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A FILOSOFIA DO DIREITO
Tradução
ANA DEIRÓ
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Martins Fontes
O original desta 'Õbra foi publicado em Francês
com o titulo La p/Jílosop/az'e du droir.
© 2003, Presses Universitaires de France.
© 2008, Martins Editoraxlloliifrävrfa Ltda., São Paulo, para a
presente edição.
Produção editorial
Eliane de Abreu Santoro
Preparação
Adriane Gozzo
Revisão
Huendel Viana
Dinarte Zorzanelli da Silva
Produção gráfica
Demétrio Zanin
08-0623?7 CDU-340.12
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito: Filosofia 340.12
2. Filosofia do direito 340.12
INTRODUÇÃO ......................................................... 7
155
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CAPITULO 4 - O RACIOC INIOEMDIREI
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l. Interpretação.............._
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Introdução
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fato, o jurista não detém, por profissão, nenhum eleme
apenas à fi-
de resposta. Além disso, a questão não interessa
losofia do direito, mas também a outras disciplinas, como
ao
filosofia moral (se esta admite que é correto se submeter
direito), história ou antropologia (quando querem saber se
determinada sociedade é dotada de sistema de direito).
Contudo, sem ser jurídica, essa questão traz, muitas
ar a
vezes, conseqüências ao próprio direito. Podemos ilustr
um
idéia com o auxílio do exemplo a seguir, inspirado em
caso real e que aparece como imagem invertida do mito
de Antígona. Na Alemanha nazista, quaisquer comentários
hostis feitos ao regime eram considerados criminosos em`
i-
razão de uma lei, e todos aqueles que os ouvissem, inclus
ve parentes e amigos, deveriam denunciar quem os fizera.
Após o fim da guerra, uma mulher foi processada por ter
delatado o marido, que havia sido preso, condenado à mor-
te e executado. Essa mulher deve ser condenada?
A resposta depende unicamente da definição do di»
m
reito, e foi nesses termos que os tribunais apresentara
o problema. A princípio, podemos considerar que, quais-
quer que tenham sido as razões da delatora, estas não di-
ziam respeito nem à fidelidade ao regime nem à vontade
de respeitar a lei, mas ao ódio. Independentemente do jul-
gamento moral que façamos dela, o que ela fez foi apenas
se conformar com o direito vigente na época. Ela deveria,
portanto, ser absolvida.
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` 10 l A FILOSOFIA DO DIREITO
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No entanto, também podemos
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O uso da expressão “filosofia do direito” dissemin
z do di-
se a partir do século X1X,com os Prznczpzos dúzfilosofió
o direito é
reito, de Hegel (1821)*, porém a reflexão sobre
apresen-
tão antiga quanto o próprio direito. Hoje, os livros
e, não apenas
tados sob esse título são de extrema diversidad
em
em relação aos pontos de vista doutrinários, mas também
ição
relação ao conteúdo. Não existe acordo sobre urna defin
é rarno
do direito ou da filosofia do direito, nem sobre se ela
tões
da filosofia ou parte da ciência jurídica, sobre as ques
“filo-
que deveria tratar, suas funções ou a própria expressão
teoria
sofia do direito”, a qual alguns preferem denominar
geral do direito” ou, em inglês, generaljurisprudence. Essas
-
É
diferenças de terminologia refletem, em parte, outras oposi
do
ções de ordem teórica ou epistemológica entre a filosofia
direito dos juristas e a dos filósofos, ou entre jusnaturalismo
___._¬
*_
1. Os jusnaturalismos
'n
2. Os positivism os
O positivismo é também muito diverso, inconstante. Pode-
mos, ainda segundo Norberto Bobhio, distinguir três for-
mas de uso dessa palavra. Por “positivismo” designa-se ora
determinada concepção da ciência do direito, ora uma teo-
ria do direito, ora uma ideologia. Entre esses três aspectos
do positivismo, não existe nenhuma ligação necessária, o
que significa que um autor pode ser positivista sob o pri-
meiro aspecto, sem o ser quanto ao segundo ou ao terceiro,
26 j A FILOSOFIA DO DIREITO
cia empírica.
