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Dos nossos alunos UMA SOLUGAO DAS EQUACOES DO ® EDO 4 GRAUS Carlos Gustavo Tamn de Araujo Moreira IMPA, RJ APRESENTAGAO O autor deste trabalho tinha 14 anos quando me quis mostré-lo, em 1987, mas nao lhe dei na época a devida atencdo. Mais tarde, concordei em ouvi-lo e percebi logo que se trata da mais simples e menos artificial das dedugdes das formulas para as equagées do terceiro e do quarto grau que conhego. B claramente do interesse dos leitores da RPM tomar conheci- mento destas demonstragdes. Mas agora era o autor que relutava em publicd-las, alegando que jé néo tinham mais graca. Finalmente, porém, cedeu aos apelos e é com satisfagéo que trago esta pequena gema ao conhecimento do piblico. Elon Lages Lima UMA SOLUGAO DAS EQUAGOES DO a? GRAU Motivado pelo cdlculo de expressdes simétricas nas raizes de uma equacao do 2° grau em fungao dos coeficientes da equagao, resolvi um dia calcular a expressdo: y= Yat Ym, REVISTA DO PROFESSOR DE MATEMATICA 25, 1994 23 onde 2 e £2 sao as rafzes da equacio «?-—Sx+P =0 (e portanto satisfazem 21+22 = $ e 212 = P). Isso leva aos seguintes célculos: y= YutYa = Yenint+3yanWatyn) > y=S+3vPy. Assim, para determinar y haé que se resolver uma equagio do 3° grau. Ocorreu-me entdo o seguinte: Dada uma equacio do terceiro grau é possivel escrever suas raizes como soma de raizes citbicas de rafzes de uma equacio do 2? gran. Isso pode ser feito como a seguir: Dada a equagio 2° + ax? + bx + ¢ = 0, procuramos uma subs- tituigdo w=y+t que anuleo coeficiente em y?: (ytt talyt ty? +oy4t)+ce=0 + 4 (Bt+a)y?+...=0. Fazemos t = —a/3 e cafmos numa equagao do tipo: ytpytq=0. Determinamos nimeros P e §$ tais que p=-3YP e q=-S, de forma que se @ e @ sdoraizesde 2?-Se+P=0, entdo Yt Yar satisfaz aequagio y+ py+q=0. Feito isso, obtemos 24 SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMATICA donde, satisfaz y° + py +q=0. Cada raiz citbica pode assumir trés valores complexos, mas a equacdo YP = —p/3 diz que o produto das duas rafzes deve ser —p/3. Essa formula dé as trés raizes de 9? + py +q = 0, que somadas a t = —a/3 nos dao as trés rafzes de 2? +a27+be+c=0. UMA SOLUGAO DAS EQUAGOES DO 4? GRAU Uma variagio dessa técnica nos permite resolver equagdes do 4° grau. Considere a equagao do 3° grau x3 — Se? + Syz—-P=0, de Ta{zes 21, % e 2&3, que satisfazem: tM +tg+%3= 35, e122 + 2123 +49%3=54 e 22923 =P. Seja y= Jti+ Jit fas. Temos: Pam tetas +%Ayant+ Vuts+ Vee) = es = (Verte + fats + e273)? = W122 + 2103 + wer3 + 2fere203( fei + Ver + V/23), ou seja, ) =Sy42VPy, ou yt — 2Sy? ~8VPy +S? — 48, =0. (*) Dada a equagdo 24+ a2° + bz? +cx+d = 0, fazemos uma substituiggo do tipo z= y+t eobtemos yf +(4t+a)y>+...=0. Tomando ¢t = —a/4, obtemos uma equacio do tipo yi +hiy? +key +hs=0, REVISTA DO PROFESSOR DE MATEMATICA 26, 1994 25 sem termoem y?. Comparando com (*), tomamos §, P e Sq tais que -25 =k, -8VP =k, e S?