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10 INVEJA E GRATIDAO (1957) Nota Explicativa da Comissao Editorial Inglesa Este € 0 Gltimo dos trabalhos teéricos de maior envergadura de Melanie Klein. An- tes de seu aparecimento, a inveja era esporadicamente reconhecida por psicanalistas como uma emogao importante, mas apenas em situacGes de privacdo, e somente uma de suas formas, a inveja do penis, havia sido estudada pormenorizadamente, As re- feréncias anteriores da propria Melanie Klein & inveja comecam com sua descrigdo do profundo efeito da inveja sobre o desenvolvimento de Erna, um de seus primei- Tos casos, relatado em um artigo nao publicado, apresentado na Primeira Conferén- cia de Psicanalistas Alemfes em 1924 e que se tornou a base do terceiro capftulo de The Psycho-Analysis of Children, Entrementes, registrou a inveja como um fator importante; ela lista suas referéncias passadas em uma nota de rodapé & pAgina 201, esquecendo-se contudo de sua prépria antecipacao do presente trabalho em “‘Algu- mas Conclusées Te6ricas Relativas & Vida Emocional do Bebé” (1952), onde diz: “A inveja parece ser inerente A voracidade oral... 2 inveja (em alternancia com sentimentos de amor e gratificac&o) é primeiramente dirigida ao seio nutridor. ..” (pag. 103). Nesta monografia Melanie Klein mapeia uma érea extensa da qual apenas um. pequeno setor havia sido conhecido antes. Ela postula que a inveja e a gratidao sto sentimentos opostos ¢ interagentes, normalmente operantes desde 0 nascimento, e que o primeiro objeto da inveja, bem como da gratidfo, & 0 seio nutridor, Descreve a influéncia da inveja e da gratiddo nas relagbes de objeto mais arcaicas e estuda 0 funcionamento da inveja nfo apenas em situagdes de privagio, como também em situagdes de gratificagao onde ela interfere na gratid4o normal, S40 estudados os efeitos da inveja, em particular da inveja inconsciente, sobre a formaco do caréter, incluindo ~¢ estas s4o da maior importancia ~ a natureza das defesas erigidas contra a inveja, A técnica de analisar os processos de cisfo & também discutida; isso cons- titui um suplemento importante 2 discussdo em “Notas sobre Alguns Mecanismos Esquiz6ides”. Melanie Klein examina também a inveja anormalmente acentuada, Em “Notas sobre Alguns Mecanismos Esquiz6ides”, embora tenha registrado diversas anorma- lidades do funcionamento arcaico, por exemplo, a introjegdo de objetos fragmenta- dos pelo édio, 0 uso excessivo de mecanismos de ciséo e a persisténcia de estados — 205 — eve emt porMeHO 2 Lomnagite pore exquice parandade per eeu enn yi ponte al No pres he, cha ek 1700p inveja excessi i; desereve, cn coulusito oriunda de um frac mbém a esteuturat normal da po > dle Pdipo que dat resulta, Postula também que 0 seio nutti- dlor & pereebido pelo bebé como uma fonte de criatividade e descreve os efeitos da- nosos da inveja indevida sobre a capacidade de criatividade. Do principio ao fim, seus argumentos tanto te6ricos quanto clinicos sio ilustrados com material clinico, 0 que € de particular interesse na medida que mostra como ela trabalhava nesse tiltimo perfodo. Este trabalho langa nova luz sobre a reagSo terapéutica negativa, estudada co- mo efeito da inveja. Melanie Klein considera que, embora a inveja possa em alguma medida ser analisada, ela estabelece um limite para 0 éxito analitico, Esse fato, por- tanto, coloca uma restrigfo final ao grande otimismo de seus artigos iniciais dos anos vinte, so na cisfio © mostra a importine’ », Delineia io de~ edo comy —206— 10 INVEJA E GRATIDAO! (1957) HA muitos anos venho me interessando pelas fontes mais arcaicas de dusts atitudes que sempre nos foram familiares: a inveja e a gratidaio, Cheguci A conclusio de que a inveja é um fator muito poderoso no solapamento «| rafzes dos sentimentos de amor e de gratidao, pois ela afeta a relagio 1 antiga de todas, a relacéo com a mae. A importincia fundamental dessa relagdo para toda a vida emocional do indiv{duo tem sido substanciada cm varios trabalhos psicanaliticos; e penso que, ao investigar mais profund: mente um fator especffico que pode ser muito perturbador nesse estigiv inicial, eu acrescentei algo de significativo aos meus achados referentes ao desenvolvimento infantil e & formagao da personalidade. Considero que a inveja € uma expressio sédico-oral ¢ s&dico-anal de impulsos destrutivos, em atividade desde 0 comeso da vida, e que tem ba se constitucional. Essas conclusées tém certos elementos importantes cm comum com a obra de Karl Abraham, apesar de implicar algumas diferen- gas com relagao a ela, Abraham achava que a inveja € uma caracteristic oral, mas — e 6 aqui que minhas concepcées diferem das dele — presumi: que inveja e hostilidade operassem num perfodo ulterior, 0 qual, de acor- do com suas hipsteses, constitufa um segundo estagio, 0 s4dico-oral Abraham nfo falou em gratidao, mas descreveu a generosidade como uma caracterfstica oral. Ele considerava os elementos anais como um compo- nente importante da inveja ¢ enfatizou a derivagao desses elementos a partir dos impulsos sfdico-orais. Um outro ponto fundamental de concordancia com Abraham € sua suposigéo de um elemento constitucional na intensidade dos impulsos orais, que ele vinculou a etiologia da enfermidade manfaco-depressiva, Sobretudo, tanto a obra de Abraham quanto a minha puseram em re- levo, mais plena e profundamente, a importancia dos impulsos destrutivos " Quero expressar minha profunda gratidio & minha amiga Lola Brook, que me ajudou ao longo da preparacio deste livro [/nveja e Gratidéo], bem como de muitos de meus escritos. Ela teny uma rara compreensio de minha obra ¢ ajudou-me, em todas as etapas, com formulagées ¢ crf- ticas 20 contetido, Meus agradecimentos séo também devidos ao Dr. Elliott Jaques, que fey. intimeras e valiosas sugestdes enquanto o livro estava ainda manuscrito e ajudou-me no trabalho de revisio das provas. Sou agradecida a Miss Judith Fay, que teve grande cuidado na feitura do indice. 207, pment ot the Libro, Viewed a the 1 LYSE, Abrabany nto mcenetonon ss Han sana 1 Tietory ob the Deve Tighe ot Mental Dy dle Fiend sobre as pulsoes de vider © de mort a qq npulsos destrutives © Inport embora Beyer! The Pleasure Principle tivesse sido publi », Abraham inyestigou as raizes dos pos, Km seu re livie, pore aplicou essa compreensiio & ctiologia das perturbagées mentais de um mo- «lo mais espectfico do que até entio fora feito. Embora ele nao tenha feito uso do conceito de Freud das pulses de vida e de morte, parece-me que seu trabalho clfnico, particularmente a anélise dos primeiros pacientes manfaco-depressivos que foram analisados, baseava-se em algum insight que © estava conduzindo nessa diregdo. Presumo que a morte prematura de Abraham impediu-o de se dar conta de todas as implicagdes de seus préprios achados e da essencial conexdo destes com a descoberta, por Freud, das duas pulsdes. Neste momento da publicago de Inveja e Gratiddo, trés décadas apés 0 falecimento de Abraham, é para mim motivo de grande satisfagio que minha obra tenha contribufdo para 0 crescente reconhecimento da plena significagao das descobertas de Abraham. Pretendo aqui fazer algumas sugestées adicionais relativas ao perfodo mais arcaico da vida emocional do bebé e, também, chegar a algumas conclusées sobre a vida adulta e a satide mental. E inerente as descobertas de Freud que a investigacio do passado do paciente, de sua infancia, e de seu inconsciente, € uma precondigio para compreensio de sua persona- lidade adulta. Freud descobriu 0 complexo de Edipo no adulto e, de tal material, reconstruiu nao apenas pormenores do complexo de Edipo, mas também sua cronologia. Os achados de Abraham ampliaram considera- velmente essa abordagem, que se tornou caracterfstica do método psica- nalitico. Devemos também lembrar que, segundo Freud, a parte consciente da mente desenvolve-se a partir do inconsciente. Portanto, ao remontar & primeira infancia o material que primeiramente encontrei na andlise de criangas pequenas, e subseqiientemente na de adultos, segui um procedi- mento hoje familiar & psicandlise. A observagao de criangas pequenas lo- g0 confirmou os achados de Freud. Acredito que algumas das conclusées a que cheguei, com refer€ncia a um estdgio bem anterior, os primeiros anos de vida podem, até certo ponto, ser confirmadas pela observacio. O direito — ¢ de fato, a necessidade — de reconstruir pormenores e dados a respeito dos estdgios mais iniciais a partir do material que nos € apresen- tado pelos pacientes descrito por Freud, de modo muito convincente, na seguinte passagem. — 208 - H ' Ht Op rere ite cymes de comtiaangc ce complete can todos os. apes ter naltsG) trabalho de constareae at sae sa prefer. de recomstrngan, csscmictha se em puainde parte aca por un anquedloge, de u Emorada que foi destrutda e sepultaad cdilicio antigo, Os dois processes sii, na verdade, idénticos, a nae pelo fato de que o analist trabalha em melhores condigées © ten Asana disposigao mais material para auxili4-lo, uma vez que aquilo com que tla » € algo destrufdo, ¢ sim algo que ainda est vivo —¢ talver, por uma outra razdo. Mas, assim como o arquedélogo constréi as | do edificio a partir das fundagées que permaneceram de pé, determinsi © ntimero € posigao das colunas pelas depressdes no solo e reconstiit + pinturas e decoragées murais segundo os restos encontrados nas ru assim também o analista procede quando extrai suas inferéncias dos fis: mentos de lembrangas, das associacées e do comportamento do sujei anélise. Ambos possucm um direito incontestavel de reconstruir por nw1 da suplementagao e combinagdo dos vestigios remanescentes. Ambo além disso, esto sujeitos a muitas das mesmas dificuldades ¢ fontes «de c1 ro. (.. .) O analista, como dissemos, trabalha em condigées mais favorit veis que 0 arquedlogo, pois tem A sua disposicio material que nfo pork ter equivalente em escavagées, tal como a repetigao de reagdes que dat da infancia e tudo que € indicado pela transferéncia em conex4o com ei sas repetigGes. (. . .) Todo o essencial est preservado; mesmo coisas « parecem completamente esquecidas esto presentes, de alguma mancira « em algum lugar, havendo sido simplesmente sepultadas ¢ tomadas inaces siveis ao sujeito, Na verdade, como sabemos, pode-se duvidar que alguin: estrutura ps{quica possa realmente ser vitima de destruico total. Depencl apenas da técnica analftica 0 termos sucesso em trazer completamente luz o que se acha escondido.”” A experiéncia tem me cnsinado que a complexidade da personalidaule plenamente desenvolvida s6 pode ser entendida se obtivermos insight sw bre a mente do bebé ¢ acompanharmos 0 scu desenvolvimento na vid subseqiiente, Isso equivale a dizer que a anélise percorre 0 caminho que vai da vida adulta a infancia e, através de estagios intermediarios, retor A vida adulta, num movimento recorrente, para a frente © para trés, de acordo com a situagao transferencial predominante, Ao longo de todo o meu trabalho, tenho atribufdo importancia fun damental & primeira relagio de objeto do bebé — a relagéo com 0 seio ma terno e com a mie — e cheguei & conclusao de que se esse objeto origin’ rio, que € introjetado, fica enraizado no ego em relativa seguranga, ? “Constructions in Analysis” (1937). — 209 — assentada a base para um desenvolvimento s: contribuem para essa ligacdo. Sob 0 predominio dos impulsos orais, 0 scio € instintivamente sentido como sendo a fonte de nutric&o c, portanto, num sentido mais profundo, da prépria vida. Essa proximidade fisica ¢ mental com o seio gratificador em certa medida restaura, se tudo corre bem, a perdida unidade pré-natal com a mie e o sentimento de seguranca que a acompanha. Isso depende em grande parte da capacidade do bebé de in- vestir suficientemente 0 seio ou seu representante simbédlico, a mamadeira; dessa mancira, a mae € transformada em um objeto amado. Pode bem ser que o ter sido parte da mae no estado pré-natal contribua para o senti- mento inato do bebé de que existe fora dele algo que Ihe dard tudo que necessita e deseja. O seio bom é tomado para dentro ¢ torna-se parte do ego, e o bebé, que antes estava dentro da mae, tem agora a mae dentro de si. © estado pré-natal indubitavelmente implica um sentimento de unida- de e seguranca, mas o quanto esse estado esté livre de perturbacées de- pende necessariamente das condigdes psicolégicas ¢ fisicas da mie, e, possivelmente, até mesmo de certos fatores, nio investigados até o pre- sente momento, no bebé ainda nao nascido. Poderfamos, portanto, consi- derar 0 anseio universal pelo estado pré-natal como sendo também, em parte, uma expressfio da necessidade premente de idealizagio. Se investi- gamos esse anscio A luz da idealizacio, encontramos que uma de suas fontes € a forte ansicdade persecut6ria suscitada pelo nascimento. Pode- rfamos especular que essa primeira forma de ansiedade possivelmente abrange as experiéncias desagradéveis do bebé ainda no nascido, as quais, juntamente com o sentimento de seguranga no witero, prenunciam a relago dupla com a mie: 0 seio bom e 0 seio mau, As circunstancias externas desempenham um papel vital na relagio inicial com 0 seio. Se © nascimento foi diffcil, ¢ se, particularmente, re- sulta em complicagées como falta de oxigénio, hd uma perturbagio na adaptagio a0 mundo externo e a relacio com 0 seio inicia-se sob condi- goes de grande desvantagem. Em tais casos, a capacidade do bebé de ex- perimentar novas fontes de gratificacio € prejudicada e, em conseqiiéncia, ele nfo pode internalizar suficientemente um objeto originério realmente bom. Além disso, se a crianga € ou nao adequadamente alimentada e cer- cada de cuidados maternais, se a mae frui plenamente ou nao os cuidados com a crianga, ou se cla é ansiosa e tem dificuldades psicolégicas com a amamentagdio — todos esses fatores influenciam a capacidade do bebé de aceitar 0 leite com prazer e de intenalizar 0 seio bom. Um elemento de frustracio por parte do seio esta fadado a entrar na relagdo mais inicial do bebé com o seio, porque até mesmo uma situagio feliz, de amamentagio nao pode substituir completamente a unidade pré- natal com a me. Além disso, 0 anseio do bebé por um seio inexaurivel ¢ -210- Fpromenca per obter ce fe cevrdene tr donor a. meat enmauratcke na amucdaale Abita « Hate AeMtO dO self © de obyete ps pulsos destiutives siio fatores fundamentit sua mic. Isso porque scus des piercer che anniey relagdio imetal do bebe « jos implicam querer que © sein, 6 « guida a mie, fizessem desaparecer esses impulsos destrutives © a «dor «he ansiedade persecutéria. Concomitantemente a experiéncias felizes, ressentimentos ine vi reforcam © conflito inato entre 0 amor ¢ o ddio, isto é, basicamente cuts as pulsGes de vida ¢ de morte, o que resulta no sentimento de que erate um um scio bom ¢ um scio mau. Conseqiientemente, a vida emocional si caracteriza-se por uma sensagao de perda e recupcragéo do ohjcle bum Ao falar de um conflito inato entre amor e ddio, deixo implicito qu: pacidade tanto para amor quanto para impulsos destrutivos & ale veates Ponto, constitucional, embora varie individualmente em intensidide « im teraja desde o inicio, com as condicées externas. Tenho repetidamente proposto a hipétese de que o objeto bom ory nario, 0 seio materno, forma o micleo do ego e€ contribui de made vital para o seu crescimento, e tenho freqiientemente descrito como o blu sente que concretamente internaliza o seio € 0 leite que este da. JA cs também em sua mente uma conexiio indefinida entre o seio € outras parte © aspectos da mie. __ Nao presumiria que, para ele, o seio seja simplesmente um objeto 11 sico. A totalidade de seus desejos instintivos e de suas fantasias incon cientes imbui o seio de qualidades que vio muito além da nutricho cst que ele propicia.? Vemos na andlise de nossos pacientes que 0 seio em seu aspector hun € 0 protétipo da “bondade” materna, de paciéncia e generosidade inex: riveis, bem como de criatividade, Sf essas fantasias e necessidades put sionais que de tal modo enriquecem 0 objeto originério que ele perma como a base da esperanga, da confianga ¢ da crenca no bom, Este trabalho trata de um aspecto especifico das mais arcaicas wl: g6es de objeto © processos de internalizagao, que tem raizes na oraliach * Tudo isso & sentido pelo bebé de um modo muito mais primitive do que 0 que a linguagei jute expressar. Quando essas emor6es ¢ fantasias pré-verbais sfo revividas na situagao translevc cial, aparecem como ““lembrangas em sentimento”, como eu as chamatia, ¢ sfo reconsirulity + Postas em palavras com o auxflio do analista. Da mesma maneira, temos que utilizar puivtir quando estamos reconstruindo e descrevendo outros fenémenos que pertencem 20s estfion ciais do desenvolvimento. De fato, nfo podemos traduzir a linguagem do inconsciente jy ‘consciéncia sem emprestar-Ihe palavras do nosso domfnio consciente, area veka capa as diliculd Refiro-me aos cleitos da inveja sobte 6 descnvel vis gratidéo e de felicidade. A inveja contribui p em construir seu objeto bom, pois ele sente que a gratificagiin de q privado foi guardada, para uso préprio, pelo seio que o frustrou.* Deve-se fazer uma distingao entre inveja, citime e voracidade. A in- veja € 0 sentimento raivoso de que outra pessoa possui e desfruta algo dc sejével — sendo o impulso invejoso o de tirar este algo ou de estragi-lo. Além disso, a inveja pressupée a relagSo do individuo com uma s6 pessoa € remonta A mais arcaica e exclusiva relagéo com a mae. O citime € ba- seado na inveja, mas envolve uma relacdo com, pelo menos, duas pessoas; diz respeito principalmente ao amor que o individuo sente como Ihe sendo devido e que Ihe foi tirado, ou est4 em perigo de sé-lo, por seu rival. Na concepgaio corriqueira de citime, um homem ou uma mulher se sente pri vado, por outrem, da pessoa amada. A voracidade é uma dnsia impetuosa e insacifivel, que excede aquilo que © sujeito necessita e 0 que o objeto € capaz.e est disposto a dar. A nfvel inconsciente, a voracidade visa, primariamente, escavar completa- mente, sugar até deixar seco e devorar 0 seio; ou seja, seu objetivo é a introjecdo destrutiva, ao passo que a inveja procura nfo apenas despojar dessa maneira, mas também depositar maldade, primordialmente excre- mentos maus ¢ partes més do self, dentro da mae, acima de tudo dentro do seu seio, a fim de estragé-la e destruf-la. No sentido mais profundo, isso significa destruir a criatividade da mie, Esse processo, que deriva de im- pulsos sddico-uretrais e s4dico-anais, foi por mim definido em outro arti- go* como um aspecto destrutivo da identificagaéo projetiva, comegando desde 0 infcio da vida*. Uma diferenga essencial entre voracidade e inve- 2 toi “ Numa série de trabalhos meus, The Psycho-Analysis of Children, “Farly Stages of the Oedipus Complex”, e em ““A Vida Emocional do Bebé”, referi-me 2 inveja surgindo de fontes sfdico- orais, sSdico-uretrais e sfidico-anais, durante os estfgios mais iniciais do complexo de Edi; erelacionei-a a0 desejo de estragar os bens da mf, particularmente o penis do pai, o qual, na fantasia da crianca, a mfe contém, J4em meu artigo * ‘An Obssessional Neurosis in a Six-Year- Old Girl”, apresentado em 1924, mas nio publicado até aparecer em The Psycho-Analysis of Children, a inveja ligada a ataques sfdico-orais, sfdico-uretrais e sfdico-anais ao corpo da mie desempenhava papel proemninente, Entretanto, nfo havia relacionado especificamente essa in- Veja ao desejo de tirar e estragar 0s seios da mie, embora houvesse chegado muito perto dessas conclusées. No meu artigo * Sobre a IdentificacSo” (1955) examinei a inveja como um fator ‘muito importante na identificacio projetiva. J4 em The Psycho-Analysis of Children sugeri que nfo apenas tendéncias sfdico-orais, como também sédico-uretrais ¢ sddico-anais, esto em fun- cionamento em bebés muito pequenos. “Notas sobre alguns Mecanismos Esquizdides””. Dr, Elliott Jaques chamou minha atencfo para a raiz etimoldgica de “inveja”” no latim “invi- di’”, que provém do verbo “tinvideo” —olhar atravessado, olhar maldosamente ou com despei- to, lancar mau-olhado, invejar ou relutar mesquinhamente em dar ou reconhecer o que & do ou- tro. Um uso antigo pode ser encontrado nuina expresso de Cicero, cuja traducto é “‘causar in- fortinio pelo mau-othado”. Isso confirma a diferenciag30 que fiz entre inveja e voracidade, pela @nfase dada ao carter projetivo da inveja, -212- De seabeceton ane abotene Ue oon he punde oe Shorter Ovord Dictionary, nite pruatbies pessoa fomiou, ou sek estd sendo dado, 0 “be que por dirette pertens + “bom” basicamente cone a0 i © seio bom, a mae, uma pessoa amada, que outra pessoa com 0 English Synonyms, de Crabb, “(. ..) 