vimos que as pecas analisadas aprasentam ceracteristicas ico nograticas @ formais que se prendem a uma visfo de mundo nao inteiramente clara a um ndo iniciado. Signos, atitudes, énfases, indi- cam outro nivel de pensamento, outros matizes na simbalizago do real Os oxés de Xangd estudados representa sejam mulheres, sejam homens, Na Africa, entretanto, tais personagens so, via de regra, femininos ou, mais reramente, um casal ou um homem. Esses objetos 880 portados pelos figis quando em transe; dancam. como ocorre no Brasil, ou permanecem guardados no pegi A intengo, consciente ou ndo, do artista é de mostrar uma fiel de Xang6 possuida, no sentido pleno de palavra, por seu orixd: intima- mente unida a cle, Do ponto de vista formal, 0 machado — lamina e cabo — € 0 sixo de onde surge modelada a escultura, Esse percorre-a longitudinalmente do topo da cabeca a0s pés, meteioricamente penetrando todo 0 seu ser, possuindo-a. Tanto assim que alguns oxés tém na extremidade inferior do cabo um alo esculpido'®. Mostra o artista, a0 mesmo tempo, uma mulher cuja parte mais importante do corpo — a cabeca — prolonga-se em simbolo masculino: 0 machado Por outro lado, quando se trata de representa masculina, esta porta sempre ou associa-se de um modo ou de outfo a elemento fori nino®*. NBo ¢ pois, sem azo. que nos exemplares analisados enfatiza © artista @ configuragao do peito nas figuras masculinas, Vao igual: mente na mesma linha de consideracdes certos avatares de Oyé-Yan. san em que ela usa barbas, ou alguns bronzes rituals ligados ao culto de Oxum e utilizados em seu festival anual em Oshogdé (Nigéria), 5 i 1378 Poi de Xang®, Root, 1379 Pilbo de Xango, madara, 31 sk. « 31.5 diém. col. Mateus Carneiro da. Cunha lepdsio no MAE/USP” Usae Suporta pare 98 oomelas con nachados do pera e coma assento para 0S is duranto a moiaesa 0 pido & veauentemente associado a Xang0, ela sua Bnalogia com 0 rao que toes 0 chao. decorada ‘hotalho de cabaca Word) @ riicado 20 orn 11380 Sacerdote de Ogum, com bluse € saia de folhas de paimeira & cabelo pertesdo como muhar. reza polo bemestar So pow e progresso ca cidade de. Ondo, Nigéra, om eetembre de eada ano. INigéria v0 Magazine, n- 85, .86, jun, 1965) 1004 1281 Bastia de orns O'o fgado & agqieultural Iaw0, Yoruba, Nigeria, Feo ‘naida pert do ensedae e inetrumentos agficolas, decorado com contas de mio © , 185,pua. eo! Mateus Camera ca Cunha em débtsito no MAE/US® representando uma mulher de barbas™. Os exomplos ilustrativos dessa iconografia so intmeros porque indicam uma constante do pensa- mento nagé-yorubé e africana em geral. Trata-se da androginia das divindades arcaicas t4o conhecida do mundo classico, semitico & oriental, Séo as Ishtars, guerreiras de barbas da Anatolia e da Mesopo- témia, @ a conjuneao de Hermes @ Afrodite, entre outros. £ 140 impor- tante esse dado das representagdes coletivas afficanas que mesmo sacer- dotes de divindades to agressivamente masculinas como Ogum e XangO, quando em fungdo, utiizam penteados ou atributos femininos*® Nina Rodrigues, de faro perspicaz. embore desconhecesse esses detalhes, jé suspeitava entretanto de androginia de Obatala™. Trate-se, @ nosso ver, de um elemento relevante para a elucidaco do problema do sexo de divindades como Odudua, Olacum, Oxossi ou Orixé Ocd. O femblema desse dltimo ndo poderia ser, aliés, mais acentuadamente félico. Todas essas divindades séo, contudo, masculinas em uma regio e femininas em outra, ou as duas coisas ao mesmo tempo, ‘como 0 orixé Ocd que € homem em Iraw6, seu centro de culto, e tanto homem quanto mulher na regiéo do Exiti®®. Cada regio, portanto, parece ter privilegiado um desses aspectos da divindade cultuada, ini- bindo 0 outro: os dois continuam indissoluvelmente unidos porém nos niveis mais arcaicos da cosmologia nag6-yorubs. Isto € natural porque quanto mais socializada a divindade, mais diferenciadas séo suas fungdes e seu papel sexual 13.9 Estatuaria de Exu E um garadoxo que nesses grupos chamados fetichistes quase n&o existam representagdes antropomortas das divindades: rarissimas figuras eqilestres podem reproduzir a imagem de Xangd; uma que outra estatueta de mulher, com filhos a surgirem de seu corpo, repre- sentando Oxum ou Yansan-Oya, Por outro lado, alguns bronzes repro- duzindo uma figura feminina talvez indiquem uma divindade ctdnica, Onilé, 0 senhor da terra. Todos os orixés so de preferéncia represen- tados por seus ‘assentamentos’ ou por seus emblemas. Em certo senti do, pois, 08 verdadeiros fetichistas so aqueles que apelidaram essa estatudria de ‘fetiches Exu, em contrapartida, tem uma estatuaria profusa e de iconogra- fia variada, como j& notara L. Frobenius no inicio desse século". De modo bastante significativo foi essa divindade que manteve a es tuaria mais coerente no Brasil, ¢ que no sofreu solugdo de continuida: de como tentaremas mostrar. De outra parte, as representagdes plésticas de Exu assumiram uma grande énfase, diversificando-se de modo extraordinério © cres- cente com @ expansdo da umbsnda: dai acharem alguns autores que a umbanda fosse a causa do aparecimento de Exus de ferra batido®. Se tentarmos entretanto acompanhar suas provaveis etapas evolutivas, verificaremos que essa iconografia, longe de surgir ab nihito, € uma recriac3o a partir de protétipos africanos. 1982 Leo oroteor da cidade de Uids, eoasinuido polo re) Agacys, na eéeulo XV 929 ora encerrado tres guerrenos catvos Interior Republics Popular do Benim, Tato do arquivo do Museu da Homem, Pris 4383 Lagbs daomesno, Repdblica Popular do Benim. foto do arquivo do Musou 1384 Casal de Bxus Yorubé, madeira, esbacinhas 0 caurs, Keto, Republi Popular do Benim, col. Museu do Homem, Pane 1385 Por do estatuetas de Exu Yoru, Da esquorca para a dist 22.5 @ Abcokutd, Nigeria Cl, Taga Carnaro da na em depdsita nd MAE/USP OE Os prot6tipos afticanos da estatusria de Exu Existem dois tipos de representagdes plasticas de Exu entre os nago-yoruba, Uma organiza-se em torno de um monte de laterite ou lama escura, variando entre trinta © poucos centimetros a um metro @ meio aproximadamente. Tais monticulos encontram-se, nas cidades, no santuério principal de Exu ¢ em cada mercado. Esses altares tém. Por vezes, uma vaga configuracso de rosto hum: ‘ano feito de cauris incrust tados, No Daomé, em trente as casas, esses monticulos so guamecidos de um falo de madeira ou ferro. fincado em sua parte anterior. O conjunto é abrigado em pequena edicula, caberta de palha A‘ 0 dono da casa faz libagdes diérias de azeite-de-dendé para proteger a viriidade dos membros masculinos da familia. Chamam-se tais altares de Legbé, Outra grupo de esculturas encontra-se sobretudo nas cidades nigerianas, onde essa divindade chama-se Exu-Elegbé ou Eleg- bara, orixé ligeiramente diferente do Legb4 daomeano. $40 em geral estetuetas de personagens masculinos e femininos, cujo taco mais Caracteristico € uma cabeleira longa @ recurvada para trés e sempre pintadas de preto. A masculina porta, via de regra, algo recobrindo as Partes sexuais: avental pubiano ou caloas, Quanto a feminina, encontra-se em goral ritualmente despida®®, O homem pode estar Soprando um apito alongado como se fora flauta, a mulher segura uma Cabaca de gargalo comprido em cada mo: os dois podem igualmente Segurar ditas cabacas. Longas fieiras de cauris recobrem as estatuetas a partir do pescogo. Esses s4o geralmente intercalados com pequenos falos de madeira, uma colher, um pequeno recipiente contendo os Cacos de uma cabaca, faca, pente, espelho e fieiras de moedas™ A Cabeleira @ freqdentemente decorade de pequenas cabacas, repletas de substancia ritual considerada poderosa. Termina esse penteado, via de regra, em cabeca humana, de affdio ou em glande. A extremidade da cabeleireira pode também inserir-se em pequena cabaga que desce elas costas & altura da cintura do personagem representado®®. Essas ssculturas s80 usadas sobre os ombros dos homens, fiéis do culto, onde @ parte curva da cabeleira prende-se como um gancho. Quanto as esculturas usadas pelos membros femininos do culto de Exu, S40 gualmente um casal, de cabeleira semelhante, mais rostri ta porém, Repetem-se ai os mesmos atributas iconogréficos e os aces- s6rios acrescentados as estatuetas do primeiro grupo. Séo portadas penduradas sobre os seios das mulheres, Estas padem usar também uma Pequena escultura composta de cabera @ tonco sem membros, mas com a cabeleira caracteristics. Ata-se a peca ao punha de onde pende, Essas pequenas estatuetas epresentam inciso no tronca um motivo que se repe- te: ponta de flecha ou falo estiizado, como sugere J. Wescon®. Enfim, hé quantidade razoavel de represeniagies plasticas de Exu nas artes seculares, alguns desenhos das quais foram fetos por C. Arriens reproduzidos nas obras de Frobenius, onde esse orixa apresenta-se fre. qiientemente com um porrete (Ogo Exu) na mo, 1886 Ogo Ex, madeira, 56.5 oft. eo Museu Neeionel, fe oe Janeiro, Os primeitos exemplates brasileiros da estatuitia de Exu eB, 0 un Kg eo nods teca As eaculturas mais antigas representando Exu, feitas no Brasil e 2 12388 E9u, msde, 18, provenionte do 4s quais tivemos acesso, séo quatro. Comportam cronologia razo4vel € ca jomblé. de Puiquéria, ol. Ins apresentam elementos indicadores bastante seguros quanto & sua Mico @ Histonco de Bahia, S evolugao formal e iconogrética: duas so de madeira e duas de ferro 1389 Yansan, de um xangé de forjado. Do primeiro grupo, uma foi coletada nos candamblés da Bahia ‘Mae. madre, Arscatu Por A. Ramos, em 1927, 4 outra, como os oxés de Xangd analisados 1890 fu. madeira, 43 ett col Museu ‘Arthur Ramos da Liversidade Ferra! do acima, provém do candomblé de Pulquéria. Todas as quatro pecas Sona come chy aeraiase Face obedecem todavia a um certo naturalismo com tendéncia a estilizagao. ey esta vai se acentuando cada vez mais 4 medida que os exemplares xanga de Latario brasileiros vao fornalmente distanciando-se dos modelos africanos. Quanto a iconografia, a peca de Pulquéria parece a mais antiga das quatro @ cortamente @ mais préxima dos originais africanos, Trata se de estatueta feminina, despida, ajolhada, de bragos dobrados em Angulos retas, colados a0 corpo; ambas as maos seguram cabagas de gargalo comorido. Os tracos fisionémicas so brancos, a cabeleira lon- ga © recurvada, Yoruba porém, Esta é menos conspicua © menos ela- borada entretanto da que na Africa. A pega em questda é de madeira clara, pintada de preto, a longa menipulagao aue sofreu retiroulhe contudo muito da pintura e dos detalhes de acabamento. Variagées dessa cabeleira encontram-se igualmente em dois bastées de Exu (Ogo Exu): um do Museu Nacional, do Rio de Janeiro, © outro de um Xango de Laranjeiras, em Sergipe™, Fato curioso, contude, é que a tra dicdo oral deste candomblé etribui-lne @ fundagao a segunda metade do século XIX ¢ feitura africana a sua paraferndlia. Tais dados, embora significativos, devem ser naturalmente aceitos com reserva Quanto a0 exemplar da colegéo A. Ramos", mede este 29cm, Fepresenta personagem feminino, como o de Pulquéria. mas, neste caso, a figura encontra-se de pé. Mantém, como no exemplar anterior mente mencionado. a mesma posice dos braces @ es mos seguram também as referidas cabacas de pescoce longo; contrariamente a pega de Puttuéria, porta um saiote decorate de pequenas cabagas, Os tragos fisiondmicos s80 brancos @ os seios piriformes Oa, madera, ‘acai A. modificagé io._mais_notével, contudo, em relagéo a0 primeira exemplar analis "ado, 6 a cabeleireira que, neste caso. apresenta-se como um capacete, de cujo centro surge uma protut rancia faliforme, Para o artista que fez a escultura, a cabeleira nao encerra mais o sentido con. Yencional do prolongamento simbélico dos cabelos inorente a esta- tuaria de Exu, mas ja @ algo acrescentado, oppo que pode ou néo ser utilizada, Trata-se nitidamente pois de peca mais tardia em relagéio a de Pulquéria — quanto mais néo fosse, do ponto de vista conceptiva — 808 dois bastdes de Exu, do Museu Nacional e de Laranjeiras, res pectivamente, 1007 ay vais ou Se levarmos em conta que a pera de Pulquéria & mais proxima estilistica e iconograficamente dos modelos africanos de um lado, e de oulro, que @ escultura da colegao A. Ramos jd apresenta modificacées, iconogréticas apreciaveis, poderemos talvez remontar mais facilmente no tempo. Quanto aos exemplares de Laranjeiras, estes deve data no minimo, das Gtimas décadas do século XIX, j4 que algumas sio estilisticamente parentes da Yemanjé analisada por N. Rodrigues, a que acabamos de aludir?