—4Sg=hks > ah = (fy? aks _ hi -4ks s=-f, Pa) e Sa Sa. Assim, resolvendo a equagio ky 9 , (Ki ~ 4k k 34 Atay (Ri ~4hs) (Raye arf g 7 + a5 )2 (y) 0, obtemos rafzes 21, %2 € 23 tais que ya Va t+ Veg + Ve satisfaz yt ky? + key + hg = 0. Para obter as rafzes de 24 + ax? + bz? + cx+d = 0, basta diminuir a/4 das rafzes de y* + kiy? + key + ks = 0. Observe que cada raiz quadrada pode assumir dois valores com- plexos, mas a equagdo VP = —kz/8 diz que (2 V2,V%3 = —k2/8. Assim, para cada valor de /#; e¢ ./z2 hd um tnico valor de /23. Dessa forma obtemos-todas as quatro rafzes da equacio original. EXEMPLOS NUMERICOS a) Considere a equagéo #° — 62 ~40=0. Para aplicar a formula que dé as raizes da equagao do 3° grau temos p= —6 e g = —40. A férmula nos d& 9/20 + 14V2 + 9/20 - 14/2. Assim, as trés raizes da equago sto: ay = 4/204 142+ 920-142, ag = € 20 41494 22 20-142 eg = 2 8/204 149 + +€ 920-142, onde £ = -1/2+i73/2. Assim, 2, 6a nica raiz real da equag4o. Por outro lado, claramente z = 4 satisfaz a equacio, donde 9/20 +142 + 4/20- 142 =4 (!) b) Seja a = cos20°. Como cos3z = 4cos* s — 3cosz, temos: cos 60° = 4 cos* 20° — 3c0s20° = 4a°-3a => 26 SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMATICA 4a® — 30 = 3 => a = Aqui p= —3/4,q=—1/8, e substituindo na formula obtemos as rafzes de 2° — (3/4) —(1/8)=0: += fet beat fb-Vae- a. r= Et ®), que n&o diz nada de nova sobre cos20°. Essa expressio nao é 14 muito satisfatéria, pois usa niimeros complexos para exprimir cos 20°, que é real. Na verdade é possivel provar que qualquer expressdo por radicais de cos20° tem que envolver ntimeros complexos *, Considere a equagio y‘~12y!—16y—4 = 0. Segundo o método utilizado para resolver equagées do 4° grau, temos: ky = -12, kp =-16 e@ kg = —4. Resolvendo a equagio do 3° grau: © RR = At ke )e- (FP =o, (Hy )a? + (A temos: 2° — 607 4+10e-4=0 > 21 =2,2, =24+ V2,23 = 2- V2. As rafzes de y! — 12y? — 16y~4=0 sao: Vi4+Vr4vitV2-Vi, Vi-V24v2-V2- v2, -Vi+Va4vi-Va-Vi 0 -Vi-Va4Vit Va-Vi (lembre-se da regra dos sinais: o produto deve ser sempre —k2/8, no caso igual a 2). Um teorema sobre solubilidade de equagdes polinomiais por radicais reais, Matemética Universitdria, n?12, dezembro de 1990, do mesmo autor. REVISTA DO PROFESSOR DE MATENATICA 25, 1906 a7 d) Considere a equagio 24 + 423 + 827-82 +4 = 0. Fazendo 2=y-1, obtemos y4+2y?—16y4+17=0. Temos, pois, kj =2,k2=-16 e ky =17. A equacio auxiliar 03 + 4p? 4 Hoste, (ay? a9 torna-se 2° +2? —42~4=0, cujas rafzes sio -1, -2 e 2, Assim, as rafzes de y! + 2y? — 16y+17=0 sao i+ivttva, i-iV2-V2 ~itiV2-V2 e -i-it4v2 e,como «= y—1, as rafzesde of + 4x9 +82? -8¢44=0 sio S14 VE+iG4 VB), -1- Va+ia-V%), -1-vE+KVF-1) e@ 14 V2+i(-1- v2). NR. Poucos dias antes da impressdo deste nimero, a RPM recebeu 28 uma, carta do autor, pedindo que a seguinte nota fosse anexada ao artigo: “Recentemente, folheando o livro Elements of Algebra do Euler, descobri que o proprio Euler tinha desenvolvido essen- cialmente 0 mesmo método que o meu para resolver equagdes do 4° grau ( EULER, L. Elements of Algebra, New York, Springer, c. 1972, Section IV, chap. XV, p.’ 282: Of a new method of resolving equations of the forth degree)”. Carlos Gustavo Morcira & mestre e doutor em Ma- temética pelo IMPA e, atualmente, faz um estagio de pés-doutorado nessa instituicio. Participou de algu- mas Olimpfadas Internacionais de Matematica, tendo ganho uma medalha de bronze om 1989, na Alema- nha, e uma de ouro em 1990, na China, Também ganhou medalhas de ouro nas Olimpiadas Ibero- Americanas de 1989, em Cuba, e em 1990, na Espa- nha. Atualmente, Carlos Gustavo é membro ativo da Comissio de Olimpiadas da Sociedade Brasileira de Matematica, Canta muito bem ¢ sabe de cor as letras de intimeras cangées brasileiras e latinco-americanas. SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMATICA

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