0 citime teme perder 0+ possui; a inveja sofre ao ver outro possuir o que ela quer para si (+ © invejoso passa mal A vista da fruigdo, Sente-se 2 vontade apenas infortnio dos outros. Assim, todos os esforgos para satisfazer um inve so sao infrutfferos”. O citime, segundo Crabb, € “uma paixio nolic v1 igndbil, de acordo com o objeto. No primeiro caso, € emulacao pelo medo, No segundo, é voracidade estimulada pelo medo. A inve yi « sempre uma paix4o vil, arrastando consigo as piores paix6es”” lividuo. Nesse contexto, cu interpret tirou, De aconde, A atitude geral para com 0 citime difere da que se tem para com veja. Na realidade, em certos paises (particularmente a Franga), 0 assis: nato induzido pelo citime acarreta sentenga menos severa. A ra: essa disting4o encontra-se no sentimento universal de que 0 assassi um rival pode subentender amor pela pessoa infiel. Isso significa, no termos discutidos acima, que existe amor pelo “bom” e que 0 objeto ama do nao € danificado ¢ estragado como o seria pela inveja. Otelo de Shakespeare, em seu citime, destr6i o objeto que ams c «: so, em minha opiniao, & caracterfstico do que Crabb descreve como a “iy. n6bil paixdo do citime”, ou seja, a voracidade estimulada pelo medo. Una referéncia significativa ao citime como qualidade inerente A mente ap: na mesma peca: “But jealous souls will not be answer’d so; They are not ever jealous for the cause, But jealous for they are jealous; tis a monster Begot upon itself, born on itself””*. Poder-se-ia dizer que a pessoa muito invejosa é insacidvel, que nunca pode ser satisfeita porque sua inveja brota de dentro e, portanto, sempre encontra um objeto sobre 0 qual focalizar-se. Isso mostra também a c« xdo fntima entre citime, voracidade e inveja. * “Mas os ciumentos nio atendem a isso; Nao precisam de causa para o citime: Tem citime, nada mais. O citime 6 monstro Que se gera em si mesmo e de si nasce””. Othello”, A II, 4. Tr. de Carlos Alberto Nunes, Ed. Melhoramentos, 3366, pay. 1.1 wT) —213- Shakespeare Men sciipre parece diferonc sar mnvege de ertine oO ver vers septimtes;, le Olelo, mostane plonamente at siymiticay inveja no “ON beware my Lord of jealousy; 1 is the green-eyed monster which doth mock The meat it feeds on’. . * Vazem-nos lembrar a expressfio “morder a mao que alimenta”, quase na de morder, destruir e estragar o seio. auf Meu trabalho ensinou-me que 0 primeiro objeto a ser invejado é 0 svio nutridor’, pois 0 bebé sente que o sci possui tudo o que ele deseja que tem um fluxo ilimitado de leite e amor que guarda para sua prépria gratificagao, Esse sentimento soma-se a seu ressentimento e ddio, e o re- sultado € uma relagao perturbada com a mie. Se a inveja € excessiva, in- dica, em minha concepgdo, que tracos parandides ¢ esquizéides so anor- malmente intensos e que tal bebé pode ser considerado como doente. Ao longo deste capitulo, falo da inveja priméria do seio materno, Es- sa inveja deve ser diferenciada de suas formas subseqiientes (inerentes, na menina, ao desejo de tomar o lugar da mie, e, no menino, a posigéio femi- nina), nas quais a inveja nao mais se focaliza no seio, e sim na mae que recebe 0 pénis do pai, que tem bebés dentro dela, que dé a luz esses be- bés, e que € capaz de amamenté-los. Tenho freqiientemente descrito os ataques s&dicos ao seio materno como sendo determinados por impulsos destrutivos. Quero acrescentar aqui que a inveja confere um fmpeto especial a esses ataques. Isso signifi- ca que quando escrevi sobre a escavagao voraz do seio e do corpo da mae, sobre a destruigao de seus bebés, bem como sobre a deposicao de excrementos maus dentro da mie‘, j4 deixava entrever 0 que posterior- mente vim a reconhecer como o estrago do objeto, por inveja. * “Acautelai-vos, Senhor, do citime, E.um monstro de olhos verdes que zomba Do alimento de que vive” Comet, ATL, 3. Tr. de Carlos Alberto Nunes. Ed, Melhoramentos, 3366, pég. 85.) 7 Joan Riviere, em seu artigo “Jealousy as a Mechanism of Defence” (1932), reportou a inveja nas mulheres ao desejo infantil de despojar a mée de seus seios ¢ estragé-los. De acordo com seus achados, o cidime tem suas rafzes nessa inveja primfria, Scu artigo contém interessante material ilustrativo desses pontos de vista. "Cf. meu livro The Psycho-Analysis of Children, onde esses conceitos desempenham wm papel importante em varias conexdes. —214— fore qe este nacmiente do bebe at Henaren desea, Lorna se Compreenstvel cor me seo bebe © madequadkimente amamentaule ¢ edo bebe parecem ser que, quando © scie © priya, este porque rear sé para si o Ieile, 0 amor ¢ os cuidados associados ao sr bom. Ele odeia ¢ inveja aquilo que s lente. quinho © mialeve te scr 0 Scio ni E talvez mais compreensfvel que 0 seio satisfatério seja tambn in vejado. A prépria facilidade com que vem o leite origina também inveya pois, embora o bebé se sinta gratificado, essa facilidade fica pareccude um dom inatingfvel. Encontramos essa inveja primitiva revivida na situacio transferencial Por exemplo: 0 analista acabou de dar uma interpretagdo que trouxe alivie ao paciente e que produziu uma mudanga de estado de 4nimo, de desesp To para esperanga € confianga. Com certos pacientes, ou com o mesnixy paciente em outros momentos, essa interpretagao proveitosa pode loyw tomar-se alvo de uma critica destrutiva. Ela, entio, nfo € mais sentida como algo bom que ele tenha tecebido e vivenciado como enriquecimen to. Sua critica pode ater-se a pontos de menor import&ncia; a interpretacine deveria ter sido dada antes; foi longa demais ¢ perturbou as associagix do paciente; ou foi muito curta, isso quer dizer que ele no foi suficicn temente compreendido. O paciente invejoso reluta em atribuir sucesso ao trabalho do analista; e, se ele sente que 0 analista e 0 auxilio que este Ili est4 dando ficaram estragados € desvalorizados por sua critica invejos: nao poderé introjet4-lo suficientemente como um objeto bom, nem acci suas interpretagdes com convicgao real ¢ assimilé-las. A convicgo verits deira, como vemos freqiientemente em pacientes menos invejosos, implic:: gratid&o por uma d&diva recebida. O paciente invejoso também pode sen tir que € indigno de beneficiar-se pela andlise, devido A culpa pela des valorizacao do auxflio dado. Nao & preciso dizer que nossos pacientes nos criticam por uma var dade de razdes, &s vezes justificadamente. Mas a necessidade que tem um paciente de desvalorizar 0 trabalho analitico que experimentou como pro veitoso € expressao de inveja. Na transferéncia, descobrimos as raizes «it inveja se as situagdes emocionais que encontramos em est4gios anterior forem retracadas até 0 est4gio primério. A critica destrutiva € particu mente evidente em pacientes parandides que se comprazem no prazer sf dico de desmerecer 0 trabalho do analista, ainda que este Ihes tenha pro porcionado certo alfvio. Nesses pacientes, a critica invejosa € bastante aberta; noutros, pode desempenhar um papel igualmente importante, mas permanece niio-expressa e até mesmo inconsciente. Em minha exper —215- Jos est) bunben 1ebicronacde: Vemos qu dividas © Incertezas sobre oO. valor dat anatase ome O que acontece & que a parte hostil © invejosa de seu self é ex- candida pelo p: nfemente ao analista outros: aspectos que sente como mais accitiveis. Contudo, as partes excindidas tnt luce encialmente o curso da anélise, a qual, em tltima instén- cia, s6 pode ser eficaz se conseguir integragao ¢ se lidar com o todo da personalidade. Outros pacientes tormam-se confusos para evitar serem cri- fics, Essa confuso nao é apenas uma defesa, mas também expresstio de incerteza quanto ao fato de o analista ainda permanecer como uma figura boa, ou terem, o analista e 0 auxflio que est4 dando, se tornado maus em decorréncia da critica hostil do paciente. Eu remontaria essa incerteza aos sentimentos de confusdo que sfo uma das conseqiiéncias da perturbagéo da relaco mais arcaica com o seio materno. O bebé que, devido & inten- sidade de mecanismos parandides e esquiz6ides e ao fmpeto da inveja, no consegue bem-sucedidamente dividir e manter separados 0 amor € © édio e, portanto, 0 objeto bom do objeto mau, est4 sujeito a sentir-se confuso entre o que € bom ¢ 0 que € mau em outros contextos. Desse modo, a inveja e as defesas contra ela desempenham um pa- pel importante na reacio terapéutica negativa, além dos fatores desco- bertos por Freud ¢ mais amplamente desenvolvidos por Joan Riviere’. Pois a inveja e as atitudes a que dé origem interferem na construgéo gra- dual de um objeto bom na situagao transferencial. Se, no estégio mais ini- cial, 0 bom alimento ¢ 0 objeto bom originatio nao puderam ser accitos € assimilados, isso se repete na transferéncia e 0 curso da andlise € prejudi- cado. No contexto do material analitico € possivel reconstruir, pela elabora- fio de situacées anteriores, os sentimentos do paciente, quando bebé, pa- ra com 0 scio materno. Por exemplo, 0 bebé pode ter um ressentimento de que 0 Ieite chega muito rfpido ou muito devagar"’; ou de que nao Ihe te- nham dado o seio quando mais ansiava por ele e, assim, quando Ihe € ofe- recido, nao 0 quer mais, Volta-lhe as costas ¢, em vez dele, chupa seus préprios dedos. Quando aceita o scio, pode no mamar o bastante ou a mamada ficar perturbada. Alguns bebés tém claramente grande dificulda- de em superar esses ressentimentos. J& outros superam logo tais senti- mentos, ainda que scjam baseados em frustrag6es reais; tomam 0 seio ¢ a ale, © ele apresenta const “A Contribution to the Analysis of the Negative Therapeutic Reaction” (1936); também Freud, The Ego and the Id. 1° © bebé pode de fato ter recebido muito pouco Ieite, nao té-lo recebido na ocasifio em que mais 0 desejava, ou nio té-Io obtido do jeito certo; por exemplo, o leite pode ter vindo lento ou r& pido demais. A maneira pela qual 0 bebé foi segurado, se confortavelmente ou nio, a atitude da mie para com a amamentagio, seu prazer ou ansiedade a respeito dela, se foi dado o scio ou a mamadeira, todos esses fatores 50 de grande importancia em cada caso, —216- Anan chee pebeae te nate Hci me teade say BV amatie le pac nenten pte, oa Foc raternide, basin fondo sen alienate ate.bitorianent: evidentes dass salted ctever evel ss havin oseindido seu ressentimente, © Guo, 6 qtte esses: senfimentos. sito, nig obstinte, parte do. des mento de seu cardter, Esses processos se tornam bastante claros nas «iio transterencial. O desejo original de agradar a ni mado, bem como a necessidade urgente de ser protegido das conseqticn 3 de seus préprios impulsos destrutivos, podem ser encontr: andlise, como subjacentes & cooperacdo, naqueles pacientes cuja inveja Sdio foram excindidos mas que fazem parte de sua reagdo terapéut gativa. Tenho freqtientemente me referido ao desejo do bebé pelo scio inc xaurfvel © sempre-presente. Mas, como foi sugerido anteriormente, nao ¢ apenas alimento que ele deseja; quer também ser libertado dos impulsw destrutivos e da ansiedade persecut6ria. Esse sentimento de que a mic ¢ onipotente e de que compete a ela evitar toda dor e males provindos «le fontes internas ¢ externas € também encontrado na andlise de adultos. lit diria, de passagem, que as modificagdes muito favordveis, que se deri nos tltimos anos, na amamentagdo das criangas, em contraste com 0 modo bastante rfgido de alimentar segundo hordrios regulares, no podem evit: inteiramente as dificuldades do bebé, porque a mae nao pode elimin: impulsos destrutivos ¢ a ansiedade persecutéria dele. HA um outro ponto it ser considerado. Uma atitude demasiadamente ansiosa por parte da mix: que, sempre que o bebé chora, imediatamente Ihe oferece alimento, nav ajuda o bebé. Ele sente a ansiedade da mie ¢ isso aumenta a sua pr6p Encontrei também, em adultos, ressentimento por nao Ihes ter sido permit tido chorar bastante e que, por isso, perderam a possibilidade de expressia ansiedade e pesar (e assim obter alfvio), de modo que nem os impulsos agressivos nem as ansiedades depressivas puderam, suficientemente, cn contrar um escoadouro. FE interessante 0 fato de Abraham mencionar, en tre os fatores que esto na base da enfermidade manfaco-depressiva, tanto a frustragio excessiva quanto a indulgéncia em demasia'’. Pois a frust sao, se nao excessiva, € também um estimulo & adaptagdo ao mundo ex terno e ao desenvolvimento do sentido de realidade, De fato, uma cert quantidade de frustragéo, seguida por gratificagio, pode dar ao bebé i sensagao de ter sido capaz de lidar com sua ansiedade. Verifiquei tambéin que os desejos nao satisfeitos do bebé — que so em certa medida impos sfveis de serem realizados ~ contribuem como fator importante para sts sublimagées e atividades criadoras. A auséncia de conflito no bebé, se é ic, © ANSCIO Por ss aw 't «<4 Short History of the Development of the Libido” (1924). -217- auto, privat tort de qque fal extade hypotetica pudense ple Fator no: lortilecimento, petsonatidade © de un unpe Wade de superé-lo) © uni cleniente de secu cpo. Pois 0 contlito (ea nece fundamental na criatividade Da asserciio de gue a inveja estraga o objeto bom originario ¢ dé fm peto adicional aos ataques s4dicos a0 seio, surgem outras conclusées. O sci assim atacado perde seu valor, torna-se mau por ter sido mordido & cnyenenado por urina ¢ fezes. A inveja excessiva aumenta a intensidade desses ataques ¢ sua duragéo, tornando assim mais dificil para o bebé a recuperagao do objeto bom perdido. Ataques s&dicos ao seio, quando me- nos determinados por inveja, passam mais rapidamente e, assim, na mente do bebé, nao destroem to intensa e duradouramente a qualidade boa do objeto; 0 seio que retorna ¢ pode ser frufdo € sentido como uma evidéncia de que nao est danificado e de que ainda € bom'*. O fato de a inveja estragar a capacidade de fruicio explica, até certo ponto, por que a inveja € t4o persistente"”. Pois 6 a fruicdo e a gratidéo que ela suscita que mitigam os impulsos destrutivos, a inveja e a voraci- dade. Considerando de um outro Angulo: a voracidade, a inveja ¢ a ansic- dade persecutéria, que sao interligadas, intensificam-se inevitavelmente umas as outras. O sentimento de dano causado pela inveja, a grande an- siedade que disso se origina e a incerteza resultante quanto & “bondade”” do objeto tém o efeito de aumentar a voracidade e os impulsos destruti- vos. Sempre que 0 objeto € sentido como, afinal de contas, bom, cle € ainda mais vorazmente descjado e tomado para dentro. Isso também é pertinente ao alimento. Na anilise verificamos que, quando um paciente est com grandes diividas sobre seu objeto e, portanto, também sobre o valor da anillise ¢ do analista, ele pode agarrar-se a qualquer interpretaco que alivie sua ansiedade ¢ tender a prolongar a sesso, por desejar tomar para dentro tanto quanto possfvel daquilo que, no momento, sente ser bom. (Certas pessoas tém tanto medo de sua voracidade que fazem espe- cial questo de sair na hora.) Diividas sobre a posse do objeto bom ¢ a correspondente incerteza sobre os préprios sentimentos bons também contribuem para identifica- g6es vorazes ¢ indiscriminadas; tais pessoas so facilmente influencidveis porque ndo podem confiar em seu préprio julgamento. * As observagées de bebés nos mostram algo dessas atitudes inconscientes subjacentes. Como disse acima, certos bebés que estiveram gritando de raiva mostram-se inteiramente felizes loro apés comegarem 2 mamar. Iss0 significa que temporariamente perderam, mas recuperaram, seu objeto bom, Noutros, 0 ressentimento ¢ a ansiedade persistentes, ainda que momentanea~ ‘mente diminufdos pela zmamentacio, podem ser depreendidos por observadores cuidadosos. " E claro que a privacao, a amamentacio insatisfatéria ¢ circunstncias desfavordveis intensifi- cam inveja por perturbarem a gratificacio plena, ¢ um cfrculo vicioso € criado. —218- apsac adhe He statiekie tent acnnte caanann ba Cone unt objeto bomec pode suportar, scny feat prot wont eanntl ye aud estes tempouinios de inveja, ddio © ressemtimento que stars: nie esto amadas ¢ recebem bons cuidados maternos. Assim, cnn eriamgans «y quando esses estados negatives sio transitér do a cada vez. Esse € um fator essencial para estabelecé-lo ¢ pai as bases da estabilidade e de um ego forte. No curso do desenvolvimento a relago com o seio materno toma-se a base para a dedicacao a pessu valores © causas e, assim, € absorvida uma certa parte do amor que 1 inicialmente sentido pelo objeto originario. 5, 0 objeto bom & recupena Um dos principais derivados da capacidade de amar € 0 sentimento de gratidaio. A gratidao € essencial A construcdo da relaco com 0 objeto bon: © € também o fundamento da apreciago do que h4 de bom nos outros « em si mesmo. A gratidao tem suas rafzes nas emogées atitudes que s gem no estégio mais inicial da infancia, quando para o bebé a mic ¢ o tinico e exclusivo objeto. Referi-me a essa primeira ligagdo" como a hase para todas as relages subseqiientes com uma pessoa amada, Embor:i relagio de exclusividade com a mie varie individualmente em duracio © intensidade, acredito que, até certo ponto, ela exista na maioria das pes soas. Em que medida permanece livre de perturbagdes, depende parc mente das circunstiincias externas. Mas os fatores internos que a fund: mentam ~ acima de tudo a capacidade de amar — parecem ser inatos. Os impulsos destrutivos, especialmente uma forte inveja, podem num estégio inicial pertuidar essa ligacio especial com a mie. Se a inveja do seio nt tridor € forte, a gratificagao plena sofre interferéncia porque, como jf des- crevi, € caracterfstico da inveja despojar 0 objeto daquilo que ele possui c estragé-lo. © bebé s6 pode sentir satisfagio completa se a capacidade de amar ¢ suficientemente desenvolvida; e € a satisfacao que forma a base da grati dio. Freud descreveu o éxtase do bebé na amamentagao como o protétipo da gratificagio sexual"*. A meu ver, essas experiéncias constituem nao apenas a base da gratificagao sexual mas também de toda felicidade sub- seqiiente, ¢ tomam possfvel o sentimento de unidade com outra pessoa; unidade significa ser plenamente compreendido, o que € essencial para toda relagao amorosa ou amizade felizes. Em condicGes as mais favoré- yeis, tal compreensio nao necessita de palavras para expressé-la, 0 que demonstra sua derivago da intimidade mais inicial com a mae, no estagiv ‘A Vida Emocional do Bebé” (1952), '! Three Essays on the Theory of Sexuality, —219- Gishatorie: Datoren arate pant une desenvelye contribuen pac essa liy 6 instintivamente sentido como sendo a fonte de mutts sentido mais profundo, da propria vida. Essa proximidade fisica © mental com 0 seio gratificador em certa medida restaura, se tudo corre bem, perdida unidade pré-natal com a mie ¢ 0 sentimento de seguranga que a acompanha. Isso depende em grande parte da capacidade do bebé de in- vestir suficientemente 0 seio ou seu representante simbélico, a mamadeira; dessa maneira, a mie é transformada em um objeto amado, Pode bem ser que © ter sido parte da mie no estado pré-natal contribua para o senti- mento inato do bebé de que existe fora dele algo que Ihe dard tudo que necesita e deseja. O seio bom é tomado para dentro e torna-se parte do ego, € 0 bebé, que antes estava dentro da mie, tem agora a mae dentro de si. Jpulsos ornts, @ se10 iio, Sob o predomfnie dos Ye, portato, nuUBL O estado pré-natal indubitavelmente implica um sentimento de unida- de e seguranga, mas o quanto esse estado esta livre de perturbag6es de- pende necessariamente das condig6es psicolégicas ¢ ffsicas da mae, c, possivelmente, até mesmo de certos fatores, nio investigados até 0 pre- sente momento, no bebé ainda nao nascido. Poderfamos, portanto, consi- derar 0 anseio universal pelo estado pré-natal como sendo também, em parte, uma expresso da necessidade premente de idealizagao. Se investi- gamos esse anscio A luz da idealizac&o, encontramos que uma de suas fontes € a forte ansicdade persecutéria suscitada pelo nascimento. Pode- rfamos especular que essa primeira forma de ansiedade possivelmente abrange as experiéncias desagradéveis do bebé ainda nao nascido, as quais, juntamente com o sentimento de seguranga no vitero, prenunciam a relago dupla coma mie: 0 seio bom ¢ 0 seio mau. ‘As circunstincias externas desempenham um papel vital na relagao inicial com © scio. Se o nascimento foi dificil, e se, particularmente, re- sulta em complicagdes como falta de oxigénio, h& uma perturbaco na adaptacéio ao mundo externo ¢ a relagio com 0 seio inicia-se sob condi- c6es de grande desvantagem. Em tais casos, a capacidade do bebé de ex- perimentar novas fontes de gratificagdo € prejudicada e, em conseqiiéncia, ele nao pode internalizar suficientemente um objeto origindrio realmente bom. Além disso, se a crianga € ou nao adequadamente alimentada e cer cada de cuidados maternais, se a mac frui plenamente ou no os cuidados com a crianca, ou se cla é ansiosa e tem dificuldades psicolégicas com a amamentagio ~ todos esses fatores influenciam a capacidade do bebé de aceitar 0 leite com prazer e de internalizar 0 seio bom. ‘Um elemento de frustragao por parte do seio esté fadado a entrar na relagdo mais inicial do bebé com o seio, porque até mesmo uma situaco feliz de amamentag&o néo pode substituir completamente a unidade pré- natal com a mae. Além disso, 0 anseio do bebé por um seio inexaurfvel —210— pepe pone ants ta absolutann fe apenas de enna cae ie ps alanis nites Palen ges Habu Per. tieane non Cubiytos nae. nite Inentalye ate conaratde na iiicdade A lube ent dle vidoe ale aga de aniquilamento do. sel) © do objeto peo pulsos destrutives so fitores fundaments tora do bebe co Js nat relagaio mplicam querer qu guida a mie, fizessem desaparecer esses impulsos destrutives: « ansiedade persecut6ria. sua unig, Isso porque scus desejos 20 stio, 6 cna Concomitantemente a experiéncias felizes, ressentimentos incvitaye r reforgam © conflito inato entre o amor e o Gdio, isto é, basi as pulsdes de vida ¢ de morte, o que resulta no sentimento de que exit um seio bom e um seio mau, Conseqiientemente, a vida emocionl ate. a caracteriza-se por uma sensacSo de perda e recuperagao do objeto boar Ao falar de um conflito inato entre amor ¢ 6dio, deixo implicit te aca pacidade tanto para amor quanto para impulsos destrutivos @, te «cite ponto, constitucional, embora varie individualmente em intensicade © 1 teraja desde o inicio, com as condicées externas. Tenho repetidamente proposto a hipétese de que 0 objeto bom ony nfrio, 0 seio materno, forma o micleo do ego e contribui de modo vit para © scu crescimento, ¢ tenho freqiientemente descrito como 0 belx sente que concretamente internaliza 0 seio e o leite que este dé. 1M cs também em sua mente uma conexdo indefinida entre 0 seio ¢ outris antes. © aspectos da mie __ Nao presumiria que, para cle, o seio seja simplesmente um objeto 11 sico. A totalidade de seus desejos instintivos e de suas fantasias incor cientes imbui o seio de qualidades que vao muito além da nutricio + que ele propicia.’ Vemos na andlise de nossos pacientes que 0 seio em seu aspecto hon € 0 protétipo da ‘‘bondade” materna, de paciéncia e generosidade in riveis, bem como de criatividade. Sao essas fantasias e necessidades jul sionais que de tal modo entiquecem o objeto origindrio que ele permance« como a base da esperanga, da confianga ¢ da crenga no bom. xc Este trabalho trata de um aspecto especffico das mais arcaicas rela goes de objeto e processos de internalizagao, que tem rafzes na oralidade * Tudo isso é sentido pelo bebé de um modo muito mais primitivo do que o que a linguagesn juwle expressar. Quando essas emocGes ¢ fantasias pré-verbais sto revividas na situacao transfercu cial, aparecem como ‘“lembrancas em sentimento”, como eu as chamaria, ¢ s&0 reconstrutd postas em palavras com o auxflio do analista. Da mesma maneira, temos que utilizar patavii quando estamos reconstruindo e descrevendo outros fendmenos que pertencem 20s estéios int ciais do desenvolvimento. De fato, nfo podemos traduzir 2 linguagem do inconsciente jar consciéncia sem emprestar-Ihe palavres do nosso dominio consciente. -211- +o desenvol virnenty da capacsbade de Refiro-me aos cleitos da inve gratidao ¢ de felicidade, A inveja contribui para: em construir seu objeto bom, pois ele sente que a grati privado foi guardada, para uso préprio, pelo seio que o frustrou." Deve-se fazer uma distingo entre inveja, citime e voracidade. A in- veja € 0 sentimento raivoso de que outra pessoa possui e desfruta algo de~ sejvel — sendo o impulso invejoso o de tirar este algo ou de estragi-lo. Além disso, a inveja pressupée a relacdo do indivfduo com uma sé pessoa e remonta @ mais arcaica e exclusiva relagdéo com a mac. O citime € ba- seado na inveja, mas envolve uma relacéo com, pelo menos, duas pessoas; diz respeito principalmente ao amor que o individuo sente como Ihe sendo devido e que Ihe foi tirado, ou est4 em perigo de sé-lo, por seu rival. Na concepgao corriqueira de citime, um homem ou uma mulher se sente pri- vado, por outrem, da pessoa amada. A voracidade é uma Ansia impetuosa e insacidvel, que excede aquilo que 0 sujeito necessita e 0 que o objeto & capaz e esté disposto a dar. A nfvel inconsciente, a voracidade visa, primariamente, escavar completa- mente, sugar até deixar seco e devorar 0 seio; ou seja, seu objetivo € a introjegiio destrutiva, ao passo que a inveja procura no apenas despojar dessa maneira, mas também depositar maldade, primordialmente excre- mentos maus ¢ partes mas do self, dentro da mie, acima de tudo dentro do seu seio, a fim de estragd-la e destruf-la. No sentido mais profundo, isso significa destruir a criatividade da mae. Esse processo, que deriva de im- pulsos s4dico-uretrais e s4dico-anais, foi por mim definido em outro arti go* como um aspecto destrutivo da identificagdo projetiva, comegando desde 0 infcio da vida‘. Uma diferenga essencial entre voracidade e inve- $ diliculdades do bebe ago de que fot “ Numa série de trabalhos meus, The Psycho-Analysis of Chiklren, “Barly Stages of the Oedipus Complex”, ¢ em “A Vida Emocional do Bebé”, referi-me A inveja surgindo de fontes sfidico- onais, sfdico-uretrais ¢ sfdico-anais, durante os est{gios mais iniciais do complexo de Edipo, € relacionei-a ao desojo de estragar 0s bens da mie, particularmente 0 pénis do pai, o qual, na fantasia da crianca, a me contém, J4.em meu artigo * ‘An Obssessional Neurosis in a Six-Year- Old Gitl”, apresentado em 1924, mas nfo publicado até aparecer em The Psycho-Analysis of Children, a inveja Vigada a ataques sfdico-orais, s4dico-uretrais e sfdico-anais a0 corpo da mie desempenhava papel proeminente, Entretanto, niio havia relacionado especificamente essa in- ‘Veja a0 desejo de tirar ¢ estragar os seios da mie, embora houvesse chegado muito perto dessas, conclusées. No meu artigo * Sobre a Identificacio" (1955) examinei a inveja como um fator muito importante na identificaco projetiva. 14em The Psycho-Analysis of Children sugeri que ‘fo apenas tendéncias sfdico-orais, como também sidico-uretrais ¢ sfdico-anais, esto em fun- cionamento em beb$s muito pequenos. 5 “Notas sobre alguns Mecanismos Esquiz6ides”, © Dr. Elliott Jaques chamou minha atencio para a raiz. etimolégica de “‘inveja”* no latim “invi dia’”, que provém do verbo “invideo” —olhar atravessado, olhar maldosamente ou com despei- to, lancar mau-olhado, invejar ou relutar mesquinhamente em dar ou reconhecer o que € do ou- tro. Um uso antigo pode ser encontrado numa expressio de Cicero, cuja traducdo & “causar in- forténio pelo mau-othado”. Isso confirma a diferenciacio que fiz entre inveja e voracidade, pela Gnfase dada ao carter projetivo da inveja, ~212- fe eon ay jo Shorter Osford Dictionary, oa sayrantie ae cyt chae: 4 sendlo dado, o bom’ qu por dicate peut », Nesse contexto, cu interpretaria o “bon” mente Come oa amada, que outta pessoa com 0 English Synonyms, de Crabb, “(...) 0 citime tome perder o «4 possui; a inveja sofre ao ver outro possuir o que ela quer para st «> © invejoso passa mal & vista da fruicao. Sente-se A vontade apenas como infortinio dos outros. Assim, todos os esforgos para satisfaer um so so infrutiferos””. O citime, segundo Crabb, & “uma paixdo nolie on igndbil, de acordo com o objeto. No primeiro caso, € emulagao ayn sda pelo medo. No segundo, € voracidade estimulada pelo medo. A inve ya « sempre uma paixo vil, arrastando consigo as piores paixdes””. © scio bom, a mac, uma pess FOU, De Acordes veo A atitude geral para com 0 citime difere da que se tem para com a+ veja. Na realidade, em certos paises (particularmente a Franca), 0 nato induzido pelo citime acarreta sentenca menos severa. A razio | essa distingfo encontra-se no sentimento universal de que 0 assas um rival pode subentender amor pela pessoa infiel. Isso signitic\, termos discutidos acima, que existe amor pelo “bom” € que 0 objeto: do nfo € danificado ¢ estragado como o seria pela inveja., © Otelo de Shakespeare, em seu citime, destréi o objeto que an ¢ 1 so, em minha opinido, é caracterfstico do que Crabb descreve como i “1 n6bil paixao do citime”’, ou seja, a voracidade estimulada pelo med (! referéncia significativa ao citime como qualidade inerente & mente aparece na mesma peca: “But jealous souls will not be answer’ d so; They are not ever jealous for the cause, But jealous for they are jealous; ’tis a monster Begot upon itself, born on itself””*. Poder-se-ia dizer que a pessoa muito invejosa € insaciével, que nui 0 pode ser satisfeita porque sua inveja brota de dentro e, portanto, scimpr encontra um objeto sobre o qual focalizar-se. Isso mostra também a cou x4o fntima entre citime, voracidade ¢ inveja. * “Mas os ciumentos nfo atendem a isso; Nao precisam de causa para o ciime: ‘Tem cidime, nada mais. O citime & monstro Que se gera em si mesmo e de si nasce””. a A IIL, 4, Tr, de Carlos Alberto Nunes, Ed, Melhoramentos, 3366, pay. 104.) LT.) cae Shabepeat nome scmpre parece dilerene an mvepa de cuine, on ver hun plemimente a syuntieagae da inve ja no. “Oh beware my Lord of jealousy; 11 is the green-eyed monster which doth mock The meat it feeds on’. . Vaycntnos lembrar a expressdo “morder a mao que alimenta”, quase inonima de morder, destruir e estragar o seio. IL Meu trabalho ensinou-me que 0 primeiro objeto a ser invejado é 0 scio nutridor’, pois o bebé sente que o seio possui tudo 0 que ele deseja e «uc tem um fluxo ilimitado de Ieite ¢ amor que guarda para sua propria gratificagao, Esse sentimento soma-se a seu ressentimento e ddio, e o re~ sultado € uma relag’o perturbada com a mie. Se a inveja & excessiva, in- dica, em minha concepgio, que tragos paranéides ¢ esquizéides so anor malmente intensos e que tal bebé pode ser considerado como doente. Ao longo deste capitulo, falo da inveja primaria do seio matemno, Es- inveja deve ser diferenciada de suas formas subseqiientes (inerentes, na menina, ao desejo de tomar o lugar da mic, e, no menino, a posicao femi- nina), nas quais a inveja nao mais se focaliza no seio, ¢ sim na mie que recebe 0 pénis do pai, que tem bebés dentro dela, que dé & luz esses be- bés, e que € capaz de amamenté-los, Tenho freqiientemente descrito os ataques s&dicos ao seio materno como sendo determinados por impulsos destrutivos. Quero acrescentar aqui que a inveja confere um fmpeto especial a esses ataques. Isso signifi- ca que quando escrevi sobre a escavagio voraz do seio e do corpo da mie, sobre a destruigéo de seus bebés, bem como sobre a deposiciio de excrementos maus dentro da mac", j deixava entrever o que posterior mente vim a reconhecer como o estrago do objeto, por inveja * “Acautelai-vos, Senhor, do citime, E um monstro de olhos verdes que zomba Do alimento «le que vive” Othello”, A TIT, 3, Tr. de Carlos Alberto Nuncs, Ed, Methoramentos, 3366, pag. 85.) W.7) 7 Joan Riviere, em seu artigo “Jealousy as a Mechanism of Defence” (1932), reportou a inveja nas mulheres 20 desejo infantil de despojar a mée de seus seis ¢ estragé-los. De acordo com seus achados, 0 citime tem suas rafzes nessa inveja priméria, Seu artigo contém interessante material ilustrativo desses pontos de vista. "Cf, meu livro The Psycho-Analysis of Children, onde esses conceitos desempenham um papel importante em vérias conexdes. —214— qo set maior descyo, fora se Comprcenavel conie .tam imestne seo bebe & inadequadamente say ado, Os sent Atos le bebe parece ser que, quamdo 0 sei © privat, este se tor porque vets s6 para si o leite, © amor ¢ os cuidados associados ao sc bom, Lile odeia e inveja aquilo que sente ser o scio mesquinho © malevo, lente. talvez mais compreensfvel que 0 seio satisfatério scja também in vejado. A propria facilidade com que vem o leite origina também pois, embora o bebé se sinta gratificado, essa facilidade fica parecendy. um dom inatingfvel ve js Encontramos essa inveja primitiva revivida na situagdo transferencial Por exemplo: 0 analista acabou de dar uma interpretagao que trouxe alfvie ao paciente ¢ que produziu uma mudanga de estado de Animo, de desespe ro para esperanca e confianga. Com certos pacientes, ou com 0 mesin paciente em outros momentos, essa interpretagdo proveitosa pode logo tornar-se alvo de uma critica destrutiva. Ela, entéo, nao € mais sentida como algo bom que ele tenha recebido e vivenciado como enriquecimen to. Sua crftica pode ater-se a pontos de menor importéncia; a interpreta deveria ter sido dada antes; foi longa demais ¢ perturbou as associacées do paciente; ou foi muito curta, e isso quer dizer que ele nao foi suficien: temente compreendido, O paciente invejoso reluta em atribuir sucesso ae trabalho do analista; e, se ele sente que o analista e 0 auxflio que este Ihe est4 dando ficaram estragados e desvalorizados por sua critica invejosa, nao poder4 introjet4-lo suficientemente como um objeto bom, nem aceitar suas interpretag6es com convicgao real e assimilé-las, A convicgdo verda deira, como vemos freqiientemente em pacientes menos invejosos, implica gratiddo por uma dédiva recebida. O paciente invejoso também pode sen- tir que € indigno de beneficiar-se pela andlise, devido & culpa pela des- valorizagdo do auxflio dado. Nao € preciso dizer que nossos pacientes nos criticam por uma varic- dade de razées, As vezes justificadamente. Mas a necessidade que tem um paciente de desvalorizar 0 trabalho analitico que experimentou como pro- veitoso & expressiio de inveja. Na transferéncia, descobrimos as raizes da inveja se as situagdes emocionais que encontramos em estagios anteriores forem retragadas até 0 est4gio primério. A critica destrutiva € particular- mente evidente em pacientes parandides que se comprazem no prazer si- dico de desmerecer 0 trabalho do analista, ainda que este Ihes tenha pro- porcionado certo alfvio. Nesses pacientes, a critica invejosa € bastante aberta; noutros, pode desempenhar um papel igualmente importante, mas permanece niio-expressa ¢ até mesmo inconsciente. Em minha experién- —215— Vonyega Vener que sans divides © incestezas sobre 0 valor dat tanto QO que acontcce © que a parte hostil © invejosa de seu self 6 ex euntida pelo paciente, © cle aprescnta constantemente ao analista outros: eclos que Senle Come mais accitiveis, Contudo, as partes excindidas tnfluenciam essencialmente © curso da anélise, a qual, em tiltima instin- cra, 86 pode ser eficaz se conseguir integragdo e se lidar com o todo da personatidade, Outros pacientes tornam-se confusos para evitar serem crf sa confusio no. € apenas uma defesa, mas também expressdo de incerteza quanto ao fato de o analista ainda permanecer como uma figura boa, ou terem, o analista e © auxflio que esté dando, se tornado maus em decorréncia da critica hostil do paciente. Eu remontaria essa incerteza aos sentimentos de confuséio que so uma das conseqiiéncias da perturbagao da relagéo mais arcaica com o seio materno. O bebé que, devido a inten- idade de mecanismos parandides e esquizdides e ao {mpeto da inveja, nao consegue bem-sucedidamente dividir e manter separados 0 amor e © Odio e, portanto, 0 objeto bom do objeto mau, esta sujeito a sentir-se confuso entre 0 que € bom e 0 que € mau em outros contextos. Desse modo, a inveja ¢ as defesas contra ela desempenham um pa- pel importante na reag%o terapéutica negativa, além dos fatores desco- bertos por Freud ¢ mais amplamente desenvolvidos por Joan Riviere? Pois a inveja ¢ as atitudes a que da origem interferem na construgao gra- dual de um objeto bom na situagao transferencial. Se, no estégio mais ini- cial, 0 bom alimento ¢ 0 objeto bom originario nao puderam ser aceitos e assimilados, isso se repete na transferéncia © 0 curso da andlise é prejudi- cado, No contexto do material analitico € possfvel reconstruir, pela elabora- go de situagdes anteriores, os sentimentos do paciente, quando bebé, pa- ra. com 0 seio materno, Por exemplo, o bebé pode ter um ressentimento de que 0 leite chega muito répido ou muito devagar'®; ou de que nao the te- nham dado 0 seio quando mais ansiava por ele e, assim, quando The € ofe- recido, nao 0 quer mais. Volta-Ihe as costas e, em vez dele, chupa seus proprios dedos. Quando aceita 0 scio, pode ndo mamar o bastante ou a mamada ficar perturbada. Alguns bebés tém claramente grande dificulda- de em superar esses ressentimentos. JA outros superam logo tais senti- mentos, ainda que scjam bascados em frustragées reais; tomam 0 seio e a feos **A Contribution to the Analysis of the Negative Therapeutic Reaction” (1936); também Freud, The Ego and the ld. *° © Bebé pode de fato ter recebido muito pouco leite, nao té-lo recebido na ocasifio em que mais © desejava, ou no t8-lo obtido do jeito certo; por exemplo, o leite pode ter vindo lento ou ré= pido demais. A maneira pela qual o bebé foi segurado, se confortavelmente ou no, a atitude da mie para com a amamentacio, seu prazer ou ansiedade a respeito dela, se foi dado 0 seio ou amamadeica, todos esses fatores sio de grande importancia em cada caso, —216— (ota patoonale, the fomado sen alimentos catedatoriment: punto Ty a Hae hci testa ans evudentes dais atitudes: que ccaber de de Hever foveha que eles havin excuubide secu sessentimento, anyept 6 6dta, 6 qe esses SeMtiMEntos sao, mio obstante, parte do desenvolvt mento de seu caréler, Esses processos se tornan baste ckires nar sit Gio transterencial, O desejo original de agi °, amado, bem como a necessidade urgente de ser protegido das conseqiicn 5 de seus préprios impulsos destrutivos, podem ser encontrados andlise, como subjacentes & cooperagdo, naqueles pacientes cuja imveja ¢ 6dio foram excindidos mas que fazem parte de sua reacAo terapéutica nc gativa. Tenho freqiicntemente me referido ao desejo do bebé pelo seio inc xaurfvel ¢ sempre-presente. Mas, como foi sugerido anteriormente, nao ¢ apenas alimento que ele deseja; quer também ser libertado dos impulses destrutivos e da ansiedade persecut6ria, Esse sentimento de que a mae ¢ onipotente ¢ de que compete a ela evitar toda dor ¢ males provindos Ue fontes internas e externas € também encontrado na andlise de adultos. Lu diria, de passagem, que as modificagdes muito favordveis, que se deram nos tiltimos anos, na amamentagdo das criancas, em contraste com 0 modo bastante rigido de alimentar segundo hordrios regulares, nfo podem evitar inteiramente as dificuldades do bebé, porque a mie nao pode eliminar os impulsos destrutivos e a ansiedade persecutéria dele. H4 um outro ponto a ser considerado. Uma atitude demasiadamente ansiosa por parte da mac que, sempre que o bebé chora, imediatamente Ihe oferece alimento, nado ajuda o bebé. Ele sente a ansiedade da mae e isso aumenta a sua pr6pria Encontrei também, em adultos, ressentimento por nao Ihes ter sido permi- tido chorar bastante € que, por isso, perderam a possibilidade de expressar ansiedade ¢ pesar (¢ assim obter alfvio), de modo que nem os impulsos agressivos nem as ansiedades depressivas puderam, suficientemente, en- contrar um escoadouro. F interessante 0 fato de Abraham mencionar, en- tre os fatores que esto na base da enformidade manfaco-depressiva, tanto a frustragSo excessiva quanto a indulgéncia em demasia"’. Pois a frustra- cio, se no excessiva, € também um estimulo A adaptaciio ao mundo ex- terno € ao desenvolvimento do sentido de realidade. De fato, uma certa quantidade de frustracio, seguida por gratificagio, pode dar ao bebé a sensaco de ter sido capaz de lidar com sua ansiedade. Verifiquei também que os desejos no satisfeitos do bebé — que so em certa medida impos- sveis de serem realizados — contribuem como fator importante para suas sublimagées ¢ atividades criadoras. A auséncia de conflito no bebé, se é © anseie por scr ci 11 «4 Short History of the Development of the Libido” (1924), -217- fie Gil estade bepoteticg pudense scr mimyinaude, paiva fo ar de ennsquee¢ : jonalidade den ampottante Gitor ao bortaleciments. Ito (© ar necessidade de supericloy & um elemento dle ser epo Por o ¢ Famental ust criuividade, ye dé fn Da assergiio de que a inveja estraga 0 objeto hom ori peto adicional aos ataques sédicos ao scio, surgem outras conclusées. O seio assim atacado perde seu valor, torna-se mau por ter sido mordido © envencnado por urina ¢ fezes. A inveja excessiva aumenta a intensidade esses ataques ¢ sua duragdo, tornando assim mais dificil para o bebé a recuperacdo do objeto bom perdido, Ataques sfdicos ao seio, quando me- nos determinados por inveja, passam mais rapidamente e, assim, na mente do bebé, ndo destroem to intensa e duradouramente a qualidade boa do objeto; 0 seio que retorna e pode ser frufdo € sentido como uma evidéncia de que nao esta danificado e de que ainda € bom’? O fato de a inveja estragar a capacidade de fruigao explica, até certo ponto, por que a inveja € tao persistente"”, Pois € a fruigdo e a gratiddo que ela suscita que mitigam os impulsos destrutivos, a inveja e a voraci- dade, Considerando de um outro angulo: a voracidade, a inveja e a ansie- dade persecutéria, que sao interligadas, intensificam-se inevitavelmente umas as outras. O sentimento de dano causado pela inveja, a grande an- siedade que disso se origina ¢ a incerteza resultante quanto 4 “‘bondade”” do objeto tém o efeito de aumentar a voracidade e os impulsos destruti- vos. Sempre que 0 objeto € sentido como, afinal de contas, bom, ele é ainda mais vorazmente descjado e tomado para dentro, Isso também & pertinente ao alimento. Na andlise verificamos que, quando um paciente est4 com grandes diividas sobre seu objeto e, portanto, também sobre 0 valor da anélise ¢ do analista, ele pode agarrar-se a qualquer interpretagao que alivic sua ansiedade ¢ tender a prolongar a sesso, por desejar tomar para dentro tanto quanto possfvel daquilo que, no momento, sente ser bom. (Certas pessoas tm tanto medo de sua voracidade que fazem espe- cial questio de sair na hora.) Diividas sobre a posse do objeto bom e a correspondente incerteza sobre 0s préprios sentimentos bons também contribuem para identifica- g6es vorazes ¢ indiscriminadas; tais pessoas sao facilmente influenciveis porque nao podem confiar em seu proprio julgamento. "? As observacées de bebés nos mostram algo dessas atitudes inconscientes subjacentes. Como disse acima, eertos bebés que estiveram gritando de raiva mostram-se inteiramente felizes logo apés comecarem a mamar. Isso significa que temporariamente perderam, mas recuperaram, seu objeto bom, Noutros, 0 ressentimento ¢ a ansiedade persistentes, ainda que momentanea- mente diminufdos pela amamentacdo, podem ser depreendidos por observadores cuidadosos. 