®, Nesse mesmo period colocamos igual mente o bastéio de Fxu do Musou Nacional, do Rio. Assim podemos concluir aue esse tipo de caboleira caracteristica da estatudria de Exu ‘em madeira, na Nigéria, surge no Brasil com os exemplares conheci- dos mais antigos € mais préximos dos protétipos atricanos. Exus de ferro: ; ; reformulacao de uma estatuatia afticana em madeira Os Exus de ferro exibem iconografia bastante diversa e variada om relagio aos de madeira: so contudo um desdabramento piastica desses, como passaremos a ver As pegas mais antigas que pudemos estudar séo duas, ambas da Bahia. A primeira 6 uma estatueta de outro candombié tradicional baiano de que, por discri¢éo — como anteriormente — no mencio: naremos 0 nome: por comodidade de oxoosi¢do, passaremoas 3 cha mé-lo de Exu-anjo, pois no podemos fotogratélo e a sua prestancia, na reatidade, transpira todo um ar angélico. E uma estatueta de uns 250m de altura, de atitude frontal, hisrética, bragos ao longo ¢ separa dos do corpo formando anguto de 20 a 25°. Mos com as palmas vol tadas para a frente. Nenhuma indicacgo de sexo. Embora muito patina- da pelas sucessivas libagdes de azeite-de-dendé, podem-se percober muito bem os tracos fisionémicos brancos e bem delineados. Cabeleira lisa, prolongends trés melenas encaracoladas de cada lado Que descem pespendiculeres aos ombros. Esta 6 tio bem executada gue pensamos, a primeira vista, tratar-se de metal fundido. Segundo sua proprivtéria, esta pega j4 se encontra com sua familia ha 48 anos, portanto datando da década de 1930 Q segundo exemplar # o Exu da coleedo Mario de Andrade, misto de Hermes ¢ Prometeu, atualmente no Museu do Instituto de Estudos Brasileiros, da USP. Trata-so de astatueta de 27cm de altura, mas que se prolonga com um emblema que porta a mao direita, perfazenda um total de 42cm de altura. Pousa sobre uma base quadrangular de 18 x 20cm, Seu torso € de forma geométrica, a0 qual foram presos, por rebites, 0s mombros. Tragos fisiondmicas brancos, olhos redondos e escava- dos, voltados para 0 allo. A cabega apresenta trés cavidaces circulares uma maior na parte occipital ¢ duas letersis na parte anterior do cré. io, indicando estas ditimas os ‘ocais dos chifres que desaparecerarn, enquanta a do centro da cabeca sugere 0 antigo adomo faliforme do Exu de madeira da colegio A. Ramos, que tem sido objeto de nossas consideragées. Os bragos da peca de Mério de Andrade descem so longo @ afastados do corpo em angulo de 45°, mao esquerda de dedos bem configurados ¢ palma virada para 0 interior. A mo diceita, em for- ma de segio de esfera, encerra no centra uma abertura quadrangular 1982 B4u articulado com emblems de sete ponies, ferto, 42 @ 27 afu-ca! Mane do Dovid. IEBIUSP. onde se introduz 0 emblema que porta. Esta é uma langa a cujos lados foram fixados, por rebites, tr8s flechas compondo um emblema de sete pontas. A pera direita foi fixada do mesmo modo a base © a esquerda, articulade, esté afastada do solo em atitude de marcha, A base em que Pousa 0 Exu 6 porturada com quatro pequenos circulos para onde 2 extremidade inferior do emblema pode ser deslocada, descrevendo uma curva; @ peca gira em toro do nino que a fixe & base. Esia tem igualmente em seu centro um circulo perfurado maior, de 2.50m de didmetro, provavelmente onde se colocava substancia ritual ou faziam: se libagdes. A estatueta 6 de ferro batido, formalmente bem cuidada, harmoniosa e, sobretudo, muito engenhoss. A solucdo formal da mao diceita dé-the conotacdo surrealista bem tipica de certa estatudria ritual africana, Todo © conjunto exprime todavia 0 dinamismo que define 0 cardter 8 a func&o de Exu, como veremos em seguida a0 abordar sentido cultural dessa estatuaria Segundo 0 que foi possivel apurar até o presente — pois nfo encontramos ainda documentagae segura a respcito ~, sobretudo atra- vés de pessoas da familia e de pessoas que trabalnaram com ou sobre Mario de Andrade. essa pega esiaria em sua posse a partir dos tltimos. anos da década de 1920 au os primeiros dos anos 30. A nosso ver, essas duas estatuetas de Exu em ferro forjado repre- sentam marcos definitives para a compreensio da evolugao formal e iconogréfica da estetuéria e dos emblemas dessa divindede produzidas até hoje no Brasil. Ambas so mais ou menos contemporanees quanto 30 tompo que entraram na posse de seus proprietérios; nada sabemos da data de suas respectivas feituras porem. € possivel igualmente que outras etapas desse proceso pléstico existam e que nos sejam ainda desconhecidas wus oesysiey As tapas evolutivas da estatustia de Fxu no Brasil Reconsiderando-se portanto 0 que foi dito sobre a estatuéria de Exu na origem, vejamos 0 que dela rereve 0 seu prolongamento entre 6s. Com efeito, © que permaneceu — recriado parém — foram sous sinais diacriticos, os elementos indicadores de seu sentido e fungao: a cabeleira com sua forma alongada, félica © os cabagas. Na realidade, esses dados iconogréficos bésicos serdo deslocados e reformulados 3 partir de entdo, Tentaremos seguir pois as etapas principais dose pro- 9650 piéstico. Enire a estatuota de Pulquéria € @ da colegse A. Ramos a modifi cacdo mais importante a ser notada ¢, nesta Gltima, 0 desiocamento formato da cabeleira de Exu: de recurvada para tras tomna-se vert Sobre 0 topo da cabeca. Mais ainda, nessa dltima posigdo a cabeleira ia tende a bifurcar-se. Descrevendo-a, A. Ramos qualifica-a de “uma espécie de penacho’”", Seja como for, 0 que se pode abservar nitida- mente 6 que a teferida cabeleira comeca a dividir-se em duas partes, indicando @ forma que assumira em seguida: do penacho partirdo as pe- nas @ brotaréo os chiles. Esta forma final continua todavia indecisa ainda, incubada, amadurecendo dir-seia por dentro da cabega do ou dos artestios para surgir em forme de caracdis caidos sobre os ombros do Exu-anio. ee 1010 € muito provavel contudo que entre essas duas etapas existam ainda exemplares que mostrem outros deslocamentos, outras propo- sigBes para esse elemento central e insistente da iconogratia do Her- mes negro. Neste sentido, a peca da colecdo Mario de Andrade é real- mente ilustrativa porque contém ainda a indicag’o de ‘ponacho’ — cavidade circular de 2,5cm de diémetro no topo da cabega — e das formas que perpetuario a imagingria de Exu até hoje: os chilres. Quanto tempo perdurou entretanto a representacdo dessa divindade com os tr8s elementos na cabeca n3o sabomos ainda, mas o que pare- ce seguro & que so 0 desdobramento do modelo original Yorubé & que se prolangou até a década de 1930 aproximadamente. Por outro lado. n&o dispomos de documentaco iconogréfica que ilustre a ou as etapas da evoluc&o por que passaram as cabacas. Figuram estas nos Exus de madeira e desaparecem nos exemplares de ferro. Nas pegas de ferro os bragos jé descolam-se do corpo, movimen- tam-se: numa, as mans estéo de palmas abertas e, na outra, a direita porta um emblema de sete pontas, como assinalamos acima. O que parece ter ocorrido entretanto & que dada a assimilacdo de Exu com 0 diabo catélico, as cabacas vo sendo gradualmente substituidas por simbolos mais coerentes com a nova iconografia que se vai definindo. Assim a peca da colegdo Mario de Andrade j traz o elemento que se transformaré posteriormente em tridente — suprimindo-se quatro das sete flechas — enquanto 0 vazio da mao esquerda seré ocupado com a langa, substituta do porrete que aparecia igualmente na iconogratia de origem’®. 0 que parece confirmar esta hipétese 6 que, até 1948, E. Carneiro da como corrente e tradicional a representagdo de Exu com sete espadas”. 0 Museu de Arqueologia e Etnalogia da USP tem alias um exemplar deste tipo de emblema coletado na Bahia por E. Correia Lopes em 1935. Por outro lado, emblemas com sete elementos liga dos ao culto de_Exu © Ossanha existe igualmente no Museu da Dis: coteca de Séo Paulo, coletados pela missao folclérica, em 1937-38, no Norte © Nordeste. Enfim, enfatizando © que foi dito, sete e suas combinagbes so Gmeros simbélicos de Exu, sobretudo quatro e trés7*. Como tudo indi- a, tridente e lanca séo posteriores portanto a0 emblema de sete pon: tas dessa iconografia, como o so evidentemente os outros elementos acrescentados para melhor aparentar Exu ao diabo cristao. Tals distorodes contudo néo escondem nem o icone original nem os elementos formais que Ihe permitiram a metamorfose. Na realidade, essa iiltima etapa diabdlica da representagao plastica de Exu 6 uma sintese do Legba daomeano e do Exu-Elegbé das cidades Yoruba da Nigeria. Aqui é assexuado, tendo como sinal de sua masculinidade agressiva @ cabeleira félica, o porrete (Ago Exu) ¢ simbolos correlatos 14 6, por antonomasia, enorme télus fincado em monte de terra. A reu ido desses elementos em um s6 personagem resultou em outro de chifres, tridente, rabo, itifélico tal o deus Min egipcio. Mesmo 0 rabo no 6 tfoxcatdlico como possa aparentar: & recurvado, sinuoso as vezes, © termina em ponta de fecha. Esta, como ficou assinalado aci ma, 6 elemento simbélico ¢ decorativo das pequenas estatuetas porta das pelas mulheres ligadas a0 culto de Exu. Acontece entrotanto ser 0 rabo, também, um prolongamento técnico do sexo: o artista modela os dois elementos nas extremidades de uma seco cillndrica e longa de if I 1393 Bx, foro, col, Museu Estécio do ums, Salvagor. 1398 G1, foro, 36,7 alt, Bah col. MAE/USP. 1396 1, lero, 61,5 alt, Bahia, co. MAEIUSP. 