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INTRODUCAO AO DIREITO LIGOES DE PROPEDEUTICA JURIDICA ANTONIO BENTO BETIOL! © soead oe 188 EQUIPE DE REALIZAGAO Coordenapdo: Thareza Bisa Chemotio rejto Eo: Caros Liner Produsdo Gréfca: Ronaldo Emaré Ludwig ComposicZo:tintom de Siva Brandio Nérima Mendes 8. Leal Sandra Bly ¥.Salipena Pastup: Niey Biss Dario C, de Abreu Fovisdo: Fomendo de Benedto Gio/Vora Lie F, Peri Gito Projeto 66 Capa C.12. Resonarnseleds'os datos eroprodupon edepaga Hermes Etre fomagto Lita, Hermes Edtora ¢ Informacao Ltda, Rua dos Cranés, 263 Foes: 542-0866 - 539-6954 — CEP 04087-SP As presentes ligées sio fruto, dos anos de magstéio na Faculdade de Diito das Faculdades Mtropolitanas Unidas (FMU). Nzo tm pietensées maiores do que simplesmente “introduzit” o aluno no ‘undo faseinante do Dirt, cujs segredos toda wma vida ¢insui- ciente para descobcit, Una confisio deve ser feita de plano: servran-thes de base outras ligbes,e essa de om “meste”, as “ides Pretiminaes de Direito” do Prof, Miguel Reale, com sue iresistivel visfo tridimensional da realidad juridica: o Direito como fato, valor e norma, ‘Com o objetivo ainda de auxifiaro luno na compreensio de matéria dada, foi claboraco um questionéio apés cada uma das presentes Ii- oes. ‘86 nos resta esperar que elas de fatoauxiliem os que pretentem de- dicarse & uma profiséo jurdic, no alcance da meta maior que os deve atrar ¢ assim traduzida por Dalmo Dallari nesses trés manda- meitos: 12) “Conhever bem o Direito, para sent-lo eacreditar nel”. 2) “Acreditar no Dieito sempre, jamais cedendo a0 aibtrio, a qualquer pretexto”. 32) “Fazer da crenga no Direto, uma arma de intransigente defesa a jstgae da dignidade bomana”. A ELYANE e CARLINHOS ‘que me ensinaram ligdes de vida, estas lies de Dieito, ANTONIO BENTO BETIOL ~ Profesor de Jatroagina Esto de Dirt das Exatades Meo- lianas Uris, ~ Membre do Servigo Jurisn da aio CCONSIDERAQOES PREVIAS 1. “Propedéutica” (do gr. “pro” =preliminar, ¢ “paidewt ari de instrct)signfien itrodugéo, prolegtmenos de uma eiéncia, 0 emu que dove servir de prepragio nocasiria para se tratar uma cigacia, no caso, o Direito, Estas ligGes sfo de “propedutica jurdice”, pois de fito 0 ‘que buscemos & fornecer as nogbes bisicas e indispeaséveis,& com- preensfo do fendmeno jurtic, itreduzindo o aluno no mando do Direto © preparando-o para receber eonhecinentos futuros mais completo eexpectices, 2 Objeto: Essa propedéuticn ao estudo dos diversos ramos do Direito poss um tripive objeto: «) Procure oferecer 20 iniciante dos estados jridicos wma wie ‘sao panordimica do Digit, uma visto de conjuato da drvore fori ca, gue no pode ser obtita attevés do estud isola de sua partes cspecias, das seus diferentes ramos: Direlto Civil, Penal e Proces- sual ee. Por isso, a discplina introdutsria jf foi onmparade com o alto de um mirare, de onde o estrangeiro observa a extensao de um pas, pare face dele a su anise (Peper). °) Busca mostar 06 peineios bdsios ¢ os 'concetes geris do Dirsito, que derdo ao alumo condigées favoriveis de estudar posterionenie as vérias dsciplinas especielizadas do currfoaka, una ‘ve que so eplcdveis« todos 0s ramos da érvoe juridica, Exeinplo: souceitos de “ditito”, “lei”, “fat juridico”, “melagéo juridica”, “Sjstica”, “seguranga jmridica”, “aloe, os “ptineipios geras do ddicito” 2, «) Visa ir mostrando a terminologia ¢ 0 métado jurtico, pois pois cade Ci8ncis exprime-se numa Linguager 6 tein um método que lhe so pripros, O Direito, como ciéncia que & possui uma Hing+ ‘gem propria © smutinilenar, 2a qual expresses de nso coments, elos ae Vinculim 6 “homer a "soiedade"™ sgl; nf Ds para o homem gato smllete pata sum exit 2 fio o torial: 0 homem “exits” @ “coexiste”s para ole, "ivee™ 6 “eoaviver" "sex com". Donde a afinnazfo do brbeard latina: B “UBT HOMO, IBI SOCIETAS” (onde o homem, af a sociednde). 