19 claro que a privacio, 2 amamentacio insatisfat6ria ¢ circunstincias desfevoréveis intensifi- cam a inveja por perturbarem a gratificacdo plena, ¢ um circulo vicioso € criado. —218— BEC cena bebe que decile a sa mice pa for ie capa fC Untobyete bout interne, a rina Le fapetctdadk ote canon © puatidac tem We tehiae prolunebunente entay conn bp to bore © pode supertar, sc hiean prot de inveja, Gio © ressentimento que surpen mes aidas © recebem boas cuidados maternos. A; es estados negativos sAo transit6rios, o objeto bom & recupers lo a cada vez. Esse € um fator essencial para estabelecé-lo c para sassentia as bases da estabilidade ¢ de um ego forte. No curso do desenvolvinnento a relagao com o seio materno toma-se a base para a dedicagao a pe: valores © causas e, assim, € absorvida uma certa parte do amor que ci inicialmente sentido pelo objeto originério. «quando es Um dos principais derivados da capacidade de amar € 0 sentiment «k gratidao. A gratidio € essencial A construcao da relac&io com 0 objeto bom © € também o fundamento da apreciago do que hé de bom nos outros « em si mesmo. A gratidao tem suas rafzes nas emocGes e atitudes que sur gem no estdgio mais inicial da infancia, quando para o bebé a mie ¢ Unico e exclusivo objeto. Referi-me a essa primeira ligagdo! como a bas: para todas as relagdes subseqtientes com uma pessoa amada, Embora : relagio de exclusividade com a mie varie individualmente em duraciv 2 intensidade, acredito que, até certo ponto, ela exista na maioria das pes soas. Em que medida permanece livre de perturbagées, depende parcial mente das circunstancias externas. Mas os fatores internos que a funda- mentam — acima de tudo a capacidade de amar — parecem ser inatos, Os impulsos destrutivos, especialmente uma forte inveja, podem num estégio inicial pertuvvar essa ligacdo especial com a mae. Se a inveja do seio nu: tridor € forte, a gratificacio plena sofre interferéncia porque, como jé des- crevi, € caracterfstico da inveja despojar o objeto daquilo que ele possui ¢ estragé-lo. © bebé s6 pode sentir satisfacio completa sea capacidade de amar ¢ suficientemente desenvolvida; e € a satisfacdo que forma a base da grati- dao, Freud descreveu o éxiase do bebé na amamentacdo como o protétipo da gratificagio sexual"*, A meu ver, essas experiéncias constituem nao apenas a base da gratificago sexual mas também de toda felicidade sub- seqiiente, ¢ tomam possfvel 0 sentimento de unidade com outra pessoa; tal unidade significa scr plenamente compreendido, 0 que é essencial para toda relac%io amorosa ou amizade felizes. Em condigdes as mais favori- veis, tal compreensiio nfo necessita de palavras para expressé-la, 0 que demonstra sua derivaciio da intimidade mais inicial com a mie, no estigio '* “A Vida Emocional do fiehé" (1952). ' Three Essays on the Theory of Sexuality, ~219- pre verbal A capacidade de fruit plenamente a prmertar rebite cone scio forma a base para sentir praver provenicute de diversas lontes Se hé experiéneia freqiiente de ser alimentado sem que a si seja perturbada, a introjecdo do scio bom se d4 com relativa segura Uma gratificagio plena ao seio significa que o bebé sente ter recebido do objeto amado uma dédiva especial que ele deseja guardar. Essa é a base da gratidao. A gratiddo est4 intimamente ligada & confianca em figuras boas. Isso inclui, em primeiro lugar, a capacidade de aceitar ¢ assimilar 0 objeto originério amado (nao apenas como fonte de alimento) sem que a voracidade e a inveja interfiram demais, pois a internalizagio voraz per- turba a relacdo com 0 objeto. O individuo sente estar controlando, exau- rindo e, portanto, danificando 0 objeto, a0 passo que, numa boa relagfio com 0 objeto interno ¢ externo, predomina 0 desejo de preserv4-lo e pou- pé-lo. Descrevi, em outro contexto'*, 0 processo subjacente A crenga no seio bom como sendo decorrente da capacidade do bebé em investir libi- dinalmente 0 primeiro objeto externo. Desse modo se estabelece um ob- jeto bom!” que ama e protege o self e € amado ¢ protegido pelo self. Essa € a base da confianca em sua propria “bondade” Quanto mais freqiientemente sentida e plenamente aceita a expe- riéncia de gratificagao proporcionada pelo scio, mais freqiientemente sao sentidas a satisfagdo e a gratidao e, por conseguinte, o desejo de retribuir © prazer. Essa experiéncia recorrente torna possfvel a gratidio a nfvel mais profundo e desempenha papel importante na capacidade de fazer re~ paraciio, ¢ em todas as sublimagées. Por meio dos processos de projegio e introjegao, ¢ através da distribuicdo da riqueza interna ¢ sua reintrojecao, ha um enriquecimento ¢ aprofundamento do ego. Desse modo, a posse de um objeto interno que ajuda é repetidamente restabelecida ¢ a gratidéo pode se manifestar plenamente. A gratidao esta intimamente ligada 4 generosidade, A riqueza interna deriva de ter 0 objeto bom sido assimilado de maneira tal que 0 indivfduo se torna capaz de compartilhar com outros os dons do objeto. Isso torna possfvel introjetar um mundo externo mais amistoso, a que se segue um scntimento de maior riqueza. Mesmo o fato de a generosidade ser fre- giientemente pouco reconhecida nao solapa necessariamente a capacidade de dar. Em contraste, nas pessoas em que esse sentimento de riqueza ¢ forga internas nao se acha suficientemente estabelecido, acessos de gene- rosidade so muitas vezes seguidos por uma necessidade exagerada de re- conhecimento e gratidao e, conseqiientemente, por ansiedades persecuts- rias de haverem sido empobrecidas ¢ roubadas. Mistagan a 1° “Sobre a Observacéo do Comportamento de Bebés” (1952). "Cf, também 0 conceito de “‘seio ilusério” de Donald Winnicott e sua concep¢ao de que, no ‘comeco, 0s objetos so criados pelo seff(“Psychoses and Child Care”, 1953), —220- SOW pe nate ete te mete ndees Hh re capt iba de ate tay Pe i colaper a descavetennente hay Pc olen ce niente portnenten He Os sete MeN a HEHOr de toders on pecados, por estaystt e damticare obyeto bon quc sat Concepgao & Consistente com a descril cm The Parsons Tate*: “f certo que a inyeja € 0 pior pecado que extste porque todos os outros séo pecados apenas contra «quanto a inveja € conta toda a virtude e contra tudo que seja bom © sentimento de haver danificado e destrufdo 0 objeto origindrio prejusti confianga do indivéduo na sinceridade de suas relages subseqiicntes « © faz duvidar de estar capacitado para o amor e para o que € bom. Freqiientemente encontramos expressdes de gratiddo que se revel movidas muito mais por sentimento de culpa do que pela capacidacle «le amar. Acho que & importante a distingdo entre tais sentimentos de cul pac a gratidio em nfvel mais profundo, Isso nao quer dizer que um certo clemento de culpa nao entre nos mais genufnos sentimentos de gratidao, Minhas observagées mostraram-me que alteragGes significativas carter, as quais, a um exame mais atento, revelam-se como deterioragiiv do carter, tm muito mais probabilidade de acontecer em pessoas que n: estabeleceram firmemente scu primeiro objeto ¢ que nao séo capazes de manter gratidio para com ele. Quando a ansiedade persecutéria aumenta nessas pessoas, por motivos intemos ou externos, elas perdem complet: mente seu objeto originério bom ou, melhor dizendo, seus substitutos, se jam esses pessoas ou valores. Os processos subjacentes a essa mudanc:t sdo um retorno regressivo a mecanismos arcaicos de cisdo ¢ & desintegra go. Como isso é uma questio de grau, essa desintegracdo, embora em til tima andlise afete intensamente o cardter, nio leva necessariamente A doenga manifesta. A Ansia por poder ¢ prestfgio, ou a necessidade de apa Ziguar perseguidores a qualquer custo, estdo entre os aspectos de mudancar de cardter que tenho em mente. Observei em alguns casos que, quando surge inveja de uma pessoa, 0 sentimento de inveja € ativado em suas fontes mais arcaicas. O fato de se- rem esses sentimentos primarios de natureza onipotente reflete-se no sc timento atual de inveja vivenciado em relagio a uma figura substituta ¢, assim, contribui tanto para as emogGes suscitadas pela inveja como para 0 desalento e a culpa. E. provavel que essa ativacdo da inveja mais arcaic:: por uma experiéncia atual seja comum a todas as pessoas, mas 0 grat ¢ a intensidade dos sentimentos, bem como o sentimento de destruigao oni por Chaucer ma sé virtude, on *“O Conio do Péroco”, um dos relatos de The Canterbury Tales, de Geoffrey Chaucer (1340-1400). (W, T.) —221- untivtsl Lator pode revelar se de prauele cal Lise eR Inept, pors somente se pader cheyar profente vankane pa Hmpottane ne nt a fomtes 1 prokindas & que famente eperante Naw ha dtivida de que, em todas as pessoas, a Crustraga 1s infelizes despertam certa inveja e 6dio no decorrer da vida, teusidade dessas emogées © a maneira pela qual 0 individuo as enfrenta variam consideravelmente. Essa € uma das muitas razGes pelas quais a capacidade de fruigdo, ligada ao sentimento de gratid4o pelo que fui recebido de bom, difere enormemente nas pessoas. eas 6 i Para tornar mais claro meu argumento, € necessario fazer alguma re- foréncia as minhas concepgdes sobre o ego arcaico, Acredito que cle existe desde 0 inicio da vida pés-natal, embora sob forma rudimentar € com grande falta de coesao. J4 no estégio mais inicial, ele desempenha uma série de fungées importantes. Pode bem ser que esse ego arcaico se assemelhe a parte inconsciente do ego postulada por Freud. Embora ndo afirmasse que existe um ego desde 0 comeco, ele atribufa ao organismo uma fungéio que, tal como a vejo, s6 pode ser desempenhada pelo ego. A ameaca de aniquilamento, pela pulséo de morte interna, é, em minha con- cep¢do — que neste ponto difere da de Freud'* —, a ansiedade primordial; © € 0 ego que, a servigo da pulsao de vida, e até possivelmente posto em funcionamento pela pulsiio de vida, deflete em certa medida essa ameaca para fora. Essa defesa fundamental contra a pulsio de morte foi atribuida por Freud ao organismo, ao passo que eu considero esse processo como a atividade principal do ego. Existem outras atividades primordiais do ego que, em minha concep- So, derivam-se da necessidade imperiosa de lidar com a luta entre as pul- sdes de vida e de morte. Uma dessas fungées € a integragao gradual que advém da pulsio de vida e se expressa na capacidade de amar, A tendén- cia oposta do ego, de cindir a si ¢ a seus objetos, ocorre em parte devido & falta de coes4o do ego quando do nascimento e, em parte, porque ela constitui uma defesa contra a ansiedade primordial, sendo assim um meio de preservar 0 ego. Tenho, por muitos anos, atribuido grande importancia a. um processo especifico de cisio: a diviséo do seio em um objeto bom € um objeto mau. Considerei isso como expresso do conflito inato entre 0 amor € 0 6dio e das ansiedades dele decorrentes. Contudo, coexistindo 1 Freud afirmou que “o inconsciente parece no conter nada que confira qualquer contetido 20 conceito de aniquilamento da vida”. Inhibitions, Symptoms and Anxiety, SE. 20, 129. -222~- brie For cnn ate fe altnne: cue ap dann de fos feta min chasm at cntendides Pet ero trayments Micra. a aoe seuss objeto ©, dessa mane pots stedades: persecut dos imupiebien, destiutives © das indo a maior OW mMeHOL HOF i processo, varuindo em infensidade © dete malidade do individuo, € uma das defesas utilizadas durante a posigae quizo-parandide, a qual acredito que se estenda normalmente pelos pr ieiros trés ou quatro meses de vida'®. Nao estou sugerindo que, « aquele perfodo, 0 bebé nao seja capaz de fruir plenamente suas mar a rclagéo com sua mae ¢ os freqiientes estados de conforto fisico on bem estar. Mas, sempre que a ansiedade surge, ela € principalmente de nature za parandide, ¢ as defesas contra ela, assim como os mecanismos utili dos, sio predominantemente esquizdides. O mesmo acontece, nnuttix mutandis, na vida emocional do bebé durante 0 perfodo caracterizado pela posigdo depressiva. Retornando ao processo de ciséo, que considero ser precondigao part a relativa estabilidade do bebé pequeno: durante os primeiros meses cle mantém predominantemente 0 objeto bom separado do mau e, desse mu. do, fundamentalmente 0 preserva — 0 que também significa que a seguran- ca do ego € aumentada. Ao mesmo tempo, essa diviséo fundamental sé ¢ bem-sucedida se existir uma capacidade adequada de amar e um ego relit tivamente forte. Minha hipétese, portanto, € que a capacidade de ami promove tanto as tendéncias integradoras quanto 0 sucesso da cisdo fu damental entre 0 objeto amado e 0 odiado. Isso soa paradoxal, Mas, como j4 disse, uma vez que a integracéio baseia-se em um objeto bom firme- mente enraizado que forma 0 niicleo do ego, um certo montante de cisdo ¢ essencial para a integracio, por preservar 0 objeto bom e, mais tarde, ca- pacitar 0 ego a sintetizar os dois aspectos do objeto. A inveja excessiva, uma expresséo dos impulsos destrutivos, interfere na cisiéo fundamental entre 0 seio bom € o seio mau, ¢ a estruturagiio de umn objeto bom nao po- de ser suficientemente conseguida. Dessa mancira, nao fica assentada a base para uma personalidade adulta plenamente desenvolvida ¢ integrada, pois a diferenciacdo ulterior entre bom e mau fica perturbada em varios sentidos. Na medida em que essa perturbagiio do desenvolvimento € devi- da a inveja excessiva, ela se origina da prevaléncia, em estagios mais ini- ciais, de mecanismos paranéides e esquizéides, os quais, segundo minhas hipsteses, formam a base da esquizofrenia. "* Cf, meu trabalho “Notas sobre Alguns Mecanismos Esquizdides"’; também Herbert Rosenfeld, “Analysis of a Schizophrenic State with Depersonalization”’ (1947). — 223- poral diferent Na investigagiio dos processes: arca entre um objeto bom € um objeto idealizado, embora essa cistinge nae, possa ser nitidamente tragada. Uma ciséo muito profunda cntre os dois aspectos do objeto indica que néo sdo 0 objeto bom e © objeto mau que estdo sendo mantidos separados, mas sim um objeto idealizado e um ob- jeto extremamente mau. Uma divisio téo profunda e nftida revela que ‘os impulsos destrutivos, inveja e ansiedade persecutéria so muito inten- sos e que a idealizacao serve principalmente como defesa contra essas emogées, Se 0 objeto bom esté profundamente enraizado, a ciséo € fundamen- talmente de natureza diferente ¢ permite que processos muito importantes de integracao do ego e sfntese do objeto sejam operantes. Assim, uma mi- tigagfio do édio pelo amor pode ocorrer em certa medida e a posig&io de- pressiva pode ser elaborada, Como resultado, a identificagdo com um ob- jeto bom e total € ainda mais seguramente estabelecida; e isso também fortalece 0 ego e capacita-o a preservar sua identidade e também a sentir que possui uma “bondade” prépria. O ego fica menos sujeito a identifi- car-se indiscriminadamente com uma yariedade de objetos, processo ca- racterfstico de um ego fraco. Além disso, a identificagéo plena com um objeto bom é acompanhada de uma sensagao de que o self possui “‘bonda- de”’ propria. Quando as coisas vo mal, a identificagao projetiva excessi va, pela qual as partes excindidas do self séo projetadas para dentro do objeto, leva a grande confuso entre o self e 0 objeto, o qual também pas- saa representar © self. Isso se acompanha de um enfraquecimento do ego e de uma grave perturbagao das relagGes de objeto. Os bebés cuja capacidade de amar é forte sentem menos necessidade de idealizar do que aqueles em quem os impulsos destrutivos e a ansieda- de persccut6ria sio predominantes. Idealizacio excessiva indica que a perseguigéo € a principal forga propulsora. Como descobri h4 muitos anos cm meu trabalho com criangas pequenas, a idealizagéio € um corolério da ansiedade persecutéria — uma defesa contra ela —, e 0 seio ideal € a con- trapartida do seio devorador. O objeto idealizado € muito menos integrado no ego que 0 objeto bom, pois se origina muito mais da ansiedade persecutéria do que da ca- pacidade de amar. Verifiquei também que a idealizacSo deriva do senti- mento inato de existir um seio extremamente bom, sentimento que leva ao anseio por um objeto bom e pela capacidade de am4-lo*'. Isso parece ser ?° Tratei da importincia desse processo em trabalhos anteriores e desejo apenas salientar aqui que ‘ele me parece ser um mecanismo fundamental na posicio esquizo-parandide. "1 J4 me referi 4 necessidade inerente de idealizar a situagfo pré-natal, Outro terreno freqdente para a idealizacao € a relagao miie-bebé, Aquelas pessoas que no foram capazes de vivenciar suficiente felicidade nessa relacdo so as que especialmente a idealizam retrospectivamente, —224— Ae pee apr vidas ete pa ey Ha paul ve ve etna tdak dle an obyeter boi ¢ tala lectins tae | salut Mlpun cessive | widade Clery: Hira pessoas Tatan com sus t 4 wade mvp s 11 une objeto bom por meio da ide: porque a inveja do objeto bom esti ta dense a scu aspecto idealizado. O mesmo & verdade qu «Ges de objetos ulteriores ¢ & identificagdo com eles, a qual & per instével © indiscriminada. A voracidade € um fator importante nes.1 identificag6es indiscriminadas, pois a necessidade de obter o melhin «le que quer que seja interfere na capacidade de selegdo e discrimin: sa incapacidade est4 também ligada A confusao entre 0 bom ¢ © mtu in surge na relagdo com o objeto originario. tdealizagiw fa ave nto as idesttia Enquanto aquelas pessoas que puderam estabelecer com relativin *« guranca o objeto originario sao capazes de conservar amor por ele apc de imperfeig6es, outras tm como caracterfsticas a idealizagio de su lagGes amorosas e amizades. Essa idealizacdo tende a desmoronar, «. tdo, um objeto amado tem que ser constantemente trocado por outro, por nenhum pode preencher integralmente as expectativas. A pessoa anterior mente idealizada € muitas vezes sentida como um perseguidor (0 que 1 vela a origem da idealizagio como contrapartida A perseguigdo) e dc dela € projetada a atitude invejosa e critica do sujeito. E de grande im portancia 0 fato de processos semelhantes operarem no mundo interno, « qual, desse modo, passa a conter objetos especialmente perigosos. ‘lute isso leva & instabilidade nos relacionamentos. Esse € um outro aspecto «it fraqueza do ego, 4 qual me referi anteriormente, em conexao com identil1 cagées indiscriminadas. Daividas quanto ao objeto bom surgem facilmente mesmo numa fit nx relagdo crianga-mie; isso se deve n&o apenas ao fato de o bebé ser muster dependente da mae, mas também a ansicdade recorrente de que sua vor cidade e impulsos destrutivos venham a preponderar ~ ansiedade que ¢ umn importante fator nos estados depressivos, No entanto, em qualquer est4y:10 da vida, sob pressiio da ansiedade, a renga ¢ a confianca em objetos bor podem ser abaladas. Mas séo a intensidade e a duragdo de tais estados le dtivida, desalento e perseguicio que determinam se 0 ego € capar «e- reintegrar-se e de restabelecer com seguranca seus objetos bons.”? A es ** A esse propésito, ver meu artigo “Mourning and its Relation to Manic-Depressive States”, qual defini a elaboracéo normal do tuto como um processo durante 0 qual os objetos bons ini ciais sio restabelecidos. Sugeri que essa elaboracio se efetua quando 0 bebé lida com sucews com a posigao depressiva, ~225 — peranga e a confianga na existéneia da “bondade’, rdes adversaca vado na vida cotidiana, auxiliam as pessoas em meio a y des ¢ contrabalancam eficazmente a perseguicao. Iv Parece que uma das consegiiéncias da inveja excessiva € um apareci- mento prematuro da culpa. Se a culpa prematura for experimentada por um ego ainda néo capaz de toleré-la, ela € sentida como perseguigao e 0 ‘objeto que a desperta transforma-se num perseguidor. O bebé, entdo, néo pode elaborar nem a ansiedade depressiva nem a persecutéria, porque elas se confundem uma com a outra. Alguns meses mais tarde, quando surge a posig&o depressiva, 0 ego mais integrado e fortalecido tem maior capaci- dade de suportar a dor da culpa e de desenvolver defesas correspondentes, principalmente a tendéncia a fazer reparagao. O fato de que no estégio mais inicial (isto é, durante a posigao esqui- zo-paranéide) a culpa prematura aumenta a perseguicio e a desintegracio fem como conseqiiéncia também o fracasso da elaboragao da posigao de- Ptessiva’’. Esse fracasso pode ser observado tanto em criangas como em adultos; logo que a culpa é sentida 0 analista torna-se persecut6rio e € acusado por diversas razées. Em tais casos, verificamos que quando eram bebés eles nao puderam vivenciar a culpa sem que esta simultaneamente condu- zisse A ansiedade persecutéria com suas defesas correspondentes. Essas defesas aparecem mais tarde como projeco sobre 0 analista e negacio onipotente. Minha hipstese € que uma das mais profundas fontes de culpa esté sempre relacionada A inveja do seio nutridor ¢ ao sentimento de haver es- tragado sua “bondade” por meio de ataques invejosos. Se o objeto orig ®) mbora nfo tenha alterado meus conceitos quanto a0 estabelecimento da posicéo depressiva por volta do quarto a0 sexto més de vida 2 de 0 seu clfmax ser atingido aproximadamente 208 seis meses, verifiquei que alguns bebés parecem vivenciar culpa transitoriamente nos primei- ros meses de vida (Cf. “Sobre a Teoria da Ansiedade e da Culpa”). Isso nao implica que a po- sicio depressiva jf tenha surgido. Descrevi em outro lugar a variedade de processos e defesas que caracterizam a posigio depressiva, tais como a relaco com o objeto total, um reconheci- mento maior da realidade interna externa, defesas contra a depressio, especialmente a neces idade premente de reparagdo ¢ a ampliacdo das relagées objetais que conduzem aos estégios iniciais do complexo de Edipo. Ao falar sobre a culpa transitoriamente vivenciada no primeiro estfgio de vida, aproximei-me da concep¢o que sustentava & época em que escrevi The Psy cho-Analysis of Children, onde descrevi @ culpa e a perseguicio vivenciadas por bebés ainda muito pequenos. Quando subseqiientemente defini 2 posi¢ao depressiva, separei mais clara~ mente, ¢ talvez esquematicamente demais, de um lado culpa, depressio e defesas correspon- dentes, ¢ de outro, o estégio parandide (que posteriormente chamei de posic&o esquizo-para- néide),, —226— Pett por Gat, sentnientecs pode sor sarpottades Cane air. caw cay pony rave ga (aneatesttan cane anee Ave de por enn porre age Lavo Comte objeto bon ATIVE Cxcesstiva interler na peatifiencan oral adeq fa mecome estinulo a intensifieagio dos desejos © tendéneias penitais koe leva o bebé a voltuese code dema pa nital, tones eve mT I torna-se tomam-se demasiadamente coloridas por ressentimento © ansieda des orais. Tenho freqiientemente sustentado que as sensagdes © dene genitais operam possivelmente a partir do nascimento; por exemple, & tn conhecido que bebés do sexo masculino tém eregdes desde muito code Mas, ao falar que essas sensagées surgem prematuramente, quero diver que as tendéncias genitais interferem nas orais, num estégio em que ox «k sejos orais s4o os predominantes*, Aqui, novamente, temos que ke conta os efeitos da confusio inicial, que se expressa pela nao di entre os impulsos e fantasias orais, anais e genitais. Uma superposic» entre essas varias fontes, tanto de libido como de agressividade, € normal Porém quando a superposigao equivale a uma incapacidade de viv Suficientemente a predominancia de qualquer dessas tendéncias cn: + estiigio adequado de desenvolvimento, tanto a vida sexual subscyi quanto as sublimacOes so, entdo, adversamente afetadas. A genitaliclale baseada numa fuga da oralidade € insegura porque para ela so transpor tados os desapontamentos e as suspeitas ligadas a satisfagdo oral prejunh cada. A interferéncia das tendéncias genitais na primazia oral solapa i gratificagéio na esfera genital, muitas vezes 6 causa de masturbagao oh sessiva ¢ de promiscuidade. Isso porque a auséncia da satisfagao bésica introduz elementos compulsivos nos desejos genitais e, como j vi em al guns pacientes, pode assim resultar em que sensagGes sexuais entrem em todas as atividades, processos de pensamento ¢ interesses. Em certos be bés, a fuga para a genitalidade € também uma defesa contra odiar e dini ficar 0 primeiro objeto, em relag%o ao qual operam sentimentos ambiva lentes. Tenho verificado que o infcio prematuro da genitalidade pode e: ligado & ocorréncia precoce da culpa, e € caracteristico dos casos paranGi des e esquiz6ides’’. Wa pratificay 1 Con: cia que a relagio or © as tendenc a ba ‘Tenho raz6es para acreditar que essa genitalizagao prematura 6 caracterfstica freqiiente nos in divfduos com fortes tracos esquizofrénicos, ¢ na esquizofrenia declarada. Cf. W. Bion em ‘Notes on the Theory of Schizophrenia” (1954) e “Differentiation of the Psychotic from the Non-Psychotic Personalities” (1958). ee “The Importance of Symbol Formation in the Development of the Ego” (1930) ¢ “A Contribution to the Psychogenesis of Manic-Depressive States" (1935); também The Psyclu» Analysis of Children. - 227- Quando o bebé alcanga a posigéo depressiva ¢ (orn: enfrentar sua realidade psfquica, sente também que a “maldade” do objeto & devida em grande parte A sua pr6pria agressividade ¢ A projegiio deco rente. Esse insight, como podemos ver na situag&o transferencial, dé ori gem a uma grande dor psfquica e culpa quando a posi¢ao depressiva est4 em seu pice. Entretanto, o insight também acarreta sensagées de alfvio ¢ esperanga, as quais por sua vez tornam menos dificil reunir os dois as- pectos do objeto e do selfe elaborar a posigo depressiva. Essa esperanga baseia-se no crescente conhecimento inconsciente de que o objeto, interno e externo, nao € téo mau quanto parecia ser em seus aspectos excindidos. Através da mitigacZo do édio pelo amor, 0 objeto melhora na mente do bebé. N4o é mais tao intensamente sentido como tendo sido destrufdo no passado,-e diminui o perigo de que seja destrufdo no futuro; nfio havendo sido danificado, € também sentido como menos vulneravel no presente € no futuro. O objeto interno ganha uma fungio de comedimento e de auto- preservacio e 0 aumento de sua forca € um aspecto importante de sua funcfio de superego. ‘Ao descrever a superagio da posigdo depressiva, ligada a maior con- fianga no objeto bom interno, nao pretendo dar a impressaio de que tais re- sultados nfo possam ser temporariamente desfeitos. Uma tensio, de natu- reza interna ou externa, € capaz de provocar depressfio e desconfianga tanto do self como do objeto. Contudo, a capacidade de emergir de tais estados depressivos e reconquistar o sentimento de seguranga interna é, em minha concepgao, © critério para uma personalidade bem desenvolvi- da. Em contraste, a mancira freqiiente de lidar com a depresséo endure- cendo os préprios sentimentos e negando a depressio € uma regressdo as defesas manfacas utilizadas durante a posig&o depressiva infantil. Hé uma ligagdo direta entre a inveja vivenciada em relagao ao seio da mae © 0 desenvolvimento do citime. O citime se baseia em suspeita e rivalidade com © pai, que & acusado de ter Ievado embora o seio materno e a mie. Essa rivalidade marca os est4gios iniciais do complexo de Edipo direto € invertido, que normalmente surgem concomitantemente & posigao de- pressiva, entre 0 quarto e 0 sexto més de vida.