1396 Estotuta ritual de Ogun ferra edo, 6.20 alt, Nigeria Oedental Tin Wilms, Deans, Yeon and image. Dest (Arado: Palacios! ferro, inserindo-a depois em seu lugar apropriado, resultanda dai um sexo-rabo Parece-nos, portanto, que a énfase posta nesses dois elementos €, em muitos casos, sua solucde formal devem-se sobretudo a desloca- mentos dos simbolos originais ligados a iconografia de Exu, na Africa, De fato, hd atualmente estatuetas baianas de Exu, sem pernas, cujo tronca ¢ fixado @ base metélica. O sexo-rabo, entretanto, permanece enfaticamente posto em evidéncia € formalmente funcionando como fator de equilibria da pega. Por outro lado, a cabeleira faliforme parece igualmente reformulada com a mesma clareza nos Exus de cerémica de Cachoeira, no Recéncavo baiano’®: dir-se-iam gargulas de fauces arreganhadas, de onde projeta-se enorme lingua bifida, forma expres sionista provavel da cabeca de ofidio que nao raro arremata a extrem dade final da cabeleira dos Exus nigerianos, como assinalamos. Além da catblica € provavel porém que outras influéncias airica nas tenham concorrido para a fixacdo das dois chifres como opeo final dessa iconografia, porque adornam esses também méscaras & estatuetas consideradas terriveis por sua forga magica’® Técnica ¢ estilo da estatuaria de Exu ‘Até poucos anos atrés, os Exus de ferro abedeceram em iinhas gerais 20s padrbes técnicos utilizados nos dois exemplares analisados por nbs. Isto 6, os membros era modelados separadamente e depois, afixados por rebites ou soldados 20 corpo, processo mais luso-bra- sileiro — que se pode ter originado das estatuetas articuladas de madeira: rocas e alguns ex-votos — e menos africano. Diga-se de pas- sagem que alguns so verdadsiras obras-primas, como 0 que fica 4 esquerda da entrada principal do Museu Estacio de Lima em Salvador, de cujo autor infelizmente no conseguimos saber o nome. De alguns anos para cé — a data exata no pudemos precisar ainda — essas esta- tuetas S80 feitas dentro de nova concepcao plastica. Pertindo de uma seco cilindrica de ferro, o artista modela geo: metricamente a cabeca — de tracos fisiondmicos apenas delineados ~, chifres, tronco e pernas, resultando dat um conjunto de tridngulos & retangulos. Os bragos sda teitos também de segdo cilindrica longa de ferro batido, a qual é inserida a altura dos ombros, infletida depois em pequenos curvas de ambos os lados do tronco para formarem os an. gulos dos bragos dobrados. As extremidades destes so dobradas igualmente de modo a configurarem dois pequenos circulos onde s8o metidos os embiemas. Finalmente 0 sexo-rabo, a que nos referimos, é inserido dando 0 equillbrio da composigtio frontal, hierdtica, Essas pecas aparentam-se formal e tecnicamente as estatuatas rituais de Ogum, de ferro forjado, de Ofa, no oeste da Nigéria””, com a diferenca que ali essas formas so em geral unitarias, como o bioco de madeira do escultor: empregam-se af os mesmos recursos da esta- tuéria em madaira’®, Por outro lado, como na Nigéria, as estatuetas brasileiras de Exu so, via de regra, feitas em pares enfatizando 0 que foi dito sobre a importéncia da conjunc dos sexos, expresstio da forca da divindade nagé-yorubé 1011 a Com a expansdo da umbanda™, todavia, 0 culto de Exu assume grande énfase @ proveca o surgimento de uma tralha riquissima de conteddo simbélico, tanto nas estatuetas de Exu © Pomba-Gira, de ges 80, quanto nos chamados pontos riscados @ emblemas de ferro batida, variagdes iconograficas dos simbolos de Exu. Estes so, na realidade, ideogramas que exprimem a natureza, fungdes ¢ atributos de Exu Oferecem pois temas diversificadas de andlise: contudo 0 espaco de que dispomos aqui néo nos permite aprofundé-las. Vale salientar entrotanto que alguns desses ideogramas em ferro s8o muito provavelmente o desdobramento do processo pléstico que se inicia com o tipo de Exu da colegio Mario de Andrade au do Exu-Anjo. Com eieito, mastramos no primeiro caso toda a concep¢ao dindmica da pe¢a, na qual o desio- camento do emblema de sete pontas sobre as cavidades da base descreve uma curva. Ora, curvas de varios tipos s8o uma constante dos omblemas de Exu na umbanda, destacando-se dentre esses um circulo de cujo centro partem varias curves exponenciais dos pontos riscados de Exu no Paré#®, ou uma ospiral cuja oxtremidade final arremata-se em ponta de flecha, emblema de Maria Padiha na mesma regiéo™, Quanto 20 tema do BxrAnjo é uma constante da umbanda em geralt © que acabamos de dizer mostra, de uma parte, a cooréneia inter na das representacdes de Exu no Brasil. ¢ de outra, uma das causes possiveis da hesitacdo, da ambigiidade que informou sua iconografia inicial que tendia a0 angélico e ao demonfaco. Ao mesmo tempo, essa nogio de movimento, simbolizado pela curva® ou pela espiral, j4 apare- ce nos primeiros embiemas de Exu em ferro, na Babia: ferro de sete pon- tas, removivel, do Exu da colecdo Mario de Andrade, emblema de sete has- tes ligado por corrente removivel a outro de mesmo formato @ menor, do Museu de Arqueologia © Etnologia, iridente ligado a lanca por corrente igualmente removivel de Glicério Silva e assim por diante. Enfim, a cauda dos Exus de ferro descreve, em geral, curva bem movimentada, terminando ‘nfo rato, como vimos, em ponte de fiecha lembrando cobra pronta ao bote. Ora, todos esses elementos encontram-se na cabeleira recurvada da estatusria africana de Bvu Reconsiderando-se portanto os elementos que nos permitiram acom: panhar, sem grandes hiatos, parece-nos, a trajetéria formal das represen. tages de Exu, cremos poder concluir que todo esse processo evolutio par- te de um,ponto comum: a representacdo de cunho naturalista dessa divin- dade. Esta articula-se em dois idiomas plésticos: 0 primeiro & expressionis- ta tendente ao surrealismo, que pode ser observado nos Exus de oerdmica da Bahia, 0 outro a resultante de um processo de goomotrizago ores cente que atinge a abstracSo da ideografia nos pontos riscados e nos embiemas de ferro da umbanda. A finalidade desses dois estilos per- 1397 Fon:o de Pomba Gita or, teraira dda Federaste, Belém, ool Figuerada & Vigelina © Siva (In Figuoreds, Napoleto, Gs eaminhos de Exu, Dasenha de Alveco Palacios! 11398 Ponta de Exu Trance tude lin Figueredo, Napledo, Os carminnos de Ex Desenho de Alfaca Palacios! 1399 Enu Elogbd, madeira pintada de peta, ¢ 30.5 alt, proveniente de Oyo Un Wesco, Joan, The seuptire and myhes of shurFiegda, tho Yoruba Trickster Desenho eo Avedo Palacios. 1400 Glicéio Siva — Feramenta de Emu 979. owas macira, 25°3 et co) Tiago srnoto. da Cunha em dapésito ro MAEIUS?, manece contudo africana: a transmisséo do conceito, a formalizacso do feone. Estes no poderdo ser percebidos porém em todos os seus riveis simbélicos se nao fizermos uma Incursdo, por rapida que seja nas representapdes coletivas que os provocaram. Sentido cultural da iconografia de Exu Exu € um personagem félico mas ndo se liga, em principio, as nogdes de fertilidade e fecundidade, bem ao contrario, 6 0 infrator dos tabus @ 0 subversor da ordem. Entre seus simbolos figuram os cacos de cabaga deniro de uma cabaca inteira, que contrapée incisivamente sue ago 8 obra do demiurgo, Oxald, simbolizada por duas metades de cabagas pousadas uma sobre a outra, Exu destréi contudo para recriar E © principio de desordem insepardvel do discurso ordenador do siste ma mantico de Ifé: um ndo opera sem o outro. Acumula as fungdes de Hermes e Prometeu, pois sem ele nada se pode fazer, como viu L. Fra- benius*, que o qualificou aliés como aquele que traz elementos indis- penséveis & realidade®™ Divindade ligada ao mercado, 20 comércio, as encruziihadas, representa portanto a propria nacido de mudanca, de dinamismo no quadro rijo de normas culturais. Finalmente, Exu é 0 trickster indispen- sével a0 equilibrio estrutural das religiGes politeistas universats. Dat conseqiientemente sua ambiguidade A cabeleira de Exu encerra tanto sentido quo alguns mites afir- mam — contvariando a regra geral africana — ser-tne imposstvel levar qualquer coisa sobre ola, porque dali surge faca pontuda, provoca Gorat®, Vale lembrar que faca obe), em yorubs, pode signiticar pénis”. J. Wescott fez aliés ume anélise exaustiva das dimensdes sexuais & agressivas das esculturas de Exu™®, cuja énfaso 6 poste na cabeloira Por outro lado E. Leach mostrou que em varios outros contextos culturais hd uma associagao intima entre cabelo longo € energia libidi- nosa, entre poder © agressio, sexualidade desenireada e desinibicso dos instintos. Ora, todas essas nog6es acrescidas aos simbolos ineren- tes 2 iconografia de Exu fornecem o cardter @ a atuag’o dessa divinda- de no panteao nagé-yorubé. No Brasil, Exu assume todos esses atributos © mais a revolta de uma cultura de resisténcia contra os valores impostos pela sociedade dominante. Isto 6, 0 Hermes africano retine em si mesmo os elemen- tos de uma metéfora expressiva que simboliza @ cultura negra em ambiente hostil: este, para sobreviver e se afirmar, serve-se do simbolo antagénico por exceléncia da religio dominante, para veicular uma viso de mundo prépria onde a énfase 6 posta na contestapda. Reves- te-se pois 0 trickster nagd-yorubé dos atributos do diabo crist8o para ims: tiler sub-repticiamente os conce'tes revitalizantes de sua continuidado © de sua identidade culturais, Portanto Exu, de diabo, tem mal © mal os chifres e 0 rabo: estes, aliés muito pouco catblicos, como vimos, transmitem enfaticamente o icone aft cano, qual seja, @ revolta contra as varias opressées 2 3 vensrgcuiyauey 13.10 Parafernalia das feiticeiras: expresso de um ritual atcaico ligado ao culto das‘maes ancestrais nag6- yoruba’ Nao podemos terminar essa anélise da estatuéria ritual afro-brasiloira sem mencionarmas, brevemente porém, duas méscaras de madeira Policromada, da Instituto Geografico & Histérico da Bahia. Trata-se de dues ecas importantes em varios sentidos, que examinaremos a seguir. Ates lam uma tadicdo brasiteire de escultura de mascaras ignorada até agora, exceto de certos figis dos cultos affo-brasileiros ¢ de Pierre Verger, que fotografou uma dessas pegas hé vinte anos atrds. Com efeito, os autores que jd trataram desse assunto® selerom-se apenas a mascara de Maria Cabinda, do Museu Nacional, omitinde qualquer sluséo as pecas que passaremos a examinar. Ambas representam mulheres. Modem res peotivamente 21 © 22cm de altura por 17cm de largura na abertura 1014 interna. Pertenceram também ao candombié de Pulguéria. Séo mas. caras do tipo ‘capacete” — enfiam-se na caboca até 4 altura da testa © Seu usudrio pode enxergar através de pequena corta de fezends, aberta ao meio ¢ presa a0 pescoco da pega —, dolicocéfalas, de tracos fisiondmicos mais para afilados. Uma parta um chapéu em forma de elmo de cujas extremidades latorais, pouco acima das orelhas, brotem duas asas estilizadas; tem escarificagdes faciais nagé-yorubé, pintadas, enquanto 0 queixo arredondado termina com uma barbicha, Ligeia assimetria na distribuigdo dos tracos do rosto coniere grande harmonia a0 conjunto, A segunda méscara traz uma cabeleira esculpida simplesmente 08 cabslos partem em pequena andulagao da parte anterior da cabeca, aumontando 0 curva atrés da mesma, e terminam em linhas retas 4 altura do pescoco. A cabeleira € cingids @ lovantada por faixa de alguns centimetros de largura que se arremata em laco caracteristico 8 altura da nuca, Os tragos fisiondmicos sé semelhantes aos do pri meiro exemplar. Em lugar da barbicha da primeira mascara, o queixo desta apresenta bioartic&o que se prolonga até ao |Abio inferior. Este Ultimo detathe caracteristico alids de algumas méscaras masculinas congéneres™. Tedo 0 conjunto mostra, entretanto, bom equilibrio na distribuigo dos volumes. Embora esses dois exempiares apresentem bastante seguranca formal e técnica, além de grande precisao iconogrética, certos detathes esiilisticos indicam, todavia, uma feitura brasileira e no africana. Com efeito, nada as liga éstilisticamente a nenhuma escultura anteriormente analisada por nés neste trabalho e sio, contudo, auténticas mascaras Gueledé (Gelede). Estas no Daomé e na Nigdria s80 prognatas, trian gulares, braquicételas, enquanto nas brasileiras toda @ éntase é posta na verticalidade; iguaimente diferentes s8o as convengbes quo Ihos do aspecto naturalista i Beni 402 Miscara 1401. Méscara Gueledé, madeira com tyac0s de polcroma, Geogysico'® Histerica da Baia, Savador sé, madeira, 20 et Museu Estas de Lima Salvador Irene 1403 Wascars donee Guclece, maces, 27 x 29, Rep Na escultura de Nok, como ficou indicado na primeira parte deste trabalho"? e, posteriormente, nas mascaras Gusledé atricanas, os olhos so representados como um segmento de esfera sendo a palpebra superior, via de regra, horizontal e a inferior formando um segmento de circulo, que se aproxima nao raro ao tridngulo. Os exemplares baianos apresentam precisamente a solugdo plastica inversa: nestes so as pélpebras inferiores que tendem & horizontalidade. a0 passo que as Superiores so segmentos de esfera contornando 0 olho — mascara do Jaco — ou segmentos de circulo tendente ao triéngulo — mascara da barbicha, Com essas mascaras baianas tocamos, parece-nos, um ponto nevrélgico do estilo airo-brasilei ‘0, pois pela primeira vez nos depara mas com 9 modo esnecifico de reelaboracao, no Brasil, de convengdes estilisticas africanas ligadas a representacao naturalista. Trata-se, com efeito, de dois magnificos exemplares aos quais se aplicam perleita: mente quase todas as categorias ‘estéticas’ africanas a que nos referi mos*3, sobretudo a semelhanca moderada ao modelo: equilibrio ente 08 extremos do retrato € da abstracao (jijoral; postura correta e arranjo simétrico das partes da escultura, sem excluir um minimo de assi: metria nos detalhes menores (gigun). No caso brasileiro nota-se esta ltima categoria na disposicao das orelhas, olhos, narinas @ labios. Mantém-se fiéis 20s modelos originais mesmo nos detalhes ico- nograficos: barba © laco. Essa liga-se 4 androginia das divindades arcaicas, como veremos @ seguir, enquanto o laco é um motivo pan- african, associado as nocées de sabedoria @ feiticaria: chama-se alias na Africa ocidental de 'né da sabedoria™, e s6 uma pessoa sabia € capaz de destazé-lo artes populares: quem sabe se néo teria todavia cantinuado nas artes eruditas, como tentaremos indicar a seguir. Vejamos entretanto 0 que nos tém a dizer essas méscaras. 