1.2 — Interpretagdes da Dimeasio Social do Homem: — Como explicar esse impulso associativo do ser humano? ® PLATAO e ARISTOTELES interistaram de maneira oposia a dimensto social do homem. Segundo Plato, trata-se de um fenémeno contingent, enquanto para AritGieles cuida-e de una propriedade essencial. Tal divergéncia nasce das suas concepsoes diversas do homer Para Platio, ohomem é essencialmente alma; ele realiza a sua perfeicio © choga a aleancar sua felicidade na contomplagso. dat Téias, qve povoam um mindo denominaco metaforicamente por ele de Iugar celeste (topos uranos). Nessa atvidade nfo necessta de ninguém; cada alma existe e e realiza por sua prépria conta, inde. pendentemente das outras. Mas, dovido a uma grande culpa, aa al. mas pecderam sua condicéo original de absoluta espirtualidade © cairam na terra, onde teriam sido obrigadas a essumir tm corpo para pagar as proprias culpas purifcare, Agora 0 corpo compora fada tuna série de necessidade que podem ser satiseitas apenas com a ajuda dos outros. A sociabilidade ¢, portato, uma conseqiéneia da corporeidade, © dura apenas até que as almas cstejam ligadas a0 cor. po. Ariststeles, de mancira oposta, v8 0 homem como essencial- ‘mente constituide de alma e corpo e, movido por tal constituigho, € necessariamente ligado aos vinculos sociais. Sozinho ele ndo pode satisfazer suas proprias necessidades, © nem realizar suas préprias aspiragées, E, portanto, a propria natureza que induz o individuo a associat-se com os outros indivfduos ¢ a organizar-se em uma socie~ ‘dade. Por isso considerava 0 homem fora da sociedade um bruto ou ‘ou um deus, significando algo inferior ou superior & condicdo huma- ‘nai “O homem é, por natureza, um animal politico. Aquele que, por spatureza, néo possui estado, € superior ou mesmo infetior a0 ho- ‘mem, quer dizer: ou € um deus ou mesmo um animal” (A Poltica). b) S. TOMAS DE AQUINO, como Aristételes, considera que ‘9 homem é naturalmente socivel: “O homem é, por natureza, ani- ‘mal social e politico, vivendo em multidéo, ainda mais que todos o% ‘aitros animais, © que se evidencia pela natural necessidade” (S.Th.1,96,4). Assim, a sociedade politica deriva a sua origem di- etamente das exigéncias naturais da pessoa humana. Tomés de ‘Aquino afirma, entio, que a vida solitéria ¢ fora da sociedade € ex cece, que pode ser enquadrada numa das trés hipéteses: “mala fortuna”, ow seja, quando por um infortinio qualquer o individuo acidentalmente passa a viver em isolamento; “corruptio naturac”, 14 ‘quando © homem, em casos de anomalia ou alienagio mental, des- provido de razo, vai viver distanciado dos seus semelhantes; “ex- ccollentia naturae™, que & a hipétese de um individuo notavelmente virtuoso, possuindo uma grande espiritualidade, isolar-se para viver ‘em comunhio com a prépria divindade. ©) Durante a época moderna, a interpretacéo piaténica do fundamento da sociabilidade encontrou adeséo por parte de muitos fildsofos. Assim, os CONTRATUALISTAS sustentaram que a so- ciedade ¢, 180-86, 0 produto de um acordo de vontades, ou seja, de uum contrato hipotétice celebrado entre os homens. Colocam uma clara distingfo entre 0 estado natural da bumanidade ¢ 0 estado civil. No primeiro, cada homem era plenamente auto-suficiente e nfo pre- cisava de auxilio dos outros. Porém, a partir de um certo momento, a