** © desenvolvimento do complexo de Edipo € fortemente influenciado pelas vicissitudes da primeira e exclusiva relagio com a mie e, quando essa relagdo & perturbada cedo demais, a rivalidade com o pai aparece prematuramente. As fantasias do pénis dentro da mie ou dentro de seu seio transformam o pai num intruso hostil. Essa fantasia 6 particularmente 26 Assinalei em outro lugar (por exemplo em “A Vida Emocional do Bebé”) a fntima conexio entre # fase em que a posigao depressiva se desenvolve € 0s estgios iniciais do complexo de Edipo. — 228 — a tal Onno ony thabalhos ferences: descrevi at postqa depressive, nie fen que nessa proyues OMe SEL SCH Senter aoe Olio, sintetiza os aspectos bor Is da nigie © passa pon « at tambe fados de luto ligados a sentimentos de cutpa, Comeg cana ender melhor 0 mundo externo ¢ entende qui ater at si, como posse exclusiva. A possibilidade de o bebe encontrar da para essa dor através de sua relago com 0 segundo objeto, © par, on outras pessoas de seu ambiente, depende muito das emogées que cle v1 vencia com © objeto tnico perdido. Se essa relagdo foi bem hundanic nts da, 0 medo de perder a me € menos intenso e a capacidade de con Ihé-la € maior. Pode entéo sentir também mais amor por scus tivat. “Lust isso pressup6e que ele foi capaz de elaborar satisfatori:me depressiva, 0 que, por sua vez, depende de a inveja do objeto ory nao ter sido excessiva. Como sabemos, o citime € inerente A situacdo edipiana « « nhado de édio ¢ desejos de morte. Normalmente, no entante, de novos objetos que podem ser amados — 0 pai e irmios «out pensagGes que 0 ego em desenvolvimento tira do mundo exte1 até certo ponto, 0 citime ¢ o ressentimento. Se os mecanisnis. pura e esquiz6ides sao fortes, 0 citime — e em tiltima anflise a inveja nece n&o mitigado. O desenvolvimento do complexo de Tidipe ¢ coun cialmente influenciado por todos esses fatores. As fantasias do seio da mie e da mée que contém o pénis «do pat, on do pai contendo a mie, esto entre as caracterfsticas do estiy cial do complexo de Fdipo. Essa € a base da figura dos pais combs nfio pode 4 Loa pre € a importancia dessa fantasia foi desenvolvida em escritos anterior." \ influéncia da figura dos pais combinados na capacidade do bel de dit rengar 0 pai da mae, e de estabelecer relacdes boas com cada un dele. « afetada pela forga de sua inveja e pela intensidade de seu citime e«ipiines Isso porque a suspeita de que os pais estejam sempre obtendo pritltl is a. sexual um do outro reforga a fantasia ~ derivada de varias fontes «le «que eles esto sempre combinados. Se essas ansiedades vigoram de inaneis intensa e, portanto, prolongam-se demasiadamente, pode haver, con conseqii@ncia, uma perturbagso duradoura na relago com ambos 0% jx Em pessoas muito doentes, a incapacidade de desemaranhar a relacie «on 2” The Psycho-Analysis of Children (particularmente cap. VII) ¢ “A Vida Emocional «ls tet" Assinalei af que, normalmente, essas fantasias fazem parte dos est4gios iniciais do compiles Edipo, maseu agora acrescentariaquetodoo desenvolvimento docomplexode Edipo€ for te influenciado pela intensidade da inveja, a qual determina a forca da figura dos pais com! = 229- went antes achareniele Wes nacmente do pacientedescmpenhsy an: papel importante nos fe a inve ye dime na situagdio edipiana torna-se um » de claboré-la. Quando © citine & vivenciado, os sentimentos hostis sides nio tanto contra © objeto originério mas principalmente 1 0s tivais — pai ou irmaos —, 0 que introduz um elemento de distri- buigio, Ao mesmo tempo, quando essas relacdes se desenvolvem, dao origzem a sentimentos de amor e tornam-se uma nova fonte de gratificagao. ‘Além disso, a mudanga de desejos orais para desejos genitais reduz a im- portincia da m&e como provedora de satisfagdo oral. (Como sabemos, 0 objeto da inveja € em grande parte oral.) No menino, uma boa parte do dio € defletida para o pai que € invejado por ter a mae; esse € 0 citime cdipiano tfpico. Na menina, os desejos genitais pelo pai capacitam-na a encontrar um outro objeto de amor. Assim, em certa medida, o citime su- planta a inveja; a mae se torna a principal rival. A menina deseja tomar © lugar de sua mae e possuir e cuidar dos bebés que o pai amado d4 a mie. A identificagéo com a mie nesse papel torna possfvel uma escolha mais ampla de sublimagées. [5 essencial também levar em conta que a cla- boragiio da inveja por meio do citime 6, ao mesmo tempo, uma defesa im- portante contra a inveja. O citime € sentido como muito mais aceitdvel origina menos culpa do que a inveja primdria que destréi o primeiro ob- jeto bom. Na andlise, nés podemos freqiientemente ver a conexao intima entre citime e inveja. Por exemplo, um paciente sentiu muito citime de um ho- mem com 0 qual pensava que eu mantivesse um contato pessoal fntimo. 0 passo seguinte foi um sentimento de que, de qualquer modo, eu era pro- vavelmente desinteressante ¢ tediosa na vida particular e, subitamente, to- da a anélise pareceu-the magante. A interpretagdo — neste caso dada pelo proprio paciente — de ser isso uma defesa levou ao reconhecimento de uma desyalorizacao da analista como resultado de uma erupgio de invej A ambigao é um outro fator altamente instrumental na estimulagao da inveja. Est4 muitas vezes relacionada, em primeiro lugar, A rivalidade ¢ competic&éo na situagao edipiana; mas, se excessiva, mostra claramente suas rafzes na inveja do objeto origindrio. O fracasso em satisfazer a pré- pria ambigao € freqiientemente resultado do conflito entre a necessidade premente de reparar 0 objeto danificado pela inveja destrutiva e um reno- vado reaparecimento da inveja. ‘A descoberta por Freud da inveja do pénis nas mulheres, e da dessa inveja com os impulsos agressivos, foi uma contribuicao funda- mental para a compreensio da inveja. Quando a inveja do pénis e os de- sejos de castrar so fortes, 0 objeto invejado, o pénis, deve ser destrufdo © ser dele privado 0 homem que o possui. Em sua “Analysis Terminable excessiva, o — 230 — word Lote ennsenabb Deca OPTS catate cn oe elite atedack Ane hye white deed femme conte Suma conyn ete ant a eo servnd Cota aliima © que nada pode ser feito pare apd’ ba 1 ads nae pose denan de concordar com ela, quando descobrinios que scu motive: nats fore para vir ae tratamento foi a esperanga de que, alinal de conta, ela ainda poderis obfer um Sredo masculi 1 falta the cra Gio dolores Ja Gibuen para a inveja do pénis, Neste contexto, d do penis na mulher principalmente na medida em que € de origem oral Como sabemos, sob 0 predomfnio dos desejos orais, 0 pénis € equaciona do com © seio (Abraham) e, em minha experiéncia, a inveja do penis 1 mulher pode ser remontada & inveja do seio da mie. Verifiquei que, a inveja do pénis nas mulheres analisada desse Angulo, podemos ver qt sua raiz est4 na relacio mais arcaica com a mie, na inveja fundamental do. seio materno € nos sentimentos destrutivos a ela associados. Freud mostrou 0 quanto a atitude da menina para com a mae € vi mente importante para suas relagdes subseqiientes com os homens. Quan do a inveja do seio materno foi intensamente transferida para o pénis do pai, 0 resultado pode ser um reforco de sua atitude homossexual. Outro resultado pode ser um afastamento stibito e abrupto do seio em diregio pénis, devido as ansiedades excessivas e aos conflitos despertados pe relago oral. Esse € essencialmente um mecanismo de fuga e, portanto, no conduz a relagées estaveis com o segundo objeto. Se o motivo princi pal para essa fuga & inveja e 6dio vivenciados em relagdo A mae, essax emogées so logo transferidas para o pai e, por conseguinte, nfo pode set estabelecida com ele uma atitude amorosa e duradoura. Ao mesmo tempo, a relacao invejosa com a mie expressa-se através de uma rivalidade ed{pi- ‘a excessiva. Essa rivalidade & devida muito menos ao amor pelo pai du que A inveja da mae que possui o pai e seu pénis. A inveja vivenciada cm relagdo ao seio é entio plenamente transportada para a situag&o edipiana. pai (ou seu pénis) torna-se um apéndice da mie ¢ € nesses termos que 3 xaminei, cm relagdo a outros assuntos’*, varios flores: que con esejo considerar a inveja 28 «The Oedipus Complex in the Light of Early Anxieties” (1945), Obras Completas, I, pap. 418, “A inveja do penis ¢ 0 complexo de castragdo desempenham um papel essencial no ile- senvolvimento da menina. Mas eles so muito reforcados pela frustracao de seus desejos edfpi- ‘60s positivos. Embora a menina, em determinado estégio, presuma que sua mie possui um pe nis como atributo masculino, esse conceito nao desempenha um papel to importante em sew desenvolvimento como Freud sugere. A teoria inconsciente de que sua mae contém 0 admiralo e desejado pénis do pai constitui, em minha experiéncia, a base de muitos dos fendmenos qin Freud descreveu como a relacio da menina com a mée félica. Os desejos orais da menina pelo pénis do seu pai mesclam-se a seus primeiros desejos genitais de receber aquele penis. Ussc:s desejos genitais pressupdem o desejo de receber filhos de sew pai, o que € também corroboratky pela equagio “‘pénis=filho”. O desejo feminino de internalizar 0 penis ¢ receber um filho de seu pai precede invariavelmente 0 desejo de possuir um pénis préprio.”” —231- Maus Garde na vidi, cad a-sc, por ConscguiNte, UME VildEA Sobre uu outra mulher. Isso € pertinente mesmo quando néio hé uma rival bv pois a rivalidade € entio dirigida contra a mie do homem, como pode scr visto nas freqiientes perturbagées da relagdo entre nora e sogra. Sc o ho- mem € principalmente valorizado porque conquisté-lo € um triunfo sobre outra mulher, o interesse por ele pode ser perdido assim que 0 sucesso te- nha sido alcangado. Na atitude em relagdo & mulher rival est entio su- bentendido: “Vocé (representando a mée) tinha aquele scio maravilhoso que eu nao pude obter quando vocé o recusou a mim e do qual ainda a quero despojar; portanto, eu tio de vocé aquele pénis que Ihe € téo caro”. A neceSsidade de repetir esse triunfo sobre uma rival detestada contribui freqiientemente, e de maneira considerdvel, para a busca de um homem depois do outro. Mesmo quando 0 6dio ¢ a inveja da mie nao sAo tio fortes, 0 desa- pontamento e o ressentimento podem, ainda assim, levar a um afastamento dela; porém uma idealizagdo do segundo objeto, o pénis do pai e o pai, pode entao ser mais bem-sucedida. Essa idealizagio deriva principalmente da busca por um objeto bom, uma busca que j4 nao teve sucesso e, por- tanto, pode falhar novamente, mas que ndo precisa falhar se 0 amor pelo pai predomina na situacio de citime; pois entdo a mulher pode combinar um certo édio contra a mie com amor pelo pai e, mais tarde, por outros homens. Nesse caso, € possfvel haver sentimentos amistosos em relagdo a mulheres, contanto que elas nao representem demasiadamente um substi- tuto materno. Amizade com mulheres e homossexualidade podem entio estar bascadas na. necessidade de encontrar um objeto bom em lugar do objeto originario evitado. O fato de que tais pessoas — e isso se aplica tanto a homens quanto a mulheres — possam ter boas relagées de objeto 6, portanto, muitas vezes enganoso. A inveja subjacente em relagdo ao ob- jeto origindrio est excindida mas permanece operante e € pass{vel de perturbar quaisquer relagées. Em varios casos, verifiquet que a-frigidez, em graus diferentes, era 0 resultado de atitudes inst4veis em relagdo ao pénis, baseadas principal- mente em uma fuga do objeto origindrio. A capacidade de obter gratifica- cao oral plena, que est4 enraizada numa relagao satisfat6ria com a mae, é a base para sentir orgasmo genital pleno (Freud). No homem, a inveja do seio da mae € também um fator muito impor- tante. Se € intensa e, desse modo, a gratificacéo oral est prejudicada, © dio e as ansiedades sio transferidos para a vagina. Embora normal- mente 0 desenvolvimento genital possibilite ao menino manter sua mie como um objeto de amor, uma perturbacao profunda na relacfo oral abre caminho para dificuldades graves na atitude genital em telagio as muthe- res. As conseqiiéncias de uma relacio perturbada, primeiro com 0 seio e ~232- pe pric dha potenes rene shy Maple tae mente de for se alastide ce mac che dle culpa au wl ede fe da tate Laveuste: faye edt Hes so pai © con 0 fee aliangst Como pe jo de wn esse elemento de trai pice como us Jv pode fer repercussdes como, por exemplo, perturbagGes nat ani Jo sejam de natureza manifestamente hon! com homens, mesmo que xual. Por outro lado, observei que a culpa em relagéo a uma muth da c a ansicdade implicita naquela atitude reforgam freqiientemente at f11 para longe da mulher e aumentam as tendéncias homossexuais. E provavel que a inveja excessiva do seio se estenda a todos os ati butos femininos, particularmente & capacidade da mulher de ter filho:. ‘+ © desenvolvimento € bem-sucedido, a compensacio do homem p: desejos femininos nao realizados pode ser auferida através de uma tl boa com sua mulher ou amante ¢ através de tornar-se pai dos filhos «+ ela concebe dele. Essa relagao propicia outras experiéncias, como a iden tificacdio com o filho, compensando assim, de muitas maneiras, a invep« as frustraces arcaicas; também o sentimento de ter criado o filho contis balanca a inveja arcaica que o homem tem da feminilidade da mac. Tanto em homens como em mulheres, a inveja desempenha um jj» 1 no desejo de tirar os atributos do sexo oposto, bem como de possi on estragar aqueles do genitor do mesmo sexo. Por conseguinte, em anibor: +» sexos, no importa quio divergentes seus desenvolvimentos, 0 citine jv randide ¢ a rivalidade na situagao edipiana direta ¢ invertida so baseailer na inveja excessiva em relago ao objeto originario, a mae, ou melhor , seio. © seio “bom” que nutre e inicia a relagio de amor com a mie & © 1« presentante da pulsdo de vida’ e € também sentido como a primeira nin festagdo da criatividade. Nessa relago fundamental, 0 bebé nfo apen. recebe a gratificagio desejada, mas também sente que est4 sendo nrautiley vivo. Pois a fome, que suscita 0 medo de morrer de inanigao, ¢ possive! mente suscita até mesmo toda dor psfquica e fisica, € sentida como anwa ca de morte. Se a identificagio com um objeto internalizado bom ¢ prop ciador de vida puder ser mantida, ela se torna uma forca propulsora pari criatividade. Embora superficialmente isso possa manifestar-se como cv bica por prestfgio, riqueza e poder que outros tenham alcangado”, sw objetivo real € a criatividade. A capacidade de dar e preservar vida ¢ sen tida como o dom m&ximo e, portanto, a criatividade torna-se a causa nit 29 Ver “A Vida Emocional do Bebé” ¢ “O Comportamento de Bebés””. 3° “Sobre a [dentificagao” (1955). atividade, prprie dit profunda de inveja. O estragar a cr yep, 6 eta do no Paraiso Perdido" de Milton, onde Sata, invejoso de Deus, decide tornar-se 0 usurpador do Céu. Ele faz guerra a Deus na tentativa de estra- gar a vida celestial, e cai do Céu, Caido, ele € seus outros anjos cafdos constroem 0 Inferno como rival do Céu ¢ tomam-se a forga destrutiva que tenta destruir o que Deus cria’™, Essa idéia teolégica parece provir de Santo Agostinho, que descreve a Vida como uma forga criativa, em opo- sico & Inveja, uma forca destrutiva, Nesse sentido, a Primeira Carta aos Corfntios diz: “O Amor nao inveja’””. Minha experiéncia psicanalitica tem me mostrado que a inveja da criatividade é um elemento fundamental na perturbagio do processo cria- tivo. O estragar e destruir a fonte inicial do “bom” logo conduz. a destrui- g&o e ataque aos bebés que a mae contém, e tem como resultado a modifi- cagio do objeto bom, que passa a ser hostil, critico e invejoso. A figura superegéica na qual muita inveja tenha sido projetada torna-se particular- mente persecut6ria ¢ interfere nos processos de pensamento e em toda ati- vidade produtiva, em tiltima instancia na criatividade. A atitude invejosa ¢ destrutiva para com o seio est4 na base da critica destrutiva, a qual é freqiientemente descrita como “mordaz”’ e ““pernicio- sa’. E especialmente a criatividade que se tora objeto de tais ataques. Assim, Spenser, em “The Faerie Queene’, descreve a inveja como um Jo- bo rapace: “He hated all good workes and vertuous deeds And eke the verse of famous Poets witt He does backebite, and spightfull poison spues™ From leprous mouth on all that ever writt. A critica construtiva tem fontes diferentes; visa ajudar a outra pessoa © aprimorar seu trabalho. Algumas vezes ela provém de uma forte identi: *" Livros fe TL, 97 «Mas 6 pela inveja do Diabo que a morte faz. sua entrada no mundo, e aqueles que pertencem 20 Diabo prové-1a-fo” (Sabedoria de Salomao, cap. 2, v. 24). *? Também em Chaucer nés encontramos extensas referéncias a essa maledicfncia e critica des- trutiva que caracterizam a pessoa invejosa, Ele descreve 0 pecado de maledicéncia como tendo origem em uma mistura da infelicidade do invejoso, diante das qualidades boas e prosperidade de outros homens, com sua satisfaco no prejufzo destes. O comportamento pecaminoso 6 ca- racterizado pelo “homem que louva seu vizinho, porém com intuito maldoso, pois ele sempre ape um ‘mas’ no final e a fala elogiosa € seguida por outra de uma reprovactio maior do quea pessoa merece. Ou, se um homem € bom e faz. ou diz. coisas com boa intencéo, 0 maledicente reverterd toda essa bondade a servico de seus pr6prios intentos astuciosos. Ou, se outros ho- mens falam bem de um homem, 0 maledicente entio diré que 0 homem 6 muito bom, mas mencionaré alguém que € melhor e assim desmerecerd aquele que os outros homens louvam”. * “Ele odiava todas as boas priticas e agGes virtuosas. . . E também os versos inspirados de fa- mosos Poetas. Ele calunia e verte de boca leprosa veneno maligno sobre tudo quanto jf foi es- crito”. (N.T.) —234— Paton bambens poder Pespeenil de tniveya ¢ cows, A pessoa anve jaa ¢ justo que, ne oats prezado © descjado anv objeto bom, que também implies bens dade, Além disso, a pessoa que pode, sem rance se com 0 trabatho © idade dos outvos. « tivo © com a fel ahez, repor jos da inveja, do ressentimento © da persepuigan A poupada dos tormes inveja 6 uma fonte de grande infelicidade, e estar relativamente livre debe € sentido como um estado de espfrito de contentamento e de pay, cn ul tima anflise, sanidade. Essa é também, de fato, a base dos recursos inter nos e da capacidade de recuperagéo que podem ser observados cm pes soas que recobram sua paz de espirito mesmo depois de grande adversida de e dor psfquica. Tal atitude, que inclui gratidao por prazeres do passale € satisfacdo com o que o presente pode oferecer, expressa-se em serenic de. Nas pessoas idosas, torna possfvel a adaptacao ao conhecimento «k que a juventude nao pode ser recuperada e possibilita-as a terem prayer e interesse na vida dos jovens. O fato, bem conhecido, de que os pais revivem suas préprias v nas de seus filhos e netos, quando nao é expresso de excessiva posse vidade e de ambicdo defletida, ilustra 0 que estou querendo transi Aqueles que sentem que tiveram sua parcela da experiéncia e dos praz da vida so muito mais capazes de acreditar na continuidade da vida"* Tal capacidade de resignacdo, sem amargura excessiva ¢ ainda mantend viva a capacidade de fruico, tem suas raizes na infancia e depende «k quanto 0 bebé foi capaz de desfrutar o seio sem invejar excessivamente : mae pelo fato de ela possuir 0 seio. Eu sugiro que a felicidade expe mentada na infancia ¢ 0 amor pelo objeto bom que enriquecem a per lidade estéo na base da capacidade de fruigao e de sublimagao, ¢ ainda s fazem sentir na velhice, Quando Goethe disse “‘O mais feliz dos homens ¢ aquele que pode harmonizar o fim ¢ 0 comeco de sua vida’, eu interpre ria “‘o comego” como a relagao inicial feliz com a mae, que ao longo dit vida mitiga 0 édio e a ansiedade, ¢ ainda dé apoio e contentamento A pes soa idosa. Um bebé que tenha estabelecido com seguranga 0 objeto bom pode igualmente encontrar compensagao para perdas e privagées na vic adulta. Tudo isso € sentido pela pessoa invejosa como algo que ela nunca pode alcangar, porque nunca pode ficar satisfcita, e, portanto, sua inveja ¢ reforgada, phat °* & crenca na continuidade da vida foi expressa de maneira significativa no comentério de win menino de cinco anos cuja mf estava grfvida. Ele manifestou a esperanca de que o bebt es- perado fosse uma menina, acrescentou: ‘E entiio ela terd bebés, ¢ sous bebés terfio bebds, assim por diante para sempre”. — 235 - v Em scguida, ilustrarei com material clinico algumas de minhas con clusées**. Meu primeiro exemplo € tirado da andlise de uma mulher. Ll tinha sido amamentada ao seio, mas outras circunstéincias nao foram [avo- raveis e ela estava convencida de que sua tenra infancia e sua amami cdo haviam sido totalmente insatisfat6rias. Seu ressentimento do passado ligava-se & desesperanga quanto ao presente € ao futuro. A inveja do seio nutridor e as conseqiientes dificuldades nas relag6es de objeto j4 haviam sido extensivamente analisadas antes do material ao qual vou me referir. A paciente telefonou e disse que nao poderia vir & sesso por causa de uma dor no ombro. No dia seguinte telefonou para dizer que ainda no estava bem mas que esperava ver-me no dia seguinte. Quando, no terceiro dia, ela realmente veio, estava cheia de queixas. Sua empregada cuidara dela, mas ninguém mais havia se interessado por ela. Descreveu-me como num dado momento sua dor havia aumentado subitamente, acompanhada de uma sensagdo de frio intenso. Ela havia sentido uma necessidade impe- riosa de que alguém viesse imediatamente ¢ cobrisse seu ombro, de ma- neira que ele ficasse quentinho, e fosse embora de novo assim que fizesse isso. Naquele instante Ihe ocorreu que devia ter sido assim que ela sentira quando bebé, ao querer ser cuidada e ninguém vir atendé-la. Era caracterfstico da atitude dessa paciente para com as pessoas, € es- clarecia sua relagio mais arcaica com © seio, desejar ser cuidada e, a0 mesmo tempo, repelir o préprio objeto que a gratificaria. A suspeita da dédiva recebida, junto com sua necessidade imperiosa de ser cuidada, 0 gue em ditima instancia significava um desejo de ser amamentada, expres- sava sua atitude ambivalente para com 0 seio. Tenho me referido a bebés cuja resposta & frustragio é fazer insuficiente uso da gratificacio que a amamentagdo, mesmo se retardada, poderia Ihes dar. Eu presumiria que, apesar de nfo desistirem de seu desejo por um seio gratificador, eles no podem desfruté-lo e, por conseguinte, 0 repelem. O caso em discussio ilustra algumas das razées para tal atitude: suspeita da d&diva que ela de- sejava receber, pois o objeto ja estava estragado por inveja e 6dio, ¢ ao mesmo tempo ressentimento profundo face a qualquer frustragio, Temos também que nos lembrar — e isto se aplica a outros adultos nos quais a in- veja & acentuada — de que muitas experiéncias desapontadoras, certamente devidas em parte & sua prépria atitude, haviam contribufdo para seu sen- timento de que os cuidados desejados nao seriam satisfatérios. Durante essa sesso a paciente relatou um sonho: ela estava num res- ** Bstou ciente de que, no material clfnico que se segue, seriam valiosos os pormenores impor- tantes da hist6ria da paciente, de suz personalidade, idade, ¢ circunstincias externas. Razdes de discricio tomam impossfvel entrar em tais pormenores e posso apenas tentar ilustrar meus te- mas principais através de trechos de material clfnico. — 236 - Veamer Placa frente tna hor ne peyon dor. on (ro. bolinhes Leremboraconnebes os Dente este alo as sepummtess a mutber parceet mute decid all Fembravedhé acminha. Cavia ume chivida tepentina q dos bolinhos (aa realidade petits fours), que a principio elt pet que eran “petit fr”, que the lembrava “petit frau” © dat “hr tuinha interpretagao foi que scu ressentimento quanto As sesso amalfticas perdidas relacionava-se com as mamadas insatisfatss infelicidade na tenra infancia. Os dois bolinhos dentre “dois ou tes" 1 presentavam 0 seio do qual ela sentia ter sido privada duas vezes aw faltar sessdes analfticas. Havia “dois ou trés” porque ela ndo sabia bem s« poderia vir no terceiro dia. O fato de a mulher ser “decidida’’, e de a pur ciente ter seguido seu exemplo ao pegar os bolinhos, indica tanto 5 identificago com a analista quanto a projecdo de sua prdpria voracid:ule nela, No presente contexto, um aspecto do sonho € da maior relevancia. A analista que foi embora com dois ou trés petits fours representava iiw apenas o seio que era retirado, mas também 6 seio que ia alimentar «1 proprio. (Tomada em conjunto com outro material, a analista “‘decidisa" representava nao apenas um seio mas também uma pessoa com cujas qu: lidades, boas e més, a paciente se identificava.) A frustragao tinha sido assim acrescentada a inveja do seio. Essa i veja tinha dado origem a um ressentimento amargo, pois a mae havia side sentida como egofsta e mesquinha, alimentando e amando a si prépria cm vez de a seu bebé. Na situag4o analftica eu era suspeita de ter-me diverti do durante o tempo em que ela estivera ausente, ou de ter dado o tempo at outros pacientes preferidos por mim. A fila em que a paciente decidir: entrar referia-se a outros rivais mais favorecidos. A resposta & andlise do sonho foi uma marcante mudanga na situa emocional. A paciente vivenciava agora um sentimento de felicidade « gratidao, muito mais vividamente do que em sess6es analfticas anteriores, Ela ficou com légrimas nos olhos, 0 que nao era comum,.e disse que s sentia como se agora tivesse tido uma alimentagio inteiramente satisfaté ria®*, Também Ihe ocorreu que sua amamentagio e sua infancia possive! mente haviam sido mais felizes do que presumira. Sentiu-se também mais we lea O cerned: econ a 36 Nao 6 unicamente em \as, mas também em adultos, que as emogées sentidas durante primeiras experiéncias de amamentaeo podem ser plenamente revividas na situagio transfi- rencial. Por exemplo, uma sensagio de fome ou de sede surge intensamente durante a sesso desaparece depois da interpretacio que foi sentida como a tendo satisfeito. Um de meus p cientes, tomado por tais sentimentos, levantou-se do diva e pés seus bragos em volta de unin parte do arco que separava uma parte de meu consult6rio da outra, Tenho constantemente ‘vido no fim de tais sessdes a expresso “Fui bem alimentado”. O objeto bom, em sua form primitiva mais arcaica como a mae que cuida e alimenta 0 bebé, foi recuperado. -237- Handed stn \ pra 0 esperangosa quanto ao futuro © quanto ae t ciente havia se dado inteiramente conta de uma parte de si mesma que era de modo algum desconhecida para cla cm outras circ estava ciente de que era ciumenta e invejosa de varias pe tinha sido capaz. de reconhecé-lo suficientemente na relagio com a lista, porque era demasiado doloroso sentir que ela estava invejando c cs tragando a analista e também o sucesso da andlise. Nessa sessiio, depois das interpretagdes mencionadas, sua inveja havia diminufdo; a capacidade de fruir ¢ a gratid%io haviam passado para primeiro plano, e ela foi capaz de vivenciar a sessao analitica como uma alimentagao feliz. Essa situagéio emocional teve que ser elaborada repetidamente, tanto na transferéncia po- sitiva quanto na negativa, até ser alcancado um resultado mais estavel. stiincias, Hv ss PORE AIO an Foi por torné-la gradualmente capacitada a reunir as partes excindidas do seu self em relacdo A analista, e a reconhecer o quanto me invejava e, portanto, suspeitava de mim, e em primeiro lugar de sua mae, que se deu a experiéncia daquela mamada feliz. Essa experiéncia estava ligada a senti- mentos de gratidao. No decurso da andlise, a inveja diminuiu e sentimen- tos de gratidao tornaram-se mais freqiientes e duradouros. Meu segundo exemplo é tirado da anélise de uma paciente com fortes tragos depressivos e esquizdides. Por muito tempo, cla esteve sujeita a estados depressivos. A andlise prosseguia e fazia algum progresso, embo- ra a paciente repetidamente expressasse suas dtividas quanto ao trabalho. Eu havia interpretado os impulsos destrutivos contra a analista, os pais, os irmaos, ¢ a andlise havia conseguido fazer com que ela reconhecesse fan- tasias especfficas de ataques destrutivos ao corpo da mae. Tal insight era geralmente seguido por depressao, porém de natureza controlavel Chama a ateng%o que a profundidade e a gravidade das dificuldades da paciente nao puderam ser notadas durante 0 perfodo inicial de seu tra- tamento. Socialmente, ela dava a impresso de ser uma pessoa agraddvel, embora propensa a ficar deprimida. Suas tendéncias reparatérias e sua atitude prestativa para com os amigos eram bastante genufnas. Contudo, a gravidade de sua doenga tornou-se aparente num dado momento, devido parcialmente ao trabalho analitico prévio ¢ parcialmente a algumas expe- ri€ncias externas. Ocorreram varios desapontamentos, mas foi um sucesso inesperado em sua carreira profissional que trouxe mais para primeiro plano aquilo que eu vinha analisando por alguns anos, isto é, a intensa ri- validade comigo e 0 sentimento de que em seu préprio campo ela poderia tornar-se igual ou mesmo superior a mim. Tanto ela como eu viemos a re- conhecer a importancia de sua inveja destrutiva dirigida contra mim; e, como sempre acontece quando atingimos esses extratos profundos, parecia que quaisquer impulsos destrutivos existentes eram sentidos como sendo onipotentes € portanto irrevogdveis ¢ irremedidveis. Eu tinha até entdo 238 — tides a sta amas enn A oo havia forte minite propresso © que sti commpreensate desses: unpub « mais de natureza intelectual Durante 0 periody exper ties Masas « que cu quero discutir agora, material de natureza urctal aparecon «+ maior itensidade Um sentimento de grande cuforia em relagio a scu sucesso lose desenyolveu ¢ foi introduzido por um sonho que mostrava o triulo sot mim c, subjacentemente, a inveja destrutiva de mim, representande mac. No sonho, ela estava 14 no ar, sobre um tapete magico que a sustintut ¢ estava acima do topo de uma drvore, Ela estava num plano sufivicnt: mente alto para olhar, através de uma janela, para dentro de wm quate onde uma vaca estava mastigando algo que parecia ser uma infindével (1. de cobertor. Na mesma noite, ela também teve um pedago de sonlo ne qual suas calcinhas estavam molhadas. As associagées a esse sonho tornaram claro que estar por cima de po da drvore significava ter-me sobrepujado, pois a vaca representa. + mim, a quem cla olhava com desprezo. Logo no infcio de sua andlise cla tinha tido um sonho no qual cu era representada por uma mulher api: tipo vaca, enquanto ela era uma menininha que fazia um discurso In1 Ihante e bem-sucedido. Minhas interpretagdes, naquela época, de que cli havia transformado a analista numa pessoa desprezfvel, enquanto cla mostrava um desempenho to bom apesar de ser to mais jovem, foran s parcialmente aceitas, apesar de ela perceber plenamente que a menininh era ela e a mulher-vaca a analista. Esse sonho levou-a gradualmente i dar conta, de maneira mais firme, de seus ataques destrutivos € invejor. a mim e a sua mac. Desde entao a mulher-vaca, representando a mim, (1 cou sendo um elemento bem estabelecido no material e, por conscgunnt: era bastante claro que no novo sonho a vaca no quarto para dentry de qual cla estava olhando era a analista. Ela associou que a infinddvel (1.1 de cobertor representava um infind4vel fluxo de palavras, ¢ ocorret thy que eram todas as palavras que eu dissera na andlise, as quais, agora, ou deveria engolir. A tira de cobertor era uma alusio sarcéstica & falta de cla reza* e de valor das minhas interpretagdes. Aqui vemos a total desvalont zacio do objeto originfrio, significativamente reptesentado pela va bem como 0 ressentimento contra a m&e que néo a amamentara satislite riamente. O meu castigo, ter que comer todas as minhas palavras, most « desconfianga profunda e as dividas que repetidamente a assaltavam 1 * Em inglés, wooliness: falta de clareza, confusdo, pensamento enrolado, representado no wanlws pela alusao a wool: Ia do cobertor. (N. T.) —239- curso da andlise. “Tornou-se bem claro ey que a analista maltratada nao era confidvel, © que confiar na andlise desvalorizada. A paciente ficou s sua atitude em relacao a mim, a qual, antes do sonho, ela havia por lonye tempo se recusado a reconhecer em todo o seu impacto. No sonho, as calcinhas molhadas e as associagées a elas expressav: (entre outros significddos) venenosos ataques uretrais & analista, os quais deveriam destruir suas capacidades mentais e transform4-la na mulher-va- ca. Logo depois, ela teve outro sonho ilustrando esse ponto especffico. Ela estava em pé, na base de uma escada, olhando para cima, onde havia um jovem casal com o qual havia algo de errado. Atirou uma bola de li para eles, 0 que descreveu como “mfgica boa”. Suas associagdes mostra- ram que a magica m4 e mais especialmente o veneno devem ter dado ori- gem A necessidade de usar boa mAgica depois. As associagGes com o casal permitiram-me interpretar uma situacdo atual de citimes que era forte- mente negada, e levou-nos do presente a experiéncias mais antigas e, na- turalmente e em diltima instancia, aos pais. Os sentimentos destrutivos e invejosos dirigidos 4 analista, e no passado dirigidos & sua mae, aparece- ram como subjacentes aos citimes e A inveja dirigidos ao casal no sonho. © fato de que essa leve bola no aleancara 0 casal indicava que sua repa- ragio nao havia sido bem-sucedida, e a ansiedade quanto a esse fracasso era um importante elemento em sua depressio. Isso € apenas um extrato do material que demonstrou convincente- mente A paciente a sua venenosa inveja da analista e do seu objeto origi- nario. Ela sucumbiu a uma depressio tio profunda como jamais tivera. A causa principal dessa depressfio, que se seguiu a seu estado de euforia, foi que ela havia sido levada a tomar consciéncia de uma parte completa- mente excindida dela mesma, a qual até ent&o nfo fora capaz de reconhe- cer. Como eu disse anteriormente, era muito diffcil ajud4-la a se dar conta de seu édio e agressividade. Porém, quando nds chegamos a essa particu- lar fonte de destrutividade, isto é, A sua inveja como forga propulsora le~ vando-a a danificar ¢ humilhar a analista (a qual era altamente valorizada em outra parte de sua mente), ela nao p6de suportar ver-se sob essa luz. Nao aparentava ser particularmente jactanciosa ou presuncosa, porém ti- nha se agarrado a um retrato idealizado de si prépria, usando uma varie~ dade de processos de excisiio e defesas manfacas. Como conseqiiéncia de tomar consciéncia de que se sentia mé e desprezfvel, 0 que nesse estégio da anélise j no podia mais negar, a idealizagao caiu por terra e veio tona desconfianca de si mesma, bem como culpa pelo irrevogavel dano feito no passado e no presente. Sua culpa e depressao focalizavam-se em seu sentimento de ingratidao em relago & analista, que, ela o sabia, a ha~ via ajudado e a estava ajudando, e em relagao a quem ela sentia despre- zo ¢ 6dio; em tiltima andlise, focalizavam-se na ingratido em relacéo & aa GambEn nae poi presi © chocadit Cor —240- Nandi leven a fon sey Me por ssado, ast jente seus viratento: CO au: A aamalistit ¢ ati ques 2 nO py 1 famflicn, one « va sens sentimentos tanto de dade quanto de docnga, Hoi a put fio fortemente os tragos: retrais finham sido excindidos. Cada am desses tacos partes: importantes da personalidade ¢ interesses da paciente. Ox p: io A intcgragéo, que tiveram lugar apés a andlise da depre: implicavam a recuperagao dessas partes perdidas, ¢ a necessidade de on caré-las era a causa da sua depressao, ver que ela foi capar de ver « fidico avai « ic enyolyer O pr6ximo exemplo € 0 de uma paciente que eu descreveria com prt camente normal. Com o correr do tempo ela tinha se tornado gr mente mais ciente da inveja que sentia tanto em relagdo a uma inna mun. velha quanto em relagSo A sua me. A inveja da irm havia sido conti balangada por um sentimento de grande superioridade intelectual, que 1 nha base real, e por um sentimento inconsciente de que a irma era cxite mamente neurética. A inveja da mae foi contrabalancada por sentini# muito fortes de amor e apreciacdo por suas qualidades boas. A paciente relatou um sonho no qual estava em um vagéo de ten sozinha com uma mulher, da qual ela podia ver apenas as costas © «t estava inclinando-se em diregdo A porta do compartimento do trem, com grande perigo de cair para fora. A paciente segurou-a firmemente rando-a pelo cinto com uma mio; com a outra mio ela escreveu um avi que dizia que um médico estava ocupado com um paciente neste com timento e no deveria ser perturbado, e pendurou esse aviso na jancli Seleciono as seguintes associagées ao sonho: a paciente tinha «i sentimento muito vivo de que a figura que ela agarrava firmemente ¢1:1 parte dela mesma, e uma parte louca. No sonho ela tinha a convic que nfo deveria deix4-Ia cair para fora através da porta, e sim manté. vagio e lidar com ela. A anflise do sonho revelou que © compartimente do trem representava ela mesma. As associagGes com 0 cabelo, que cit visto apenas por trds, eram com sua irmé mais velha. Outras associagic. Jevaram ao reconhecimento de rivalidade e¢ inveja em relagdo a irma, ¢ 1 portavam-se ao tempo em que a paciente era ainda uma crianga, enqt sua irma j4 estava sendo cortejada. Ela entéo falou de um vestido que suit mée usava, 0 qual a paciente, quando crianca, tinha admirado ¢ cobicalo Esse vestido mostrava claramente a forma dos seios, e, embora isso 1 fosse inteiramente novo, tornou-se mais evidente do que antes que aquily nite ~241 ~ que a paciente originariamcnte invejara ¢ extrayara, can sta Lan Lee seio da mie. Esse reconhecimento fez surgir maiores sentimentos de culpa, ‘em relago irm& como & mfée, e levou a uma nova revisio de sua antigas relagdes. Ela chegou a uma compreensfio muito mais solidari as deficiéncias dessa irma e sentiu que nao a havia amado suficientemen- te. Também descobriu que, em sua tenra infancia, havia amado a ina mais do que até ent4o se lembrara. Eu interpretei que a paciente sentia que ela tinha que manter sob scu controle uma parte louca e excindida dela mesma, o que também estava ligado a internalizagdo da irmi neurética. A paciente, que tinha raz6es pa- ra considerar-se razoavelmente normal, teve um sentimento de grande surpresa ¢ choque depois da interpretagio do sonho. Esse caso ilustra a conclusio, que est4 se tornando cada vez mais familiar, de que mesmo em pessoas normais existe um res{duo de sentimentos ¢ mecanismos paranéi- des ¢ esquiz6ides, geralmente excindidos de outras partes do self.” O sentimento da paciente, de que ela tinha que manter um firme con- trole sobre aquela figura, indicava que ela deveria também ter ajudado mais sua irma, impedindo-a, por assim dizer, de cair; e esse sentimento era agora revivenciado em relagdo 3 irm4 como um objeto internalizado. A revisio de suas relagées mais antigas estava ligada a mudangas nos sentimentos para com seus objetos origindrios introjetados. O fato de que sua irm& também representava sua parte louca mostrou-se como sendo parcialmente uma projecio de seus préprios sentimentos esquizdides ¢ pa- ran6ides na itm, Foi com essa tomada de consciéncia que diminuiu a ci- sfo em seu ego. Quero agora referir-me a um paciente do sexo masculino e relatar um sonho que teve um papel importante em fazé-lo reconhecer nao apenas impulsos destrutivos para com sua me e para com a analista, mas também a inveja como um fator bem especffico em sua relagdo com elas. Até aquele momento, e com fortes sentimentos de culpa, ele j4 havia reconhe- cido em alguma medida seus impulsos destrutivos, mas ainda nao se havia dado conta de sentimentos invejosos ¢ hostis dirigidos contra a criativida- de da analista e contra a de sua mie no passado. Ele estava ciente, contu- do, de que sentia inveja de outras pessoas € que, juntamente com uma boa relagdo com seu pai, ele tinha também sentimentos de rivalidade e citime. O seguinte sonho trouxe um insight muito mais forte quanto @ sua inveja da analista ¢ iluminou scus desejos arcaicos de possuir todos os atributos femininos de sua mae. mais com °7 The Interpretation of Dreams de Freud mostra claramente que alguns desses resfduos de lou- cura encontram expresso em sonhos, ¢ que estes 840, portanto, uma salvaguarda muito valiosa da sanidade. —242— wet Hinde bebe © wala vere pene a do bebe. | cle notou «tina que ver cou Ou mite preocupado — que os intestines do bebs cs do, pois © bebé havia sido ferido pelo anzol que havia engolide cm estado de peixe. A associagio com o verde foi com a capa dos livre séric “International Psycho-Analytical Library”, € 0 paciente conw que © peixe na cesta representava um de meus livros que ele havia obvi. mente roubado. Outras associagées mostraram, entretanto, que o peixe 1 no apenas meu trabalho ¢ meu bebé mas que também represemtava a mim, O fato de eu ter engolido o anzol, que significava ter engolido 1 v: ca, expressava seu sentimento de que eu havia formado uma opiniiio me Ihor a seu respeito do que éle merecia e que ndo havia reconhecido « havia também partes muito destrutivas de seu self agindo contra mim Embora o paciente ainda nfo pudesse reconhecer plenamente que o mode como ele tratava o peixe, o bebé e a mim significava destruir-me ¢ a meu trabalho por inveja, ele inconscientemente se dava conta disso. Liu tam bém interpretei que a cesta de lavanderia expressava, neste caso, seu de sejo de ser uma mulher, de ter bebés e de privar sua mie deles. O desse passo em diregdo & integracdo foi um forte ataque de depressiio por fer que encarar os componentes agressivos de sua personalidade. Embor isso tivesse sido antevisto na parte inicial de