101 O que sio as miscaras Gueledé ‘A Gueledé € uma sociedade secreta feminina cuja finatidade maior 6 0 culto placatério das ‘feiticeiras’; nesse culto se faz igualmen- te uma critica da sociedade @ nele sb dangem homens vestidos de mulher, Trata-se de agremiago aberta entretanto a todos aqueles que procurem proteger-se da edlera das feiticeiras®®. Estas s30 considera- das as mées ancestrais (Iyami Agba), seres terriveis, sempre em célera € prontas para atacar 0s mortais. S40 porém as detentoras da fertilida- : de dos campos e fecundidade das mulheres, pois contralam o fluxo menstrual destas a getminagéo das sementes. Sdo também as res- ponsaveis prineipsis pelas catdstrofes: secas, inundacdes, morte. ~ Dentro do discurso religioso nagé-yorubé t8m portanto posig&io seman- tica semelhante a de Exu. Em alguns mitos, alids, esta divindade apare- ce como sou filho. As Yami sao igualmente entidades ambivalentes, indispenséveis & ordem do pantedo nagé-yorubé porém. Enquanto Obatala, demiurgo, confere a forma ao feta no dtero materno, as Yami compete 0 bom termo © 0 sucesso do parto. Apesar de tudo sto feiticeiras, 10168 medonhas, comedoras de sua prépria prole, dai a necessidade de aplacd- -las periodicamente no festival das Gueledé au outros rituais congéneres, Essa ambigtidade que envolve 0 caréter © as fungdes das Yami deve-se a que se trala de seres primordiais, arcaicos, reportando-se ainda a um universo sem fronteiras nem limites definidos, onde o que conta € a totalidade @ néo a diferenca. Conjugam em si mesmas por- tanto todos os opostos: masculino e feminino, feiticaria e antifeiticaria, bem @ mal. S80 seres andréginos. Eis al 0 sentido da barba em uma de nossas mascaras baianas: "Falam com voz de homem”, como ates- ta uma de suas cangdes®, Assumem em geral a forma de um passaro noturno. Tais séo as Yami Osoronga, e Yemanjé 6 @ sua chefe em Abeocuté (Nigéria). Aqui hé entretanto uma diferenga importante a ser estabolecida. Como viu Lidia Cabrora®? os orixés “tém varios cominhos”, vale dizer, diversas avatares. Quanto a Yemanja-Yami-O. soronga, esta no se incorpora em seus figis — durante todo 0 trans- curso do festival das Gueladé ndo ocorrem fenémenos de possessdo — Bois Yami 6 um passaro solitério, triorento, cujos pélos pubianos s8o 180 longos @ emaranhados que nenhum eventual companheiro ousaria aproximar-se™. Isto vale também para todas as divindades femininas: s80 todas Osoranga e antisociais em seus aspectos mais arcaicos, incorporando-se porém nos fiis suas formas socializadas. Estas j8 fazem ofotivamente parte da histéria social desses cultos: so as Yabés dessa ou daquela apelagao, hordis civilizadores posteriormente divinize~ dos. Tanto assim que nos candomblés tradicionais de origem nagd, da Bahia, as Yami so ‘despachadas’ com Exu, antes do inicio das cerimd- ies pablicas Apontam na mesma diregdo os mitos relativos as Yami, onde s6 ‘entram no convivio dos homens quando em conjungao com um perso nagem masculino: Obarix ou Orumilé®®, Passam entto a sor os dois uma s6 realidade, um todo complementar, onde o que conta é precisa- mente @ diferenga. Isto nao impede contudo que a forga da divindade {a socializada continue a residir potencialmente nessa perfeicdo pri mordial que pode atualizar-se ¢ cada momento e, como o pantedo nagd-yorubé compde-se de seres primordiais, encerram em si masmos todos eles essas oposigies SEE ‘As méscaras que acabamos de anal/sat dancaram na Bahia até as orimeitas décadas deste século, apesar das investidas frequentes da policia conira tais manifestacbes religiosas. As prestigiosas maes-do santo da época, como Maria JOlia Figueiredo, foram suas sacerdotisas (lyalode-Eretu).*®° Como vimos a0 longo desta trabalho, temas e estilos africanos reformnularam-se nas artes populares, temas negros permearam igual monte a arte religiosa erudita. Resta-nos agora tentar ver se 0 mesmo ocorreu com certas convengées estilisticas africanas: se penotrando estas as artes eruditas no teriam emergido precisamente, quem sabe, no momento em que as artes pldsticas brasileiras assumiram essa ~ qualidade que as tornaram reaimente nacionais, e n8o mais simples prolongamente colonial dos estilos ibéricos. 13.11 Continuidade provavel de convencées formais africanas ligadas a representacdo naturalista na arte brasileira. De todas as pecas que analisamos neste trabalho, as mascaras Gueledé baianas s&o as Gnicas a acusarem de moda mais nitido as solugdes plésticas ligadas a uma representacdo naturalista. Isto € apresentam de mado marcante a semelhanca moderada ao modelo — equilibrio entre o retrato @ a abstracio — caracteristica desse estilo africano @ que j4 nos relerimos"*, Vale frisar, contudo, que 2 execucdo dos tracos fisiondmicos vazados nessas peoas indicam uma refor mutacdo profunda, mas extremamente proxima ainda dos protétipos originais. Se, de uma parte, labios e nariz abrasileiram-se, de outra, os aihos continuam formalmente africanos embora reelaborades Esta soluedo pléstica ligada & representacéio naturalista dos tracos fisiondmicos, sobsetude dos olhes, no caso que nos ocuna agora, parece-nos de grande relevancia para a decoditicagao de prolongamentos estilisticos africanos nas chamadas artes eruditas. Com efeito, por mais naturalista que se considere uma obra de arte, esia permanece uma composicSo de convengdes, de modos estilizados de representar suas diversas partes, Ao mesmo tempo ¢ porque um artista aprendeu de outro tais convenedes, e porque durante sua vida reformulou, criow novas, que € posstvel fazer-se histéria da arte. Por outro lado, “as com vengdes ligadas @ feitura das diversas partes da obra s4o decisivas, para a determinagao da origem do estilo na arte pois, uma vez dada a idéia da representagao naturalista e jé que os seres humanos se pare- cem, as obras de arte naturalists sero via de regra semelhantes"™™. Permanece evidente contudo que cada contexto cultural mantém suas préprias convengées, Se aplicarmos esses principles portanto aos aspectos mais controvertidos da obra do Aleijadinho, talvez atinjamos resultados bem satisfat6rios. Mério de Andrade, no estudo mais belo ¢ incisive da pessoa e da obra do Aleijadinho, pe em evidéncia que Ant6nio Francisco Lisboa no 6 um ‘primitive’ mas antes um renascentista om contexto barroco, @ sobretudo um deformador sistemético™, Mario de Andrade perce- beu muito bem que o sentido da deformaco ne talhe © as vezes na pedra de A. F, Lisboa é uma atitude voluntéria e nao circunstanciel trata-se portanto de uma caracteristica de seu estilo. Deforma frequen- temente as figuras "Ihes aumentando um pouquinno © tamanho da cabeca"™*, enquanto na sua fase de Congonhas, jé doente, ‘vira expressionista, duma violéncia to exasperada que no raro se torna caricatural*. Enfatizando, por outro lado, 0 no primitivismo™® do Aleljadinho, atirma Mario de Andrade que nem sequer um individualis- mo pronunciado faz divergir sensivelmente sua estatudria da hispano- portuguesa, Em seguida mostra como a obra de A. F. Lisboa insere-se naturalmente no contexto das artes européias. Mais ainda, frisa Mario de Andrade, se individualismo hé, perinanece este “um ou outra pro- cesso de tornear booas, golpear olhos etc., € mais maneira técnica de ser, que individualismo propriamente"*?, Enfim, acentua 0 nosso autor como o Aleijadinho sabia perfeitamente condicionar-se aos materials que empregava, e até que ponto, pois, fora “um técnico formidavel” € como "suas pedras permanecem perfeitamente conceituais” . ..17 Mério de Andrade fornece assim, 4 sua revelia, indicacdes fundamen- tais para a compreenséo dessa vertente africana escondida, um dos objetivos deste trabalho Nesta perspectiva inserem-se com justeza 0 condicionamento 20 material empregado directness, na definigto adequade de Paul Bohan- nan", 2 deformacao convencional @ sistematica, o expressionismo ‘exagerado, © n8o individualismo @ a concertualidade da obra do Aleija- dinho entatizedos pela percepeao fina de Mario de Andrade. Tais com- ponentes s8o, @ nosso ver, os responséveis em larga medida polo aspecto desnorteante, pelo tropeco em que tém topado os riticos de Antonio Francisco Lisboa. A incerteza que envolve alguns desses tra- balhos 6 t8o grande que sous estudiosos — mesmo Mério de Andrade — nSo tém hesitado em querer tirar-hes a pateridade a6 Aleijadinho ¢ aitibuila a seus discioulos, Deformagao renitente, expressionismo cari- caturesco permanecem contudo ali: mais acentuados em umas obras, menos ontéticos em outras, sempre presentes porém. £ a pedia no caminho de alguns criticos. A soma dessas nogies so todavia 0 denominador comum que equaciona toda obra de arte chamada primitiva e africana, em part cular, Se, por outro lado, existem paralelos europeus para justificarem esse aspecio sui generis da obra de Antdnio Francisco Lisboa, existem igualmente, e com mais forte razdo, convengtes plasticas africanas que muito provavelmente se terdo infiltrado ali e de varios modos. Com efeito, ndo seria este o caso de se apelar para um vago atavismo, como propée G. Bazin", pois @ cultura transmite-se pelo contato e pela vivéncia @ ndo biologicamente. Em primeiro lugar, 6 mais do que provével que o Aleijedinho tenha tide contato com a arte popular de seu tempo, Nestas, certos cf nones africanos estao indubitavelmente presantes, alguns dos quais Postos em relevo de maneira admirével por Luis Saia"™ Diga-se de Passagem, alids, que este trabalho de Saia é 0 mais sério que j4 se fez, nese nivel, no Brasil: muito bem documentado pela coleta de dados etnograficos @ pela analise formal. Enira outros, enfatiza ai o autor a desproporeso intencional da cabega nos ex-votos do Nordeste, @ mostra que por nao se vinculerem estes as tradigdes plésticas ipéricas 0u indigenas, quanto mais nao fosse, por exclusdo, suas solugdes for mais ligar-se-iam ao elemento aito-negro" Luis Saia limita sua pesquisa a0 Nordeste, mas deformacées da caboca e de outras partes do corpo humano aparecem igualmente em certas esculturas de Minas e do centro-sul nos séculos XVII-XVII"® seguramente antes, que 0 diga a estatua de S. Bento, em