humanidade, para evitar o completo suicidio, decidiu organizar-se em sociedade, oferecendo a uma pessoa, ou a um grupo restrito, a antoridade de’legislar 0 nome de todos ¢ de exercer 0 governo sobre © grupo social inteiro. Desse modo, vale dizer que mediante um “contrato social”, originou-se o estado civil. Hé ama diversidade muito grande de contratualisinos, encon- trando-se diferentes explicagées para a decisio do homem de unis-se ‘8 seus semelhantes ¢ de passar a viver em sociedade, Porém, hé um pponto comium entre eles: a negativa do impulso associativo natural, 0 seja, a sociabilidade 6 um fendmeno secundério, derivado, com a fafirmacéo de que s6 a vontade humana justifica a existéncia da so~ ciedade, Assim, 08 Utopistas do século XVI, como THOMAS MO- ‘ORE na sua “Utopia” e TOMMASO CAMPANELLA em “A Cida de do Sol"; THOMAS HOBBES, no “Leviati”; JEAN JACQUES ROUSSEAU, em “O Contrato Social”. «) Temos para n6s que a sociedade ¢ fruto da prépria nature- za humana, quer dizer, é resultado de uma necessidade natural do homem, sem exeluir a participago da consciéncia ¢ da vontade hu- Hé, portanto, um impulso associativo natural, que se eviden- coin pela necessidade, tanto de ordem material como espiritual, de ‘convivéncia, Fora da sociedade, o homem nio poderia jamais reali- zat 0s fins de sua existéncia, desenvolver suas faculdades © poten Cinlidades. Mesmo provide de todos 0s bens materiais suficientes & ‘sua sobrevivencia, 0 ser humano continua necessitando do convivio ‘com seus semelhantes. Como lembra PAULO NADER, a sua pro- pria constituiglo fisica revela que o homem foi programado para ‘conviver e se completar com outro ser de sua espécie. © homem, as- 1s sim, radicalmente insuficiente, se abre & vida comunitécia, Conse- Guentemente, a raiz do fenémeno dz convivéncia esté na pripria natureza humana, Contudo, esse impulso associativo natural ndo elimina a par~ ‘icipagdo da vontade humana, Consciente de que necessita da tds social, o homem a deseja e procura favorecé-la, aperfeigos-ta. Os ir. racionais, ao contrério, se agrupam por mero instinto ¢, em conse. gdéncia, de maneira sempre uniforme, nfo havendo aperfeigoamen, to. Em conclisto, podemos dizer que a sociedade é produto da Conjugaciéo de um impulso associativo natural e da cooperagao da vontade humana, 2. SOCIEDADE, INTERACAO SOCIAL E CONTROLE SOCIAL. 2.1 ~ Conceito de Sociedade: ~ 0 conceito de sociedade presenta controvérsias, devido ao seu carster amplo. De fato 0 ter. zo 6 tomado em vérios sentidos: no de “nagdo”, de fragio social de “elite” (high society), de “grupo social” etc. Hoje & freqiente os socidlogos empregarem 0 terno sociedade como sinénimo de “grupo SAL, sgnlicando qualquer agrupamento de pessoas em proceso re 2.2 ~ Caractecistica: — Tits sio as caractertticas de qualquer sociedad: muliplicidade de individuos, a interagao ©'8 previste as comportamentos. 8) Multiplicidade de individuos: As realidades que conside- ‘amos com a denominacto genérica de sociedade, apresoatan cose Pressuposto priiro a multiplicidade de individdoss tate we de oe onjanto ou agrupamento de individios (“adunatio horsisare 2d ait {quid unum comsmuniter agendum'”, na defingto de TOMAS. DE AQUINO). ) Interago: Nao basta, porém, para existencia de wma so- clodade, que individuos, em nimero maior ot menor, se una. B ine dispensivel, conforme scentua JEAN PIAGET, que ent cles haje “interagdes”, ou seje, que os indivisuos desenvolvam agbes recipe “anultiplicidade de interacdes de individuos humanos”. ©) Previsio de comportamento: A interagao, por seu turno, ressupée uuma previsio de