___...___
o QUE É FitosoFiÀ Do oierro? j 27
r,
é justo ou injusto. A teoria àdo direito positivista não deve,
portanto, ser confundidaífâo'iñ a ideologia, também chama-
da algumas vezes de upositivismo”, segundo a qual é necessá-
rio obedecer ao direito.
É o terceiro sentido do termo “positivismo” - a
ideologia - que prescreve a obediência ao direito enun-
ciado e estabelecido, ou porque se acredita, como a
escola da exegese na França, que ele seja justo, ou, inde-
pendentemente de seu caráter justo ou injusto, apenas
porque é o direito. Aqueles que censuram o positivismo
por recomendar a submissão ao poder, qualquer que se-
ja ele, e de assim facilitar a dominação dos regimes mais
abomináveis, entendem o positivismo nesse sentido. É
necessário recordar, porém, que, uma vez que se trata de
uma ideologia, esse positivismo está do lado oposto do
positivismo entendido no primeiro sentido, ou seja, co-
mo abordagem, e se aproxima do jusnaturalismo, uma
vez que não se limita a descrever o direito, mas enuncia
julgamentos de valor e prescrições.
ii:
Iv Estado da disciplina
Até pouco tempo, a filosofia do direito era praticada de manei-
ra profundamente diferente, de acordo com os países, a pon-
to de ser possível escrever um livro cujos capítulos tivessem
como tema as diversas tradições nacionais. Na Alemanha, ela
estava desenvolvida, em particular, desde o século XIX, em ra-
o QUE É FitosoFiA Do DIREITO? I 29
a
temos sempre necessidade de um conceito de cidadania.
Não obstante, esses conceitos, ditos ((materiais”, evoluem
e se transformam, seja em função das mudanças tecnológi-
cas, políticas ou econômicas, seja por motivos relacionados
à forma e à estrutura próprias do direito.
Além disso, o conteúdo das regras é o objeto de justifi-
cações de tipo moral ou político, mas é também fundamen-
tado com freqüência sobre argumentos extraídos do próprio
direito. É desse modo que a instituição de cursos de direito
constitucional e' freqüentemente apresentada como conse-
q'úência lógica da hierarquia das normas ou do princípio do
Estado de direito, ou que o aborto é justificado porque diz
respeito à liberdade do indivíduo de dispor do próprio cor-
po ou da interdição justificada em nome do direito à vida.
A filosofia do direito contemporânea, de inspiração
positivista, se esforça não para controlar se as soluções es-
tão, realmente, de acordo com os princípios invocados, mas
para liberar os pressupostos filosóficos das soluções de fun-
do - que pertencem à matéria e ao conteúdo essencial do
direito - e as coerções que conduzem à modificação dos
conceitos materiais3.
A seguir, limitaremos nossa abordagem a algumas das
grandes questões clássicas que dizem respeito sobretudo à
forma do direito e do raciocínio jurídico.
1. Proposições e prescrições
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ta a informar uma prescrição emitida por outra pessoa. Des-
se modo, se um cidadão comum afirma “é proibido fumar
em lugares públicos”, não proíbe a si mesmo de fumar e po-
de até lamentar essa proibição. Limita-se a afirmar que exis-
te uma norma que proíbe fumar.
Além disso, não é a norma que é verdadeira ou falsa,
mas apenas a proposição descrevendo essa norma. Ela é ver-
dadeira se a norma existir, falsa se não existir.