pequeno nicho, acima da entrada principal do mosteira de mesmo nome no Rio de Janeiro, Acrescente-se em segundo lugar que Anténio Francisco Lisboa teve varios alunos escravos, destacando-se dentre estes Agos- tinh, 0 angola, @ 0 entathador Mauricio, afvicane fiel, que Ine adaptava as fetramentas de escultor as mos defeituasas. Mauricio foi o com: Panheiro constante dos ultimos anos de vide do Aleijadinho: associava- Se ao mesire mesmo no recebimento dos honordrios pelos trabalhos executados, segundo informa Bretas™ Convém frisar, entretanto, que as obras do Aleljadinho, habitual: mente atribuldas a sous discipuios, so precisamente aquelas de cunho mais ‘primitivo’, mais hesitante, tais como o Séo Jorge articula- do do Museu da Inconfidéncie, em Quro Proto, algumas figuras dos Passos de Congonhas, sobretudo os soldados romanos dentre varios outros exemplos. Todavia, se estas obras forem realmente de autoria de slunos, estes as faziam com o aval do mestre, para quem a sentide deformador era estrutural dentro dé sua propria concepodo plastica, Dada, Portanto, a nqueza desta, percebe-se na obra de Antonio Francisco Lisboa um leque variado de evocagtes: desde as primitives italianos a Renascen- a, pois, reinventa tude enquanto o seu individuelismo turtuveia™®, Observemos, entretanto, que uma obra de arte africana enfeixa, Bo Faro, dois esiilos, cada um expriminda idiomas préprios associa~ gos a aspectos diferentes ce sua visio de mundo. Willlam Fagg mastrou, através de documentacdo farta e sugestiva"®, como quase todos os estilos esto presentes na arte africana — mesmo o Ar-now 1u @ a Pop-art — porque esta uma prerrogativa de todo artista con ceitual"”. Por isso mesmo o individualismo que existe nesta arte dil 50 de certo modo nas varias expressbes plésticas do mesmo atelier Vemos portanto como 0 processo plastics que informa a obre de Antonio Francisco Lisboa ajusta-se perteitaments 4s coordenadas definidoras da arte conceitual airicana Com efeito, dada a importéncia atribuida ao conceito na arte afri- Cana, 0 artista esta naturalmente menos interessado na representacdo do conjunto do que na énfase concedida a parte que iré melhor indicé- “lo, Por outro lado, sua intene&o poder arientar-se para o todo na medida em que este exprimir a canceito a ser veiculado. A despro- porgao da cabega em relagdo ao corpo na estatuéria africana ilustra bem o primeiro caso, enquanto os fetiches bantus ou os hastdes de s vaziswue yay Exu (Ogo Exu) exemplificam 0 segundo", para citar apenas tés oworréncias. Dai o relevo que assumem os datalhes iconogréficos ¢ as deformagdes nao raro expressionistas, pais sé meros indicadores sim }6licos do conceito subjacente. Tudo leva a crer portanto que tais con. venodes, em certa medida reformuladas, comecassem j4 cedo a se infiltrar nas artes plasticas brasileiras, em razio da parte ativa que nelas tomaram os negros, € que se estruturassem de modo mercante com © génic deformador do Aleijadinha. Este 6, sem divide, uma expressdo nitida des convengdes formais africanas @ nao se wataria aqui de simples acaso, como tentamos indicar. Antes de terminarmos estas consideracdes, seria Util dizer que as solugdes plasticas das mascaras Gusledé, baianas, que analisamos aci: ma so, via de regra, idénticas a dos marfins afro-portugueses de Sherbra, da regio de Freetown e do baixo Congo, do séeulo XVI. Em Sherbro ha igualmente uma tradigao escultérica em esteatite — pedra— sab4o, seguindo em tinhas gerais os mesmos cananes —, das quais ha exemplares atuaimente no Museu Briténico™® ¢ que remontaria muito provavelmente a0 século XVI. Os marlin afro-portugueses so, na realidade, esculturas concebidas dentro das convengbes plasticas aft canas para o mercado europeu, portanto j& formalmente assimiladas a0 gosto ocidental. 1408 Colne: com cabo represe eropeu, esculsida por volte de 15. ‘marin, c. 20 alk, fetura stieana pore rmorcade auropeu Sharoro, Serra Lees, ca Museu Brame, Landon ado ur 1405 Cabopa Nomol, possivelmenta século X01, podka sab86, Ser. Laoa, co. Museu Buitaneo, Londres O mais sugestivo porém 6 que ‘ais reformulactes plésticas ovorressem precisamente na Bahia, de onde partiam regularmente os escravos, sobretudo 05 Mina — Fanti-Axanti, enire varias outras etnias da antiga Costa dos Escravos englobadas neste vocabulo, tais como os Baulé, Senuf6, Gueré, Lobi etc., etc., mestres da escultura africana — para as catas de Minas Gerais". Ora, essas convenedes podem ter penetrado o Brasil através desses escravos, seus criadores, ou por via dos reindis que proiiferavam no Brasil de entdo. O que resta a faze! portanto € continuar a pesquisa, pois 0 componente africano na cut- tura brasileira tem oferecido as mais surpreendentes emergéncias. Os Pontos que acabamos de por em evidéncia parecom-nas dbvios. Tor- narse-iam wrefutéveis contudo & luz de uma andlise comparativa entre 08 cénones aiticanos da Africa ocidental e dos grupos bamtos com as solucdes formals de certas obras da Aleijadinho, sobretuco quanto as suas convenes ligadas a representacdo neturslista. A partir dessos dadios verificar-se-ia se seu individualismo hesitante nao repousaria, com feito, nesse "um ou outro proceso de tornear bocas, golpear olhos”, caracteristica sua e marca registrada de sou atelier, que escon, deria muito provavelmente os c&nones africanos repensados pelo gran de mestre mineiro. Aqui estes se encontrariam uma vez mais disfarca dos nos volumes da talha bartoca e no siléncio da pedra Se no for este © caso, 0 que nos pareceria bastante improvével a5 formas africanas continuariam todavia mesmo assim na obra do Aleijadinho porque da sua época “era de todos, 0 Unico que se poder dizer nacional, pols originalidade das suas solugdes ... E a solucao brasileira da Colénia. € o mestiga @ ¢ logicamente a independéncia”#® em relacgo ae legado cultural luso. Nesta independéncia o componen- te africano encontta-se em pé de igualdade com 0 branco, pois os in dios do Brasil no tinham uma tradi¢0 escultérica firme, Assim, tanto a vertente alficana quanto @ branca ou mulata esiao na base do que tornou as artes pléstioas no Brasil ndo mats luso-brasileiras. rm: nacionais. 1406 Saleoropresantando noves 1407 Placa representando soldadas orugueses, morfim siroportugués, Foto” portuguese, sbeeto AVI, brane, 6 36 ai Brovavelmente um Sherbro, Serra Leoa, col, Benim. Nigtria col. Miswu Satinice Museu’ srtaniea, Lonctes Endres 1408 Saleiro encimado por virgem & cians, marti ato-potuguss, 20! iomeactle So2_ of Antquanes "0 Museu Bitarico, Lands depbsto 1022 13.12 A emergéncia de artistas e de temas negrtos a partir das décadas de 1930 e 40 Dos meados do século XIX em diante a presenga de artistas plésticos negros faz-se mais rara e s6 ressurge de modo mais significative em tor no dos anos 40 do século XX por razdes que passaremos a examiner Como j4 indicamos acima, a arte africana &, sobretudo, comuni téria: mesmo o estilo se fixa ou se modifica no relacionamento da obra com 0 mercado consumidor*%, enquanto a arte acidental dé mais lugar ao individualismo, © artista negro pode canalizar suas aptiddes criadoras no sentido comunitério da arte religiosa do século Vil metade do sécuto XIX. Com a substituic&ia do Barroco pelo neociassico restava, todavia, pouco espaco a expressividade do génio negro nas artes plasticas, € possivel que este se tenhe entdo orentado de pre- feréncia para a musica, a danga € os esportes, expressées culturais, que envolvem grande particivagao comunitaria. Acrescente-se a isto que os negros provém sobretudo de camadas marginalizadas, o que os torna desde logo menos aparelnados para competirem com o artista branco, cuja formagdo em grande medida individualista requeria avul tadlas despesas, como jé apontamos Por outro lado, 0 ambiente mais favoravel 3 ectosdo do talento negro era 0 espago das casas de culto, Neste. a arte ritual, embora nao tenha sotrido solugdo de continuidade, limitou-se porém & feitura de objetos indispenséveis ao culto € ao rito. Odjetos inicidticos, portan. to, e pouco conhecides do grande pdblico, exceto de alguns delogados que. apés suas investidas contra tais contros religiosos, os constitulam em corpus delicti. Armavam-se ent&o todo tipo de campanhas contra a5 manifestagdes religiosas negras, contra seu ‘fetichismo barbaro’ ¢ 4 imoralidade’ dos candombiés™. Assim, mesmo dentro dos limites das casas de culto, viu-se 0 negro também cerceado em sua capacidade criativa, Tal estado de coisas prolongou-se até a década de 30 deste século. Desde 0 final do século passado, entretanto, j& comecava a germinar uma certa conscientizacdo dos valores negros, quando mais no fosse, do negro como ‘objeto de estudo’. Em 1888 publica Silvio Romero seus Estudos sobre a poesia popular do Brasil alertando sobre este fato. Menos de dez anos depuis, em 1896, surge 0 Animismo fetichista, de Nina Rodrigues. Manuel Querino, negro que era, reagindo contra as deturpagdes e preconceites a respeito da raca negra, apre- senta a comunicacdo "A raca atricana ¢ os seus costumes na Bahia”, no V Congresso Brasileiro de Geogratia, na Bahia, om 1916. Insistindo no assunto — 0 que fez alias até a sua morte — e apontando para o papel do negro no processo de formacao da sociedade brasileira, taz outra comunicagéio no VI Congresso de Geografia, desta vez reunido em Belo Horizonte, em 1918, sob 0 titulo “O colono pret como fator de civilizagao brasileira”. Com a Semana de Arte Moderna, em 1922, estrutura-se todavia uma nova ideotogia Igada sobretudo as expres- ses culturais, onde a t6nica é & ruptura esiética com o academismo em todos os niveis. Enfatiza-se uma volta as origens: “€ 0 Tieté que corre para o interior”, no dizer de Mério de Andrade. Valoriza-se portanto um neva tipo de regionelismo que levasse 5 origens, que “rornpesse com © sertanismo estiizado do pasado”. Temas ¢ motivos plésticos indige- nas meorporam-se & nova estética. Preconiza Mario de Andrade Selormacdo de natureza como verdadeiro objeto de arte. Reinterpreta— se pois 9 Expressionismo, Dadé @ Surrealisme, em termos de uma busca das raizes formadoras da nacionalidade. Pée-se em relevo o pri- mitivismo ligado 2 essas origens, € na década de 20 que sio retoma- dos contude os estudos atricanistas no Brasil. E entéo que o elemento negro passa a ser ‘visto sob um 4ngulo de consciéncia antropolégico— cultural. quando a énfase é posta numa reabiltacdo sistomética da Presenga negra no Brasil. H. Pires publica em 1933 Os aticanos no Brasil, da N. Rodrigues. Em 1934 surge Casa grande & senzala, de G. Freyre. A partir de 1932 A. Ramos comeca a publicar seus trabalhos que culminam em 1942 com a sua Iniroducdo 4 antropologia bra- silera Os estudos atricanistas ganham novo impulso com as obras de Edi- meiro, René Ribeiro, Donald Porson, M. Herskovis, R, Bastide, P Verger outros. Nesse intervalo acorrem dois congresses atro-brasileros: em 1934, em Recife, € em 1937, na Bahia, Ambos rouniram estudio. sos nacionais e estrangeiros @ dignitérios dos cultos. Denire estes des- tacararse, na Bahia, Aninha, mae-de-santo do candomblé Axé Opd Aonjé e Martiniane do Bontim, conhecedor dos segredos de IH4, que se havia ‘niciada em Lagos (Nigérial. Nos anos de 1937-38 Mario de Andrade, entéo no Departamento de Cultura e tendo j4 em perspectiva seu primitivismo estético ligado A cultura popular e 20 nacionaiismo, envie ao Norte @ Nordeste duas missdes folcloricas para a coleta de material: uma chefiada por Luis Sata, em 1938, € @ outra por Gur igre em 1937. Dez anos depois se descobrem os ceramistas ‘primi vos' do Nordeste, Vitalino (1909-63), de Caruaru, Severino, de Tra cunhaém, antre outros. So portanto esses estimulos cientificos @ cul- turais que servem de pano de fundo histérico-social, permitindo o res Barecimento de artistas © temas negros nas artes olasticas a partir das décadas de 30 ¢ sobretudo de 40, Chegamos aqui a um ponto de nos- ‘88 oxposieao em que se impée testar a primeira delinigSo que fizemos do termo afro-brasileiro [sooo 68). Dos artistas cobertos em geral por essa detini¢do muitos séo brancos, outros mesticos e relativamente poucos séo negros' Poderiamos subsividi-los portanto em quatro grupos, ou seja: aqueles que 36 utilizam temas negros incidentalmente; os que o fazem de modo sistematico © consciente: os artistas que se servem néo apenas de temas como também de solugées plésticas negras espontdneas, & No roro, inconscientemente; finalmente os artistas ritua’s. Os 18s pri meiros grupos definiriam 0 termo afro-brasileiro em sou sentido lato € © Ultimo grupo em sentido estrito Os artistas do primeiro grupo servem-se pois de temas negros como poderiam utilizar-se de motivacbes indigenas ou de quaisquer Outras que funcionem todavia como elementos polerizadares de sua criatividade pessoal. que alimentem o seu universo mito-poético. E esta © caso de Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Alberto da Veiga Guig- nard, Portinari, Djanira, José Pencetti, Santa Rosa e outros. Arrolé-los, pois, baixo a sigla afro-brasileira soria o mesmo que chamar o Picasso das Demaiselles d/Avignon, de afto-francés ou de afro-espanhol, Por outro lado, mesmo os artistas cujas obras recorrem a uma tematica e ico: Nogratia africanas constantes @ coerentes, @ que formariam o nosso segundo grupo, no nos parecem escapar a essa mesma classificagao. 