comporiamento, ou de teagdes ao come, 16 portamento de outros. Na verdade, cada um atua na expectativa de ‘que os demais individuos corresponderso as aditudes que assumis:os dentro de um quadro de significagSes bem definidas, Cada um age ‘rientando-se pelo provvel comportamento do outro e também pela jnterpretagio que faz das expectativas do outro com relagdo a seu cs nto, 2.3 — Formas de Interacio Social: ~ A interagio comp6e o te- cido fundamental da sociedade e se apresenta sob as formas de “co- ‘operagio™, “competicio” e “conflito™, encontrando no Direito, co- ‘mo veremos, a sua garantia. ‘Segundo PAULO NADER, ‘ina cooperagdo, as pessoas estio movidas por um mesmo objetivo e valor ¢ por isso conjugam 0 seu esforgo. Na competicéo hé uma disputa, uma concorréncia, em que as partes procuram obter 0 que almejam, uma visando & exclusio da ‘outra. © conflito se faz presente a partir do impasse, quando os inte- esses em jogo nfo logram uma solugdo pelo dislogo e as partes re- correm A agressio, moral ou fisica, ou buscam # mediagéo da justi- ‘ga, Fendmenos naturais a qualquer sociedade, quanto mais esta se Sescnvolve, mais se sujeita a novas formas de conflito, tomando-se ‘a convivéncia, se nfo © maior, certamente um dos seus maiores de- safios. 2.4 — Instrumentos de Cootrole Social: ~ Nenhuma sociedade poderia subsitir se se omitisse diante do choque de forcas sociais € do conflito de interesses que se verificam constantemente no seu in- terior. Nao haveria vida coletiva se se permitisse que cad individuo procedesse de acordo com seus impulsos ¢ desejos pessoais, "sem respeitar os interesses dos demais. Esse processo de regulamentacéo da conduta em sociedade recebeu o nome de “controle social’” (SMALL ¢ VINCENT). E os meios de que se serve a sociedade para regular a conduta de seus ‘membtos nas relagdes com os demais, so os “‘instrumentos de con- trole social”: a Religiso, a Moral, as Regras de Trato Social e 0 Di- reito, por exemple. 3, SOCIEDADE E DIREITO. © Direito, como instrumento de ckntrole social, tem sua faixa ‘e mancira propria de opera, manifestando-se como um corolério inafastével da sociedade. 3,1 — O Direito como Instrumento de Controle Social:— E de se ressaltar, de infcio, nue 0 Dircito nio € 0 tinico responsével pela hharmonia da vida em Sociedade, uma vez que a Religifo, a Moral, as a Regras de ‘Trato Social igualmente contribuem para o sucesso das relagées sociais, Se devemos dizer que’ Direito nio € o valor Uni, £0, nem 0 mais alto, ele é, contudo, a garantia precipun da vida em sociedade, a) Se hd outros instrumentos de controle social, cada um 0 € fem sua faixa propria. A do Direito € regrae a conduta social, com vistas & ordem e justica, © somente 0s fatos sociais mais importantes ara o convivio social € que sio juridicamente disciplinados, Assis, © Direito no visa ao aperfeicoameata interior do hamem; esta acta pertence & Moral. Nio pretende preparar o ser humano para una vi- a supraterrena, ligada a Deus, finalidade buscada pela Religito Nem se preocupa em incentivar’a cortesia, o cavalheirismo ou as ormas de ctiqueta, campo especifico das Regras de Trato Social, que procuram aprimorar 0 nivel das relagées sociai >) O fato € que 0 Direito, dentro da faixa que lhe € prépria, Provoca, pela precisio de suas regras e sangdies, um grau de corteza £ seguranga no comportamento humano, que nio pode ser aleangado através dos outros tipos de controle social. Na esteira de PAULO NADER, podemos afirmar que 0 Di- reito, ao scparar 0 lieito do ilfcito, segundo valores da convivencia ue a prépria sociedade clege, toma posstvel