Da mesma maneira que certos enunciados de forma
indicativa exprimem prescrições, outros de aparência pres-
critiva expressam proposições. Não é necessário, portanto,
confundir os enunciados do tipo “para ferver a água é pre-
ciso elevar sua temperatura a IOOOC” com prescrições. A
despeito da presença de um verbo deontológico, esse enun-
ciado não tem a significação de uma prescrição. Exprime
apenas uma norma técnica, muito diferente de uma verda-
deira norma. De fato, não serve para ordenar coisa nenhu-
`.-._
ma, apenas para descrever a relação entre a temperatura da
água e a ebulição. Trata-se simplesmente de uma proposi-
ção, que é, desse modo, suscetível de ser verdadeira ou falsa
e que se poderia expressar da mesma forma com o auxílio de
um enunciado desprovido de um verbo deontológico, co-
mo “a água ferve a IOOOC”. i
v-i-
2. Ciência e metaciência
3. Norberto Bobbio, Esmz's de t/:re'orz'e du droz't (Paris, LGDJ, 1998), pp. 185-6.
A ciÊNoA Do DiRErto l 43
3. Dualisrno e monismo
313
*ix
ciência empírica, sem por isso ter Objeto empírico: ela é dis-
tinta de seu Objeto; descreve uma realidade objetiva, pois
toma por Objeto O direito positivo e nada mais; é composta
de proposições, as quais são verdadeiras ou falsas de acordo
com o princípio da verdade-correspondência, isto é, confor~
me a existência ou não, no mundo, de uma norma corres-
pondente à proposição que a descreve. Para dizer a Verdade,
do jusnaturalismo, exceto pela idéia de que o direito é um
dever-ser, Kelsen rejeita tudo, uma vez que não admite a
existência de um direito natural e que, se a ciência do direi-
to descreve muitas normas obrigatórias, não ordena nem se-
quer recomenda que a elas nos submetamos.
Entretanto, essa posição epistemológica - construir
uma ciência que se limita a descrever ao mesmo tempo que
lhe dá por objeto específico a normatividade - se revela exU
tremamente difícil de manter, de sorte que Kelsen se deixa
atacar por toda uma série de críticas, algumas infundadas,
outras justificadas.
Segundo uma das mais difundidas, que emana de Ou-
tros autores positivistas, não existe quase nenhuma diferença
entre a afirmação de que uma ordem como a do cobrador de
impostos exprima uma norma válida ou obrigatória e a pres-
crição de se sujeitar a essa ordem. Alf Ross defende também
que a proposição “o mandamento ou a ordem do cobrador
de pagar o imposto é uma norma valida e obrigatória” equi-
vale à prescrição “é preciso pagar o imposto”, que é uma
A ciÊNciA Do DiREITo 49
5. As concepções empiristas
A tentativa mais bem-sucedida de construir uma verdadeira
ciência empírica do direito (e não apenas uma ciência con-
cebida, à maneira de Kelsen, sobre o modelo das ciências
empíricas) é proeza dos realistas. Essa ciência deve ser for-
mada de proposições suscetíveis de serem verificadas, o que
supõe que tenham por objeto não um dever-ser, mas um
ser, isto é, que tenham por objeto fatos observáveis.
Para Alf Ross, um dos principais representantes da
corrente realista, esses fatos são do tipo psicossocial. Trata-
se, antes de tudo, do comportamento dos juízes. As normas
não existem, com efeito, senão na medida em que se apli-
cam de forma efetiva. Descrever o direito em vigor é des-
crever a norma que o juiz, de fato, aplica. Essa concepção
deve permitir à ciência do direito produzir enunciados que
predigam o comportamento dos juízes. Segundo a célebre
fórmula de um realista americano do início do século XX,
Oliver Wendell Holmes, “as predições do que, efetivamen-
te, farão os tribunais, e nada de mais pretensioso, eis aqui o
que entendo como sendo o direito”8.
8. Oliver Wendell Holmes, “The path of the law”, Harvard Law Review
(Cambridge, vol. X, n. 8, 1897), pp. 457-8.
54 j A FlLOSOFlA DO DIREITO
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-
adotada de acordo com certo procedimento,I por cietermi-
nada autoridade. Do mesmo modo, a ciência do direito,
que descreve as normas com o auxilio de proposições de di-
reito, poderia definir a lei a ser descrita com a ajuda de uma
proposição da norma constitucional que a define.
Contudo, é impossivel ficarmos apenas nisso. Po-
demos, com efeito, imaginar que um grupo qualquer de
homens e mulheres, de jogadores ou de internos de um hos-
pital psiquiátrico, se reúna, escreva o texto de uma consti-
tuição, decida que este seja adotado e depois escreva e adote
regras em conformidade com o procedimento previsto por
sua constituição. Essas regras seriam, portanto, as leis no
sentido dessa constituição. A ciência do direito deveria cha-
má-las de “leis”? A resposta é, evidentemente, negativa. Tais
regras não são ccleis”, do mesmo modo que as notas com
que se joga Banco Imobiliário não são dinheiro, na visão
dos economistas.