8 yunsmo pay 1024 Com efeito, € © que acorte cam Hector Bernabo, Carybé, dos magni cos orixés. com Mério Cravo Jr. dos belos Exus de bronze, Hansen— Bahia e outros, ov mesmo com Di Cavalcanti. Este Gitimo embora ser- vindo-se da figura de mulata como Leitmotiv om sua obra, trabaiha exclusivamente em nivel pessoal: suas pinturas exprimem sobretudo a sua busca do belo através de um modelo que ocorre ser de origem negra. Todos esses casos que acabamos de apontar articulam-se mutatis mutangis as eventualidades que acontecem universalmente no mundo das artes pldsticas. Exemplo significativo 6 0 da obra do escul- tor hingaro Hajdu. Todas suas pesquisas formais centram-so om variagdes sobre 0 tema da parisiense do pds-guerra: escalonam-se suas obras estilisticamente a partir de um certo naturalismo aa mais hermético abstracionismo, Poder-se-ta defin-lo entéo como hiingaro- -rancés? Casos semelhantes sf os da austriaca Suzanne Wenger & da inglesa Georgina Beier. Ambas radicaram-se na Nigéria e all, infiuenciadas pela arte Yoruba, realizeram suas obras pldsticas. Tais artistas esto, na realidade, apelando para formas — africanas e france. as, nos exemplos que nos ocupam agora — que veiculam mais efi- cientemente o idioma pessoal de seu discurso estético. Voltando-nos agora para os artistas propriamente negros ou mes- tigos desse periada, nao escapamos todavia, nos parece, 20 mesmo ni- vel de realidade, Agnaldo Manuel dos Santos (1926-1962), escultor, ¢ Rubem Valentim (1922-1, pintor. para ficarmos apenas com dois pon- tos altos""”. Ambos utilizaram-se de temas afro-brasileiros. dentro de Angulo de visdo estética individual porém. Embora tenham assumido um campromisso cultural com 0 mundo negro e Rubem Valentim seja devoto de Omalu, com abrigacies reiigiosas, segundo Ciarival Valia- dares". filiam-se esses artistas contudo & melhor tradig&o da arte oci- dental, Agnaido foi um excelente escultor que ganhou, alias, © prémio internacional de escultura no | Festival de Artes e Culturas Negras, de Dacar, Senegal, em 1966. Note-se que todas as suas solugdes plasti- a8 880 no entanto eruditas. Quanto @ Rubem Valentim, sua obra orga- niza-se om torno de pesquisa formal dos temas do construtivismo. Tem este artista uma estética bom determinada, em suas proprias palavras, como consta de seu depoimento de Brasilia. Define-se esta em termos, universais de uma semiética partindo das ralzes culurais brasileiras “branca-luso-negro-indio"™™, Nenhum dos artistas que apontamos acima serve-se em suas obras das convengdos estilisticas africanas, logo, a qualificagtio afro -brasileira torna-se imprépria para defini-los de modo adequado. S80 simplesmente artistas nacionais @ todos podem inserir-se em contexto internacional pela qualidade universal de suas obras. Ocorre com esses artistas 0 que aconteceu, de modo inverso, com Cruz @ Souza. Lima Barreto, padre José Mauricio, Machado de Assis e outras negros © mesticas que utilizaram-se de temas e cdnones brancos para real zarem obra de arte nacional, de validade universal, Assim, 0 Aleija- dinho seria. mais afro-brasileiro do que qualquer um dos artistas menciona- dos acima porque serviu-se fartamente de convengdes formais africanas. Incluem-so no tercairo grupo os artistas classificados pela critica das artes plésticas de ‘primitivos’ ou ‘populares’. Nestes no s6 os temas:mas também as convengées plasticas, ndo rao, sdo african: dentro porém de outros enfoques. Articula-se 0 caso presente verten- 1409 Gums ~ Covalovo, madre, £2 al, Mateus Carnove da Cana em depts no MAES? 1410 wascara Ekps, madeira pads, 123.5 ah, , Nigéra, cal Tage Cameo da Guna em deodsio no MAE/US> 1411 Boaventura cx Siva Fino (Loco! — wasseata de madi, (ln 7 braaiaros 2 seu Universo, Brasiia, DAC/PAC. 197. tie Alvoso Palacios te africana escondida a que vimos nos referindo neste trabalho. Embora seu elenco seja importante do panto de vista numérico, retere- mos apenas dois exemplos, aliés bastante afastados espacialmente: um @ Guma (1924-), de porte Alegre, Rio Grande do Sul, branco, e outro € Louco, de Cachoeira, na Bahia, negro. As coordenadas africanas que se infiltram na obra desses dois artistas | fazem parte do substrata da civilizacdo brasileira que se transmite culturalmente de geraedo a geraco, como em toda arte Popular: 0 caso dos ex-votos, a que jé nos referimos, é exemplo bem sugestivo dessa assertiva A recriac&o plastica desses elementos ancestrais. tanto nos ta- balhos de Louco quanto nos de Guma, aparecem contudo sob um an: gulo que jé exprime uma visdo de mundo individualista. Em ambas as obras hd momentos em que 0 conceito leva todavia a dianteira sobre o individualismo. Com efeito, certos detalhes da esculture de Guma exprimem convencdes formais africanas de modo muito claro. A geo- metrizacdo entre outros 0 leva freqiientemente a talhar os pés das figuras humanas em troncos de piramide a0 modo de varios grupos ét Nicos africanos, sobretudo os do grupo bantu. Por outro lado, algumas 1025 das formas esculpidas destacam-se apenas do bloco inicial de ‘ao madeira, obedecendo assim 4 matéria trabalhada na linha da tradicao da arte conceitual africana, Transmitem igualmente tais obras a impressdo de imediatez entre a concepgdo do artista e o produto final, como 9 mostra o seu Cavaleiro 0 conjunto das solugées formais desta escultura concorre efetiva- mente para veicular a idéia da relago: homem-animal-vegetal. Tronco de madeira, personagem e cavalo fundem-se na concepeda do artista, O mesmo proceso pléstico flui igualmente em toda a obra de Louco, & qual acrescenta-se aliés uma iconografia em nada corrente e muito préxima as origens africanas. Note-se que algumas de suas esculturas seriam reformulagdes perfeitas de mascaras nagé-yoruba Gueledé ou Ekpa. Estas Gltimas s&o, na realidade, praticamente des- conhecidas no Brasil. As esculturas de Louco exprimem de mado incisivo © caréter protéico da arte africana, Dir-se-ia. com efeito, um demiurga de cujas mos as formas incoam-se num primeiro tempo, perfazem-se, @ transformam-se no produto final, como ilustra bem a pera que reproduz- Mos aqui, Enquadram-se em grau maior ou menor com Louco e Guma, Hei. sav tor dos Prazeres, José Barbosa, Tio Quincas (Joaquim Garcia Lopes), Geraldo Teles de Oliveira ¢ muitos outros. Penetramos, entretanto, em outro nivel de realidade com os artis tas dedicados a arte ritual. Estes assumiram, de fato, néo apenas um compromisso individual com os valores africanos, mas idéntico compromisso percorre toda sua criatividade. Vale lembrar que tais artistas no realizam obra sincrética apesar das assimilagdes formais super- ficiais que possam infitrar-se em seus trabalhos, como jé apontamos. Com efeito, se mesmo Exu ndo se sincretiza com 0 Diabo, com muito menos razéo ocorreria isto com divindades como Obatalé ou Yemanja. Esse € 0 deus da ‘brancura’, isto é, da matéria branca, do giz @ mesmo do esperma, logo, muito pouco em comum tem com o Senhor do Bonfim ou o Santissimo Sacramento. Quanto a Yemanjé, ela 6 a chefe € patrona das lyami, ‘as feiticeiras’, consequentemente a 1026 apenas generalidades @ ligam & Virgem. Isto ndo significa, contudo, que qualquer escultura ou objeto néo possa se tornar ritual e lugar de teofania: sim, desde que ritualmente condicionados. Neste sentido aliés qualquer autor de obra ritualizavel poderia definir-se como afro qualquer coisa... Note-se porém que o sentido original das religides africanas é se voltarem para a sacralidade da matérie pura: Agua, terra, podra, sangue, seiva etc., enquanto as esculturas e pinturas encerram, de preferéncia, um sentido herdldico, ideagrafico ¢ funcionam natural- mente também como uma escrita Assim, 0 icone africano tem resistido a todas as transtormacées. aculturativas, no Brasil, « pode camunicar-se ainda com a forca do idioma original como mostram os trabaihos de Dioscérides M. dos Santos, Marlo Proenea, Glicério Silva e uma grande maioria andnima, em que ao lado de reiormulagées individuais fui intacto o icone negro. carregado de um idioma que extrapala 0 individuo @ fala dos valores constantes de ums cultura, falando, nesta medida, também por todos. © que ocorreu com a arte afro-brasileira & o que acontece fatalmente com toda arte: ¢ 0 produto de pressdes historicas, escolhas, invengdes © adaptagdes @, acrescentariamos, de revolta Por ouiro lado, esta arte afro-brasileira, sobretudo a obra dos artistas do terceira @ do quarto grupos, tornam nulas as dicotomias convencionais estabelecidas entre arte popular e arte erudita, entre antista @ artesio © quejandos, como jé assinalamos. Trata-se, com efei- to, de uma arte prenhe de sontidos, extraidos de modelos culturais de valores atuantes. Estes exprimem uma vis8o de mundo que se for- talece na revolta contra os parémetros impostos arbitrariamente polas classes dominantes. Este tato & capital, pois mostra claramente que denire todos os povos que influenciaram cutturalmente 0 Brasil somen- te 0 aficano foi capaz de fornecer uma cosmologia que aqui se enrai- zou © que aqui se expande, A arte ritual afro-brasileira é reflexo de uma religido que tem tide ‘como fungio precipua a identidade éinica dos negros na diéspora bra- sileira. Todavia, com expanse da umbanda, este dado tende a modificar- -se. Assim, a umbanda, que se ostrutura em grande parte no modelo religioso nag6-yorubé € que tem penetrado amplamente as classes média e alta brasileiras, de um lado, ¢ de outro a aceitag8o do can- domblé ¢ dos ritos congéneres por essas mesmas classes — em escala menor porém — no Nordeste ¢ Norte, t8m ampliedo forgosamente @ fungao dessa arte. A arte ritual afro-brasileira, na realidade, no mais identifica etni- camente apenas @ negros mas serve também de identificacao cultural @ brancos @ mesticos, assumindo portanto uma dimensdo, a0 que parece, nacional. Logo, ante 0 exposto, a qualificagéo afro-brasileira permanece