os nexos de cooper ‘$8 © disciplina a competicao, estabelecendo as limitacées nevessd Fas ao equilfbrio ¢ & justiga mas relag6es sociais. Em relagdo a0 con. flito, a agéo do Dircito se opera em duplo sentido: 1%) age preventi- ‘yamente, ao evitar desinteligéncia quanto aos direitos que cada parte Julga ser portadora, definindo-os com clareza em suas aommas; 2°) diante do conflito concreto, o Direito apresenta solugdo de acordo com a natureza do caso, seja para definir o titular to direito, deter. ‘minat a restaurago da situacio anterior ou aplicar penalidades de diferentes tipos, © Direito procura, assim, responder as necessidades de ordem © justiga da convivéncia etn sociedade. 3.2 = Sociedade © Dircito Se Coexigem: — Do exposto, po- demos conctuir que hé uma métua dependéncia entre Direilo v a So. ciedade, 8) Nilo pode haver Sociedade sem Dircito: Isso porque ne- ‘shuma sociedade poderia subsistir sem um minimo de ordom, de diz Fecio. A vida em comum, sem uma delimitagéo precisa da estera de atuago de cada individuo, de modo que a liberdade de um va até onde comeva o direito do outro, € inteiramente inconeebivel. O fato inegavel € que as relagdes entre os homens nfo se dio sem o com comitante aparecimento de nonnas de organizacéo da conduta social, se a convivéncia exige set “ordenada”’, 0 Dircito, mais do que ‘qualquer outro tipo de controle social, corresponde a essa exigéncia ‘xsencial da sociedade. Em suma, assim como nfo se concede o homem fora da so ciedade, igualmente ado se concebe o individuo convivendo com 08 lsmais sem 0 Diteito. Daf o aforismo: “UBT SOCIETAS, IBI JUS (onde a Sociedade, ai 0 Direito). 'b) Nao hé Dircito sem Sociedade: O Dircito niio tem existén- cia em si proprio; ele existe na sociedade e em fungdo da sociedade. Por isso € inconcebivel fora do ambiente social. Ele 6 essencial & sociedad, mas no prescinde da sociedade. Se isolarmos um indivi- ‘duo numa ilha deserta, a cle nio importario regras de conduta. Daf a validade também da reefproca da referida f6rmula latina: “UBI JUS, IBT SOCIETAS" (onde 0 Direito, af a sociedade). Do exame feito da dimensio sociolégica do Diteit vestigagio do fendmeno juridico, podemos tirar duas conclusses: “1 — Silogismo da Sociabilidade: Homem, sociedade ¢ piseraldade steer cope ‘59 umeth S3Gurma p Atti a) “Relagdo intersubjetiva”’: A relagio juridica € sempre “imtersubjetiva”, ou seja, uma relagto que une duas ou mais pes- soas. De fato, do Direito #6 podemos falar onde ¢ quanclo se formam 37 relagées entre os homens, envolvendo dois ou mais sujeitos. E a bie Interalidade em “'sentido social”, como “intersubjetividade”. ) “Proporeaio objetiva”: A relagao entre 0s sujeitos deve ser “objetiva’, isto é, nenfuma das partes deve ficar a merc da outra; como lembra Reale, no & essencial que a proporsio objetiva siga 0 modelo da “teciprocidade”” prépria das relagGes contratuais; basta que a relagéo se estruture segundo uma proporgio que exclua 0 “ar- Ditrio”, que € 0 ndo-direito. E a bilateralidade em “sentido axiol6gi- ©) “Exigibilidade": Da proporgfo estabelecida deve resultar a atribuigo de pretender, exigir ou fazer alguma coisa, De fato, a aandlise mais superficial demonstra que em toda idéia de juridicidade festd imanente uma nocao de “‘exigir”. A relagio que se diz juridica diz mais do que relagao social, exatamente porque dela resulta um “ter-que-fazer” ou, um ““ter-que-aceitar” inexordvel. Ninguém con- cceitua como Direito a resultante de mera conveniéncia, ou de sim pples consetho. Quando, por exemplo, alguém me pede uma esmola, ‘hd um nexo de possfvel solidariedade