sua andlise, ele agora o v1 venciava como um choque e como horror a si mesmo. Na noite seguinte 0 paciente sonhou com um hicio, com o qual asse ciou baleias e tubardes; porém, no sonho, ele nao sentia que o lticio foss« um ser perigoso. Ele era um peixe velho e parecia cansado e muito Sobre o Icio estava uma rémora*, ¢ o paciente imediatamente mencionon que a rémora nao suga o hicio ou a baleia, mas adere por sucgdo & super ficie deles, e assim fica protegido de ataques de outros peixes. O pacient« reconheceu que essa explicacio era uma defesa contra seu sentimento «lc ser a rémora € de eu ser o velho e desgastado hticio, tendo eu ficado nese estado por ter sido tio maltratada no sonho da noite anterior € por cle sentir que havia me sugado até me exaurir. Isso tinha me torado um ob jeto nao s6 danificado, mas também perigoso. Em outras palavras, ansic dade persecut6ria e ansiedade depressiva tinham passado a primeiro pli no; 0 Kiicio, associado as baleias ¢ tubardes, mostrava os aspectos pers: cutérios, enquanto sua aparéncia velha e gasta expressava o sentimento ile nento f * Em ingles, suckerfish: tipo de peixe que adere, por succio, a outros peixes maiores, Suck «vt dizer também sugar, chupar. (N. 7.) aaa culpa do paciente pelo mal que ele nuava a fazer. A forte depresso que sucedeu a esse insight durou varias mais ou menos sem interrupgo, mas nao interferiu no trabalho do pa- ciente e em sua vida familiar. Ele descreveu essa depressdo como dife- rente e mais profunda que qualquer outra que até entdo experimentara. A necessidade premente de reparagdo, que se exprimiu através de trabalho ffsico e mental, foi aumentada pela depressao e abriu caminho para sua superagao. O resultado dessa fase na andlise foi muito evidente. Mesmo apés a depressio ter-se dissipado, depois de ter sido elaborada, 0 paciente ficou convencido de que nunca mais iria se ver do modo como se via an- tes, embora isso nao implicasse mais um sentimento de desalento mas sim um maior conhecimento de si mesmo e também uma maior tolerancia para com as outras pessoas. A andlise conseguira um passo importante na inte- gragiio, ligado ao fato de ter © paciente se tomado capaz. de encarar sua realidade psfquica. No decurso de sua andlise, entretanto, havia ocasides em que essa atitude ndio podia ser mantida. Como em todos os casos, isso guer dizer que a claboracao foi um processo gradual. Embora sua observagao ¢ seu julgamento sobre as pessoas tivessem sido até entéo razoavelmente normais, houve uma melhora indiscutfvel como resultado dessa etapa de seu tratamento, Uma outra conseqiiéncia foi que lembrangas da infancia e de sua atitude em relacdo aos irmios emergiram com maior forga e reconduziram-no a relagio arcaica com a me. Durante 0 estado de depressdo a que me referi, ele havia perdido em grande parte, como ele mesmo reconheceu, o prazer e 0 interesse na anéli- se; mas recuperou-os totalmente quando a depressio se dissipou. Trouxe ento um sonho que ele préprio viu como depreciando ligeiramente a analista, mas que na andlise revelou-se como expressando uma intensa desvalorizagao. No sonho ele tinha que lidar com um menino delinqtiente, mas nao estava satisfeito com a maneira pela qual havia manejado a situa- cdo. O pai do menino sugeriu levar 0 paciente de carro a sua destinagio. O paciente notou que estava sendo levado cada vez para mais longe de ‘onde queria ir. Depois de algum tempo, ele agradeceu ao pai e saiu do carro; mas no estava perdido, pois manteve, como de costume, um senti- do geral de diregdo. De passagem, olhou para um edificio bastante fora do comum que, pensou, parecia interessante ¢ adequado para uma exposicio mas que ndo seria agrad4yel como moradia. Suas associagGes ao edificio ligavam-se a certo aspecto de minha aparéncia. Ele entdo falou que 0 edi- ficio tinha duas alas e lembrou-se da expresséo “‘pér alguém sob as asas’”’*, Reconheceu que 0 menino delingiiente, pelo qual ele havia se in- que vinkit me Lavende © contr semanas, * Em inglés, wings: asas.¢ alas. (N. 7.) —244~ Conte par, i pt Vimar forge de cic den Gnacte, os praniedinvidas que pac cual trata at Fit de ine desvalorizar, ele questionaval se eno cud levamde nat diregae cc Arto IF Go Tunde, © se CWO estan se eH prejudicando, A referencia a manter seu senso de d nu HO © mie 20 contra contr lide implies © pai do mening co eele sabia que a > valiosa para cle © que cra stu de iim que aumentaya suas diividas. ‘Vambém compreendeu que © edificio interessante, no qual 1 ria de viver, representava a analista, Por outro lado, sentia que cu, analisé-lo, o tinha tomado sob minhas asas € o estava protegendo de seu conflitos e ansiedades. As dtividas e acusag6es contra mim, no soul eram usadas como desvalorizacio e relacionavam-se n&o apenas con am veja, mas também com seu desanimo face 4 inveja e com seus sentinient de culpa por sua ingratidao. Houve uma outra interpretagdio desse sonho, a qual foi também con firmada por outras subseqiientes, ¢ que foi baseada no fato de que, 1: +1 tuagéio analitica, eu representava freqiientemente o pai, rapidamente sando a representar a mie, e 4s vezes representava ambos simullanca mente. Essa interpretagao foi que a acusagao contra o pai, por té-lo leviule na diregdo contraria, estava ligada a sua antiga atracio homossexual jul pai. "Durante a andlise, comprovara-se que essa atracdo estava lipala intensos sentimentos de culpa, pois foi-me possfvel mostrar ao pacient que a inveja e o 6dio de sua mae e do scio desta, fortemente excindidle:,, tinham contribufdo para ele se voltar para o pai, e que seus desejos ho mossexuais eram sentidos como sendo uma alianga hostil contra a mac. ‘\ acusag&o de que o pai o levara na diregéio contraria estava ligada com « sentimento geral, que freqiientemente encontramos nos pacientes, de qt ele tinha sido seduzido para o homossexualismo. Aqui nds temos a proj ¢&o dos préprios desejos do indivfduo no progenitor. A anflise de seu sentimento de culpa teve vdrios efeitos; ele sentir um amor mais profundo por seus pais; também se deu conta — e estes dor: fatos estdo intimamente ligados — de que tinha havido um elemento com pulsivo em sua necessidade de fazer reparaco. Uma identificagdo exape rada com © objeto danificado em fantasia — originalmente a mae — (inhi prejudicado sua capacidade de fruir plenamente, ¢ portanto, em certa mu dida, empobrecera sua vida. Tornou-se claro que mesmo em sua relaciws mais inicial com sua mie, embora nfo houvesse nenhuma razo para «lu vidarmos de que ele tivesse sido feliz na amamentagao, ele nao tinha capaz. de desfrut4-la completamente, por causa de seu medo de exaurir lesar o seio. Por outro lado, a interferéncia em sua fruigéo deu ense ressentimento € aumentou seus sentimentos de perseguicao. Esse é um ~ 245 — exemplo do processo, yue cu descrevi num capitulo anterior, pelo nos estdgios mais iniciais de desenvolvimento, a culpa —¢ culpa quanto A inveja destrutiva da mae ¢ da analista — é passfvel de trans: formar-se em perseguigdo. Suas capacidades de fruicao e de gratidao cm um nfvel profundo aumentaram através da andlise da inveja priméria e da correspondente diminuicfo das ansiedades depressiva e persecutéria. particular a Mencionarei agora o caso de um outro paciente, no qual uma tendéncia a depressio era também acompanhada de uma necessidade compulsiva de reparagio; sua ambigdo, rivalidade e inveja, que coexistiam com varios outros tragos de bom caréter, tinham sido gradualmente analisadas. Nao obstante, s6 depois de alguns anos** foi que o paciente vivenciou plena- mente, por estarem muito excindidos, a inveja do seio ¢ de sua criativida- de e 0 desejo de estragé-lo. No infcio de sua andlise, teve um sonho que descreveu como “ridfculo”: ele estava fumando seu cachimbo, que estava cheio de artigos meus que haviam sido arrancados de um de meus livros. Inicialmente expressou grande surpresa com relagao a isso, porque “nao se fumam artigos impressos’’. Interpretei que isso era apenas uma caracte- rfstica menor do sonho; o principal significado era que ele tinha rasgado meu trabalho € 0 estava destruindo, Eu também mostrei que a destruigéio de meus artigos era de natureza s4dico-anal, implicita no fumé-los. Ele havia negado esses ataques agressivos — pois, associada A forca de seus processos de ciséo, tinha uma grande capacidade de negagio. Outro as- pecto desse sonho foi que emergiram sentimentos persecutérios em rela- Go & andlise. Ele havia se ressentido de interpretag6es anteriores e as ha~ via sentido como algo que tinha que “pér no seu cachimbo e fumar”. A andlise de seu sonho ajudou © paciente a reconhecer seus impulsos des- trutivos contra a analista, e também que esses tinham sido estimulados por uma situagdo de citimes que havia surgido no dia anterior, situagio que girava em torno do sentimento de que uma outra pessoa era mais valoriza- da por mim do que ele. Mas o insight obtido nao levou a uma compreen- sio de sua inveja da analista, embora isso tivesse sido interpretado para ele. Nao tenho diivida, contudo, de que isso tenha facilitado o apareci- mento de material em que impulsos destrutivos e inveja tornaram-se gra- dativamente mais claros. Em um est4gio ulterior de sua andlise, um clfmax foi aleangado quan- do todos esses sentimentos em relagdo a analista calaram fundo no pa- 3° A experiéncia mostrou-me que, quando o analista fica plenamente convencido da importancia de um novo aspecto da vida emocional, ele se torna capaz. de interpret4-lo mais cedo na andli- se. Dando-Ihe assim suficiente énfase, sempre que o material o permita, ele pode propiciar que © paciente se conscientize de tais processos muito mais cedo e, assim, a eficiéncia da anflise pode ser aumentada. 246 WO pcos ne hid me rane de pe estav: Associou 0 objéto semiciret fida suai potGncia. Nesse s star fazendo bom uso de sua andlise ¢ por scus impulses: des 6 para comigo. Em sua depresso, sentiu que eu no podia ser prc vada; ¢ havia muitos elos com ansiedades semelhantes, em parte até «+ cientes, de que ele néo tinha sido capaz de proteger sua mc quant pai estava longe, durante a guerra e subseqiientemente. Seu sentiment culpa em relagéio & sua mie e a mim jé havia sido, a essa altura, exter mente analisado, Recentemente, porém, ele viera a sentir mais especil mente gue era a sua inveja que me destrufa, Seus sentimentos de culpa ¢ infelicidade eram ainda maiores porque, em uma parte de sua mente, era grato a analista. A frase “isso me mantinha em movimento” suy como a anflise era essencial para ele, e que ela era uma precondiciie | sua poténcia em seu sentido mais amplo, ou seja, para o sucesso dc tel as suas aspiragées. A tomada de consciéncia de sua inveja e édio de mim veio-Ihe cou! um chogue e foi seguida por forte depressZo e um sentimento de desval. Acredito que essa espécie de choque, que jé relatei em varios casos, & 1 sultado de um passo importante na restauracio da cisdo entre partes: te self, assim, uma etapa de progresso na integracio do ego. Uma conscientizagio ainda mais plena de sua ambigdo e inveja sc deu numa sess&o subseqiiente ao segundo sonho. Ele falou do conheciment que tinha de suas limitagdes e, como ele disse, ndo esperava que vies «1 cobrir de gléria a si mesmo e 2 sua profissdo, Nesse momento, ait: a influéncia do sonho, entendeu que esse modo de expressar-se mostiavs a forga de sua ambicdio e sua comparacio invejosa comigo. Depois dle sentimento inicial de surpresa, esse relacionamento veio com pleua « viegio. coindo, qual cle est bs pedagos, ¢ crite ye deregio do pe VI Tenho freqiientemente descrito minha abordagem da ansiedade come um ponto focal de minha técrica, Contudo, desde 0 infcio, as ansicdacle Em inglés this kept me going & uma expressio mais coloquial ¢ mais precisa, sem cortenprn dente em portugués. Tende mais para um sentido de algo que sustentava o paciente, Ihe dav forga. (N.T.) O47 = néio podem ser enfrentadas sem as defesas ec clas, Como ascanaler num capttulo anterior, a primeira e principal (ung ansiedade, Penso mesmo ser provavel que a ansiedade primordial, eng: drada pela ameaga interna da pulsao de morte, possa ser a explicagéo Ue ser 0 ego posto em atividade a partir do nascimento. O ego est& constan- temente protegendo-se da dor e da tens%o que a ansiedade faz surgir c, portanto, faz uso de defesas desde o inicio da vida pés-natal. Mantenho h4 anos a concepgdo de que a maior ou menor capacidade de tolerar a an- siedade € um fator constitucional que influencia fortemente 0 desenvolvi- mento de defesas. Se sua capacidade de agiientar a ansiedade € inadequa- da, 0 ego pode voltar regressivamente a usar defesas mais primitivas ou mesmo ser Ievado ao uso excessivo de defesas préprias a seu estdgio Como resultado, a ansiedade persecutéria e os métodos de lidar com ela podem ser tao fortes que, subseqiientemente, a elaboragiio da posicao de- pressiva soja prejudicada. Em alguns casos, particularmente do tipo psi cético, somos confrontados desde o infcio com defesas de natureza tio manifestamente impenetraveis que, por algum tempo, pode parecer impos- sfvel analis4-las. Enumerarei agora algumas das defesas contra a inveja, que tenho en- contrado no decorrer de meu trabalho, Algumas das defesas mais primiti- vas, j4 muitas vezes descritas, tais como a onipoténcia, a negagiio e a ci- sio, sio reforgadas pela inveja. Em um capitulo anterior, sugeri que a idealizacéo serve nao apenas como uma defesa contra a perseguic’o mas também contra inveja. Nos bebés, se a ciséo normal entre 0 objeto bom e o mau nao for inicialmente bem-sucedida, esse fracasso, ligado & inveja excessiva, resulta freqiientemente em cisdo entre um objeto origina- rio onipotentemente idealizado e um objeto originério muito mau. A ex- cessiva exaltagéo do objeto e de seus dons é uma tentativa de diminuir a inveja. Contudo, se a inveja € muito forte, € provavel que, mais cedo ou mais tarde, ela se volte contra 0 objeto origindrio idealizado e contra ou- tras pessoas que venham a representd-lo ao longo do desenvolvimento. Como foi sugerido anteriormente, quando a ciséo normal fundamental entre 0 amor e 0 6dio, e entre 0 objeto bom € o mau, nao € bem-sucedida, pode surgir confusdo entre o bom e o mau objetos®®. Acredito ser essa a base de toda confusdo — quer em estados confusionais graves, quer em formas mais brandas tais como a indeciséo —~, a saber, uma dificuldade de chegar a conclusées ¢ uma perturbacéo na capacidade de pensar clara- mente. Porém a confuséo é também usada defensivamente: isso pode ser visto em todos os nfveis de desenvolvimento. Tanto a perseguicao quanto a culpa por estragar e atacar por inveja © objeto primério sao, até certo fo do ego & lidar cou +? Cf. Rosenfeld, “Notes on the Psychopathology of Confusional States in Chronic Schizophre- nias” (1950), — 248 — bc enteababy weet abe Dons ou an Stata « enti ca pele «tonto. con lee Meso enn pes: pele objet: Mes nnd edad dhe pelo «iine eausade criatividade sito Llores impor euldade em claborar a posigio depressiva O fusir da mie para outras pessoas aduiradas ¢ idealizadas iv tiv de evitar scutimentos hostis para com aquele mais importante objeto invepate (¢ portanto odiado), © seio, torna-se um meio de presen significa também preservar a mie". Tenho constantemente assin 6 da maior importancia 0 modo como € feita a passagem do prin jeto para o segundo (o pai). Se a inveja e 0 édio sio predominates, cs emogées so transferidas, em certo grau, para o pai ou para os irmitinn:, mais tarde para outras pessoas, e daf por diante 0 mecanismo de | cassa. Em conex4o com o reptidio ao objeto originario, h& uma dispersiw de sentimento para com ele, a qual pode levar & promiscuidade num cstiyt ulterior do desenvolvimento. A ampliacio das relag6es de objetos 1 fancia € um processo normal. Na medida em que 0 relacionamento com novos objetos substitui, em parte, o amor pela mie, ¢ ndo € predominan temente uma fuga do édio por ela, 0s novos objetos podem ajuit uma compensagao para 0 inevitavel sentimento de perda do objeto prinws ro e singular — uma perda que surge com a posigao depressiva. O amore gratiddo sAo, entéio, em graus varidveis, preservados nas novas rel embora essas emogées fiquem, em alguma medida, distanciadas dos sen timentos para com a mde. Contudo, se a dispersio de emogdes & us.ula predominantemente como uma defesa contra a inveja ¢ 0 6dio, tais detent nao constituem uma base para relagdes de objeto estAveis, porque sito in fluenciadas pela persistente hostilidade para com 0 primeiro objeto. Muitas vezes, a defesa contra a inveja toma a forma de desvaloriu Go do objeto, Bu tenho sugerido que o estragar e o desvalorizar sii 1 rentes & inveja. O objeto que foi desvalorizado nao precisa mais sct ive jado. Isso logo se estende ao objeto idealizado, que € desvalori desse modo, nfo mais idealizado. O quéo rapidamente essa idealizu, desmorona vai depender da forca da inveja. Mas em todos os nfveis +l desenvolvimento recorre-se & desvalorizacao ¢ A ingratidao como dete: contra a inveja e, em algumas pessoas, elas permanecem como caracte! ticas de suas relagGes de objeto. Tenho me referido a pacientes que, ns situago transferencial, depois de terem sido inegavelmente ajucados. jy ose *° Cf, “A Vida Emocional do Bebé”. —249- uma interpretagio, criticanmaa até que nad de bon sobre debi ne ful Para dar um exemplo: um paciente, que durante umn sessiio analttica havin chegado a uma solugio satisfatéria de um problema externo, comegou a sessiio seguinte dizendo que estava muito aborrecido comigo: no dia an rior, eu havia despertado nele uma grande ansiedade ao fazé-lo enc esse problema especffico. Viu-se também que ele se sentia acusado e des- valorizado por mim porque, até que 0 problema tivesse sido analisado, a solugéo nao havia ocorrido a cle. Foi somente depois de reconsiderar a questiio que ele reconheceu que a anélise havia, na verdade, sido wtil. Uma defesa propria a tipos mais depressivos 6 a desvalorizagéo do self. Algumas pessoas podem ser incapazes de desenvolver seus dons e de usé-los com sucesso. Em outros casos essa atitude surge apenas em certas ocasides, sempre que haja perigo de rivalidade com uma figura importan- te. Desvalorizando seus préprios dons, elas tanto negam a inveja como punem-se por ela. Contudo, pode ser visto em andlise que a desvaloriza- co do self incita novamente a inveja do analista, que é sentido como su= perior, particularmente porque o paciente desvalorizou-se intensamente. Privar a si mesmo de sucesso tem, € claro, muitos determinantes, € isso se aplica a todas as atitudes a que estou me referindo"!, Mas uma das rafzes mais profundas que encontrei para essa defesa foi a culpa e a infelicidade por ndo ter sido capaz, de preservar 0 objeto bom devido & inveja. As pes- soas que estabeleceram seu objeto bom de modo um tanto precério sofrem pela ansiedade de que ele venha a ser estragado e perdido devido a senti- mentos invejosos e competitives e, assim, tém que evitar sucesso e com- peticio. Uma outra defesa contra a inveja est4 infimamente associada A vora- cidade. Ao internalizar 0 seio tGo vorazmente que na mente do bebé o seio se torna inteiramente posse sua e por ele controlado, o bebé sente que tudo de bom que ele atribui ao seio ser& dele proprio. Isso € usado para contrabalancar a inveja. [i a prépria voracidade com que essa internaliza- Go € efetuada que contém 0 germe do fracasso. Como eu disse antes, um objeto bom que € bem estabelecido, e por conseguinte assimilado, néo apenas ama 0 sujeito como € amado por ele. Acredito que isso seja carac- terfstico da relagéio com um objeto bom, mas nao se aplica, ou somente num grau mfnimo, a um objeto idealizado. Devido & possessividade pode- rosa e violenta, 0 objeto bom € sentido como transformando-se num per- seguidor destrufdo, e as conseqiiéncias da inveja nao séo suficientemente impedidas. Em contraste, quando se tem tolerancia em relagfio a uma pes- soa amada, essa tolerancia € também projetada em outros, que, assim, tor- nam-se figuras amistosas. “1 Cf. Frend, “Some Character-Types Mt with in Psycho-Analytic Work” (1915). —250- ue pee oe Dea sont be cort \ ane ta que wave gt e sentee wicdade pouscout dao sade mAs pe As NYE JOR: © fo abyeto mnferne nye jose fides: Come Os prote outa ai7ae pele qual essa dete cAria provém, cn til tine igo depressiva, O desejo de tor cjosas otis pe dat pw soas, particularmente as pessoas amadas, © de triunfar sobt culpa © medo de danificé-las. A ansiedade suscitada prejudic «las préprias posses ¢ mais uma vez aumenta a inveja. HA uma outra defesa, nao rara, 0 abafamento de sentimentos de uni € a correspondente intensificagéo do ddio, porque isso € menos dole do que suportar a culpa que surge da combinacdo de amor, Sdio © inves Isso pode nao se expressar como 6dio mas tomar a forma de indi Uma defesa afim € a de retirar-se do contato com as pessoas. A neve dade de independéncia que, como sabemos, € um fendmeno normal do «le senvolvimento, pode ser reforgada a fim de evitar gratidfo ou culpa pel ingratidfio e inveja. Na andlise, verificamos que, inconscientemente. ess: independéncia €, de fato, bastante esptiria: o individuo permanece depen dente de seu objeto interno. Herbert Rosenfeld‘? descreveu um método especffico de lidar com a situago, no qual partes excindidas da personalidade se juntam, inclusive as partes mais invejosas e destrutivas, e ocorrem passos em diregiio 3 in tegrac4o. Ele mostrou que 0 acting out é usado a fim de evitar que a cisiv se desfaga; a meu ver o acting out, na medida em que € usado para evi a integracio, torna-se uma defesa contra as ansiedades despertadas pel: aceitagdo da parte invejosa do self. Nao descrevi de modo algum todas as defesas contra a inveja, pois sua variedade € infinita. Elas estéo intimamente associadas as defe: contra os impulsos destrutivos e as ansiedades persecutéria e depressiva. Seu éxito depende de muitos fatores externos e internos. Como foi mem cionado, quando a inveja € forte, e por conseguinte provavel seu reapare- cimento em todas as relagGes de objeto, as defesas contra ela parecem scr precérias; as defesas contra os impulsos destrutivos nfio dominados