ambigua ¢ proviséria, Trata-se de um termo que, na real dade, j6 nasceu envelhecido pela propria dinamica a que se tém sub- metido 08 elementos culturais africanos no Brasil APENDICE breve ensaio que se segue sobre as artes corporais afro-brasileiras n&o foi concluido. Aprosonta uma andlise inteiramonie nova da influencia africana na joalheria brasileira. Mariano Carneiro da Cunha conhecia profundamente as joias. da Atrica ocidental, tendo reunida durante sua estadia de dois anos na Africa uma colecdo de Vérias centenas de pegas, colego que se encontra parcialmente exposta no Museu de Arqusologia e Etnologia da USP. Artes conponats e decorativas Dada a dificuldade de abordar a arte africana através das categorias que definem a arte ocidental, ou das classificagdes que a subdivide, para tratar das artes corporais aricanas recorreremos pois 2 uma classificacdo mais abrangente, Esta 6 aqucla proposta por M. Mauss e por tratar-se de uma classificagao muito ampla e pouce rotineira, por isto mesmo, tera mais chance de apreender o sentida da produsao plastica negra So assim consideradas artes corporais, dentro do critério de Mauss, aquelas que t8m uma relacdo mais ou menos dirota com a pessoa fisica, que se traduzem por modificagdes feitas ao proprio corpo humano, Com efeito, nenhum contexte cultural permite que 0 corpo humano permanega 0 mosmo desde 0 seu nascimento: suprime-se-the ou se Ihe acrescenta sempre algo Tais préticas decorrem seja das necessidades de protege do individuo, seja das roprosontacées coletivas inerentes a cada cultura. Assim, deformagées ou mutilagbes, escarificacdes ou tatuagens, maquilagens, vestimentas @ adornos indicam o contexto cultural a gue pertence o individuo. So hé todo um aspecto funcional que preside a algumas dessas modificagées — temporais ou permanentes —, isto nBo exclui que a producto plastica corporal no possa suscitar uma reagdo estética em seus usuarios ou naqueles que a observam, como ja livemos ocasido de apontar’ A classificagao de Mauss inclui naturalmonte um leque vasto da produgdo artistica africana: no Brasil, porém, s6 alguns itens puderam desenvolver-s@: plenamente. Dentre esses, destacam-se 0s aderecos nessoais e a vestimenta, Joias A metalurgia aplicada a fabricaggo de adornos ornamentos pessoais ja era fata corrente na Africa, negra antes de qualquer Contato com os europeus, como ficou apontado no inicio deste trabalho. Portanto, 08 escravos que vieram para 0 Brasil @ para as Américas, sobretudo os que provinham da Arica ocidental como os Fanti-Axanti © posieriormente os Yorubé, eram grandes conhecedores das técnicas metalurgices Destaca-se como fabricantes requintados de jéias © objetos ornamentais de metal os Fanii-Axanti, os Baulé, os Yorub4 dentre muitos outros povos na Atvica’ ocidental. Sabemos que grande niimero de Fanti-Axanti, por ‘ais habilidades, eram encaminhados para os trabalhos de metalurgia em Minas®. Conheciam perfeitamente esses atricanos as diversas técnicas da ourivesaria e 08 varios processos de fundi¢&o do metal e de moldagem. Ante 0 exposto, pode-se avaliar a diversificagtio da contribuigtio africana a ourivesaria brasileira. E claro que aqui chegados, esses negros jé encontraram uma infra-estrutura portuguesa do trabalho do metal e 0 produto final apresenta-se como reformulacdes desses dois components. Muitos exemplares de joias @ outros objetos de metal fundido ou martelado mostram entretanto claramente os modelos atricanos de que se serviram sous criadores. Em razdo da extensio © variedade do assunto, destacaremos dentre esses itens dois grupos de objetos: as chamadas j6ias criouias certas alfaias eclesiésticas como os tocheiros barrocos de prata cinzelada, ‘warswe Dayal 1028 1412 Pulseira atvcana, bronze, 9,7 alt.¢ 88 did, col Mariano Camere da Cunha m dopsta ra: MABIUSP. 1413 Bracoieie “Ma-wu-ale” orata, 22 on, Aboré, Repitliea Popular irqutve forogratea. Museu €0 sara Putco ats Joias crioulas Na grande maioria dessas jéias encontra-se facilmente a matriz africana que as inspiram Comparem-se, por exemplo, as pulseiras do tipo copo’ de filigrana dourada com uma pulseira de aparato, de bronze, da Africa ocidental perceber-se-é facilmente a que modelo formal ¢ técnico as primeiras obedecem. A forma permanece africana e, neste caso, até o tipo de fecho é idéntico Nos dois lados do Atlantico, com a unica diferenca tema de fecho € utilizado na Africa de que esse para pulseiras de proporcdes meno Nota-se que essas pulseiras ‘copo’ em ouro a0, na realidade, variagdes mais sofisticadas do mesmo tipo que se faz ainda pata impor a Parafernalia dos fiéis quando em estudo de santo” Nos cultos afro-brasileiros. Quanto as pulsciras de pingentes (balagand&s), 0 Museu de Arte Arqueologia da USP dispée de algumas dezenas de exomplares provenientes da Yorubel&ndia, @ que sao absolutamente semelhantes as suas congéneres nas Por outro lado, hé dois grupos de objetos da Africa ocidental que muito provavelmente serviram de modelo: s' baianas de prata ou cobre prateado. O primeiro grupo compde-sa de amuletos de prata formando um bracelete ou madeira chapeada de ouro, que os reis do Gana usam no braco para deles haurirem ‘forga’. O outro grupo abrange uma série de pequenas pencas compostas dos simbolos das uivindades Yoruba, em liga de prata, e provém de Iw6, na Nigéria. Quanto a sua func&o, nada de seguro pudemos apurar: cairam em uso hé muito tempo, liga de cobve. 8 no MAEIUSP 1416 Pulseira aicans, bronze, 8:2 alt © 89 dam, eal, MAEUSE 1417 Armuletos aricanos, cour folheado a owe, 22.9 {ln Cole, Herbert & Ross, Baran, The arts of Ghana 1418 Balangandés, metal erateado, oss. joedia e madeira, 8 clam. Bahia, col Musov Nasional, Rio. do Jano. Alfaias Os tocheiros brasileiros de prata cinzelada, do Periodo barroco, obedecem a uma técnica que muitos indicios sugerem seja de origem africana. Isto 6, es chapas de prata s8o cinzeladas e Posteriormente acomodadas a um bastao de madeira para hes formar o corpo. Esta mesma técnica aplicou-se a castigais, palmas @ outros adoros de altar. Nestes casos, as places de metal 880 fixadas por cravos a0 ndciéo de madeira ou simplesmento soldadas, Quando se trata de ouro, usam-se outtas técnicas porém, destacando.se dontre essas a fixacdo, por atrito, do metal, reduzido a laminas fintssimas, de 1/200 de milimetro, a superficie da madeira AAs t6cnicas descritas acima foram utilizadas desde 0 periodo dindstico egipcio até 0 declinio dessa civiizacdo @ continuam vigentes todavia até 98 nossos dias na Africa ocidental, sobretudo entre 05 Fanti-Axanti e entre os Fon (Gege). Os Fanti-Axanti empregam essa técnica do ouro nos emblemas da realeza entre outros e os Fon servam-se de chapas de cobre irabalhadas @ aplicadas a uma estrutura de madeira para seus altares funerétios A utilizacdo de um nucleo de madeira para a feitura de objetos ornamentais revelaria assim uma origem africana j8 que, 20 que parece, os Portugueses ndo a utilizaram em Portugal. Teria sido introduzida entre nds pelos escravos que embarcaram para as Américas a partir do século XVII no forte de El-Mina, no atual Gana 1419 Cons de festa nacional em Gana in Cole, Herbert & Hess, Doran, The arts of Ghana 1420 Crioula da Bahia, foro da arquivo do Museu Costa Pinto, Salvador, Baris. Vestimenta Das roupas consideradas afro-brasileiras, guase nada resta, porém, de legitimamente atricano. Excetuando-se seus acessorios — pano-da-costa, coroas (ode), aderecos, emblemas —, trata-se, na fealidade, de uma versao brasileira da vestimenta tradicional africana, Cestaria, cerémicae maroquinaria © Ievantamento da influéncia africana neste capitulo das artes domésticas @ decorativas esta ainda para ser feito. O que se pode afirmar, entretanto, com grande margem de seguranca, é que os africanos que vieram para o Brasil jé dominavam perfeitamente essas técnicas Note-se, contudo, que muitos grupos indigenas brasileiros j4 praticavam de longa data as artes da ceramica e da cestaria Por outro lado, a presenga africana & nitida em Certo tipo de cestaria — que se fabrica até as nossos. dias — no Nordeste, sobretuda na regiéo do Piaui Trata-se de grandes cestos de varias formas feitos de palha trancada e colorida, de buriti, que resulta em uma malha espiralada. Hé um exemplar desses no Museu do Folclore de Sd Paulo e o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP dispée de outro, Proveniente da Nigéria. Tais artefatos encontram-se, alids, em toda a Africa negra Quanto 4 cerdémica, os exemplares séo 1029 indmeros onde 2 presenga negra ¢ indubitével, sobretudo nos utensilios ligados diretamente ao culto: vasos de assentamento, entre oulros 5 Os Haussi que, desde tompos imemoriais, = transitam entre a Africa do Norte € 0 resto do continente negro, além de grandes comerciantes 840 excelentes artesdos de todo tipo de trabalho em couro, técnica norte-africana. Desse grupo étnico muitos escravos chegaram 8 Bahia. Néo seria exagerado pensar, portanto, que certamente teriam influenciado bastante o artesanato em couro do Nordeste 1030 NOTAS 1. Esta sitio ¢ atualmonte © mais Importame da Pré-Historia da human dade; af se encontram os tastemunhes das culturas que se sueedem desde © comero da humanidade até aos nossos dias, A camade mais antiga contém os artefatos mais primitivos que s® passam Imaginer: 35 padras toscamente taihe as. aiduvaienses. Deseoariram-so ali também varios restos de australapite- fos, intermadisrios entre o macaco 8 0 hhomem, Contudo, @ descoverta mais importante da familia Leakey for = dos remanescentes um primata mais umano do que es anteriormente canhecidos, andanda erero sobre os dois pes. pouco diferentes dos do homem atual, de mos cortudo ainds arcaicas, de estatura menor do que @ iédia e cérebro menos desenvolvido do que o nosso. Esse homem “Ossi situa-se anatomicamente ene os ausitalopite cos @ oF pitecaniopas do Oriente e da Arca. Ao que tudo parece ingicar fo elo © autor das pedras valhacas de Olduvet € Leakey chamou-s do Homa Hébilis. Este, assosiado aquele tipo de artefatos, <6 fox encontrado até hoje na Atrica negra, onde parece ter emergide 3 humanidade, ha mais ou manos dois ravines de anos, 2. 0 terme "bamu", que caracte- fica uma famfia \inghistica, foi durante muito tempo usado para designar um ‘grupo humana com tragos fisicos co- muns, ou um tipo de vida fundado na agriculture au até uma filosofia, 3. F Wille, 1975, 9.72 4. As méscares da sociedade Gueledé sto usadas entre os Yoruba ‘ocidentais em festas destinadas @ apla cat as eiticeiras, Séo usades come ccapacetes e portanto os olhos, perfura- 608, no se destinam a fitrar o olhar, mas dover ser voltados para cima. Ver adiante p47 e seguintes. 5. Th. Shaw, 1970. 6. F Wilot, 1975, 7. Yale tembrar aqur que natura- lismo @ estilzeeSe seriam duas tendén- cias dialéticas dessa arte, que as vazes, ‘50 fundem dando e continuidade ao ‘ostlo maturalista 9 em outros momen: tos mantersevam em suas posicdes polares. comolamentares. 8. H, Frankion, 1961 8, P. Bohannan, 1964, p.81-2, 10. Cyril Adres, 1949, 1-3 11. Nota do coordenader: estes itens néo puderam sor incluidas pelo A 12. Na técnica da ‘core pardida’ esculoe-se em argia 3 forma geral do bjato 2 sar obtide © rocobro-se esse nucleo com uma folha do cora. Os dotaihes 80 esculpidos © decorabes aplicadas om cara. O conjunto 6 reco arto de argila ¢, depors da seco, aque cido de cabora ara bao para @ cera derreter © carr, dexando um espace vetio no qual £0 verte 9 bronze em fusdo. Uma vez soliiicada 0 oronee, ‘quebra-se 0 molde pars se obter 2 poca. 13, Ver F. Willet, 1978, ta p.170 161. 