humana, de caridade. Quando, ‘porém, tomo um téxi, tenos um nexo de crédito por efeito da presta: ‘sfo de um servigo. No primeiro caso, niio hd lago de “exigibilida- de", © que nfo acontece no segundo, pois o motorista pode “exigic”” ‘© pagamento da corrida. «d) Garantia”: Da relaglo juridica resulta a atribuigdo garanti- dda de uma pretenséo ou agio. Trata-se de um “exigir garantido”. E € precisamente em vista desta exigibilidade garantida, que o Dirvito goza da “coercibilidade”: da possibilidade de recurso 2 forga que femana da soberania do Estado, eapaz de impor respeito a uma norma Jjuridica, Garante o exigir, porque & coercivel. Em suma, da atributi- vidade decorte a exigibilidade e dessa a coercibilidade' 16.2 — Quando um fato “social” apresenta esses elementos, ‘esse tipo de relacionamento, dizemos que ele € “‘Jurfdico”. Onde néo cexiste um laco de exigibilidade, ou proporgo no pretender, no exi sir ou no fazer, ou nfo hé garantia para tais atos, néio ha Direito! Em conelusio, a norma juridica, além de “‘imperativa” (im- ‘Pée uma obrigacio-dever), como as demais normas éticas, é ainda, ¢ 36 ela, “atributiva” (atribui a faculdade de exigir garantidamente o seu cumprimento): 6 um “Imperativo-atributivo”, no dizer de PE- TRAZINSKI. 17. PARALELO ENTRE DIREITO, RELIGIAO, MORAL 5. NORMAS DE TRATO SOCIAL. ‘Nas socicdades primitivas, os vérios campos da Etica sto co- 38 ‘mo que uma nebulosa, com predominio do aspecto religioso, © da ‘qual foram se desprendendo aos poucos as normas juridicas, discri- ‘minadas e distintas das normas religiosas, morais € as de trato social ‘Numa andlise comparativa desses quatro campos da Etica, conclui mos que: 17.1 ~ O Direito € “heterénomo”, como explicado antes. ‘A Religito € “auténoma”’: quem cultua a Deus, nfo 0 pode fazer verdadeiramente sem a adesio intema © convicgao da sua in- \winseca valia, sob pena de merecer o estigma biblico de “sepulero ‘caiado”; a necesséria interioridade do ato religioso nfo suporta 0 ju- {go da mera exterioridade. ‘A Moral é “‘aut6ooma”: implica igualmente a adesio do espt- rito a0 contetdo da regra; implica a conviecao de que se deve res- peitécta porque ela é valida cm si mesina; trata-se de um agir “con- vencido”, nfo bastando a adequacio exterior do ato & regra. Conse- ‘qGentemente, no é possivel conceber-se ato moral “‘fingido”, ou praticado 6 “pro forma”; ninguém 6 verdadeiramente bom, s6 na aparéncia exterior. ‘As nomas de Trato Social so “heterdnomas”: abrangendo 45 regras mais elementares de cortesia até as mais refinadas formas de etiqueta social, compartilham da “*heteronomia’” prépria do Di- reito. Isso significa que ni precisam necessariamente ser praticadas ‘com sinceridade. Para seu atendimento basta a adequagio exterior do ato a regra, sendo dispensdvel a adesio interna ao seu contesdo. De fato, tanto ‘atende as rogras de etiqueta quem age com sincerida- de, como quem esté fingindo ao executé-las. Alids, como salienta Miguel Reale, € conhecido 0 fato de ser precisamente 0 hipécrita {quem mais se esmera na pritica de atos afSveis ¢ corteses. 