Portanto, é preciso que a constituição que define a lei
seja uma constituição verdadeira, e não uma pretensa cons-
tituição. Mas o que é uma constituição verdadeira? Não se
pode responder a essa pergunta como se faz com a lei, ao
se referir a uma norma superior que a definiria como cons-
tituição, porque não existe norma superior à constituição.
Desse modo, a ciência do direito não pode descrever as nor-
58 l A FlLOSOFIA DO DIREITO
-
aparece como ordem de constrangimento eficaz, “grosso m0-
do e de maneira geral”. Essa última expressão significa que é
impossível que todas as normas sejam sempre eficazes, mas
que é necessário que, no conjunto, os membros de uma co-
letividade humana se comportem de acordo com O direito.
Se essa condição é, de fato, cumprida, esse sistema consti-
tui objeto interessante para a ciência do direito. Não existe,
portanto, nenhum motivo para tratar o produto da ativida-
de dos internos do hospital psiquiátrico como direito.
A segunda dificuldade é inversa. Quando examina-
mos a diferença entre a ordem do cobrador de impostos
e a do ladrão, admitimos que O primeiro agia em concor-
dância com uma norma superior, enquanto O segundo não
era, evidentemente, autorizado por nenhuma norma. Pode-
mos imaginar, entretanto, que o ladrão faça parte de uma
organização mafiosa e que execute a ordem de um chefe de
quadrilha que lhe seja superior. As diversas ordens formam,
A ciÊNciA Do DIRETO 65
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lor político.
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Podemos acrescentar que as normas que a ciência do
direito pretende assim revelar não têm ainda nenhuma exis-
tência no momento em que se pronuncia, uma vez que a
norma não existe senão após ter sido enunciada; ora, a ciên-
cia do direito não tem a capacidade de enunciar normas.
Poderíamos então querer, como Kelsen, descrever ape-
nas normas em vigor ou seja, normas enunciadas -, nor-
-
mas que são a significação de atos de vontade. Todavia, na
hipótese considerada, essas normas não existem antes que
uma autoridade tenha interpretado os artigos da constitui-
ção. O que faz a ciência do direito não e', portanto, uma
descrição, mas, como explicam os realistas, uma previsão do
que fará essa autoridade.
Podemos, entretanto, objetar à concepção realista de
que, se as ciências da natureza formulam muitas previsões, o
A ciÊNciA Do DlREiTo 73
__”-fi-
pretação oficial existir, a significação que resulta disso não
é a norma específica pesquisada, mas uma norma geral. É a
partir da norma geral, ou da significação recomendada pelo
enunciado geral, que se pode inferir uma solução particu-
lar. Todas essas operações são prescrições e pressupõem jul-
gamentos de valor. Por conseqüência, a dogmática jurídica
não pode pretender ser uma ciência, uma vez que tem co-
mo fundamentos avaliações e resulta em prescrições, e não
em proposições indicativas. l
Em contrapartida, a ciência do direito continua sen-
do uma ciência empírica. A proposição de direito “existe
uma norma segundo a qual e obrigatório p” descreve um fa-
to empírico, o ato pelo qual uma autoridade atribuiu a um
enunciado (ou a um conjunto de enunciados) a significação
de que é obrigatório p. Essa proposição pode ser verifica-
da de forma empírica. E verdadeira se o acontecimento que i
descreve tiver ocorrido de fato.
Por outro lado, pode descrever não somente o produ-
to do ato de interpretação, mas o processo que a isso con-
duz, isto é, o conjunto de constrangimentos ou coerções
que contribuíram para determinar a decisão.
4. Causalidade e imputação
Uma das dificuldades ligadas a construção de uma ciência
empírica do direito provém do fato de que as ciências em-
A oÊc-x Do DiREno l 79
2:'
que já sabemos não ser =nem verdadeira nem falsa, não per-
de a validade se o segundoãfífato não se produzir, isto é, se ela
não for aplicada. i
Nesse ponto, ainda não estabelecemos a diferença en-
tre as ciências da natureza e a ciência do direito, mas apenas
entre as ciências da natureza e o próprio direito. Contu-
do, de acordo com Kelsen, a ciência do direito, ainda que
enuncie proposições e não normas, não pode ser uma ciên-I
cia causal, pois, da mesma maneira que as normas não esta-
belecem relações causais, as relações entre duas normas não
são relações de causas e efeitos, mas de imputação. A consti-
tuição prescreve, por exemplo: “se o Parlamento aprova um
texto, então este deve ser tido como lei”. Tem»se, portanto,
a formulação: c“se A é, então B deve ser”, e a relação entre lei
e constituição é realmente de imputação.