14, Especiaimente detaihados entre fos Yoruba sdo 08 ostudos de Robert Farris Thompson (ver pax. R. F. Thomp: son, 1971) 16. Hons Himmethooer, 1936 416. P. Bohannan, 1971 17. W. Fagg, 1965. 18, RF Thompson, 1973 8 1971 19. Notar que o germe dessa orien lap Jé edstia na propia arie euro pia com artistas como El Greco, P. ella Frencesca ® outros, @ Com os 1co- nografos russos, ou gregos 20. Ao mesma tempo, 0s europeus esconheciam que esta arte era alta mente disciplinada, convencionalizada fem razdo do longo treino nos atelieres dos mesives onde os jovens artistas dis endem em médie cinco anos conrando ® reinventando es obras. ancestsie. Conirastam assim essas obras com as alro-brasilsires que so, como bem vw Arthur Ramos, “lives, sentimentais humanas” (A Ramos, 1949, p.i07 6 197 21. ©. Ott, 1967, p.103-5, H. Low. 1942. p 10. M. Aves, 1967, p61 FM, Santos, 1938 A.C Barbosa, 1898. N. Batista, 1939 ©. Valladares, 1968, 97-109 22. C Valladares, 1968, ».104. 23. Pedrals! sagrada incarnanda a diwindade africana, querdada nos san- ‘uérios Ipegi) das casas de culo alro- forasiloias. Em geral esté embaixo de ‘armacdo de madeira, recoberia de teci- dos ispendiosos, brocados etc., com toda a aparénoia de secrévio catélico. 24, Exemplos dessa estatuéria em ©. P. Valladares, 1969 © 1976 25. L Sala, 1944 26. ic 27. N Rodrigues, 1976, p.170. 28, Trota-se de ‘negros de ganho! que ccuparam posicdo especial dentro do sisteme eseravocrata urbano. Esses, quando euto-alforisdes © na Area oc dontal, assumitam posicéo social impor ante ma formag30 do que se chamou depois ‘comunidades brasieiras’ 29. Dr P. da Costa, Chado In N. Rodrigues, 1900, p.93. 1976, 6.170, 30, N. Rodrigues, 7976, p.171 31. R. Conrad, 1975, »:960. 32, C. Moura, 1989. 33, Distingdo estabelecda por mera eomodidede expose, mas quo ndo corrasponda em nada ao nosso ponto de vista, que sora oxposto em soguida, 34. ©, P Valladares, 1988, p 100, 38. P Bohanann, 1977 36, Paralelos ilustratwos nessa di rego S80 08 jardins japoneses, sobre tudo dos temples zer-budistas, onde a lorganizapS0 espacial a partir de elemen- tos naturais ~ pedras, areia, vores, rai- 285, gua — oferacem esteticamente a visio do mundo budista, ou os arranjos llorais de kebana, de funcie wéntiea 37. Willams, 1974, p 95-6, 38. Esse estudo fol republicada de pois in N.Rockigues, 1976. p.160-71 39. A Ramos, 1949, p.188-212 40. C P. Valladares, Revise Bresio a de Cultura, 1 (137-48, 1969 41. Sobretudo 1976, p68 0 50g ©. P. Valladares, 42, R. Bastide, 1958, 49. P. Verger, 1987, 44. 0. Serra, 1978 45, CP. Valladares, 1976, p.75 46. Fagg © Plass, 1979, 9.107, 47. id, p74 48, Note do coordenador: sabre a foto do Musou Nasional, dada como airicana, no se possui documentacso alguma de otigem ou proveniéncia, Foi onsiderada por Mariano Carneieo 03 Cunha come de tatura crasieira 49. A, Ramos, Cultura, ano 1, 0. 2, 1949, fig. i 90. N. Rodrigues, 1976, tia 12: A Ramos, 1848, fig. V 51. E Cameo, 1978. 2.96, 52. Exempla identico de cabslora ilustza © livro de L. Frobenius, 1949, P65, fig. 10, ditima ilustragdo, ern ba 20, 8 dreita 63. Exemplo semethante quanto 20 rosto encontra-se in Frank Willett Afi can art, 1971, 938, pr. 23, segunda a ‘vena 84. A Ramos, 1949, pr Il 55. Fxemplo ilustrativa pode ser visto no conjunto de esculturas que docora a biblioteca de Universidade de loadan (Nigérial Oxé, sem figura central © decoredo de pequenos felos, esté expasto no. MAEIUSP 86, Um pile ritual de Xangé (Odo Sangol, oxposto no MAE/USP stustra olaramente esse iconografe. 57. 0 MAEIUSP exode igualmente um desses exemplzres, 58. & — importante —_esclerecer todavia, que # homossexualidade @ mui to rara entre os naggyorubé enquante, fe vazes, institucionalizada entre otras tmbos do norte da Nigeria, Esses sacer ddotes 6 que aludimos so gecaimente casados, com filhos @ netos, como 0 Babs XangS de Oshoghé, Por out lado, talvee-ragida no que acabaros de ‘oxp0r a relutéricia apontada por R. Lan des {City of women) @ B, Bastide {Can- dombié da Bahial dos homens bre. sileiros em ‘rocaber 0 santo’, pois isso signiticaria assumnir 0 s2x0 Sposto em sua pessoa. Alcuns dos aludides sacer dotes aio considerados ‘espose’ do or x, como 0 sacerdote principal de Oxaluton, de ton (Nigérial, que sadda Seu (6! © seu crixd em dobal®, praster aco (pica ferinina, Talo impensével ere uma Sociedade machista coma a basilica 59. N Rodrigues, 1976 60. & Ojo, Afican notes, 12 (2) 25-55, 1972-1973 61. | Frobenius, 1949, 6.228 62, Mario Barata, 1968. 937 69. Vale lembrar aqui que a nudez ino & um crtério absoluto para se juigar se uma escultura 6 aficana ou afto-bra- Silpira, porgue hd mutas estawetes nagd-vorubd que esto vestidas A udez no caso presente é ritual. Ne ritual de Or8, do quat as mulheres esto excuidas, 0 portador do orixé encore se daspide Por outio tado, as nagé— yorubé conheceram muito cedo a tecelagem; ha mesmo um mite em cue Oxelé & descrito como aquele que se levanta & aurora de cada dia para tecer 2 roupa para seu pove ich. FF. Thorpe son, 1971, CH 16) 1-2), 4. Pare descricdo mais circuns- tanciada da estatudria de Exu, ver J Weecort, 1962, 336-63. A. F, Thom son, 1971, CH 4/ 1-4 165, Ver ilustrapdo in L. Frobenius, 1949, 9.229, fig, 19. 66. J. Wescott, 1962, p:339, 7. pra) Frobenius, 1949, p.229, 68. Em Laranjoiras, tal iconogratia & atibulda, contudo, a0 ord T96, segun: do 0 arquivo foicgrafico de Boairiz Go's, Dantas, que pesquisou essa candambié Da mesma terreito provlm tag0s fislo nommicos @ escarificardes facials, mas ‘como esté vesiida a de turbente, escon dendo os detalhes asculpides, & impossiel pronunciar-se @ respaite. As pegas representando Ted — com cabolora de Exu — e outa estatueta de Oy6, entretanto, ttam-se estiisticarnen: 1@ a estatueta de Yemanja, analisada oN. Rodrigues (op. ott. fig. 9} e os ‘xas analisados por nds neste wabatho, portento muito provavelmente feitas no Brasil 69. A Ramos analsa gota poge in Arte negra no Brasi, 1944, 202, 49 11 70. of nota (1), TA. & Ramos, 1949, »:202 72. Vor p38 050g 73. €. Camoiro, 1978. 9.68 74. 0 Willams, 1974, p20 ¢ 609 75. Pribicko sugestia dessa os: cultura aparece no filme oe Fernando Pereita, Bahia de Todos os Es. 76. F wiles, 1976, »:201-6. 77. Vor D. Wiliams, 1974, p26. 78. id 79. Em torna dos anos miaiores detalhes ver R. Ortiz, 249. para 1978 80. Vor Napolego Figueiredo, 1974 194, fg, 6. a1. id, 9.74, 82H. Nascimento, Cultura, 123) 208, 1976 83. Ha aqui toda uma especulagao interessante © sugesive, mas néo Inteizamente provada, soba a curva exoonencial @ o seu simbolisme de expansio, desenvolvida por W. Fagg, in ibes and forms im African art, 1965, passim. Londres 84, Frobenius, 1949, p:228 » sag 85. J. F dos Santos, 1978 86. AF Thompson, 1971 a7. 88. J, Wescott, 1962 89. E Leech, 1988 90. C. P. Valladares. 1976, p.68-9 Merio Barata, 1966, 0:35, 91. Ver RF. Thompson, 1971, CH 14, fg. 2, X 85-8244 @ Henry J. Drewal olads masquerade: imagery and moti” in Aftican Ans, 4 (4):18, 1971 fig. 18, 92. Vor a primeira parte deste wa batho (sogao 2), 93. id. code 3. 84, Vor Herbort M, Cole @ Doran H Ross, The arts of Ghana, 1977, 9.63 ot passim, fig. 88 9 116 entre outras Apsrece este nd igualmento om algas, 1031 vassrapan A 1032 do vasos exruscos e greco-romanos do periado claesica, nf raro ligande uma ‘eabeca naga a uma bianca; ver Fran M. Snowden Je, Biscks Jn amiquity, 1975, PB. fig. 38; 233, fg. 92. No Egito aparece entieianto atenco os cinios das dwvindsdes, semeltiante ao ‘nd da fsis': ver G. Posenor, 1959, p. 190. 98. Sb ums pequene Sree de regio Yoruba — Abeoouté @ adjacéneies — cule tua as Gueled®, cuja origam & Queto, a0 Daomé: 96. U. Beier, Oot. 6.9.11, 1958 97. | Cabrera, 1974, 930 98. MT Drewal € HJ. Drewal 1970, pa 99, Pierre Verger coletou uma série esses rritos em que se observa clara mente esse oposiggo. ver P. Verger, 1995. p.219 © 239. 100. Ver E. Carneiro, 1978, p65 101. Ver seodo 10 deste trabalho 102. £, Willett, 1967, p.20 103. Mério de Andrade, 1966, p44 104. id. p42 108. id, 943) 106. Mésio de Andrade retora, con tudo, 9 tina do primitivismo & dé-he nova énfase, mes ja na perspectiva de lum paiiivisme esieiice Igado 4 arte popular € ao nacionalsro 107. Métio de Andrade, 1985, p35, 108. id. ot 109. Ver_& primeira parte deste trabalho, secio 3 110. 6 Bac, 1363, 9.96. 111, t Sala, 1944 112. id, p17 @ 500 198, 6 Barn, 1963. 995 114.1 JF. Brotes, 1896 118, Mério de Andrade, 1985. 9.46 ft passim, 116. W. Fagg eM. Plas, 1973. 117. “But our century did not invent most of these styles, any more than Lin- naeus flora and fauna, Rather they ove to be regarded as modes which have always been available to the conceptual {antist (much as the classical oF neo-clas sical architect craws at will on the Dorie, the lonie oF the Corinthian order) ‘and which have been placed at the dis- frasal of Furope once rnore by the tere ting elfecs of the modernist revolution W. Fagg © M. Piass, 1973. p32 198. Vora primeira parte deste trabatho, segio 3. 119. 0 filme de J. Elbein dos Santos (Gries Nits Hie, 1978) apresanta alguns esses besides que ilustram perfeita- mente © que dissemos. Ver também M Leis © J. Delangs. 1967. 9.220. 120. Ver M. Leiris © J. Dolange, 1967. 9.231, tig. 283, 121. E, Carnaira, 1978. p.18. 122. M. de Andrado, 1968, p.48. 128. Ver p.16 © seg 124, N. Rodrigues, 1976, »251 et passim 125.8 Bos, 1977, p.316. “O Angulo de visto era o de intelectuais mais informados @ mais refinados que ‘s@ propunham desentranhar & poosia {as origons, do substrate césimico 9 sel- vagem da uma raca’ 126. Uma publicsco do Ministério ‘as Relactes Exxeriores, “Quem & quem nas artes @ nas ievas do Brasil’. ediada fem 1986. De um total de 288 aomes, a partir de 1945, apenas 16 s80 de ar as negios ou mulatos 127. Pera um elenco mais completo dos artisias nagras @ mestias do perio- do, ver CP. Valladares, 1868, p.107 eseg 128. id. p.107 129, “Depoimento ae Rubem Var Jentim”, Braslia, dezembro 1974/an fo 1975. Copia xerocada Avéndice 4. Pera uma snéiise aproiundada das artes corporais ne Africe vor M. Leis © Jecqueina Delange, Afrique noire, Pers, Gallimard, 1967, 5. 52 @ £09. 0 p. 117-61. Collection "Universe des Formes, 2. Havia também @ crenga de que ‘davam sorte’ na casa PRINCIPAIS COLEGOES Instituto Histérice de Alagoas Rua Jo30 Pessoa, 382 Macei6, AL Fundacdo Museu Carlos Costa Pinto Ay. 7 de setembio, 389/38! Saivador, BA, Museu da Discoeca da Bibliotece dda Lapa Rua Catdo, 617 S80 Paulo, SP. Museu da Policia Macsi6, AL Museu de Arqueatogie © Etnologia da USP Cidade Universitaria Sao Paule, SP. ‘Museu do Instituto Geogratico & Histarico da Bahia Av. T de setembio, 94 Sawador, BA. Museu Arthur Ramos da Universidad: Federal do Caaré Contro de Humanidades da Universidade Federal do Ceara Foralera, CE ‘Musou Estacio de Lima do Institute Nina Rodigues Rua Alreda Brito Salvador, BA, Museu Imperial de Petrépolis Ay. 7 de seterbro, 84 @ 220 Pevopolis, Fu Museu Nacional Quinta da Boa Visto Blo de Janeiro, Ai, Musou Paraenge Emilio Gosldi (coleggo de Angola) Ay, Independencia, 364 Belém, PA. BIBLIOGRAFIA ALDRED, Cyril, Oi Kingdom ant in anciont Egypt. London, s.00.. 1949 ALVES, Mariela. Histiria das artes na cidade do Salvador. Salvador, S24, 1967 ANDRADE, Mario ce, 0 Aleijadinho (1928). In: ASPECTOS das artes Dlasticas no Brasil. S80 Paulo, Mar tins, 1968 ANDRADE, Cswald de. Dascoberta a4 Aitioa. Rio de Janeio, Cwilizacko Bresileia, 1970, Obras Completas, 46, 9, 220-8 BARATA, Mario. The Nagto in the plastic ‘ants’ of Brea. In. THE AFRICAN contribution to Brazil. Rio de Janoito, Minisievio Exteriores, 1966 BARBOSA, Anionio da Cunha. 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