17.2 ~ O Direito “coerefvel”: hi a possibilidade de se in- vocar 0 uso da forca para a execugo da norma juridica: significa a possibilidade de um agic “forgado" A Religiio € incoercfvel: uma oragio, por exemplo, fruto da forga ou da coagio, perde todo o seu valor. ‘A Moral € “incoercfvel”: 0 ato moral no pode ser “‘forga- do", uma vez que a Moral 6 0 mundo da conduta espontiinea, Nao se ‘pode coagir quem quer que seja a cumprir os preceitos morais contra 4 sua vontade; por isso sto incoercfveis, isto &, nio podem se servir {da forga, mesmo quando esta se manifesta juridicamente organizada Ninguém, de fato, € bom & forca. ‘As Normas de Trato Social siio “inocercfveis”: quem as de- satende, pode sofier uma sangio social, mas no pode ser forgado a 39 praticé-las. Por exemplo, ninguém pode ser coagido a ser cortis, a ssaudar alguém ete 17.3 ~ O Direlto, a Moral © as Normas de Trato Social so “ilaterais": Entendemos por “?bilateralidade” a existéncia de duas ‘ou mais pessoas na relacao; cuida-se do enlace apenas social. Ora, isso acontece no $6 no Direito como na Moral, & também com as nora de trato social Assim, “dar esmola” & norma moral que estabelece bilaterali dade: aquele que pede a esmola e outro que a dé; "pagar o aluguel” 6 norma juridica que estabelece bilateralidade: 0 locador € 0 locaté- rio; “sou cortés”, sandando “alguém’”. A bilateralidade, portanto, niio pode ser tida como nota dife- rencial da Moral e do Direito, num rigoroso sentido do seu conceit Contudo, hi autores que entendem a “‘bilateralidade” como poder que tema norma juridica de correlacionar dois ou mais individuos, impondo obrigacGes a uns e atribuindo faculdades correlativas a ou- tos; incluem, portanto, no seu conceito também o de “‘atributivida- de”. A Religido “no 6 bilateral”: a bilateralidade ou a alteridade (a presenga do outro) nio & necesséria a ReligiSo que, em geral, € tida como um vinculo moral entre Deus e os homens. Assim, quem vvivesse isolado de seus semelhantes, embora livre do império do Di- reito, estaria subordinado &s nonnas de sua religigo, uma vez. que 0 valor ao qual correspondem as religides é 0 “divino”. No dizer de MAYER: “O préximo nio é um elemento necessario da idéia reli- siosa’ dentro dessa perspectiva de anlise, 6 visto como algo cie- unstancial; 0 que se projeta como fundamental é 0 valor do divine, norteando © homem tanto na sociedade, como fora dela, 17.4 ~ O Direito 6 “atributivo”: hé uma atibuigio garantida de uma pretensio ou ago, que podem se limitar aos sujeites da rela-/ io ou estender-se a terceiros. Por exemplo, 0 locatitio esté no im petioso “dever” de pagar o aluguct ao locador, cabendo a esse a fa- Culdade de “exigir", © com gerantia, o pagamento. ‘A Moral é “ao-atributiva”: 0 mendigo que solicita uma es- rola seré atendido ou nfo, dependendo do seatimento de piedade do outro. A norma moral é “bilateral”, mas nada hé que tome obrigaté- fio © seu acatamento ou seja, aguele que & solicitado niio esté no “dover” juridico de acatar a soliitagdo; o mendigo no pode “exi- gir” que Ihe soja dado a esmola 'A Religito 6 “'no-atribativa”: como Visto, 0 que se projeta como fundamental no terreno religioso € o valor do “divino”, nor- 40. teando 0 homem tanto na sociedade, como fora dela, e sem a atribui- ‘slo de uma pretensio ou aio, ‘As Normas de Trato Social nflo sfo atributivas: embora bila- terais, nfo so “atributivas”; por isso, ninguém pode exigir, p.cx.. ‘que o saiidem respeitosamente. E claro que, se o ato se transforma em obrigagao jurfdica, surgiré a atributividade: a saudagio do militar ‘a0 seu superior hierdrquico (“continéncia”), 0 uso de cesta indu- ‘mentéria (“uniforme militar”) ete. 17.5 ~ A visio das vérias notas distintivas de um 96 golpe, se toma possivel neste QUADRO SINOTICO: NOTAS: [HETERONOMIA] COBRCIBILID | BILATERALID [ATRIBUTIVIN, pretro| —siM sim si si IReuictao| NAO Nao No Nao Monat | Niko No sim No TRATO Bae | sm io sm 18. FORMA JUREDICA DA ORDENACAO SOCIAL: Conhecidas as notas, sobretudo a especies, que distinguem o”Direito das de- mais normas éticas, podamos definir como ele, e 36 cle, orden as relapées de convivéncia, dando prosteguimento i sa dctniglo, co- mmo tendo: "A ORDENAGAO HETERONOMA, COERCIVEL ¢ BILATERAL-ATRIBUTIVA DAS RELACOES DE CONVIVEN- ca”, QUESTIONARIO: 1, A imperatividade 6 caracterftica essoncial e especifica do Di- ‘ito? Por qué? 2. O que significa a heteronomia do Dircito? 