De maneira semelhante, não existe relação causal en-
tre norrnas e fatos, porque tal relação não pode existir senão
entre dois fatos. Sem dúvida, uma norma é, em geral, tor-
nada pública por intermédio de éditos, com a esperança de
que os homens adotem o comportamento prescrito, mas,
mesmo se for o caso, não é a norma em si mesma a causa
de seus novos comportamentos, mas apenas a consciência
que eles têm dela, ou seja, um fato psíquico. A prova disso
ê que os homens podem ter a ilusão de que exista uma nor-
ma e modificar seus comportamentos para ficarem de acor-
do com essa norma imaginária.
A ciÊN ciA Do DiREwo 81
-
por exemplo, a expressão da vontade de um homem de que
outros homens se comportem de determinada maneira -,
não poderemos analisá-la estabelecendo uma relação cau-
sal, porque podemos querer que alguém adote determinado
comportamento, mas não podemos causá-lo. Então, serão
1 Ezifrrr 'í
Mx-ø'f
'l
do direito W
-
narmos as propriedades do conjunto que elas formam. Na
realidade, verificamos rapidamente que é impossível definir
o conjunto por seus elementos, porque estes só extraem suas
características do fato de pertencerem ao conjunto.
I Normasjurídicas
1. Definição de normasjurídicas
3-
El
l. Georg Henrik von Wright, Norm and action: tz logica! enquity (Londres
,
Routledge, 1963).
86 l A FILOSOFIA DO DlREITO
r como um pás-
ações necessárias (respirar).ouzimpossíveis (voa
ica. As primeiras
saro) podem ser objeto deuma norma juríd
s. O fato de que
podem ser proibidas, e as segundas, ordenada
só que a sanção
sejam necessárias ou impossíveis significa tão~
deverá sempre ser aplicada.
inguir se-
De modo semelhante, ainda é impossível dist
a. De acordo com
gundo a autoridade que enuncia a norm
emana, de forma
certas teorias, a norma jurídica é aquela que
to, não se pode iden~
direta ou indireta, do soberano. Entretan
ação de que
tificar o soberano de outro modo senão pela afirm
quem se tem o há-
é aquele que tem o direito de ordenar ou a
definimos a norma
bito de obedecer. Assim, no primeiro caso,
por referência a outra
não por uma característica própria, mas
er), enquanto no
norma (aquela que confere ao soberano o pod
ica de uma norÉ
segundo não se pode distinguir a norma juríd
ecem ao papa".
ma social qualquer, do tipo “os católicos obed
üência é a
Contudo, o caráter invocado com mais freq
emente das nor-
existência de uma sanção específica. Diferent
ntida por uma san-
mas morais, a norma jurídica seria gara
simples normas de
ção externa; distinguindo~se da sanção de
institucionali-
comportamento social, a sanção jurídica seria
ção e infligida por ór~
zada, isto é, determinada por antecipa
gãos especializados.
ciente pa-
Todavia, esse caráter não fornece critério sufi
independente do
ra caracterizar a norma jurídica de forma
sistema normativo ao qual ela pertence.
A ESTRUTURA DO DIREITO l 89
z.,
2. Normas e principios í V
Essa tese é defendida hoje'shidbretudo por Ronald Dworkin. Pa-
ra estabelecer a distinção entre princípios e normas, Dworkin
se apóia em uma decisão do Tribunal de Recursos de Nova
York, de 1889, Riggs versus Palmer? Um homem havia assas-
sinado o avô para herdar sua fortuna. Fora preso e condenado
à prisão, mas pretendia, a despeito disso, receber a herança,
uma vez que o avô estava morto e o testamento o designa-
va como herdeiro. Segundo as regras em vigor, sua pretensão
era perfeitamente fundada. Contudo, o tribunal a indeferiu
ao evocar um princípio não-escrito, segundo o qual ninguém
pode obter lucro de um mal que causou a outrem.