pela inveja parecem ser muito mais eficazes, embora possam implicar inibicGes ¢ limitacdes da personalidade. Quando predominam tracos esquizdides e parandides, as defe: contra a inveja néo podem ser bem-sucedidas, pois os ataques ao sujcito Jevam a um sentimento aumentado de perseguicio, com o qual ele s6 pode lidar por meio de ataques renovados, ou seja, reforgando os impulsos 4? “An Investigation of the Need of Neurotic and Psychotic Patients to Act out during Analysis” (1955). -251- destrutivos. Desse modo € estabelecide uni efreute vietose que pre pul capacidade de contrabalangar a inveja. Isso se refere particukumente sos de esquizofrénicos e explica, até certo ponto, as dificuldades qu interpdem & sua cura‘. © resultado 6 mais favordvel quando existe, em certa medida, w telacio com um objeto bom, pois isso também significa que a posigdo de pressiva foi parcialmente elaborada. A experiéncia de depresso ¢ culpa implica 0 desejo de poupar 0 objeto amado e de restringir a inveja. As defesas que enumerei, ¢ muitas outras, fazem parte da reagdo tera péutica negativa porque s4o um obstdculo poderoso & capacidade de in- ternalizar 0 que o analista tem a dar. Referi-me anteriormente a algumas das formas que toma a inveja ao analista. Quando 0 paciente € capaz de experimentar gratiddo — e isso significa que em tais momentos cle est4 menos invejoso — ele esté numa posi¢o muito melhor para se beneficiar com a anélise ¢ para consolidar os ganhos j4 adquiridos. Em outras pala- vras, quanto mais os tragos depressivos predominarem sobre os tragos es~ quiz6ides ¢ parandides, melhores sao as perspectivas de cura. A Ansia por fazer reparacao e a necessidade de ajudar 0 objeto inve- jado so também meios muito importantes de contrabalangar a inveja. Em Wltima instancia, isso pressupée contrabalangar os impulsos destrutivos pela mobilizagao de sentimentos de amor. Tendo me referido varias vezes A confusdo, pode ser ttil resumir alguns dos mais importantes estados de confusdo tal como normalmente surgem em diferentes estégios de desenvolvimento e em vrias conexdes. Tenho freqiientemente assinalado“* que, desde o infcio da vida pés-natal, desejos libidinais e agressivos, de natureza anal, uretral (e mesmo genital), esto em atividade — embora sob o dominio da oralidade —, ¢ que dentro de poucos meses a relag&o com objetos parciais vem a ser concomitante A relagdo com pessoas totais. J4 examinei aqueles fatores — principalmente fortes tragos esquizo-pa- randides ¢ inveja excessiva — que desde o infcio obscurecem a distingao entre 0 seio bom e 0 seio mau, € prejudicam a cisio bem-sucedida; nessas condigées, a confuséo no bebé € reforgada. Acredito ser essencial repor- tar, na andlise, todos os estados de confus4o em nossos pacientes, mesmo 0s mais graves em esquizofrénicos, a essa inabilidade inicial em distinguir entre 0 bom e © mau objeto originério, apesar de precisarmos considerar ? Alguns de meus colegas que analisam casos de esquizofrenia disseram-me que a énfase que eles esto agora dando & inveja como um fator destrutivo e que causa estragos mostra-se como de grande importancia tanto na compreensio como no tratamento desses pacientes, “4 CE. The Psycho-Analysis of Children, capstulo VIII. —252- fe ent ose conten aiapabay Alanine concen dade periccut tonne sata, yal bons confasiio entre os pais, restltinte ds pana a inupor pela inveja, da figura dos pais combinados. Rektcion promaturo da genitalidade a fuga ¢ undo aun confusio entre tendéncias ¢ fantasias orais, anais ¢ genitais. Outros fatores que contribuem, bem no comego, para a confuse « estados mentais de perplexidade, so as identificag6es projetiva ¢ intioic tiva, porque elas podem, temporariamente, ter 0 efeito de obscureeet a disting&io entre o self e os objetos, e entre mundo interno ¢ mundo exter no. Tal confusio interfere no reconhecimento da realidade psfquic mento dat dade, Le: dade externa. A desconfianga ¢ 0 medo de internalizar o alimento psfqui co remontam & desconfianga daquilo que © seio invejado e estragado ol: recera. Se, primordialmente, 0 alimento bom € confundido com 0 min posteriormente a habilidade para pensar claramente e¢ para desenvolvet padrées de valores € prejudicada. Todas essas perturbagdes, que cm nt nha concepgio estdo também ligadas A defesa contra a ansiedade ¢ a cul pa, € que so despertadas pelo édio e pela inveja, expressam-se em inibt g6es do aprendizado e do desenvolvimento do intelecto. Nao estou levan do em conta aqui os outros varios fatores que contribuem para tais (lilt culdades. Os estados de confusio que resumi brevemente, para os quais contsi buem o intenso conflito entre tendéncias destrutivas (Sdio) e integrador: (amor), so até certo ponto normais. £ com a crescente integragdo ¢ alia vés da elaboragdo bem-sucedida da posigéio depressiva, 0 que inclui maior clarificagiio da realidade interna, que a percepgio do mundo exter no torna-se mais realista — um resultado que est4 normalmente em curse na segunda metade do primeiro ano ¢ infcio do segundo ano**. Essas mu dangas esto essencialmente ligadas a uma diminuigéo da identifi projetiva, a qual parte das ansicdades ¢ mecanismos esquizo-paranéides. VI Vou agora tentar uma breve descri¢do das dificuldades que caractert zam © progresso durante uma andlise. S6 depois de um trabalho longo “5 Sugeri (cf. meus artigos de 1952) que, no segundo ano de vida, mecanismos obsessivos pass para primeiro plano e que a organizacéo do ego ocorre sob o predomfnio de impulsos ¢ fanta sias anais, Becetaree aaboriose & que se torn: frente a hiver hace a mve pe Primaria ¢ ao édio. Lmbora sentimentos ¢ miliares @ maioria das pessoas, suas implicagées cas, vivenciadas na situagdo transferencial, so extremamente dolorosis ¢, por isso, diffceis de serem aceitas pelo paciente. A resisténcia que © tramos, em pacientes de ambos os sexos, ao analisar seus citimes ¢ hosti lidade edipianos, apesar de muito forte, nfo € tio intensa quanto aquela que encontramos ao analisar a inveja e 0 édio ao seio. Ajudar um paciente a atravessar esses profundos conflitos ¢ sofrimentos € a maneira mais efi- ciente de promover sua estabilidade e integragdo, porque o torna capaz, através da transferéncia, de estabelecer mais seguramente seu objeto bom e seu amor por ele, e de ganhar alguma confianca em si mesmo. E desne- cessério dizer que a andlise dessa relagéio mais arcaica envolve a investi- gagdo de suas relagées ulteriores, € possibilita o analista a compreender mais plenamente a personalidade adulta do paciente. No decurso da andlise nés temos que estar preparados para encontrar flutuag6es entre melhoras ¢ retrocessos. Isso pode aparecer de varios mo- dos. Por exemplo, o paciente sentiu gratidéo e apreciagao pela capacidade do analista. Essa mesma capacidade, causa de admiragéio, logo dé lugar A inveja; a inveja pode ser contrabalancada pelo orgulho em ter um bom analista, Se o orgulho incita a possessividade, pode haver uma revives- céncia da voracidade infantil, que poderia ser expressa nos seguintes ter- mos: eu tenho tudo que quero; tenho a mamfe boa toda s6 para mim, Tal atitude voraz e controladora capaz de estragar a relagio com o objeto bom e dé origem a culpa, que logo pode levar a outra defesa, por exem- plo: nao quero ferir a analista-mie, prefiro abster-me de aceitar suas d4di- vas. Nessa situagiio, a culpa arcaica em relagao A rejeigao do leite ¢ do amor oferecidos pela mie € revivida porque a ajuda do analista nio é aceita. O paciente também vivencia culpa porque est4 privando-se (a parte boa do seu self) de ajuda e melhora, e reprova-se por colocar uma carga grande demais no analista ao n&o cooperar suficientemente; desse modo, sente que est4 explorando o analista. Tais atitudes alternam-se com a an- siedade persecut6ria de ser roubado de suas ‘defesas e emogées, de seus pensamentos e de todos os seus ideais. Em estados de grande ansiedade, parece ndo existir na mente do paciente outra alternativa que a de que ele esteja roubando ou sendo roubado. Como sugeri, as defesas continuam operantes mesmo quando mais in- sight se faz presente. Cada passo em direcfio a integragio, e a correspon- dente mobilizago de ansiedade, pode fazer com que defesas primitivas aparegam com maior forga, € mesmo que aparegam defesas novas. Nés também devemos prever que a inveja primAria reaparecerd freqiientemente €, assim, somos defrontados com repetidas flutuagées na situagio emocio- nal. Por exemplo, quando o paciente se sente desprezfvel e, portanto, in- posstvel¢ yam La mpetigio © inves s profundas © sauce con ~254— spate fade bite, sida do pacicnte de I © unt dos aspectos: da reagéio terapeuti nagio h4 muitas outras dificuldades, algumas das quais mencic ra, Sempre que um paciente faz progressos na integragdo, isto é, quando a rte invejosa da personalidade, que odeia c & odiada, aproxima-se 1 das outras partes do self, devemos estar preparados para verificar que :u siedades intensas podem vir para primeiro plano e aumentar a descontian ga que ele tem de seus impulsos amorosos. O abafamento do amor, «uc descrevi como uma defesa manfaca durante a posig&o depressiva, tem si rafzes no perigo que advém da ameaca dos impulsos destrutivos e da i siedade persecutéria. Num adulto, depender de uma pessoa amada revive © desamparo do bebé ¢ € sentido como humilhante. Mas h4 mais do que desamparo infantil nessa questio: a crianga pode ser excessivamente dc pendente de sua mie, se a ansiedade de que seus impulsos destrutivos transformem a me num objeto danificado ou persecutério for grande de mais; e essa dependéncia excessiva pode ser revivida na situagdo transl rencial. A ansiedade de que, em se dando lugar ao amor, a voracidade ve- nha a destruir o objeto € outra causa de abafamento dos impulsos amor sos. HA também o medo de que o amor conduza a responsabilidade exces siva e que 0 objeto faca exigéncias demais. O conhecimento inconsciente de que 0 6dio e os impulsos destrutivos esto em atividades pode fazer com que 0 paciente sinta-se mais sincero ao néo admitir amor, seja para si mesmo seja para outros. Uma vez que nenhuma ansiedade pode surgir sem que 0 ego use to- das as defesas que possa produzir, os processos de cistio desempenham um papel importante como métodos contra a experiéncia de ansiedade persecut6ria depressiva. Quando nés interpretamos tais processos de ci- sfio, 0 paciente torna-se mais consciente de uma parte de si mesmo, que 0 aterroriza porque a sente como a representante dos impulsos destrutivos. Com pacientes nos quais os processos arcaicos de ciséo (sempre ligados tracos esquiz6ides e parandides) sio menos dominantes, a repressdo de impulsos € mais forte e, portanto, 0 quadro clfnico é diferente. Em outras palayras, nés estamos lidando entéio com o tipo mais neurético de pacien- te, que conseguiu, em alguma medida, superar a cisiio arcaica e no qual a repress&o tornou-se a principal defesa contra perturbages emocionais. Outra dificuldade a obstruir a andlise por longos perfodos € a tenaci- dade com que © paciente se apega a uma forte transferéncia positiva; isso A mea: partes de sua nc hhece Come prove que on ob a mesma denon arei ape ~255— oh aMe Cero ponte, enypsinador, port jobre oO ddio © a inv; que cskio Excindidos. Te caacte aantcmiente evitadas ¢ de os clemen cdades orais: screm entiio ce as an: tos genitais estarem em primeiro plano. Procurei mostrar, em varios contextos, que os impulsos destrutivos, expressdo da pulsdo de morte, sao sentidos primeiramente como sendo di rigidos contra 0 ego. Defrontando-se com eles, mesmo que gradualmente, © paciente sente-se exposto A destrui¢Zo enquanto est4 no processo de aceitar e integrar esses impulsos como aspectos de si mesmo. Em outras palavras, como resultado da integragao, o paciente em certos perfodos en- frenta varios grandes perigos: seu ego pode ser avassalado; a parte ideal de seu self pode ser perdida quando a existéncia da parte excindida, des- trutiva e odiada de sua personalidade € reconhecida; 0 analista pode tor- nar-se hostil € retaliar, em funcio dos impulsos destrutivos do paciente, que nao mais estdo reprimidos, tornando-se assim também uma figura su- peregéica perigosa; © analista, na medida em que representa um objeto bom, € ameagado de destruigao. O perigo para o analista, 0 que contribui para a forte resist€ncia que encontramos quando tentamos desfazer a ciséo © promover passos no sentido da integragao, torna-se compreensfvel se nos lembrarmos de que © bebé sente seu objeto origindrio como sendo a fonte do “bom” e da vida e, portanto, insubstitufvel. Sua ansiedade de que o tenha destrufdo é causa de dificuldades emocionais importantes participa proeminentemente nos conflitos que surgem na posig&o depres- siva. O sentimento de culpa resultante da tomada de consciéncia da inveja destrutiva pode levar temporariamente a uma inibigio das capacidades do paciente. Encontramos uma situagdo muito diferente quando, como uma defesa contra a integragao, as fantasias onipotentes e mesmo megalomanfacas au- mentam. Fsta pode ser uma etapa critica porque 0 paciente pode, como re- figio, reforcar suas projec6es e atitudes hostis. Assim, ele se considera su- perior ao analista, a quem acusa de nio valoriz4-lo devidamente ¢ a quem, desse modo, encontra alguma justificativa para odiar. Ele se atribui o mé- rito por tudo até entio conseguido na andlise. Voltando & situagéo arcaica: quando bebé, o paciente pode ter tido fantasias de ser mais poderoso do que seus pais e mesmo de ter, por assim dizer, criado a mae, ou té-la pari- do, e de que 0 seio materno Ihe pertencia. Conseqiientemente, seria a mae quem 0 teria despojado do seio ¢ nao o paciente quem a teria despojado dele. A projegdo, a onipoténcia ¢ a perseguigdo acham-se entZio em seu auge. Algumas dessas fantasias esto em atividade sempre que sejam muito fortes os sentimentos relativos a prioridade em trabalhos cientfficos ou de outro tipo. H4 outros fatores que podem igualmente suscitar a Ansia por prioridade, tais como a ambigio proveniente de varias fontes, e parti- cularmente © sentimento de culpa, basicamente ligado & inveja e destrui- Beeeeeeee pte decoby te penne cle ca cubes equ: ater an dificuldades que € constitucic - Mas € e% os em diregiio A integragao; pois, se a no. visio em sua personalidade surgisse repentinamente, 0 paciente teri grandes dificuldades em lidar com ela*®. Quando 0 paciente toma con: ci€ncia de seus impulsos invejosos ¢ destrutivos, ele os sente tao n rigosos quanto mais fortemente tenham sido excindidos. Em andlise vemos caminhar lenta € gradativamente em diregdo ao doloroso insight 1 ferente As divis6es do self do paciente. Isso significa que os lados dest tivos so repetidamente excindidos e recuperados, até que se efetive um: maior integracéio. Como resultado, 0 sentimento de responsabilidade to na-se mais forte, e a culpa e a depressio so mais plenamente viv das, Quando isso acontece, o ego é fortalecido, a onipoténcia dos impul sos destrutivos fica diminufda juntamente com a inveja, e € liberada aca pacidade de amor e gratidio que estivera abafada no decurso dos proces: sos de cisdo. Portanto, os aspectos excindidos tornam-se gradualmente mais aceitaveis e 0 paciente é cada vez mais capaz de reprimir impulsos destrutivos em relago aos objetos amados em vez de cindir 0 self. Isso implica também a diminuig&o da projegao no analista, a qual o transfor em uma figura perigosa retaliadora, ¢ para o analista, por sua vez, fica mais f4cil ajudar 0 paciente em direco a uma maior integragao. Isso equi- vale a dizer que a reacio terapéutica negativa est4 perdendo sua forga. Analisar processos de cis4o e 0 édio e a inveja subjacentes, tanto na transferéncia positiva quanto na negativa, exige muito do analista e do paciente. Uma conseqiiéncia dessa dificuldade € a tendéncia de alguns analistas a reforcar a transferéncia positiva e a evitar a transferéncia ne- gativa, e a tentar fortalecer sentimentos de amor assumindo o papel do objeto bom que o paciente nao fora capaz de estabelecer firmemente,no passado. Esse procedimento difere essencialmente da técnica que, ao ajtt- dar o paciente a conseguir uma melhor integracio do seu self, visa un mitigagio do édio pelo amor. Minhas observacGes mostraram-me que «1s técnicas baseadas em reasseguramento raramente sio bem-sucedidas; cm “ Pode ser que uma pessoa que cometa inesperadamente um crime ou tenha um surto psicdtico tenha subitamente se dado conta de partes perigosas excindidas de seu seif. Conhecem-s¢ casos de pessoas que procuram ser presas a fim de se impedirem de cometer um assassinato. —257— iO sio duradouros, [La de Late ¢ MENLO, aU especial, seus resultados ni ‘soas uma arraigada necessidade de reassegur lagdo mais arcaica com a mie. O bebé tem a expectativa de ¢ atenda ndo apenas em todas as suas necessidades, mas também ansciat por sinais de seu amor sempre que experimenta ansiedade. Esse anscio por reasseguramento € um fator vital na situac’o analftica, e nés nao devemos subestimar sua importdncia em nossos pacientes, tanto adultos como criangas. Descobrimos que embora seu propésito consciente, ¢ muitas ve- zes inconsciente, € ser analisado, 0 paciente nunca abandona completa- mente seu forte desejo de receber provas de amor e apreciagao do analis- ta, ¢ de assim ser reassegurado. Mesmo a cooperagao do paciente, que fa- culta a andlise de camadas profundas da mente, de impulsos destrutivos e de ansiedades persecutérias, pode até certo ponto ser influenciada pela necessidade premente de satisfazer 0 analista e de ser amado por ele. O analista que for ciente disso analisard as rafzes infantis de tais desejos; do contrrio, em identificago com seu paciente, a necessidade arcaica de reasseguramento pode influenciar intensamente sua contratransferéncia e, conseqiientemente, sua técnica. Essa identificagao pode também facil- mente levar o analista A tentagiio de assumir o lugar da mie ¢ a ceder A necessidade premente de aliviar imediatamente as ansiedades de seu filho (0 paciente). Uma das dificuldades em promover passos em direcio a integracdo surge quando o paciente diz: “‘Posso entender 0 que esté me dizendo mas no o sinto.” Estamos cientes de que estamos nos referindo a uma parte da personalidade que, para todos os efeitos, nao € suficientemente acessf- vel na ocasifio quer ao paciente quer ao analista, Nossas tentativas de aju- dar 0 paciente a integrar s6 s4o convincentes se podemos mostrar a ele, tanto no material presente como no passado, como e por que ele estd re- petidamente excindindo partes de seu self. Tal evidéncia € também fre- qiientemente fornecida por um sonho antecedente a sesso e pode ser de- preendida do contexto total da situacdo analftica. Se uma interpretagao de cisfo € suficientemente fundamentada no modo que descrevi, ela pode ser confirmada na sessfio seguinte, quando o paciente traz um trecho de um sonho ou mais algum material. O resultado cumulativo de tais interpreta- Ges possibilita gradualmente o paciente a progredir no sentido da inte- gragio e do insight. ‘A ansiedade que impede a integragio tem que ser plenamente com- preendida ¢ interpretada na situagao transferencial. Eu assinalei anterior mente a ameaca, tanto para o self como para o analista, que surge na mente do paciente se partes excindidas do self sio recuperadas na andlise. ‘Ao lidar com essa ansiedade, nao se devem subestimar os impulsos amo- rosos quando eles podem ser detectados no material. Pois so eles que, em iltima instdncia, possibilitam ao paciente mitigar seu Sdio e inveja. —258— fotpe ba te dae tec bop reas Sc mnapas rep libs. t petsonabnl Larne nte ood ea mye} or de Late hon ana a is, habilitade © paciente a dar alums: passe seuntucles« SomCHtE aps. tn tetbalho Etboroso, cuntalese + Me por parte do analista que podemos esperar unt mtepracae {avel no paciente. Hustrare’ agora essa Case da andlise com dois sonhos. undo paciente a que me referi, num estagio ulterior de st quando de v4rios modos tinham ocorrido uma maior inte progresso, relatou 0 seguinte sonho, que mostra as flutuagées no: sos de integragiio, causadas pela dor dos sentimentos depressivos. He. tava em um apartamento no andar de cima e “X”, um amigo de un annype do paciente, 0 estava chamando da rua, propondo que fossem can! juntos. O paciente no se juntou a “X” porque um cachorro proto que ha via no apartamento poderia sair e ser atropelado. Ele afagou 0 caclw Quando olhou pela janela, verificou que “X” tinha “‘recuado”’. Algumas das associagGes relacionaram o apartamento com o meu ec 6 cachorro preto com 0 meu gato preto, que ele descreveu como “cla” © paciente nunca tinha gostado de “X””, que era um antigo colega de escola Descreveu-o como melffluo ¢ insincero; “X” também freqtientemente | dia dinheiro emprestado (embora ele o devolvesse mais tarde), ¢ 0 bavi de maneira tal que sugeria que tinha todo o direito de pedir tais tavern No entanto, “X”’ veio a ser muito bom em sua profissao. paciente reconheceu que “um amigo de seu amigo” era um asp te dele, mesmo. A esséncia de minhas interpretages foi que ele che yan. perto de tomar consciéncia de uma parte desagradével e assu: sua personalidade; o perigo para o cachorro-gato, a analista, era de qu ela seria atropelada (isto é, ferida) por “X”’. “X”” convidando-o para caminhada simbolizava um passo na diregiio da integragéio. Nesse pont. um elemento de esperanga entrou no sonho através da associagio «le «us “*X"", a despeito de seus defeitos, viera a ser bom em sua profissav 1 também uma caracterfstica de progresso 0 fato de que o aspecto del mesmo do qual chegara mais perto no sonho néo era tio destrutive neu to invejoso quanto em material prévio. ‘A preocupacdo do paciente com a seguranga do cachorro-galo expt mia o desejo de proteger a analista contra suas tendéncias hostis ¢ vor representadas por “X”, ¢ levava a uma ampliagdo temporfria da cisiio qu: ja havia sido parcialmente sanada. Contudo,. quando “X”, a parte reycitar da dele mesmo, “‘recuava”, isso mostrava que no havia desaparccitlo «hk vez € que © processo de integragdo estaya apenas temporariamente p —259-

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