3. O que vem a ser forga “em ato” e forca “em poténeia'™? Como ‘slo denominadas no Direito? 4. Segundo a Teoria da Coacio, esta é essencial ao Direito. Que critica se pode fuzer & teoria? 4 5. Segundo a Teoria da Coercibilidade, essencial ao Direito € ‘coergao. O que dizer dessa teoria? ‘Quai os dois sentidos técnicos da palavra “coagdo"? © que significa dizer que 0 Direito & “‘coercivel"? ‘Quando hd “bilateralidade atributiva”? Quais so 05 elementos em que se desdobra a bilateralidade atributiva? Expligue-os. 10. As nornas “morais" ag de “trato social” sio cocreiveis? Por que? 11. As normas “mora Por qué? 12, $6 0 Direito 6 “atributivo”. O que isso significa? 13, A “bilateralidade”, num rigoroso sentido da palavra, pode ser tida como nota diferencial da Moral e do Direito? Por qué? 14, As normas morais e as de trato social so “atributivas""? Por que? 15. O filho que paga a pensdo alimenticia aos pais necessitados por forga de uma sentenca judicial, esté cumprindo uma norma "ju- idica’” e também uma norma “moral”? Por qué? 16."Dar esmola”” & norma moral; “pagar alugucl"” € norma juridica. ‘© que as distingue? 17.Jo8e pagou seu imposto de renda contrariado e reclamando, pois rio estava convencido da sua justeza; a norma jurtdica, no caso, se viu cumprida? Por qué? as de “trato social” so heterOnomas? 2 LIGAO V : DIREITO E MORAL ‘Sumério: 18, DistngSes quand forma; 20. Dining queto onsio:Greine Roma; Tein de Thomas to Minin ise dos Cizelon Seen 21, Concluding som span, ‘A andlise comparativa entre Dircito Moral, embora consti- tua tarefa das mais dificeis, é de suma importincia para a compreen- ‘io do fonémeno jurfdico, As distingSes podem ser enfocadas sob dois aspectos distin- fos: quanto & “forma” © quanto a0 “conteddo” do Direito e da Mo- ral 19, DISTINQOES QUANTO A FORMA. ‘AS principais jé foram apontadas: enquanto o Direito se apre- senta revestido de heteronomia, coercibilidade © bilateralidade-atei- butiva, a Moral & auténoma, incoorefvel e bilateral-néo atributiva, 20, DISTINGGES QUANTO AO CONTEUDO. De plano, percebemos que « matéria do Direito ¢ da Moral é comum: # ago humana. Contudo, o assunto foi colocado das mais diversas maneiras pelos juristas, através da histéria 20.1 — GRECIA E ROMA: — Pode-se dizer que 0s Gregos ‘do chegaram a distinguir, na teoria c na prética, as duas ordens normativas. ‘Os Jurisconsultos Romanos também néo nos fegaram uma tworia diferenciadora, embora se possa vislumbrar em algumas das suas afirmag6es uma como intuigéo de que © problema do Direito tno se confunde com o da Moral. Assim, de um lado, CELSO ao de- finit 0 Direito como “arte do bom ¢ do justo" (“ius est ars boni et equi” ~ D.1,1,1) parece confundir as duas esferas, jd que 0 con- ceito de “bom” pertence & Moral. Igualmente os principios formula dos por ULPIANO e consideradas como definigso do Direite: “vi- ver honestamente, nio causar dano a outrem, dar a cada am o que é seu” C“iuris praecepta sunt haec: honeste vivers, alterum non laede- fe, suum cuigque tribuere”” — D.1,1,10), demonstram a inexisténcia ‘duma difereaciagao, posto que o primeiro deles, 0 da honestidade, possui um cardter puramente moral. Doutro lado, ' observagio de PAULO de que “nem tudo que € Iicito & honesto” (“non omne quod 4“

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