DWorkin extrai desse exemplo as seguintes lições:
a) diferentemente das regras ou normas, que são enun-
ciadas e expressam a vontade de uma autoridade,
o princípio não é enunciado, mas descoberto pe-
lo juiz;
b) quando se obedece ou não à norma ao adotar ou
não a conduta prescrita, a obediência ao princípio é
suscetível de graus;
c) o princípio é de natureza moral;
d) o princípio não é universal, pois existem muitos ca-
sos em que se pode obter lucro do mal que se cau-
sou a outrem;
2. Ronald Dworkin, Prendre [es droits au sérieux (Paris, PUF, 1996), p. 80.
A ESTRUTURA DO DIREiTO 93
-
que as normas são hierarquizadas não é senão um modo de
falar, para indicar que certas prescrições devem ser conside-
98 l A FILOSOFlA DO DIREITO
-
duas formas.
Podemos considerar, a princípio, segundo o exemplo
de Kelsen, que essa posição é uma qualidade da norma,
determinada pela norma superior. Se a lei está- posiciona-
da imediatamente abaixo da constituição e acima do de-
creto, é porque a constituição lhe designa esse lugar no
instante em que confere a significação de norma ao ato
do Parlamento.
Todavia, também podemos considerar que, do ponto
de vista realista, a superioridade de uma norma em relação a
outra significa que, em caso de contradição, a segunda pode
ser privada de validade por um tribunal. Nesse caso, a supe-
rioridade resulta da decisão do tribunal e da justificativa que
ele lhe dá. Assim, o Preâmbulo da Constituição francesa de
1958 só tem significação de norma de nível constitucional
porque o Conselho Constitucional decidiu, em 1971, que
D1
as leis contrárias ao Preâmbulo eram contrárias à Constitui- 'JE-hu. _ 'TJ-"¬
___*JÚ
uma norma válida. É esse pressuposto que Kelsen chama de
norma fundamental.
Assim, Kelsën tenta caracterizar os sistemas normati-
vos pelo tipo de hierarquia que apresentam. É da seguinte
maneira que ele apresenta a moral como sistema estático:
¡-
m Criação do direito
I. A Vontade
*PT-IS
mo lei”. A lei é produzida, por conseguinte, não pela von-
“T_-'-"
tade da maioria, mas pela própria constituição. Do mesmo
modo, se o contrato é uma norma, não o é em virtude do
...__
-4-...__.___.......-__
intercâmbio de vontades, mas porque a lei faz desse inter-
câmbio a condição para que um contrato obrigue as partes.
Tal é, por exemplo, a significação do artigo 1.154 do Códi«
-n--__--_--w
go Civil francês: “As convenções legalmente acordadas são
consideradas lei para aqueles que as fizeram”. É por isso que
Kelsen pode escrever que só o direito e não um fato como
-
a vontade - pode produzir o direito, ou, ainda, que o direi-
to regula sua própria criação.
Essa refutação dificilmente é conciliãvel com a con-
cepção expressiva das normas à qual Kelsen se filiou mais
tarde, isto é, com a idéia de que as normas são, de forma
única, a expressão de vontades humanas, que nada mais é
que uma variante da concepçãoviéiriperativista.
Parece que a conciliação pode ser operada com o auxi'É
lio de uma distinção entre enunciado e norma, em especial
108 A FILOSOFIA DO DIREITO
3. O costume
4. A jurisprudência
Í:
I Interpretação
A palavra “interpretação” designa ao mesmo tempo a ope-
ração por meio da qual uma significação é atribuída a uma
coisa - que pode ser um objeto material ou um enunciado
- e o produto dessa operação. Na literatura da teoria do di-
reito existem concepções muito diversas a respeito da in-
terpretação. Quer descritivas, quer normativas, as teorias se
opõem em muitos pontos, em particular sobre a natureza
da significação atribuída à coisa, sobre a natureza da opera~
ção da interpretação, sobre a de seu objeto e de seus méto-
dos ou ainda sobre as conseqüências que comportam para a
compreensão do sistema jurídico.
1. Natureza da interpretaçãol
' 'D um.
'det
2. Métodos de interpretação
Os métodos de interpretação não se confundem com os
simples procedimentos ou com as técnicas de interpretação, `
nem com os resultados da interpretação. Os procedimentos
são tipos de argumentos utilizados no raciocínio jurídico
em geral e aplicados à interpretação, como os argumentos
a Centrario, a sz'mili, óz forriorz'. Em contrapartida, podemos
comparar os resultados obtidos com o auxílio dos métodos
e procedimentos e distinguir a interpretação extensiva e a
interpretação restritiva.
Aqui nos limitaremos a examinar apenas os métodos
propriamente ditos, isto é, os princípios do método geral de
interpretação ou as classes de argumentos específicos _da in-
terpretação jurídica. É necessário, entretanto, sublinhar que o
termo “métodos” é enganoso, visto que incita a pensar que se
trata de meios que permitem distinguir a significação ver-
dadeira de um texto ou conduzir, no mínimo, à melhor in-
130 A FILOSOFIA DO DIREITO
3. Objeto da interpretação
Admite-se com mais freqüência que a interpretação tenha
normas por objeto. Na realidade, essa idéia não é aceitável
e deve ser rejeitada, uma vez que se apóia, com efeito, sobre
uma confusão entre um texto (ou, mais precisamente, um
fragmento de texto, um enunciado), por um lado, e uma
norma, por outro. A norma nada mais é que a significação
prescritiva de um enunciado. Dizer que um texto pode ter
várias significações é afirmar que ele pode exprimir várias
o RAciocíNlo EM DiREITo I 133
4. Autor da interpretação
Se a interpretação autêntica é apenas aquela à qual a ordem
jurídica vincula efeitos, isto é, aquela que não pode ser con-
testada e que se incorpora a esse texto, então devemos consi~
derar intérprete autêntico toda autoridade competente para
dar essa interpretação.
Trata-se, naturalmente, antes de tudo, das jurisdi~
ções supremas. Todavia, existem muitas outras autoridades
com competência para dar interpretações autênticas, como
aquelas que, ainda que não sejam jurisdicionais, podem dar
interpretação que seria incontestável perante qualquer juris-
dição. A Constituição francesa de 1958 disso oferece alguns
exemplos: desse modo, o presidente da República interpre-
ta sozinho os termos do artigo 16 e decide o que significam
as expressões “ameaça grave e imediata” ou “interrupção no
funcionamento regular dos poderes públicos”. Aliás, pode-
mos notar que a interpretação -Êpode ter como objeto seja
a definição dessas expressões, seja a qualificação das cir»
cunstâncias de fato. Observamos também que a interpreta-
135 A FlLOSOFlA DO DlRElTO
5. Poder do intérprete
A teoria da interpretação como atividade de descoberta de
urna significação oculta está estreitamente relacionada à
idéia de que o juiz não exerce, e não deve exercer, nenhum
poder, tendo em vista que se limita a enunciar um silogis-
mo, do qual a premissa maior é a lei, e a premissa menor, o
fato. Quando o enunciado da lei é claro, não há lugar pa-
ra interpretação, e, quando não o é, a interpretação consiste
unicamente em descobrir, com o auxílio de métodos segu-
ros, uma significação oculta, mas todavia presente no enun-
ciado. Essa teoria é pressuposta pelas doutrinas da separação
dos poderes e do Estado de direito.
Em contrapartida, a idéia de que a interpretação é um
ato de vontade dá margem a que se reconheça ao juiz e, de
o RACiociNio EM DlREiTo 137 '
.r
TLLÓgica
1. O problema lógico
Existem, há algumas décadas, sistemas de lógica dita c“deon-
tológica”, ou seja, lógica que tem por objeto enunciados que
comportam operadores deontologistas (obrigatório, proibi~
do, permitido). Todavia, convém evocar, antes de tudo, um
problema metalógico relacionado ao fato de que a lógica clás-
sica (modal) trata de relações entre pmposz'çães, as quais des-
crevem uma realidade e são suscetíveis de serem verdadeiras
142 A FILOSOFIA DO DIREITO
não é nem uma lógica das normas nem uma lógica dos
enunciados sobre as normas, mas o estudo das condições
as quais e preciso satisfazer numa atividade de criaçao ra-
cional de normas.2
2. Georg Henrik von Wright, Norm azzd action: a logica! enqm'ry (Londres,
Routledge, 1965).
148 A FILOSOFIA DO DlRElTO
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pontos de acordo: por um lado, õs lugares-comuns, que servi*
152 A FILOSOFIA DO DIREITO
Cí'
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